29/10/2015

Documentário retrata luta de Betinho por um Brasil mais justo

CINEMA

Documentário retrata luta de Betinho por um Brasil mais justo

'Betinho – A Esperança Equilibrista', de Victor Lopes, conta a trajetória pessoal e de ativismo de Herbert de Souza, que completaria 80 anos em novembro. Filme estreia na quinta (29)
por Xandra Stefanel, especial para RBA publicado 28/10/2015 19:00, última modificação 28/10/2015 19:28
DIVULGAÇÃO
Betinho

'Comecei a escutar aquela música pelo telefone e me dei conta que era o hino da anista e que eu era parte dele'

"O que aconteceu comigo ao longo da vida foi uma sucessão infinita de sortes. Eu não era para estar vivo quando eu nasci porque hemofílico não sobrevivia. Depois eu sobrevivi a uma tuberculose, quando tuberculose era aids ou câncer, a lepra dos anos 1950. Eu sobrevivi à clandestinidade. Estou sobrevivendo a aids. E sempre na risca." Este depoimento de Herbert de Souza faz parte do documentário Betinho – A Esperança Equilibrista, de Victor Lopes, que estreia nesta quinta-feira (29) nas salas de cinema.

O filme traz a trajetória do sociólogo e evidencia o que milhares de pessoas já sabem, mas que é importante salientar: o Brasil teve muita sorte por ter tido Betinho, um filho que não fugiu de nenhuma luta. Morto em 1997 em decorrência de complicações ligadas ao HIV, seus 62 anos de vida foram suficientes para começar a mudar a história do país. Ele completaria 80 anos em 3 de novembro.

Além de ter lutado contra a hemofilia, a tuberculose e a aids, ele travou outras batalhas. Seu passaporte para o engajamento social e político foi o envolvimento com a Ação Católica. Com o golpe militar, caiu na clandestinidade, exilou-se, teve de ir para Uruguai, Chile, Panamá e Canadá para não ser morto pela ditadura brasileira. Resistiu à saudade, ao frio e à distância do país que amava por não poder voltar. O sofrimento era parte de sua vigília contra a morte que lhe perseguia desde que nasceu. Mas nem por isso, ele deixou de fazer sua parte, de pensar no próximo e em seu país.

No documentário, toda a história é narrada pelo próprio Betinho por meio de entrevistas de arquivo, além de depoimentos de parentes, amigos e companheiros de batalhas. Uma das pessoas entrevistadas é a primeira mulher, Irles Carvalho, com quem ele teve de se casar por procuração, já que estava no Uruguai. Com ela, teve Daniel Souza: "Eu nasci já no golpe, já na clandestinidade. Naquela época todo mundo tinha nome falso, não podia ficar no mesmo lugar, tinha de estar o tempo todo mudando. Meus pais trabalhavam não na luta armada, mas militavam na questão da alfabetização, ou seja, era muito mais na conscientização do que efetivamente numa luta armada. Eu acredito que o relacionamento nessa situação não deve ter sido fácil. O casamento, na verdade, não durou muito", lembra Daniel.

A segunda mulher, Maria Nakano, também dá depoimentos emocionados sobre o grande amor de sua vida e parceiro nos combates contra a ditadura: a dura despedida antes de Betinho ir para o Chile em seu primeiro exílio "oficial", o reencontro, a descoberta das verdadeiras identidades de cada um, o apuro que passaram quando veio o golpe de Pinochet, entre outros. O que o diretor Victor Lopes faz no filme é mesclar harmoniosamente o universo íntimo de um calmo guerreiro com os fronts nos quais o personagem duelou pela democracia, contra a corrupção, a miséria e a fome.

Um dos momentos mais emocionantes do documentário é sua volta ao Brasil, imagens marcantes da anistia. O reencontro com o irmão, o cartunista Henfil, e com muitos amigos que Betinho nem imaginava mais ver, é embalado pela canção O Bêbado e A Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, na voz de centenas de pessoas que o esperavam no aeroporto. "Eu acompanhava a anistia por meio do Henfil. O Henfil fazia uma luta nacional pela anistia por meio das cartas que ele escrevia pra mãe e me colocava como a razão pela qual ele lutava pela anistia, porque ele queria que eu voltasse. (…) Foi o Henfil que me telefonou e disse escuta aí. E aí eu comecei a escutar aquela música pelo telefone, que falava sobre o bêbado, a equilibrista e não sei o que… E num determinado pedaço, entra a Elis cantando: 'O Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil'. Aí foi que eu me dei conta que estava diante do hino da anistia e que eu era parte deste hino", declara Betinho.

Ação da Cidadania

De volta ao país, Betinho teve saúde o suficiente para ajudar outras milhares de vidas que lutavam contra a fome e a miséria. Criou o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e a Campanha Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, na qual reuniu artistas, publicitários, empresários, a sociedade civil e impulsionou governos a fazer o que tinha de ser feito para combater a fome.

Além disso, ele fez uma intensa campanha pelo acesso aos tratamentos contra a aids e para que mais ninguém fosse contaminado ao fazer transfusão de sangue, como aconteceu com ele. O que ele faz é "transformar a coisa do sangue e exigir regulamentação, porque o sangue era comercializado neste país. E daí, a Constituição reconhece a doação e o controle pelo Estado na qualidade do sangue, porque até aí, não tinha", lembra o sociólogo Cândido Grzybowski, diretor do Ibase.

As toneladas de alimentos arrecadadas pela Ação da Cidadania evidenciam que a fragilidade de sua saúde não era impedimento na sua luta. "Foi ali que o Brasil inverteu a sua prioridade em relação a fome. Deixou de tratar aquilo como um fato da natureza, inevitável, contra o qual não podíamos fazer nada e colocou isso na agenda pública do país. Ali que se rompeu uma inércia que levou a gente a sair do mapa da fome", afirma Átila Roque, diretor da Anistia Internacional Brasil.

Betinho – A Esperança Equilibrista é um retrato delicado e emocionante de um homem que sonhava com um Brasil mais justo para todos os brasileiros. Suas ações, algumas transformadas em políticas públicas ao longo dos anos, nunca serão esquecidas. O trunfo do filme é reunir suas memórias e imortalizar a sede de mudanças que Herbert de Souza tinha. É uma obra para ver na tela grande e também ter em DVD, ao qual possamos recorrer nos momentos de crise, aqueles que nos dão a impressão de que o medo está vencendo a esperança. Para Betinho, a esperança sempre venceu.

