29/06/2015

Outras “ideologias”: para além da discussão sobre relações e ideologia de gênero

Outras "ideologias": para além da discussão sobre relações e ideologia de gênero


Pedrinho A. Guareschi*


Estava resistindo em comentar esse tema. Faço com cuidado, sei que há visões diferentes, mas talvez - quem sabe? - essas reflexões que tento partilhar, poderão ajudar a ver essas questões com mais clareza. Acredito que é principalmente através do diálogo, onde todos possam falar em pé de igualdade, que será possível estabelecer uma "instância possível do dever ser", uma instância ética e crítica.


Escrevo isso também pressionado por alguns/mas colegas que estão um tanto "apavorados/as" com o que estão vendo e ouvindo, a partir principalmente de determinadas igrejas. Eles/as me questionaram: não vai comentar nada? É também por amizade e respeito aos colegas que me animo a refletir. E um pouco também devido à histeria que pude ouvir e ler das discussões na Assembleia Legislativa do RS.


Faz ao menos 40 anos que esse tema me interessa. E não só a questão do gênero, mas principalmente a questão da ideologia. Agora, quando se junta ideologia e gênero, o problema se multiplica. Há inúmeros grupos e linhas de pesquisa, nos programas de pós-graduação de todo o Brasil, que discutem "relações de gênero". Engraçado que apenas agora essa questão tenha vindo à tona. Só esse fato – de isso só estar sendo questionado agora – já me deixa pensando. Que há por detrás disso? O que há aqui além das relações de gênero? Vou dizer o que penso, com cuidado e humildade, sabendo que há inúmeras outras visões.


De tudo o que pude ler e ouvir nesses mais de 40 anos, sempre entendi que a discussão sobre "gênero" está ligada à questão do melhor entendimento de quem é o ser humano, por um lado; e à questão da ideologia, por outro lado, que – ao menos em minhas investigações e análises – está ligada à ética. Discuto esses dois pontos e arrisco uns comentários.


Quem é o Ser Humano


Quero deixar claro que meu enfoque de análise é a partir da psicologia social, que compreende tanto contribuições da sociologia, como da psicologia. A reflexão sobre essa relação entre a pessoa (entendo pessoa como relação, na visão de Agostinho de Hipona) e sociedade, procura, entre outras coisas, compreender como nós nos construímos. E a partir de incontáveis investigações e análises, grande parte dos analistas chegam a afirmar que nossa subjetividade se constrói a partir de milhares, milhões, de relações que estabelecemos com os outros seres humanos, com o mundo, com as coisas. O ser humano, entendido como um todo, é mais que seu corpo, sua dimensão biológica, anatômica. Ele é muito mais, repito, para quem o tenta compreender a partir da psicologia social. Ele tem uma dimensão material, biológica, mas ele é – alguns chegam a dizer principalmente – um ser social. E a isso se costuma chamar de subjetividade: a soma total de suas relações. Não se nega sua singularidade: somos seres únicos, irrepetíveis. Mas nossa subjetividade é uma colcha de retalhos construída desde o momento em que estabelecemos a primeira relação (Discuto isso com mais detalhes em Psicologia Social Crítica – como prática de libertação. Porto Alegre: Edipucrs, 5ª ed). Há inúmeros enfoques que abordam essa questão. O mais comum é o dos estudos sobre socialização. Ninguém cai do céu pronto e permanece a vida toda solitário. Desde o primeiro momento, ao romper o cordão umbilical, começamos a ser inseridos como singularidades misteriosas, na comunidade dos humanos. Não existem meninos-lobo. E assim nos vamos construindo.


Agora a questão do gênero. Ninguém, de posse de suas faculdades mentais, pode negar que no desenvolvimento das pessoas, elas vão sendo influenciadas por relações que são estabelecidas entre meninas e meninos, entre filhos e pais, etc. E que nessas práticas elas vão 'aprendendo' o que é ser menino/menina, homem/mulher. E mais: que essas relações que vão sendo estabelecidas carregam consigo conotações de valor que são diferenciadas: algumas dessas condutas são consideradas corretas e convenientes para os meninos, outras para as meninas. E muitas vezes essas diferenças valorativas podem levar as pessoas a se acharem inferiores, ou superiores, às outras. Nem sempre essas relações são igualitárias, exercidas de modo isento e justo. Veja as relações nas escolas, nas famílias, no trabalho. E ainda mais: hoje em dia, envolvidos como estamos com as onipresentes mídias, vê-se claramente como mulheres e homens são tratados de modo diferente. Há milhares de pesquisas que mostram isso.

Pois é disso que tratam as "relações de gênero". Na maioria absoluta dos artigos e livros que li, nas discussões de que participei, nunca encontrei um estudioso das relações de gênero que negasse que os seres humanos nascem e se apresentam como machos e fêmeas. O termo "gênero" foi criado para se poder falar das práticas e relações que vão se estabelecendo a partir dessa realidade biológica. Não consigo entender essa histeria e obsessão com o termo gênero. Ninguém tem o direito de se apossar de um termo, de um conceito, proibir que ele seja empregado e que seja discutido, como está acontecendo nessas polêmicas furiosas a respeito dos planos de educação. O termo gênero existe há pelo menos 50 anos, tem uma história consolidada na literatura, nos grupos e linhas de pesquisa, nos programas dos cursos de pós-graduação. Por que agora deve ser proibido, até mesmo ser suprimido? Durkheim, quando começou a analisar a desordem das sociedades, principalmente a francesa, depois da Revolução, não tinha palavras para designar aquele estado de coisas. Então criou o termo "anomia", que significa a confusão, a ausência de normas estabelecidas. Foi seu instrumento de trabalho. Vejo uma nítida semelhança com o conceito gênero. Era necessário um conceito que designasse aquilo que os seres humanos vão construindo, a partir de sua socialização, no que diz respeito ao fato de haver diferença de sexo. Pois gênero é esse conceito que eu uso para além do sexo: somos machos e fêmeas, mas na construção de nossa identidade social, somos femininos e masculinos. São literalmente milhares de autores que usam essa ferramenta nesse sentido. Com que direito alguém se apodera do termo e proíbe de empregá-lo?


