19/11/2011

Para salvar as florestas 'é preciso cuidar mais das cidades’

Entrevista Evaristo de Miranda[1]

O que acha do aumento do desmatamento da Floresta Amazônica? Não se desmata por pura maldade. As razões são sociais e econômicas. A Amazônia, uma das regiões mais pobres e atrasadas do Brasil, tem a economia regional que mais cresce. Seu ritmo de PIB é duas vezes o do país. Em três anos, a região cresceu 22,4% enquanto o Brasil, 10%.

Obras do PAC podem prejudicar o bioma?  Investimentos nas áreas urbanas são fundamentais. Para salvar a floresta, é preciso cuidar das cidades, mais do que das árvores. Quando a cidade gera emprego e renda, atrai mão-de-obra do campo e alivia a pressão sobre a floresta. Ao fortalecer as atividades econômicas e melhorar as condições de vida nas cidades, as obras do PAC poderão ampliar a sustentabilidade na Amazônia. As atuais propostas são setoriais e exacerbam os conflitos.

A agricultura também poderia ajudar na redução do desmatamento? Para atender às demandas da região sem desmatar, é preciso dobrar a produtividade das culturas, das pastagens e dos rebanhos.

Por que é tão difícil produzir um zoneamento ecológico na região?
O ordenamento territorial é a base do desenvolvimento sustentável e seu primeiro passo é o zoneamento, previsto desde a Constituição de 88. Até hoje não saiu do papel, mesmo com muito dinheiro e tinta gastos com isso. Um bom zoneamento descontenta a todos um pouco. O que ele propõe é um compromisso aceitável por todos, negociado. Não pode ser deixado na mão de um setor específico.

O que é possível fazer pela floresta? Os europeus desmataram 99,7% de suas florestas. Talvez possam pagar pelos serviços ambientais planetários no Brasil, que mantém 69,7% de sua vegetação nativa. Os europeus desmataram 99,7% de suas florestas. Talvez possam pagar pelos serviços ambientais planetários no Brasil, que mantém 69,7% de sua vegetação nativa.


As pessoas são mais pobres tendo mais coisas em suas casas

Entrevista com Cândido Grzybowski[2]

Como o senhor analisa a mobilidade social das famílias brasileiras?
Houve uma melhora na economia brasileira nos últimos anos, após o Plano Real. O salário mínimo aumentou bastante, e os programas de transferência de renda foram importantes para alavancar esse processo. E o acesso ao crédito garante uma sensação de melhora de vida. Porém, toda essa mobilidade ainda é passageira, com as famílias passando da classe C para a B, assim como outros movimento na base da pirâmide social. Todas essas mudanças são apenas reflexos conjunturais da economia. Essa sensação pode passar amanhã, se houver uma piora na economia. A inflação alta pode acabar com toda essa sensação de avanço, já que os alimentos consomem boa parte da renda. É preciso fazer reformas estruturais no país.

Quais reformas estruturais são importantes?
As reformas são a agrária, a da habitação, a da educação e a do saneamento básico. Este último traz benefícios coletivos e não individuais. Quando há esgoto, por exemplo, a sensação de bem-estar é dez vezes maior que a do Bolsa Família. Estamos vivendo em uma sociedade de emergência, no qual todos os programas são feitos apenas para apagar incêndios. Outro fator importante é diminuir a diferença entre os mais ricos e os mais pobres no país; por isso, a desigualdade deve ser combatida.

Qual é a mudança quando uma família passa da classe C para a B?
Há uma sensação de que a família subiu muito, de que ela cresceu mais que a economia. Porém, existem perigos. Como haverá algo do tipo “eu consegui”, esses lares tendem a não pensar em melhorar a sociedade. Haverá, sem dúvida, um princípio individualista e, com isso, vai se deixar de olhar para os lados.

Como se dá a sensação de riqueza entre as classes sociais mais baixas?
As famílias das classes D e E vivem o dia-a-dia. Eles não têm poupança. A diferença é que, se eles sabem que amanhã vão ter dinheiro, consomem hoje. Além disso, a figura do presidente serve de alento, pois Lula veio das camadas mais baixas e hoje é o presidente. Por outro lado, o padrão de consumo mudou. Apesar de eles terem eletroeletrônicos em suas casas, não significa que estão vivendo melhor. O pobre dos anos 70, que não tinha nada, não é o mesmo do de hoje, que viaja e tem televisor de 29 polegadas. Em uma medida absoluta, as pessoas são mais pobres tendo mais coisas em suas casas. Eles se sentem pobres pelo que eles não têm, já que a economia cresceu mais que eles.



[1]   Doutor em ecologia pela Universidade de Montpellier (França),há mais de 25 anos realiza pesquisas na Amazônia, chefia o monitoramento por satélite e defende investimentos nas cidades para salvar as florestas. Jornal O Globo, 08-06-2008.
[2] Na avaliação do sociólogo Cândido Grzybowski, diretor do Ibase e um dos integrantes do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial, é preciso que o Brasil faça reformas estruturais. Jornal O Globo, 08-06-2008.



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