Betinho – A Esperança Equilibrista
Direção e roteiro: Victor Lopes
Produção executiva e direção de produção: Angela Zoé
Diretor de fotografia: Luis Abramo
Som direto: Renato Calaça
Montagem: Pedro Asbeg e Victor Lopes
Edição de som e mixagem: Damião Lopes
Produção de finalização: Tiago Arakilian
Música: Marcos Souza
Pesquisa: Isabel Garçoni, Ana Redig e Julia Zylbersztajn
Design: Jair de Souza Design
Distribuição: Elo Company

http://www.redebrasilatual.com.br/entretenimento/2015/10/documentario-retrata-luta-de-betinho-por-um-brasil-mais-justo-para-todos-6883.html

Conferência que discutiu a Carta Encíclica do Papa Francisco 'Laudato Si’

Conferência apresentada no dia 16/09/2015, que discutiu a Carta Encíclica do Papa Francisco 'Laudato Si' sobre o cuidado da casa comum, pelos professores: Prof. MS Lucas Henrique Luz – UNISINOS, Prof. Dr. José Roque Junges – UNISINOS e Prof. Dr. Laércio Pilz – UNISINOS.

A atividade proporcionou uma apresentação acadêmica da Carta Encíclica Laudato Si' - Sobre o cuidado da casa comum, em vista da compreensão de sua relevância e contribuição ao atual debate sobre os grandes desafios da crise ambiental hoje. Além disso, oportunizou o debate sobre compromissos e responsabilidades da Universidade no enfrentamento dos desafios ambientais atuais.

Carta Encíclica do Papa Francisco 'Laudato Si' sobre o cuidado da casa comum: https://www.youtube.com/watch?time_continue=90&v=xieAbE-c07U

Confira também a edição 469 da Revista IHU On-Line que trata sobre o mesmo tema: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?secao=469

26/10/2015

Colección Antiprincesas

Quem foi Frida Kahlo? Como foi a vida de Juana Azurduy? E as canções de Violeta Parra? 
Com a Coleção Anti-princesas é possível conhecer as histórias das mulheres heroínas da América Latina!
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¿Quién fue Frida Kahlo? ¿Cómo fue la vida de Juana Azurduy? ¿Y las canciones de Violeta Parra?
Con la Colección Antiprincesas conocemos las historias de las mujeres heroínas de América Latina.
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Colección Antiprincesas


Conversamos con la periodista Nadia Fink, autora de los textos que conforman la Colección Antiprincesas, que propone contar las historias de las mujeres heroínas de América Latina, en oposición a las historias tradicionales, en su mayoría protagonizadas por hombres, que cuando tienen a una mujer como protagonista ésta es una princesa, cuyos atributos principales son la belleza y la simpatía.
Estos libros cuentan las historias de mujeres que no se conformaron con los lugares que la sociedad les imponía (o sus esposos, o sus padres, o sus hermanos) y salieron a hacer sus propios caminos. Entre ellas la de Frida Kahlo, Juana Azurduy o la de Violeta Parra.



25/10/2015

Não impor, mas servir


Não impor, mas servir

José Antonio Pagola


Há alguns anos, Marcel Légaut publicava um penetrante estudo no qual, depois de analisar e diferenciar o que ele chama de "religião de autoridade" e "religião de chamado": sugeria caminhos e pistas de futuro para uma Igreja que queira ser fiel a Jesus na sociedade moderna.


As "religiões de autoridade" oferecem, de acordo com o pensador francês, certezas absolutas e estruturas seguras. Ao mesmo tempo exigem de seus membros obediência e submissão a prescrições às vezes minuciosas. Além disso, quando uma "religião de autoridade" se instala majoritariamente numa sociedade, trata de influir e dominar para impedir que se tome uma orientação oposta ou alheia a seus dogmas religiosos.


Esta religião, endurecida em torno do princípio de autoridade, não ajuda a maturação pessoal de seus fiéis. Pelo contrário, corre o risco de aprisioná-los em doutrinas e práticas que só são vividas pela metade, inclusive quando a adesão à doutrina parece fervorosa e a observância da lei rigorosa.


A "religião de chamado" é diferente. Não impõe uma doutrina, mas propõe um caminho de salvação. Não emite pareceres, só chama e convida. Não entende sua atuação como um exercício de poder, mas como um serviço. Não pretende submeter ninguém com coações. Coloca-se, antes, ao serviço do ser humano para convidá-lo a buscar em Deus sua vida plena.


Jesus entende toda a sua atuação como um serviço. Seus seguidores não devem dominar nem oprimir. Devem servir como ele próprio, que "não veio para ser servido, mas para servir": Cristo é chamado, oferta, semente, fermento, mas nunca imposição. Na Igreja precisamos corrigir o que há de imposição não evangélica, para adotar uma atitude total de serviço.


Um cristianismo autoritário tem pouco futuro. Numa sociedade plural já não disporá do poder político nem da organização social que possuía antes. Sua influência na cultura e na educação será cada vez menor. Ser-lhe-á difícil viver na defensiva, em luta desigual com as correntes modernas. O passar do tempo trabalha contra o autoritarismo religioso, mas pode oferecer possibilidades insuspeitadas ao seguimento de Jesus, entendido como serviço humanizador ao homem desvalido de todos os tempos.


Trecho do livro "O Caminho Aberto por Jesus", de José Antonio Pagola, Editora Vozes.


http://www.franciscanos.org.br/?p=96740#sthash.7LZIrPIq.dpuf



23/10/2015

PASTORAL DO MIGRANTE DENUNCIA VIOLÊNCIA CONTRA MIGRANTES


Nota de Repúdio à violência, à xenofobia e discriminação étnica e racial praticada contra imigrantes
 

Pastoral do Migrante dos Regionais Sul 1, Sul 3 e Sul 4 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e do Serviço Pastoral do Migrante – SPM O Serviço Pastoral dos Migrantes no Brasil vem a público solidarizar-se com os familiares e amigos dos imigrantes vitimados por crimes de homicídio, xenofobia, discriminação étnica e racial.