Ideologia


Essa uma questão escorregadia. Todo mundo fala de ideologia, mas difícil, em geral, saber o que estão entendendo. Desde que me conheço por gente, presto atenção a essa questão. Tenho colecionadas mais de 60 noções de ideologia. Acho que por honestidade, quando alguém usar esse termo, deve dizer o que entende por ele. Isso vale para todos, seja quem for. De outro modo, será impossível as pessoas se entenderem.


Vou ser coerente e digo o que entendo por ideologia. Bem curto: é o uso de 'formas simbólicas' (ideias, textos, imagens, falas, etc.) para criar, ou reproduzir, relações de dominação (injustas, desiguais). É um entendimento de ideologia como algo negativo, fica claro. Sei que há outros entendimentos, como ideologia entendido no sentido positivo como uma cosmovisão, conjunto de ideias, etc. Mas quando falo ideologia aqui, é no sentido crítico e negativo.


Juntamos agora os dois pontos: por que se tornou tão importante (e urgente) discutir relações de gênero? Exatamente porque na medida em que os seres humanos – nós – fomos nos constituindo historicamente, pelo fato de sermos diferentes, isto é, machos e fêmeas, um grupo foi criando estratégias, mecanismos ideológicos, isto é, conjuntos de proposições, afirmações, legitimações, crenças e principalmente práticas que servem para uns dominarem sobre os outros. Então a questão de gênero se junta à questão da ideologia, onde ideologia passa a ter uma dimensão ética. É isso que fundamentalmente se quer investigar, refletir, discutir, quando se fala em relações de gênero e ideologia.


Alguns comentários oportunos


Permitam-me agora alguns comentários conclusivos. Ao analisar as celeumas e vociferações sobre esse tema, fui descobrindo algumas coisas curiosas e surpreendentes que comento aqui com cuidado e com respeito. São provocações que faço. E as coloco aqui porque estou vendo que podem estar presentes aqui algumas estratégias, essas sim certamente bem ideológicas, no sentido que coloquei acima. Não aceite o que comento aqui, mas pense, por favor:


a) Estou lendo tudo o que posso sobre o tema. Surpreendentemente, vejo que a grande maioria dos que estão discutindo e gritando "contra as relações de gênero" (que será que estão entendendo?), ou contra a "ideologia de gênero", são homens. Por que será? Mais importante, contudo, é a constatação seguinte: das poucas mulheres que se arriscam a comentar o assunto, praticamente todas não estão preocupadas com o tema. Algumas até estranham a ferocidade da discussão. Não vêem razões sérias para essa fúria. Desculpem, mas entrevejo aqui uma pista que pode iluminar o problema: será que as pessoas (os homens) não estão preocupados e amedrontados porque, de repente, através de uma educação em que se procura discutir as desigualdades (e até injustiças) históricas criadas e instituídas contra as mulheres, os homens (os machos) estejam percebendo que estão perdendo seus privilégios? Não será talvez porque de repente, com a superação dessas "relações desiguais de gênero", não iremos ter mulheres e homens em número mais ou menos igual na política, câmaras municipais, estaduais, federais? Não será talvez porque desse modo as mulheres passarão também ocupar cargos executivos nas empresas na mesma proporção que os homens? Ou – ainda mais importante! – que as mulheres, e as profissões exercidas predominantemente por mulheres, passem a receber salários semelhantes aos homens, em vez de receber em média 30% a menos? Ou não será talvez porque nas famílias os homens tenham também de começar a partilhar o "terceiro turno de trabalho" das mulheres, devido ao qual a grande maioria delas têm de, além dois turnos de trabalho fora, fazer comida, lavar a roupa, limpar a casa, etc? Como mostra a significativa piada machista: Qual o feminino de "deitadão no sofá vendo televisão?" – Resposta: "Em-pé-zona na pia lavando a louça". Vamos pensando.


b) O segundo comentário é um pouco mais delicado e, talvez, doloroso, mas merece e precisa ser refletido. Não é difícil perceber que muitos dos que estão eriçados com a discussão são homens celibatários. Interessante que essa discussão veio num momento em que entra em jogo a questão da diversidade sexual. Isso deixa a muitos um tanto desorientados. Então: no momento em que se proíbe até mesmo de falar ou escrever sobre "relações de gênero", fica muito mais fácil afastar os medos e temores que a discussão sobre esse tema poderia acarretar. Ancora-se a questão das diversidades sexuais à ideologia e relações de gênero, condenam-se essas questões e joga-se tudo no caldeirão de males que têm de ser evitados e execrados.


c) Permito-me um último comentário, também muito curioso, que perpassa as ferrenhas discussões que estão sendo travadas. Pergunto-me: porque será que esse tema se tornou tão importante para alguns políticos, principalmente os evangélicos das levas midiáticas mais recentes? Será apenas devido a questões de justiça, de democracia, de ética? Ou escondem-se por detrás alguns interesses talvez escusos?

Explico: entrevejo aqui uma estratégia política bastante sutil, mas sobre a qual precisamos jogar mais luz. Não podemos ser ingênuos. Ronda em nosso meio uma gama de políticos espreitando uma ocasião para se promoverem politicamente, ficar famosos, construir seu "capital político". E não há maneira mais prática e eficiente do que "aparecer na mídia". É evidente que esse tema se presta muito a sensacionalismo, por um lado; e, por outro lado, traz credibilidade, a moeda mais importante do capital político, pois liga esse político a "causas nobres, morais". Ele aparece como alguém interessado em assuntos morais, "do evangelho"; um novo campeão da moralidade.

