Entrevista Evaristo de Miranda[1]
O que acha do aumento do desmatamento da Floresta Amazônica? Não se desmata por pura maldade. As razões são sociais e econômicas. A Amazônia, uma das regiões mais pobres e atrasadas do Brasil, tem a economia regional que mais cresce. Seu ritmo de PIB é duas vezes o do país. Em três anos, a região cresceu 22,4% enquanto o Brasil, 10%.
Obras do PAC podem prejudicar o bioma? Investimentos nas áreas urbanas são fundamentais. Para salvar a floresta, é preciso cuidar das cidades, mais do que das árvores. Quando a cidade gera emprego e renda, atrai mão-de-obra do campo e alivia a pressão sobre a floresta. Ao fortalecer as atividades econômicas e melhorar as condições de vida nas cidades, as obras do PAC poderão ampliar a sustentabilidade na Amazônia. As atuais propostas são setoriais e exacerbam os conflitos.
A agricultura também poderia ajudar na redução do desmatamento? Para atender às demandas da região sem desmatar, é preciso dobrar a produtividade das culturas, das pastagens e dos rebanhos.
Por que é tão difícil produzir um zoneamento ecológico na região?
O ordenamento territorial é a base do desenvolvimento sustentável e seu primeiro passo é o zoneamento, previsto desde a Constituição de 88. Até hoje não saiu do papel, mesmo com muito dinheiro e tinta gastos com isso. Um bom zoneamento descontenta a todos um pouco. O que ele propõe é um compromisso aceitável por todos, negociado. Não pode ser deixado na mão de um setor específico.
O que é possível fazer pela floresta? Os europeus desmataram 99,7% de suas florestas. Talvez possam pagar pelos serviços ambientais planetários no Brasil, que mantém 69,7% de sua vegetação nativa. Os europeus desmataram 99,7% de suas florestas. Talvez possam pagar pelos serviços ambientais planetários no Brasil, que mantém 69,7% de sua vegetação nativa.
As pessoas são mais pobres tendo mais coisas em suas casas
Entrevista com Cândido Grzybowski[2]
Como o senhor analisa a mobilidade social das famílias brasileiras?
Houve uma melhora na economia brasileira nos últimos anos, após o Plano Real. O salário mínimo aumentou bastante, e os programas de transferência de renda foram importantes para alavancar esse processo. E o acesso ao crédito garante uma sensação de melhora de vida. Porém, toda essa mobilidade ainda é passageira, com as famílias passando da classe C para a B, assim como outros movimento na base da pirâmide social. Todas essas mudanças são apenas reflexos conjunturais da economia. Essa sensação pode passar amanhã, se houver uma piora na economia. A inflação alta pode acabar com toda essa sensação de avanço, já que os alimentos consomem boa parte da renda. É preciso fazer reformas estruturais no país.
Quais reformas estruturais são importantes?
As reformas são a agrária, a da habitação, a da educação e a do saneamento básico. Este último traz benefícios coletivos e não individuais. Quando há esgoto, por exemplo, a sensação de bem-estar é dez vezes maior que a do Bolsa Família. Estamos vivendo em uma sociedade de emergência, no qual todos os programas são feitos apenas para apagar incêndios. Outro fator importante é diminuir a diferença entre os mais ricos e os mais pobres no país; por isso, a desigualdade deve ser combatida.
Qual é a mudança quando uma família passa da classe C para a B?
Há uma sensação de que a família subiu muito, de que ela cresceu mais que a economia. Porém, existem perigos. Como haverá algo do tipo “eu consegui”, esses lares tendem a não pensar em melhorar a sociedade. Haverá, sem dúvida, um princípio individualista e, com isso, vai se deixar de olhar para os lados.
Como se dá a sensação de riqueza entre as classes sociais mais baixas?
As famílias das classes D e E vivem o dia-a-dia. Eles não têm poupança. A diferença é que, se eles sabem que amanhã vão ter dinheiro, consomem hoje. Além disso, a figura do presidente serve de alento, pois Lula veio das camadas mais baixas e hoje é o presidente. Por outro lado, o padrão de consumo mudou. Apesar de eles terem eletroeletrônicos em suas casas, não significa que estão vivendo melhor. O pobre dos anos 70, que não tinha nada, não é o mesmo do de hoje, que viaja e tem televisor de 29 polegadas . Em uma medida absoluta, as pessoas são mais pobres tendo mais coisas em suas casas. Eles se sentem pobres pelo que eles não têm, já que a economia cresceu mais que eles.
[1] Doutor em ecologia pela Universidade de Montpellier (França),há mais de 25 anos realiza pesquisas na Amazônia, chefia o monitoramento por satélite e defende investimentos nas cidades para salvar as florestas. Jornal O Globo, 08-06-2008.
[2] Na avaliação do sociólogo Cândido Grzybowski, diretor do Ibase e um dos integrantes do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial, é preciso que o Brasil faça reformas estruturais. Jornal O Globo, 08-06-2008.
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