Ficamos horrorizados, e repudiamos com veemência os homicídios, a xenofobia e a discriminação racial contra imigrantes no Brasil.

Trazemos presente os inaceitáveis homicídios, preconceitos e xenofobias contra imigrantes ocorridos nos municípios de Flores da Cunha-RS e Navegantes-SC, respectivamente nos dias 08 e 17 de outubro de 2015.

Considerando que as autoridades dos estados relativizam a gravidade dos fatos criminosos em razão das vítimas serem imigrantes, exigimos apuração e punição dos responsáveis pelos crimes de homicídios ocorridos em Flores da Cunha-RS e Navegantes-SC. Refutamos todo tipo de violência que os nossos irmãos imigrantes estão sofrendo, especialmente o atentado à vida. Esta é uma violação de diretos humanos mais sagrado, o direito a VIDA!

Exigimos que os governos estaduais e federal punam os criminosos nos casos devidos. Também responsabilizamos, os governos do Rio Grande do Sul, e de Santa Catarina, pela falta de iniciativa, pela lentidão com que apuram e punem os casos de violações de direitos humanos universais. E exigimos que se efetivem campanhas pedagógicas educativas de prevenção e combate às manifestações de racismo, xenofobia e discriminação contra os novos migrantes que chegam ao Brasil. Principalmente os que chegam a região Sul. Porque "Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar" (Nelson Mandela).

Entendemos que em nenhuma hipótese é aceitável usar conduta supostamente criminosa como motivo de culpabilização da vítima. A lesão máxima do direito à vida por meio de sua supressão violenta não está justificada em qualquer hipótese, ainda que a vítima reaja à autoridade competente (polícia).

O Serviço Pastoral dos Migrantes reitera que as autoridades competentes devem investigar e combater com rigor e transparência o ocorrido com os imigrantes haitianos em Flores da Cunha-RS e em Navegantes-SC, bem como devem proceder à punição dos responsáveis pelos crimes ocorridos nestas cidades.

Porto Alegre, 20 de outubro de 2015

http://ivopoletto.blogspot.com.br/2015/10/pastoral-do-migrante-denuncia-violencia.html?spref=fb



21/10/2015

Com Francisco, está acabando o tempo dos "fiéis infantis". Artigo de Marco Marzano

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Quarta, 21 de outubro de 2015


Com Francisco, está acabando o tempo dos "fiéis infantis". Artigo de Marco Marzano

Não são poucos os católicos concentrados nos movimentos eclesiais ou nos territórios onde o laicato amadureceu menos, católicos pré-modernos ou infantis, que não são capazes de usar a própria cabeça ou não têm a intenção disso, aqueles que ainda precisam venerar a autoridade constituída, aqueles que se sentem pequenos em relação a uma veste cardinalícia ou mesmo só à batina de um padre, aqueles que se confessam duas vezes por semana e contam ao padre sobretudo quantas vezes se masturbaram e não quantas outras vezes roubaram dinheiro da coisa pública.

A opinião é do sociólogo italiano Marco Marzano, professor da Universidade de Bérgamo, em artigo publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 18-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Este é o último capítulo da minha investigação sobre a Igreja Católica italiana nos tempos de Francisco. Conclui-se, assim, aquela que, para mim, foi uma viagem às vezes entusiasmante, na qual aprendi muitas coisas, conheci pessoas esplêndidas e iniciei um diálogo estreito com os leitores deste jornal, que, para começar, se refletirá o e-book que, ao lado de todos meus artigos, vai incluir algumas das muitas cartas que eu recebi de vocês e que, depois, eu espero que continue fecundo ao longo do tempo.

Este é o momento da avaliação, das imagens de síntese que podem ser obtidas a partir da observação das várias etapas da minha viagem ao interior da Igreja italiana. O mais vívido dos instantâneos, aquele que primeiro vem à minha mente, é a oposição bastante clara entre a Igreja da cúpula e a de base, entre a casta sacerdotal e o povo de Deus.

Este último me pareceu ser, de fato, nas tantas periferias existenciais onde eu o procurei, perfeitamente secularizado, isto é, formado por pessoas adultas capazes de pensar com a própria cabeça, muito à vontade no mundo e com os não crentes, comprometidas em uma miríade de projetos locais de solidariedade, não obcecados com o sexo, com a culpa e com o pecado, mas bastante interessadas em manifestar a sua fé, pregando, meditando sobre o Evangelho e, sobretudo, amando o próximo.

No melhor dos casos, estes representam, aos meus olhos, o rosto de Deus, isto é, são a demonstração viva dos efeitos positivos que a fé (também, e talvez sobretudo, a incerta, até mesmo a mais atormentada e sofrida) pode produzir em quem a possui.

Esses "católicos adultos" ignoram serenamente os documentos produzidos pela hierarquia, acompanham os vários Sínodos de modo distraído, já que não têm nem o tempo nem a vontade de estar atrás das doutas disputas doutrinais sobre a família e arredores, que, ao contrário, tanto envolvem a gerontocracia clerical.

E isso tanto porque muitas vezes elas já tem uma família própria, com tantas exigências que se somam às da paróquia, da Cáritas, do voluntariado etc., quanto porque pensam que essas disputas não lhes dizem muito respeito, porque consideram que o que vem dos palácios do poder clerical realmente não diz respeito às suas vidas.

Uma vida, a deles, enraizada perfeitamente neste tempo histórico e na qual assume-se como óbvio aquilo que é óbvio para todos nós: isto é, que usar um anticoncepcional não é pecado, mas é, ao contrário, um gesto de responsabilidade, que o matrimônio não é o único regime aceitável para uma relação amorosa, que os homossexuais são pessoas perfeitamente normais e não defeitos da criação, que um massacre da máfia ou um extermínio em massa são culpas um pouquinho mais graves do que um divórcio. E assim por diante.

As reformas que a Igreja custa tanto a iniciar, sobre as quais tantos cardeais se atormentam a golpes de teologia e de direito, eles já as realizaram. As suas existências agora não se assemelham mais em nada às dos seus antepassados, àquelas da época a que tantos hierarcas gostariam que todos voltássemos.