Não se espantem com a consideração que segue: essa estratégia passa a ser ainda mais perversa e hipócrita quando se passa a "construir um inimigo", que pode ser um fato, ou uma causa, absolutamente indefensáveis e inaceitáveis, e então se junta a ele o tema em discussão - no nosso caso a questão de gênero e ideologia. Trago um exemplo: escutei um desses defensores da moralidade dizendo que se forem "aprovadas as relações de gênero" então os professores terão de fazer o que um deles já teria feito: levar meninos e meninas, de 8 a 10 anos, para a praça e obrigá-los a se beijarem: os meninos aos meninos e as meninas às meninas! Ora, quem não fica estarrecido diante de um suposto fato como esse? Pois essa é a estratégia: cria-se um inimigo ou um fato indefensável (ninguém sabe se é verdade...), ancora-se a ele o que se quer execrar e joga-se tudo no fogo da ira divina. Presença e notoriedade na mídia é o que não vai faltar a tais defensores da moral e dos costumes. E junto com isso o acúmulo de um ingente "capital político" que o ajudará a se eleger nas próximas eleições. Em ponto menor, mas certamente não menos irresponsável e criminoso, é o que faz a grande mídia quando traz, por exemplo, uma notícia sobre a redução da idade penal e imediatamente apresenta um fato chocante de um menor que assassinou uma pessoa e mostra o depoimento ao vivo do pai, ou mãe, dessa pessoa assassinada que comenta: "E esse 'menor' vai ficar recolhido apenas alguns meses e depois vai ser solto". E agora a prática criminosa: a reportagem não diz que crimes contra a vida cometidos por menores entre 16 a 18 anos são apenas 0,03 por cento! É evidente que com notícias assim, mais de 80% da população passa a se dizer a favor da redução da maioridade penal.


Concluo: só decidi trazer ao palco das discussões essas reflexões porque estou assistindo a falas e cenas que precisam ser questionadas, caso contrário podem levar a situações ainda piores das supostamente por elas denunciadas. Quando vejo determinadas pessoas, revestidas de símbolos de poder, em tom peremptório e ameaçador, alertar preocupadíssimas sobre o perigo das "relações de gênero", ou da "ideologia de gênero", fico pensando: o que estão querendo de fato? Têm consciência do que estão incriminando? Uma coisa é certa: uma fala honesta, responsável e justa exige, no mínimo, que se diga com clareza do que se está falando e o que se entende com as palavras usadas.



* Pedrinho A. Guareschi é graduado em Filosofia, Teologia e Letras; pós-graduado em Sociologia; mestre e doutor em Psicologia Social; pós-doutor em Ciências Sociais em duas universidades (Wisconsin e Cambridge); pós-doutor em Mídia e Política na Università degli studi 'La Sapienza'; professor na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); seus estudos, pesquisas e experiências focalizam a Psicologia Social com ênfase em mídia, ideologia, representações sociais, ética, comunicação e educação; é conferencista internacional.


26/06/2015

Leonardo Boff - de 1 a 4 de julho!


"Hoje nos encontramos numa fase nova na humanidade. Todos estamos regressando à Casa Comum, à Terra: os povos, as sociedades, as culturas e as religiões. Todos trocamos experiências e valores. Todos nos enriquecemos e nos completamos mutuamente. (...)

(...) Vamos rir, chorar e aprender. Aprender especialmente como casar Céu e Terra, vale dizer, como combinar o cotidiano com o surpreendente, a imanência opaca dos dias com a transcendência radiosa do espírito, a vida na plena liberdade com a morte simbolizada como um unir-se com os ancestrais, a felicidade discreta nesse mundo com a grande promessa na eternidade. E, ao final, teremos descoberto mil razões para viver mais e melhor, todos juntos, como uma grande família, na mesma Aldeia Comum, generosa e bela, o planeta Terra."

LEONARDO BOFF. Casamento entre o céu e a terra. Salamandra, Rio de Janeiro, 2001.pg09


Leonardo Boff: 
dia 1/07, 18h, Antônio Prado - Salão da Gruta :: "Saber cuidar. A ética do humano - compaixão pela Terra"
dia 02/07, 19h40, Universidade de Caxias do Sul - Bloco M :: Hospitalidade, Ética e Turismo
dia 03/07, 10h, salão da Igreja Nossa Senhora de Lourdes :: "Cuidado e Solidariedade com a Vida"
dia 03/07, 19h30, Teatro Murialdo :: "Democracia e Direitos Humanos"
......................................................................................................



......................................................................................................

Teólogo Leonardo Boff faz conferência de abertura do 8º Seminário de Pesquisa em Turismo do Mercosul.

Aberta à participação da comunidade, a Grande Roda Temática de Conversação com o teólogo, escritor e professor Leonardo Boff abordará o tema "Hospitalidade, Ética e Turismo".

A conferência de abertura do Seminário será no dia 2 de julho, às 19h40min no UCS Teatro. Para participar da conferência, é possível fazer a inscrição antecipadamente. [Faça AQUI a sua inscrição.] Não será cobrado o ingresso, mas os organizadores pedem a doação de 1 kg de alimento não perecível. Entre as 17h e as 18 horas, Leonardo Boff participa de sessão de autógrafos.

Informações: http://www.ucs.br/site/ucs/noticias/1433165132

......................................................................................................


......................................................................................................



......................................................................................................

LEONARDO BOFF

Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de 1938. É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século XIX.Fez seus estudos primários e secundários em Concórdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos-SP. Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.

Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).

Esteve presente nos inícios da reflexão que procura articular o discurso indignado frente à miséria e à marginalização com o discurso promissor da fé cristã gênese da conhecida Teologia da Libertação. Foi sempre um ardoroso defensor da causa dos Direitos Humanos, tendo ajudado a formular uma nova perspectiva dos Direitos Humanos a partir da América Latina, com "Direitos à Vida e aos meios de mantê-la com dignidade".

É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela universidade de Lund (Suécia), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos.

De 1970 a 1985, participou do conselho editorial da Editora Vozes. Neste período, fez parte da coordenação da publicação da coleção "Teologia e Libertação" e da edição das obras completas de C. G. Jung. Foi redator da Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984), da Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e da Revista Internacional Concilium (1970-1995).

Em 1984, em razão de suas teses ligadas à Teologia da Libertação, apresentadas no livro "Igreja: Carisma e Poder", foi submetido a um processo pela Sagrada Congregação para a Defesa das Fé, ex Santo Ofício, no Vaticano. Em 1985, foi condenado a um ano de "silêncio obsequioso" e deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, podendo retomar algumas de suas atividades.