Poderíamos dizer que, em muitos aspectos, esses católicos já se tornaram protestantes, já pularam o fosso que os separa de um cristianismo à altura dos tempos e das sensibilidades contemporâneas. Quase todos eles amam o Papa Francisco, um líder que, finalmente, parece ter se colocado, embora com tantas contradições ainda não resolvidas, em sintonia com os seus sentimentos, com o seu desejo de dispor de uma leitura da mensagem evangélica menos retrógrada e reacionária, mais aberta e disposta a exaltar os temas do amor, da misericórdia, da justiça.

Na Igreja de base, obviamente não há só católicos desse tipo. Há também, e não são poucos, católicos concentrados nos movimentos eclesiais (Comunhão e Libertação, neocatecumenais etc.) ou nos territórios onde o laicato amadureceu menos, católicos pré-modernos ou infantis, aqueles que não são capazes de usar a própria cabeça ou não têm a intenção disso, aqueles que ainda precisam venerar a autoridade constituída, aqueles que se sentem pequenos em relação a uma veste cardinalícia ou mesmo só à batina de um padre, aqueles que se confessam duas vezes por semana e contam ao padre sobretudo quantas vezes se masturbaram e não quantas outras vezes roubaram dinheiro da coisa pública ou pior, aqueles que, como católicos obsequiosos do preceito, cultivam um ódio sectário por todos aqueles – isto é, pelo resto do mundo para além do seu pequeno grupo – que ignoram lindamente a doutrina moral da Igreja e as suas receitas de vida.

Para esse tipo de católicos, o que acontece no Sínodo e arredores é muito mais relevante. O risco que eles temem, de fato, é o de uma mudança, ainda que mínima, no sistema doutrinal construído, com reacionária meticulosidade e sabedoria, pelos dois antecessores de Francisco.

Se isso acontecesse, a Igreja começaria, a seus olhos, a se perder, a se confundir com a odiada modernidade, a encostar na quina da rendição definitiva aos demônios do individualismo libertário e da democracia.

No cruzamento de todos os caminhos, o dos católicos adultos e o dos infantis, o da Igreja de base e o da hierárquica, na encruzilhada central de toda a intrincada trama de percursos eclesiais, destaca-se, dilacerada e sofredora, tão paradoxal quanto nenhuma outra, a figura do padre.

Para a hierarquia, o funcionário chamado a disciplinar, com servil fidelidade à cúpula, os comportamentos do rebanho; para a base muitas vezes, um precioso companheiro em um percurso de emancipação humana e intelectual, o presbítero católico é cada vez mais, na nossa época, um lugar de contradições vivas e dolorosas, que às vezes se reverberam em sérios incômodos psíquicos, que frequentemente se transformam em doenças, embora só da alma.

O tema do celibato e da vida afetiva e sexual do clero é o banco de provas mais evidente dessas enormes contradições. Para os católicos adultos, trata-se de um assunto totalmente irrelevante: eles ficariam contentes se o vínculo fosse abolido; para eles, que o padre tenha ou não uma namorada ou um namorado é um assunto totalmente dele, é uma questão privada. O que importa é que ele seja preparado, competente, honesto e disponível, que ajude a comunidade a se tornar cada vez mais adulta, autônoma e consciente de si.

Ao contrário, para os católicos infantis, a assexualidade do padre, a sua pureza física se reveste de uma importância enorme, é a premissa para reputar como sagrada a figura sacerdotal, para colocá-la ao lado daquela figura imensa e salvífica de Cristo. E, consequentemente, para considerar santa a Igreja como estrutura de mediação entre Deus e o homem.

Negar esse assunto significa, para os crentes crianças, cometer um verdadeiro sacrilégio. Que eu, no meu pequeno, cometi aos seus olhos quando escrevi, em um dos últimos capítulos da investigação, que a castidade do clero é uma ficção. Fui inundado com cartas cheias de indignação e de raiva incontida e genuína. Como se eu tivesse blasfemado. Só porque declarei que os padres são homens como todos os outros. Nem mais nem menos. E que, quando eles se esforçam para não sê-lo, muitas vezes provocam em si mesmos e nos fiéis que os cercam danos psíquicos e morais certamente não irrelevantes.

Nesse rastro, com a escolta de muitas das reações de vocês às minhas palavras, quero trabalhar duro no futuro próximo. Sempre na convicção de prestar homenagem àquelas que continuam sendo as minhas divindades pessoais prediletas: a liberdade de pensamento e o amor pela verdade.


http://www.ihu.unisinos.br/noticias/548074-com-francisco-esta-acabando-o-tempo-dos-qfieis-infantisq-artigo-de-marco-marzano

20/10/2015

FRUTO DA TERRA

FRUTO DA TERRA

Documentário, de Tetê Moraes, Duração: 15 min, Plays 6.615
Gênero: Documentário 
Diretor: Tetê Moraes 
Duração: 15 min     Ano: 2008     Formato: HDV 
País: Brasil     Local de Produção: RJ 
Cor: P&B 
Sinopse: Este curta faz parte do projeto Marco Universal. Marcos Tiarajú foi o primeiro bebê nascido na Fazenda Annoni, em 1985. Os pais fizeram parte das 1500 famílias na ocupação realizada pelo MST, início de uma nova etapa na luta pela reforma agrária no Brasil. Sua mãe, Rose, foi morta durante essa luta. A história dessa ocupação, que culminou com a conquista da terra e de novas oportunidades de vida, é contada nos dois premiados documentários de Tetê Moraes, Terra para Rose e O Sonho de Rose, 10 anos depois. Hoje, com 22 anos, Marcos é bolsista de medicina, em Cuba. Uma saga de conquista de direitos humanos, através da luta social, uma história de superação de desigualdades e injustiças, de marginalização e miséria. 
...
Ficha Técnica
Produção: Vem Ver Brasil 
Fotografia: ABC, Cezar Moraes 
Roteiro: Tetê Moraes 
Som: Ricardo Perez, Sérgio Muñoz 
Edição de som: José Moreau Louzeiro, Meios e Midia 
Câmera: ABC, Cezar Moraes 
Produção Executiva: Tetê Moraes 
Assistente de Produção: Rita Lanari 
Finalização: Link Digital 
Apoio: AECID - Centro Cultural de Espanha em São Paulo, CTAV - Centro Técnico Audiovisual, Secretaria do Audiovisual Ministério da Cultura 
Mixagem: Alexandre Ferraz Jardim, Ctav, MinC, Roberto Leite, SAV 
Montagem: Luiz Guimarães de Castro 
Trilha Sonora: 10 ANOS DEPOIS, Citações das Trilhas dos Filmes, O SONHO DE ROSE, TERRA PARA ROSE Trilha De RICARDO PAVÃO, Trilha de LUIZ CLÁUDIO RAMOS Baseada em Assentamento Música de CHICO BUARQUE 
Produção de Finalização: Aída Marques / MP2, Giovana Saad 
Créditos: Luciano Godói 
Curadoria: Carla Esmeralda 
Assistência de Curadoria: Alice Gomes 
Consultoria Musical: Lysias Enio 
Festivais
Festival do Maranhão (2008) 
Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul (2008) 
Aplicabilidades Pedagógicas
Disciplinas/Temas transversais: Geografia, História, Sociologia 
Faixa Etária: de 14 a 18 anos, acima de 18 anos 
Nível de Ensino: Ensino Médio, Formação de Educadores, Ensino Técnico 

18/10/2015

IMPLEMENTAR PROJETOS DE AFIRMAÇÃO DA DEMOCRACIA NOS TERRITÓRIOS

Compromisso dos/das participantes para a próxima etapa: 
IMPLEMENTAR PROJETOS DE AFIRMAÇÃO DA DEMOCRACIA NOS TERRITÓRIOS.
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Quais as estratégias podem ser usadas para garantir o movimento? No cotidiano como a gente se mexe?
Problematizar a realidade e problematizar a nossa vivência e convivência. Importância da formação e ação, teoria e prática.

Boaventura de Sousa Santos

O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na Transformação da Realidade

O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na Transformação da Realidade

Elenaldo Celso Teixeira

http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/aatr2/a_pdf/03_aatr_pp_papel.pdf

Direitos Humanos, Participação e Intersetorialidade nas Políticas Públicas

Direitos Humanos, Participação e Intersetorialidade nas Políticas Públicas


Alexandre Ciconello e José Antônio Moroni[1]
Disponível em: http://www.cemais.org.br/?p=1349. Acesso em: set.2013.


1. Direitos Humanos e PNDH
O objetivo deste texto é levantar algumas reflexões sobre a importância da intersetorialidade nas políticas públicas, como uma condição fundamental para a efetivação dos direitos humanos de todos os brasileiros e brasileiras.
Quando falamos em efetivação de direitos humanos, consideramos a moderna concepção dos DHESCAs, que inclui os direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais, sexuais, reprodutivos e ambientais em sua indivisibilidade e interdependência.
Cabe dizer que o Brasil realizou, ao longo de 2008, um grande debate nacional sobre quais deveriam ser as prioridades que o Estado brasileiro deve assumir ao longo dos próximos anos a fim de garantir uma vida digna a todos/as os/as brasileiros/as. Esse debate ocorreu em razão da realização da 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, que foi um momento em que representantes do poder público e das organizações da sociedade civil e movimentos sociais avaliaram a situação dos direitos humanos no país e estabeleceram diretrizes e metas para o novo Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH.
Desde o início, o principal desafio político e metodológico da construção do III PNDH foi o de construir um programa que considerasse a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos em todas as suas dimensões. Para tanto, o debate se deu a partir de eixos temáticos estruturantes, trazendo os principais desafios para a efetivação dos direitos em nosso país, destacando as dimensões da desigualdade, violência, modelo de desenvolvimento, cultura e educação em direitos humanos, democracia, monitoramento e direito à memória e justiça.
Cabe ressaltar duas dimensões que foram consideradas estruturantes na construção do PNDH III: a universalização dos direitos em um contexto de desigualdades e o impacto de um modelo de desenvolvimento insustentável e concentrador de renda na promoção dos direitos humanos.
Muito se avançou após a Constituição Federal de 1988 na construção de um arcabouço legal de afirmação e garantia de direitos. Essas declarações e reconhecimentos formais de direitos são conquistas importantes, muitas delas decorrentes das lutas populares. Contudo, ainda há no Brasil um fosso imenso entre a previsão normativa e a ação executiva de implementação de políticas públicas que efetivem os direitos humanos em geral e os DHESCA em particular. De fato, pouco se avançou na efetivação de direitos dentro de um contexto de grandes desigualdades.
No caso da sociedade brasileira, essa dimensão é essencial. Não há como se falar em direitos sem considerar o ambiente de desigualdades estruturais, que permite que certos sujeitos de direitos (em razão de fatores como cor, sexo, faixa etária, situação regional, orientação sexual, etnia, classe social etc.) tenham maiores dificuldades de acessar direitos ou tenham seus direitos negados e violados.
Enfrentar as desigualdades sociais passa ainda pela necessidade de compreender que a opção pelo atual modelo de “desenvolvimento” hegemônico – que é insustentável ambientalmente e concentrador de renda – transformou a terra, urbana e rural, e os territórios tradicionais em mercadorias. Desse modo, para privilegiar grupos de empresas nacionais e transnacionais, a todo tempo os direitos a terra e ao território são negados a povos indígenas, comunidades tradicionais, trabalhadores rurais e populações urbanas. Nesse sentido, o PNDH III avançou ao estabelecer diretrizes e ações destinadas à proteção da terra e dos territórios tradicionais.
As principais críticas recebidas pelo Programa vieram dos grupos mais conservadores da sociedade: latifundiários, grandes empresas de mídia e setores da Igreja Católica e dos militares. Isso porque o Programa estabelecia como diretrizes e ações, entre inúmeras outras, a criação de uma Comissão da Verdade para esclarecer as violações de direitos ocorridas no contexto da repressão política no Brasil; apoiava a aprovação de projeto de lei que descriminaliza o aborto; propugnava pela não ostentação de símbolos religiosos em repartições públicas da União; propunha a elaboração de um projeto de lei que  institucionalize a mediação como ato inicial das demandas coletivas fundiárias em áreas rurais e urbanas; e propõe algumas ações relacionadas à democratização das comunicações no país. A maioria dessas disposições foi alterada por pressão desses setores.
Ou seja, o Programa tocou em questões sensíveis aos interesses dos grupos dominantes nesse país: a função social da propriedade, a democratização dos meios de comunicação, a laicacidade do Estado. Além disso, ousou tornar públicos e transparentes os tristes acontecimentos promovidos pelo Estado durante a ditadura militar: mortes, tortura, perseguição, desaparecimentos.