››› na cadeira de Galilei Galileu

Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades de Roma, renunciou às suas atividades de padre e se auto-promoveu ao estado leigo. "Mudou de trincheira para continuar a mesma luta": continua como teólogo da libertação, escritor, professor e conferencista nos mais diferentes auditórios do Brasil e do estrangeiros, assessor de movimentos sociais de cunho popular libertador, como o Movimento dos Sem Terra e as comunidades eclesiais de base (CEB's), entre outros.

Em 1993 prestou concurso e foi aprovado como professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Em 8 de Dezembro de 2001 foi agraciado com o premio nobel alternativo em Estocolmo (Right Livelihood Award).

Atualmente vive no Jardim Araras, região campestre ecológica do município de Petrópolis-RJ e compartilha vida e sonhos com a educadora/lutadora pelos Direitos a partir de um novo paradigma ecológico, Marcia Maria Monteiro de Miranda. Tornou-se assim 'pai por afinidade' de uma filha e cinco filhos compartilhando as alegrias e dores da maternidade/paternidade responsável. Vive, acompanha e re-cria o desabrochar da vida nos "netos" Marina , Eduardo, Maira, Luca e Yuri.

É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos.

http://leonardoboff.com/site/lboff.htm


25/06/2015

"Devemos dizer não ao modelo baseado no capital e na produção.'' Papa Francisco

Terça, 23 de junho de 2015

''Devemos dizer não ao modelo baseado no capital e na produção.'' O discurso do Papa Francisco em Turim

Publicamos abaixo amplos trechos do discurso do Papa Francisco aos desempregados, trabalhadores e empresários proferidos nesse domingo, em Turim, na Itália.

O texto foi publicado no jornal La Stampa, 22-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.


Eis o texto.


Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Saúdo a todos vocês, trabalhadores, empresários, autoridades, jovens e famílias presentes neste encontro e lhes agradeço pelos seus discursos, do qual surge o senso de responsabilidade diante dos problemas causados pela crise econômica e por terem testemunhado que a fé no Senhor e a unidade da família lhes são de grande ajuda e apoio.

A minha visita a Turim inicia com vocês. E, acima de tudo, expresso a minha proximidade aos jovens desempregados, aos beneficiários e às pessoas em trabalho precário; mas também aos empresários, aos artesãos e a todos os trabalhadores dos vários setores, em particular aos que sofrem mais para seguir em frente.

O trabalho não é necessário apenas para a economia, mas para a pessoa humana, para a sua dignidade, para a sua cidadania e também para a inclusão social. Turim é historicamente um polo de atração do trabalho, mas hoje está fortemente afetada pela crise: o trabalho falta, aumentaram as desigualdades econômicas e sociais, muitas pessoas empobreceram e têm problemas com a casa, a saúde, a educação e outros bens primários.

A imigração aumenta a competição, mas os imigrantes não devem ser culpabilizados, porque eles são vítimas da iniquidade, dessa economia que descarta e das guerras. Faz chorar ver o espetáculo destes dias, em que seres humanos são tratados como mercadorias!

Nessa situação, somos chamados a reafirmar o "não" a uma economia do descarte, que pede para nos resignarmos à exclusão daqueles que vivem em pobreza absoluta – em Turim, cerca de um décimo da população. Excluem-se as crianças (natalidade zero!), excluem-se os idosos e agora excluem-se os jovens (mais de 40% de jovens desempregados)! Quem não produz é excluído, do modo "usa e joga fora".

Somos chamados a reafirmar o "não" à idolatria do dinheiro, que leva a entrar a todo o custo no número dos poucos que, apesar da crise, enriquecem, sem cuidar dos muitos que empobrecem, às vezes até a fome.

Somos chamados a dizer "não" à corrupção, tão difundida que parece ser uma atitude, um comportamento normal. Mas não em palavras, com os fatos. "Não" aos conluios mafiosos, às fraudes, aos suborno e coisas desse tipo.

E só assim, unindo as forças, podemos dizer "não" à iniquidade que gera violência. Dom Bosco nos ensina que o melhor método é o preventivo: o conflito social também deve ser evitado, e isso se faz com a justiça.

Nessa situação, que não é só turinense, italiana, é global e complexa, não se pode apenas esperar a "retomada" – "esperemos a retomada...". O trabalho é fundamental – a Constituição italiana declara isso desde o início –, e é necessário que a sociedade inteira, em todas as suas componentes, colabore para que ele exista para todos e seja um trabalho digno do homem e da mulher. Isso requer um modelo econômico que não seja organizado em função do capital e da produção, mas em função do bem comum.

E, a propósito das mulheres – você (a trabalhadora que havia discursado) falou disso –, os seus direitos devem ser protegidos com força, porque as mulheres, que também carregam o maior peso no cuidado da casa, dos filhos e dos idosos, ainda são discriminadas, também no trabalho.

É um desafio muito comprometedor, que deve ser enfrentado com solidariedade e olhar amplo. E Turim é chamada a ser, mais uma vez, protagonista de uma nova era de desenvolvimento econômico e social, com a sua tradição manufatureira e artesanal – pensemos, no relato bíblico, que Deus fez justamente o artesão... Vocês são chamados a isto: manufatureira e artesanal – e, ao mesmo tempo, com a pesquisa e a inovação.

Por isso, é preciso investir com coragem na formação, tentando inverter a tendência que viu cair nos últimos tempos o nível médio de instrução e muitos jovens abandonarem a escola. Você (ainda a trabalhadora) ia para a escola à noite, para poder ir em frente...

Hoje, eu gostaria de unir a minha voz à de muitos trabalhadores e empresários para pedir que possa ser implementado também um "pacto social e geracional". [...]

Gostei muito que vocês três falaram da família, dos filhos e dos avós. Não se esqueçam dessa riqueza! Os filhos são a promessa a ser levada adiante: esse trabalho que vocês assinalaram, que vocês receberam dos seus antepassados. E os idosos são a riqueza da memória.

Uma crise não pode ser superada, nós não podemos sair da crise sem os jovens, os meninos, os filhos e os avós. Força para o futuro e memória do passado que nos indica aonde se deve ir. Não ignorem isso, por favor. Os filhos e os avós são a riqueza e a promessa de um povo.