2. A Estruturação das Políticas Públicas no Brasil Contemporâneo
Consideramos importante ressaltar a estruturação das políticas públicas no Brasil, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, destacando alguns elementos que julgamos fundamental para debatermos a intersetorialidade entre as políticas.
Inicialmente, cabe dizer que a Constituição restabeleceu o Estado Democrático de Direito no país, após anos de ditadura militar e de violação dos direitos humanos.
Ademais, a Constituição estabeleceu os principais objetivos da República: a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária com a redução das desigualdades sociais e a prevalência dos direitos humanos. Para que esses objetivos realmente se efetivassem em uma realidade histórica de exclusão, pobreza e desigualdades, a Constituição conferiu ao Estado brasileiro um papel central na promoção dos direitos humanos e na redução das desigualdades, por meio da estruturação de políticas públicas de Estado e sistemas públicos de direitos.
Ao longo da década de 90 e início dos anos 2000, uma vasta normatização foi construída no sentido de operacionalizar os princípios constitucionais e de construir políticas públicas universais e permanentes. Esse verdadeiro reordenamento institucional foi formalizado por uma série de Leis, Decretos, Normas Operacionais, repartição de competências e recursos entre as três esferas da federação. A Lei Orgânica da Saúde, da Assistência Social, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e mais recentemente o Estatuto do Idoso, Estatuto das Cidades, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional e a Lei Maria da Penha[2] são alguns exemplos nesse sentido. Apesar dos avanços conceituais e jurídicos, isso nem sempre refletiu e reflete no formato/desenho das políticas públicas. Ainda vivemos em transição do modelo tutelar das políticas para o modelo de garantia de direitos.
Todo esse processo tem contado com uma intensa participação de organizações e redes da sociedade civil, por meio de canais institucionais de participação, como Conselhos e Conferência, e também por meio de pressão direta nas esferas de poder (realizando estudos, formação política, pressionando parlamentares e gestores, realizando protestos, manifestos, etc.). Nesse caminho cada vez mais as organizações da sociedade civil foram obrigadas a se especializar em áreas, lutas e “demandas específicas”, ao contrário do grande bloco de forças políticas pela redemocratização do país dos anos 80. Isso gerou uma falta de diálogo entre diversos espaços e políticas. A opção feita, consciente ou não, foi de estruturar sistemas de direitos e políticas públicas setoriais (saúde, educação, assistência, cidades, segurança alimentar), que ainda têm muita dificuldade de dialogarem entre si.
Por parte do Estado, devido a sua estrutura setorial burocrática, qualquer tentativa de ações ministeriais conjuntas de gestão e execução compartilhada de políticas encontra barreiras tanto políticas (em que cada pasta deseja maximizar seus próprios resultados e ações) como técnicas (pela hierarquia funcional existente nos ministérios e pela forma como são elaboradas as peças orçamentárias, por órgãos da administração).
Nesse sentido, é chegado o momento de – atingida certa estruturação e normatização necessária de diversas políticas públicas – trabalhar no sentido da integração entre elas, na perspectiva da indivisibilidade dos direitos. O PNDH III traz a síntese de uma agenda para as políticas públicas que pode ser importante como referência de uma política intersetorial. Contudo, há ainda uma cultura institucional no Estado e também na sociedade civil que opera em uma lógica setorial e fragmentada, por motivos e condicionantes diversas.


2.1. Descentralização
A descentralização é uma das principais características da construção de políticas públicas no Brasil pós-1988. Cada esfera de governo – União, estados e municípios – têm competências e recursos próprios para a construção de políticas públicas que visam assegurar direitos. Ou seja, a implementação de políticas públicas passa por um pacto federativo que é baseado em políticas consensuadas no âmbito nacional e implementadas no nível municipal. Em alguns casos, temos a implementação de sistemas, como o SUS – Sistema Único da Saúde e o SUAS – Sistema Único da Assistência Social, e a criação de fundos orçamentários[3]. Esse novo desenho das políticas ainda tem entraves no atual modelo de federação que temos, por exemplo, a não definição objetiva do papel dos estados na execução das políticas publicas, o excesso de centralização da arrecadação dos recursos na esfera federal e a não articulação dos municípios para a execução das políticas.
As diretrizes nacionais (como o III Programa Nacional de Direitos Humanos) ganham vida e significados a partir das realidades municipais e regionais. Assim, cada estado, município ou mesmo certos conselhos municipais (que têm atribuições de aprovação de políticas locais, como os conselhos de assistência social e de saúde) deliberam, na sua respectiva esfera, por critérios próprios, a aprovação das respectivos políticas municipais e estaduais, que devem estar em consonância com a legislação nacional e os objetivos de políticas pactuadas nacionalmente.
Portanto, para além das dificuldades de uma efetiva integração de políticas no âmbito nacional, há ainda o desafio de promover a intersetorialidade nos municípios, lócus da prestação dos serviços públicos à população.


2.2. Universalidade
O estabelecimento de políticas públicas universais promovidas pelo Estado é uma das principais diretrizes da Constituição Federal. Contudo, há um grande desafio de universalizar direitos em uma sociedade como a brasileira, marcada por grandes desigualdades.
Combater a pobreza no Brasil ou as desigualdades de renda passa necessariamente pelo entendimento de que aqui ambas têm relação com as variantes de cor e sexo. As mulheres negras são as mais pobres e têm menor grau de escolaridade, enquanto os homens jovens e negros são os que mais sofrem com a violência, por exemplo. As inaceitáveis distâncias que ainda separam negros de brancos, em pleno século XXI, se expressam no microcosmo das relações interpessoais diárias e se refletem nos acessos desiguais a bens e serviços, ao mercado de trabalho, à educação – que persistem, apesar das melhorias nos indicadores tomados para o conjunto da população –, bem como ao gozo de direitos civis, políticos, sociais e econômicos.
Quando falamos em universalidade no âmbito das políticas públicas, devemos ter como meta a universalização dos direitos, benefícios e serviços oferecidos pelo Estado. A prestação desses serviços deve se dar de forma republicana, sem nenhum tipo de discriminação ou condicionalidade.


2.3. Participação popular
A criação de um sistema de participação social nas políticas públicas, a partir das diretrizes da Constituição de 1988, ganhou forma pela criação de Conselhos setoriais de Políticas Públicas nos três níveis federativos e pela realização periódica de Conferências de Políticas Públicas. Ao longo dos anos 90, muita energia foi direcionada para a constituição e consolidação de conselhos municipais e estaduais e a capacitação de conselheiros/as. Isso ocorreu, especialmente, nas políticas de saúde, assistência social e criança e adolescente, devido às previsões legais nesse sentido.
A partir de 2003, conselhos e processos de conferências têm sido realizados, articulando e construindo uma nova geração de políticas públicas, como a política de promoção da igualdade racial, política para as mulheres, cidades, segurança alimentar, segurança pública, etc.
Em que pese a ampliação de espaços participativos de controle social e cogestão e a inclusão de novas pautas e temas às políticas públicas, o Estado (nas suas três esferas) ainda não enxerga a participação de forma orgânica, como uma estrutura deliberativa e decisória integrada. Para algumas políticas setoriais, essa participação é mais estruturante (saúde, criança e adolescente, assistência social), contudo essa não é a regra. A participação ainda é vista como instrumental e não como essencial nos processos democráticos, portanto com potencial enorme de provocar transformações políticas, sociais, econômicas e culturais.
Na esfera federal não há uma integração horizontal entre os conselhos, que, por vezes, discutem as mesmas questões de forma desconectada. A falta de vontade política de criação de um verdadeiro sistema participativo, somada à já mencionada dificuldade de integração das políticas setoriais, faz com que os espaços de participação reproduzam a fragmentação das políticas.
O desenho da política influencia totalmente a sua efetividade. No caso da criança e adolescente, uma política transversal, que deveria estar contida nas ações dos diversos ministérios, há pouca intersetorialidade. Não se criou uma institucionalidade adequada para a efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. A articulação dos direitos previstos no ECA com a política de assistência social, por exemplo, em que um dos focos é a proteção à infância e à adolescência, é residual, e o debate público nos Conselhos da Criança e Adolescente ficou restrito à questão do adolescente em conflito com a lei e a violação de direitos.
Com relação às deliberações das Conferências, o impacto da fragmentação das políticas e dos espaços de participação também é evidente. A maioria das conferências e suas deliberações são intersetoriais e há muita dificuldade de os órgãos setoriais efetivarem os encaminhamentos de deliberações que estão relacionadas com outros órgãos gestores. Esses órgãos formulam e executam suas ações a partir de suas próprias diretrizes e dinâmicas e têm muita dificuldade de absorverem decisões e recomendações de outros espaços de poder. Não há um órgão centralizador de governo – Casa Civil, Secretarias de governo – que assuma a responsabilidade de dar conseqüência política às demandas populares expressa nos processos de Conferências. Na esfera federal essa atribuição é da Secretaria Geral da Presidência da República, mas ela não deu nenhum passo importante nessa direção.
O argumento central que gostaríamos de ressaltar é que a falta de uma visão estratégica da importância da participação por parte dos governos e a forma como os espaços de participação estão constituídos têm alimentado uma concepção de política social setorial, com dificuldade de articulação de ações e estratégias.
Outro aspecto que queremos pontuar é que a participação ficou reduzida praticamente às chamadas políticas sociais e quase nada nas políticas econômicas e de desenvolvimento. Decisões relacionadas à definição de taxas de juros, metas de inflação e superávit primário, por exemplo, devem considerar os impactos sociais e o aprofundamento das desigualdades. Se essa integração não ocorrer, as políticas de direitos humanos vão continuar sendo políticas de gestão da pobreza e não políticas voltadas para a transformação social.


3. Comentários Finais
A intersetorialidade nas políticas públicas é o único meio de se garantir e efetivar os direitos humanos em sua integralidade e indivisibilidade. As políticas setoriais ainda dialogam com dificuldade. Suas estruturas, institucionalidades, linguagens e espaços de socialização de seus profissionais contribuem para esse isolamento, que se reflete também nos mecanismos institucionais de participação social.
O peso da cultura institucional da burocracia estatal – refratária a mudanças – e da lógica de construção das políticas públicas – fragmentada e setorial – é o principal empecilho a uma efetiva integração das políticas de efetivação de direitos e redução das desigualdades no país.
Aliado a isso, temos uma difícil tarefa de pactuar, nos três níveis da federação, políticas públicas de Estado, que não fiquem reféns de disputas político-partidárias por espaços de poder. Uma das condições para que haja um salto qualitativo das políticas voltadas para a promoção dos direitos humanos – ainda “focalista” e gestora da pobreza – para uma política emancipatória garantidora de direitos humanos reside na sua capacidade de implementar programas, benefícios e ações de forma integrada com as demais políticas sociais e econômicas.


[1]Alexandre Ciconello é advogado, mestre em ciência política, assessor de direitos humanos do Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos e José Antônio Moroni é filósofo, membro do colegiado de gestão do Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos.

[2] Lei 11.340 de 2006, que cria mecanismos para coibir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

[3] A política de saúde é ainda o grande modelo de estruturação de políticas públicas universais, descentralizadas e participativas no Brasil. Estruturada a partir de um Sistema Único que reúne os três entes federativos e uma rede privada de hospitais filantrópicos, possui um Fundo orçamentário específico (Fundo de Saúde) e um sistema participativo de Conselhos de Políticas Públicas nos municípios, estados e no âmbito federal. Além disso, prevê a realização periódica de Conferências de Saúde (a cada quatro anos) com o objetivo de avaliar a situação de saúde no país e propor diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes.



Incertezas e Democracia

Incertezas e Democracia



"Cresce no Brasil uma consciência autônoma de cidadania, que não se deixa levar. Voltamos a sentir a saudável vontade de trocar com nossos amigos e amigas sonhos e ideias sobre a conjuntura política e sobre as possibilidades de incidir nela para mudar". O comentário é do sociólogo Candido Grybowski em artigo no Canal Ibase, 12-09-2014.


Eis o artigo.

Estamos mergulhados no clima de disputa pré-eleitoral como nunca. Cada dia amanhece com notícias novas. A registrar alguns picos sinalizadores de extrema incerteza sobre o que será o amanhã. Já tivemos aquele momento amorfo de nenhuma expectativa de mudança. Veio aquele outro, de morte trágica de um candidato até viável, que alternou a disputa de ponta cabeça.