Em Turim e no seu território, ainda existem notáveis potencialidades para se investir para a criação de trabalho: a assistência é necessária, mas não basta: é preciso promoção, que regenere a confiança no futuro. Aqui estão algumas coisas principais que eu gostaria de lhes dizer.

Acrescento uma palavra que eu não gostaria que fosse retórica, por favor: coragem! Isso não significa: paciência, resignem-se. Não, não, não significa isso. Mas, ao contrário, significa: ousem, sejam corajosos, vão em frente, sejam criativos, sejam "artesãos" todos os dias, artesãos do futuro! Com a força daquela esperança que o Senhor nos dá e nunca desilude. Mas que também precisa do nosso trabalho.

Por isso, eu rezo e acompanho vocês com todo o coração. O Senhor abençoe a todos vocês, e Nossa Senhora os proteja.


http://www.ihu.unisinos.br/noticias/543822-devemos-dizer-nao-ao-modelo-baseado-no-capital-e-na-producao-o-discurso-do-papa-francisco-em-turim


22/06/2015

Folheto sobre a comunicação democrática

Folheto sobre a comunicação democrática, distribuído na palestra "Por uma refundação do conceito de comunicação: entre a ética e a ideologia", com Pedrinho Guareschi, em 19/06/2015:


MÍDIA, EDUCAÇÃO E CIDADANIA

"A mídia eletrônica – rádio e televisão não pode ter dono. São concessões.
É uma concessão temporária: rádio – 10 anos, televisão – 15 anos.
E, se cumprir o papel, pode ter renovação."

"Existem aproximadamente 300 fatos por dia que acontecem no Brasil e mereciam ir para o noticiário da noite. Os meios que mais colocam, colocam 20. Então, é a primeira questão: como são selecionados os fatos e quem seleciona.
Os editores dos jornais escolhem as noticias. 
A escolha das notícias não é casual, mas é pensada, é proposital.
É certo que o que vai contra o sistema capitalista não vai pra mídia. 
O que define o que a mídia diz ou não é o dinheiro, é o sistema capitalista.
O editor deveria dar liberdade ao jornalista para publicar noticias, mas não é o que acontece."

"A imprensa não pode ter liberdade. Liberdade de imprensa é fascismo."
"Quem tem liberdade é o ser humano."
"Deve haver liberdade de expressão."

"A MÍDIA CONSTRÓI A NOSSA SUBJETIVIDADE
Quem nós somos?
Essa é a pergunta da humanidade. 
Nós somos, em grande parte, o que fizeram de nós. 
Somos resultado das relações que estabelecemos na vida."

"Há um novo personagem dentro de casa: a televisão está em tudo, em todas as casas. 
A mídia fala com o brasileiro, em média, 4 horas por dia. 
As crianças ficam na frente da televisão cerca de 9 horas por dia."

"O grande desafio da escola não é dar informação. O maior desafio é educar para que a pessoa saiba selecionar. Como identificar? Fazer a pergunta: o que eu quero? O que eu quero, com estrutura lógica, para comprovar a noticia.
Temos todas as respostas, mas as pessoas precisam das perguntas."


"Devemos lutar pela igualdade, sempre que a diferença nos inferioriza; 
mas devemos lutar pela diferença sempre que que a igualdade nos descaracteriza." 
 Boaventura de Souza Santos (Fórum Social Mundial, POA, janeiro de 2002)


"Hoje, são 9 famílias que detém 94% de tudo que é mídia eletrônica – rádio e televisão. 
Essas famílias se tornaram todo-poderosas e hoje em dia mandam no Brasil.

"Herbert de Souza (Betinho), dizia que não existe democracia no Brasil, nós vivemos um estado fascista, porque tem um pequeno grupo de gente que diz o que quer, como quer, quando quer."

"Ao redor de 80% de tudo que o gaúcho ouve, vê ou lê, depende de uma família"

"CIDADANIA
> Cidadania – Política - Democracia
> Cidadania como participação
a) no Planejamento
b) na Execução
c) nos Resultados
A verdadeira participação é a participação que se dá no planejamento. 
Cidadania como participação no planejamento da cidade"

"DIFERENTES CONCEPÇÕES DE LIBERDADE
> Liberdade como Liberalismo
> Liberdade como Igualitarismo
> Liberdade como 'relação'"

"O conceito de liberdade como 'relação' é difícil se entender, porque nascemos no liberalismo."

 
"Só somos livres com os outros." 
Hannah Arendt


"O Cristianismo se opõe totalmente ao liberalismo. Um nega o outro. 
O liberalismo ideologicamente define o ser humano, para poder explorar e faturar em cima dos outros. 
O ser humano é relação, eu só posso ser se o outro também é." 








"Comunicação é tudo, é uma palavra ampla.
Mídia: com o invenção da imprensa, se inventou o jornal, a tv, a internet, e então se criaram os meios de comunicação
Mídia = meios de comunicação
Média é plural de 'medium', e 'medium' em latim é meios
Somos tão dependentes do inglês que aportuguesamos a palavra 'media', para mídiia, por causa da pronuncia."


"QUATRO AFIRMAÇÕES SOBRE A MIDIA
> A mídia constrói a realidade - A mídia com valores
> A mídia não diz nada sem que uma conotação de valores
> A mídia monta a agenda da alienação
> A mídia constrói a nossa subjetividade - A mídia está em tudo, perpassa tudo, a mídia monta a agenda de discussão"


"A gente fala o que a mídia quer: 80% e 82% das conversas diárias são pautadas pela mídia.

Ainda, o problema maior é saber o que a mídia não publica.
A força da mídia não está só no que a mídia publica, mas no que a mídia não publica."


"Nunca digam que vocês não são influenciados pela imagem."


"Transformação do Cotidiano
- Mudança na distância
- Mudança no espaço > ciberespaço
- Mudança no tempo > dataholics
- Novos sentidos de 'público' e 'privado'
- Sociedade midiada e cultura midiada"


"O consumismo se apropriou da rapidez do tempo."


"A novidade é que as 'novas mídias' trazem doenças. Ainda, há muitas pessoas viciadas nas 'novas mídias'."


"ROTEIRO

Uma sensibilização para a mídia
- O papel da mídia e na sociedade

- Mídia e Democracia

- Mídia e Política

- Mídia e Ética

- Mídia e Comunicação: Ética do Discurso

- Comunicação: mídia, ética, política, democracia e cidadania."

DOCUMENTÁRIOS

A Monsanto

A Companhia Monsanto é uma indústria multinacional de agricultura e biotecnologia americana, líder mundial na produção de herbicida glifosato, vendido sob a marca Roundup. O Brasil é o segundo país que mais compra produtos da Companhia, perdendo apenas para a matriz americana. Em 2012, a filial brasileira faturou R$3,4 bilhões no país.
 

A Monsanto contribui com o crescimento da fome e da miséria do mundo, ao concentrar os benefícios do comércio internacional de alimentos, na necessidade de uso de agrotóxicos e propaga doenças como inflamações na pele, problemas respiratórios, impotência, malformação fetal, depressão, lesão nos nervos, fígados e rins e câncer.

Para mais informações, acesse: http://www.march-against-monsanto.com/

Acompanhe a mobilização também pelo facebook: https://www.facebook.com/MarchAgainstMonstanto 

Fonte: http://www.viomundo.com.br/denuncias/neste-sabado-sao-paulo-tambem-marcha-contra-a-monsanto.html
_____________________________

Documentário: 
O MUNDO SEGUNDO A MONSANTO

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=gkQN5gopWSU



(Way Beyond Weight)
84', cor, censura livre.

Obesidade, a maior epidemia infantil da história.

"Um filme obrigatório para qualquer pessoa que se importe com a saúde das nossas crianças" Jamie Oliver 
Pela primeira vez na história da raça humana, crianças apresentam sintomas de doenças de adultos. Problemas de coração, respiração, depressão e diabetes tipo 2. 
Todos têm em sua base a obesidade. 
O documentário discute por que 33% das crianças brasileiras pesam mais do que deviam. As respostas envolvem a indústria, o governo, os pais, as escolas e a publicidade. Com histórias reais e alarmantes, o filme promove uma discussão sobre a obesidade infantil no Brasil e no mundo.
 
http://www.muitoalemdopeso.com.br/ 

com 
Jamie Oliver, Amit Goswami, Frei Betto, Ann Cooper, William Dietz, Walmir Coutinho, entre outros. 
Direção: Estela Renner
Produção Executiva: Marcos Nisti
Direção de Produção: Juliana Borges
Fotografia: Renata Ursaia
Montagem: Jordana Berg 
Projeto Gráfico: Birdo
Trilha Sonora: Luiz Macedo
Produção: Maria Farinha Filmes
Patrocínio: Instituto Alana

  

Do documentário Muito Além do Peso (Way Beyond Weight, 2012)

"Enquanto nós não socializarmos a riqueza existente no Planeta, não haverá paz, não haverá igualdade, não haverá justiça, não haverá felicidade; vamos continuar buscando essa falsa felicidade." 
Frei Betto, no documentário Muito Além do Peso.

Livro: A HISTÓRIA SECRETA DA GLOBO, de Daniel Herz



A HISTÓRIA SECRETA DA GLOBO


Daniel Herz 
(2009 - brochura - 424 páginas)

Este é um dos livros mais importantes para a compreensão da história recente do Brasil. 


Herz buscou, em documentos oficiais, em depoimentos e na imprensa o registro dos fatos que marcaram a implantação da Rede Globo. 


Seu texto enxuto e claro dá para o documento um impressionante painel da história da radiodifusão no país. Esta reedição traz também a atualização do
tema em posfácio dos jornalistas Celso Augusto Schröder e Nilo André Piana de Castro.



Daniel Herz (1954 - 2006) - jornalista, mestre pela Universidade de Brasília, foi professor e chefe de departamento de Comunicação da Universidade Federal de Santa Catarina. Foi articulador da Frente Nacional de Luta por Políticas Democráticas de Comunicação, criada em 1984, que reuniu dezenas de entidades e personalidades. Atuou como colaborador e pesquisador em revistas e publicações especializadas do Brasil e da América Latina.

MUITO ALÉM DO CIDADÃO KANE


MUITO ALÉM DO CIDADÃO KANE

BBC de Londres
Produtor: Simon Hartog

'Muito além do Cidadão Kane' é um documentário produzido pela BBC de Londres - proibido no Brasil desde a estréia, em 1993, por decisão judicial - que trata das relações sombrias entre a Rede Globo de Televisão, na pessoa de Roberto Marinho, com o cenário político brasileiro.

Aborda, entre outros temas: o apoio à ditadura militar e censura a artistas, como Chico Buarque que por anos foi proibido de ter seu nome divulgado na emissora; criação de mitos culturalmente questionáveis, veiculação de notícias frívolas e alienação humana; os cortes e manipulações efetuados na edição do último debate entre Luiz Inácio da Silva e Fernando Collor de Mello, que influenciaram a eleição de 1989.

Com depoimentos de Leonel Brizola, Chico Buarque, Washington Olivetto, entre outros jornalistas, historiadores e estudiosos da sociedade brasileira, todo brasileiro deveria ver Além do Cidadão Kane.

https://www.youtube.com/watch?v=PiV-i-fcxHw




Direito de resposta

Direito de resposta concedido em ação judicial à Leonel Brizola no 
Jornal Nacional, da Rede Globo, em 15.03.1994: 
https://www.youtube.com/watch?v=ObW0kYAXh-8

21/06/2015

Procurando entender o Brasil de março 2015 e Brasil: a grande divisão

Procurando entender o Brasil de março 2015 – Indo um pouco mais a fundo
Pedrinho A. Guareschi - UFRGS
http://fepoliticaetrabalho.blogspot.com.br/2015/03/procurando-entender-o-brasil-de-marco.html 



Brasil: a grande divisão
"O Brasil é hoje o exemplo internacionalmente mais importante e consolidado da possibilidade de regular o capitalismo para garantir um mínimo de justiça social e impedir que a democracia seja totalmente capturada pelos donos do capital, como acontece hoje nos EUA e está acontecer um pouco por todo o lado". O comentário é de Boaventura de Sousa Santos, sociólogo, em artigo publicado por Canal Ibase, 12-11-2014.


Por que Paulo Freire na demonstração?

Terça, 17 de março de 2015

Por que Paulo Freire na demonstração?

"Dizer que Freire tem algo a ver com marxismo é ignorância crassa. Paulo Freire representa o genuíno pensamento igualitário e respeitoso de nossa América Latina". A afirmação é de Pedrinho Guareschi, foi professor-titular e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS. Doutor em Psicologia Social e Comunicação pela University of Wisconsin at Madison (UWM) e Pós-Doutor pela UWM e University of Cambridge (UC), Inglaterra. É professor colaborador permanente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS.

Eis o artigo. 

Essa foto é extremamente significativa e ilustrativa, pois vem demonstrar, com uma clareza extraordinária, duas coisas importantes: 
 
1. Fico me perguntando: por que Paulo Freire? E faz todo o sentido. O que está acontecendo no Brasil não é contra algum problema econômico, político, ou contra corrupção, ou contra partido: é uma reação contra um PROJETO. E esse projeto é o que Paulo Freire significa. Como as coisas estão ficando claras! Esse projeto é contra uma pessoa que dizia que 'não há um que sabe mais, ou menos: há saberes diferentes".

A classe dominante, a Casa Grande - e todos os que hoje representam essa classe: as elites, a grande mídia, os grandes latifundiários, os banqueiros, e, infelizmente, as pessoas que se deixaram contaminar pelas ideias deles, os dos bairros ricos que bateram panelas, os que aceitam os valores da Globoe da Grande Mídia, os que leem a Veja, etc.etc. - NÃO PODEM ACEITAR UM PROJETO ASSIM, DE IGUALDADE, FRATERNIDADE, RESPEITO, onde todos os saberes têm de ser respeitados, onde não há uns que são mais que os outros, etc. E a Dilma, o Lula, a Luciana, a Maria do Rosário, a Manoela, o Rosseto, o Tarso, a Erundina, etc.etc. são gente que pensam assim, gente que se formou e se criou dentro desse 'pensamento' igualitário, fraterno, respeitoso, democrático de Paulo Freire.

Paulo Freire representa uma verdadeira transformação, uma revolução qualitativa. Todos esses "beberam" do pensamento de Freire. E, além do mais, Freire é nordestino, foi um dos fundadores do PT e sempre defendeu os movimentos sociais, a começar pelos Sem Terra. Se alguém duvidar disso, veja o filme que Freire gravou 15 dias antes de morrer, In Memoriam, onde ele fala das 'marchas'. Dizer que Freire tem algo a ver com marxismo é ignorância crassa. Paulo Freire representa o genuíno pensamento igualitário e respeitoso de nossa América Latina.

2. Esse cartaz - impressionante! - mostra contra quem mesmo eles estão "revoltados", indignados. Assim eles se traem. E mostra como Paulo Freire é mesmo um divisor de águas!!! Isso me convence sempre mais do que sempre digo - e repito sempre que posso: quem LEVA A SÉRIO A FRASE DE PAULO FREIRE - que não há um que sabe mais ou menos, há saberes diferentes - se for coerente, TEM DE MUDAR SUA VIDA!!! Tudo toma outra dimensão. A prática cotidiana - na família, na escola, na rua, no trabalho, nas relações de gênero, na igreja, TUDO, tem de mudar.

Fico feliz em ver isso comprovado! Isso é ótimo. Então: tudo o que vem se dizendo: corrupção, Petrobrás, etc.etc. é tudo mistificação, é para desviar dessa outra questão, QUE É A NECESSIDADE DE SE TER UMA DEMOCRACIA VERDADEIRA, DE IGUALDADE, DE RESPEITO, QUE PAULO FREIRE REPRESENTA!

Que fantástico ver isso! Não precisa argumentação melhor! Nunca um cartaz pode deixar transparecer os verdadeiros motivos de porque não se aceita UM NOVO PROJETO para nossa sociedade!

Viva Paulo Freire! Viva o Brasil pelo qual Freire deu sua vida.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/540919-porque-paulo-freire-na-demonstracao

O Mistério Pascal hoje...

O Mistério Pascal hoje...


Pedrinho Guareschi


"Popule meus, quid feci tibi? In quo contristavi te? Responde mihi!" | "Povo meu, que é que lhe fiz? Em que o contristei? Responda-me!"

Que me perdoem os amigos(as) se os surpreender com essas minhas meditações, mas algo me força a partilhá-las, que força interna será essa? Arrisco, com humildade, essas reflexões, pedindo já desculpas... Os cristãos comemoram o Mistério Pascal, o mistério que nunca compreenderemos, da íntima ligação em nossas vidas entre morte e ressurreição. Quem compreenderá? Mas o que me leva a essa partilha é que vejo hoje, tão nitidamente (para mim...) como esse mistério se concretiza... É o Servo de Javé ferido, machucado, sangrado, crucificado... e um povo que o aclamou há pouco, gritando: crucifica-o! Mas o que queria dizer é: vivi ao menos 50 anos de minha vida ligado ao povo, aos pobres, nas vilas, periferias...E vi as lutas, dores, mortes e também ressureições! E agora, nesse ano de 2015, vivo e sofro novamente esse mistério, mas de um modo que talvez espante a alguns. Celebro, na memória da Paixão de Jesus, sua flagelação, sua execração. E leio nas celebrações as leituras da liturgia, as lamentações do Profeta Jeremias prefigurando essa Paixão de Jesus, em que o Servo diz: "Povo meu, que é que te fiz, em que te contristei? Porque me flagelas? Porque te tirei da escravidão do Egito? Porque te alimentei no deserto? Por que te conduzi a uma terra onde corre leite e mel? Diga-me, porque me torturas e me crucificas?" E agora o que sinto (desculpem, se quiser parar de ler aqui, pare...) Sinto algo parecido com essas cenas. O Mistério Pascal, mesmo para os que não creem, é uma realidade humana e concreta. Vejo multidões saindo às ruas – talvez aquelas que mais benefícios receberam, que conseguiram sair de uma situação difícil – clamar: crucifica-a! "Vamos sangrá-la!!" Vamos tirá-la do caminho! E eu me pergunto e tento colocar-me no lugar dela, aquela pessoinha tão frágil, que quando tão jovem arrisca-se a dar a vida para libertar o povo – que é presa, torturada, mas continua firme, corajosa. Ninguém pode acusá-la de nada. Coloco-me no lugar dela perguntando: povo meu! Que é que te fiz? Em que te contristei? Foi por causa dos milhões de mães do bolsa família que agora alimentam seus filhos? Ou por causa da 'minha casa, minha vida' onde posso agora viver decentemente? Ou por causa do 'luz para todos', que veio iluminar minha existência? Ou porque o desemprego agora chegou a um mínimo? Ou por causa dos inúmeros planos educacionais, que levam milhares de jovens a poder estudar? Qual foi o crime que cometi? Só porque agora não posso continuar a dar-te mais benefícios? É por algum desses motivos que quer me crucificar, "me sangrar"? Responda-me!

De novo peço perdão se estou ferindo algum sentimento! Mas o 'mistério pascal' acontece a todo momento, em toda circunstância! Eu o experimento hoje assim... Repito: depois de 50 anos acompanhando a difícil ascensão dos pequenos, dos excluídos, dos que menos podem, das mulheres sofridas das vilas, do povo sem saúde, educação, moradia...que começam a ter mais dignidade de seres humanos...eu vejo gente gritando: crucifica-a! "Vamos fazê-la desaparecer! Vamos destruí-la, eliminá-la!" E me desculpem de novo: mas quem está incentivando essa multidão? Pergunto: quais os escribas, fariseus, sumos sacerdotes, as elites atingidas pelo Jesus Nazareno que questionava seus privilégios...quais essas elites hoje? Estaria equivocado se as identificasse com a grande mídia a serviço das elites de hoje? Essas multidões seriam capazes de ir às ruas, se não fossem incentivadas por esses monopólios da mídia a serviço dos que vêm seus privilégios ameaçados?

Mas o mistério pascal não é só paixão: é também ressurreição. E aqui minha fé: assim como Ele ressuscitou, esse nosso querido povo vai ressuscitar! Vai ter o direito de ter uma vida digna, como o Jesus de Nazaré queria, e por isso passou por todas essas humilhações. É preciso a paixão, para que haja ressurreição. Ele ressuscitará, essa gente será gente, ressuscitará com todos os que com Ele se solidarizarem e se colocarem a serviço de seu projeto de Fraternidade, Justiça, Amor.

FABRICAR ASSUSTADOS PARA PRODUZIR INSATISFEITOS: A PROFECIA AUTO-REALIZADA

FABRICAR ASSUSTADOS PARA PRODUZIR INSATISFEITOS

A PROFECIA AUTO-REALIZADA

Pedrinho Guareschi 

Uma das melhores pesquisas (e análises) que tenho visto nos últimos meses é a do Instituto Vox Populi sobre os "sentimentos e expectativas a respeito da economia". É impressionante. Para maiores detalhes remeto à Carta Capital, 03/06/20115, pg. 53, um artigo de Marcos Coimbra, a quem peço permissão para fazer uso de alguns dados.

A constatação da pesquisa é que a quase totalidade dos brasileiros, depois de ser bombardeada durante tanto tempo com a noção de "crise", perdeu a capacidade de enxergar com realismo a situação da economia. Vejam os dados impressionantes:

- A respeito da quantia imaginada para comprar, DAQUI A UM MÊS, o que se compra hoje com 100 reais, 98% desconfiam de que vão precisar mais, ou MUITO MAIS: 73% temem uma alta superior a 10%. Quase a metade. 47%, estima uma inflação acima de 20%. E 35% receiam que os preços subirão mais de 30%. Num mês! Que tal?

- Perguntados sobre como estará a situação NO FIM DO ANO, 1% dizem que os preços subirão em média 5%. Outro 1%, estima uma alta entre 5 a 10%. Resumindo: 1% errou para menos, e 1% está na média.  Agora vejam: 98% ERRARAM PARA MAIS, DESMESURADAMENTE: quase a metade, se apavora com a perspectiva de uma inflação superior a 50%! E destes, um terço fantasia uma inflação de 80%!

- Quanto ao desemprego HOJE: apenas 7% sabem que hoje o desemprego é menos de 10%. Um quarto (25%) acredita que o desemprego varia de 10 a 30%. E 38% imaginam que a proporção de brasileiros sem emprego ultrapassa 40%!

- Desemprego NO FIM DO ANO: 40% acreditam que o desemprego em dezembro vai castigar METADE DA POPULAÇÃO ATIVA!

Pergunto: - Como explicar uma aberração dessas? Agora, se você assiste o noticiário da "Grande Mídia", não vai estranhar que as pessoas achem que estamos "em crise". Exemplo foi o Jornal Nacional de ontem à noite (dia 03 de junho) sobre o tema, com mais de 5 minutos de duração, entrevistando donas de casa "apavoradas", escolhidas especialmente para as entrevistas. O clima é de crise assustadora!

- Segunda pergunta: até quando é possível SUPORTAR uma mídia assim? Onde o limite? Uma mídia que diz o que quer, quando quer, quanto quer, como quer, quantas vezes quiser, a uma imensa população que não tem voz, nem vez, para poder dizer sua palavra. É possível continuar sem que seja regulamentado o que aConstituição Brasileira de 1988 diz que "não pode haver monopólios, nem oligopólios", que o primeiro princípio dos meios eletrônicos é EDUCAR a população, INFORMAR com isenção?

Volto ao título do comentário: Minha opinião (minha, por favor, não aceite, mas pense!) é que temos aqui um excelente exemplo de COMO FABRICAR ASSUSTADOS, PARA PRODUZIR INSATISFEITOS... Contra quem? Interessa a quem? Responda você mesmo!

É o que psicólogos sociais ao analisarem estratégias de manipulação e dominação chamam de "profecias auto-realizadas": diga que vai ser assim... e as pessoas, apavoradas, acabam realizando a profecia!


http://www.pedrinhoguareschi.com.br/fabricar-assustdos-para-produzir-insatisfeitos-a-profecia-auto-realizada-20637.php