Depois, a ascensão vertiginosa de uma mulher, Marina Silva, que galvanizou o mal-estar difuso com a política que está no impregnado ambiente público desde as surpreendentes manifestações de junho de 2013. Num curto espaço de tempo, todas as expectativas se desfizeram e refizeram em outras bases. Aécio não evaporou, mas naufragou na planície. As rochas sólidas de um PT bem implantado nacionalmente e as inegáveis conquistas sociais nos últimos 12 anos não só seguraram a Dilma como a deixam numa posição vantajosa. Que quadro eleitoral! Só uma viva democracia é capaz de produzir isto.

Estamos a menos de um mês das eleições. Vendo o contexto, celebro o que a democracia nos propicia. Por mais angustiante e estranha que seja a incerteza reinante, isto é muito melhor que a certeza aplastadora de ditaduras ou o beco sem saída de democracias ritualizadas e de baixa intensidade. Absolutamente claro que a propaganda eleitoral gratuita em nada contribui, com aquelas mulheres e homens se “vendendo” para a cidadania em troca do voto – parecendo santinhos, mas que nos passam uma sensação inversa.

Celebro no momento a possibilidade de debater o país, fora do alcance da grande mídia, cujos sensores são incapazes de reverberar o que se passa nas ruas, nos bares, na intimidade das famílias, no trabalho, nas praias e parques. Aliás, a grande mídia toma partido e tenta fazer nossas cabeças a todo custo para uma volta atrás, ao desenfreado neoliberalismo, com ranço de volta ao saudoso passado de uma classe dominante não acostumada a ser derrotada.

Chamo atenção para um fato surpreendente. Não me lembro de tanto debate político no cotidiano como agora. Em toda parte, basta se formar um pequeno grupo que o assunto do momento é política. Política com p maiúsculo, pois predomina um esforço de se informar e entender sobre a melhor alternativa eleitoral para avançar em democratização e em direitos de cidadania entre nós.

Trata-se de um de debate de opiniões sobre os rumos necessários para o país, debate essencialmente cidadão, pois promovido por quem, pelo voto, decide em última análise a parada. Fazia tempo que um fenômeno assim não acontecia entre nós. A propaganda gratuita em nada contribui para nos fazer debater e buscar opções. Ela é massante e ridícula, ponto! Todas e todos estamos diante de um dilema criador: como exercer nosso poder instituinte e constituinte de cidadãs e cidadãos para apontar uma direção ao país.
O momento é tão confuso e de mal-estar e incertezas que até é difícil ver com clareza a possível hegemonia que vai ser constituída com o primeiro e, hoje quase certo, segundo turno das eleições. Como hegemonia se constrói com emoções + convicções, segundo o mestre Gramsci, começa a ficar claro que isto favorece a candidata à reeleição, Dilma. Para o lado de Dilma até sobram convicções sobre as possibilidades de rever e avançar, inaugurando um novo ciclo de aprofundamento das mudanças apenas iniciadas.

Mas falta um bocado daquela emoção envolvente. Pela novidade, emoções em torno a Marina transbordam, mas as convicções rareiam a cada dia após o pique inicial. Pior, ela passa mais a sensação de um barco entregue a timoneiro que não sabe o rumo a seguir, com idas e vindas que não conseguem dissimular a subordinação difusa a uma agenda basicamente conservadora.

O candidato Aécio, além de nada emocionante naquele seu jeito de distanciamento da galera, assumiu descaradamente a agenda nada convincente, hoje, do neoliberalismo que produziu a maior crise dos últimos tempos no mundo.

O que também merece reflexão nesta eleição é o aprofundamento do fosso entre eleição majoritária para presidente e tudo mais. É como se só a eleição de presidente efetivamente contasse em termos da grande política, de disputa de projetos e rumos para o país.

A eleição de senadores e de deputados federais, de governadores e de deputados estaduais aparece como o espaço reservado para a política de sempre, do não compromisso com sonhos, ideias e projetos, meramente um mercado político de favores, que denigre a representação política.

Como a conquista pelo voto de uma hegemonia no plano do executivo federal, através da Presidência da República – própria do nosso sistema constitucional e cultura política– vai cimentar coalizões partidárias para governar?

Finalmente, um ponto muito essencial na conjuntura eleitoral. Apesar de estar na agenda pública, o debate sobre reforma política da própria Política, enquanto criação da vida em comum e o sentido de pertencimento como sujeito de direitos iguais, é muito marginal nos debates da cidadania. O incríve2l é que a contestação da representação política foi uma questão central nas surpreendentes manifestações de junho de 2013.

De qualquer modo, registro aqui o que me parece mais destacável deste momento que estamos vivendo. Por vias que me parecem surpreendentes, cresce no Brasil uma consciência autônoma de cidadania, que não se deixa levar. Voltamos a sentir a saudável vontade de trocar com nossos amigos e amigas sonhos e ideias sobre a conjuntura política e sobre as possibilidades de incidir nela para mudar. Se os programas eleitorais pela televisão nos passam imagens e discursos desmobilizadores, nada como transformar o azedo limão que engasga em um suco que revitaliza.

A incerteza é inerente à democracia. Por nada estar definido ou ganho de antemão, nos animamos a participar da disputa eleitoral. Por mais retumbante que possa ser a vitória em uma eleição, o resultado obtido será uma nova incerteza sobre como vai funcionar a correlação de forças assim definida. A democracia é, definitivamente, um pacto de incertezas sobre o futuro, que nos faz viver em busca permanente no presente.

Terça, 16 de setembro de 2014

DESENVOLVIMENTO À LUZ DA SOCIOBIODIVERSIDADE

Profa. Dra. Tânia Bacelar de Araújo em conferência no XV Simpósio Internacional IHU

DESENVOLVIMENTO À LUZ DA SOCIOBIODIVERSIDADE

Profº. Dra. Tania Bacellar

Disponível em (acesso em set.2014)
http://www.youtube.com/watch?v=NLwS4TWozek&list=PLP1euMMJK39Rm07zfYO8RKl6ZdPOULcDb.

 O evento pertence a programação do XV Simpósio Internacional IHU "Alimento e Nutrição no contexto dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio".