30/08/2011

Inscrições para o 4º Curso de Formação Política para Cristãos/as Leigos/as (Turma 2012-2013)

Do dia 01 de agosto a 31 de outubro de 2011, estarão abertas as inscrições para o Curso de Formação Política para Cristãos Leigos e Leigas, turma 2012/2013.

 

O curso iniciará com a primeira parte presencial (de 15 a 28/01/2012), terá continuidade  pela educação a distância (EAD) e segunda parte presencial em janeiro de 2013.

 

O objetivo do curso é formar cristãos leigos e leigas para a missão política, favorecendo-lhes a aquisição de competência e habilitação para agir como cristãos no complexo campo da política.

 

 

PROGRAMAÇÃO

 

Primeira etapa  15 dias (90 horas)

•Leitura da relação Fé e Política na Bíblia e nos Padres da Igreja Primitiva;

•Ensino Social da Igreja: princípios básicos;

•História da Política e da Economia, e as grandes etapas do capitalismo;

•História da formação social, econômica, política e cultural do Brasil;

•Comunicação e Política;

•A Legislação Eleitoral do Brasil;

•Noções de Bioética e sua atualização;

•Projetos para o Brasil: Os Projetos dos partidos políticos e dos movimentos sociais;

•Metodologia do trabalho científico.

Educação a distância (180 horas)

•Ética, Fé/Espiritualidade e Política;

•História das Instituições Políticas no Brasil;

•História da Formação Social, Econômica, Política e Cultural do Brasil;

•A Constituição de 1988 e os Direitos Humanos;

•Bioética: implicações éticas, teológicas e políticas;

•Ensino Social da Igreja(as encíclicas sociais).

Segunda Etapa  15 dias (90 horas)

•Cidadania e direitos humanos, nos últimos 50 anos, e a contribuição da Igreja neste processo;

•Leitura da relação Fé e Política: no Vaticano II, nos documentos da Igreja na América Latina e no Brasil;

•Alternativas e protagonistas - experiências educativas:

•Orçamento participativo e controle social;

•Conselhos Municipais de Direitos ou paritários;

•O trabalho e a economia solidária;

•Agroecologia e a economia sustentável;

•Agricultura familiar;

•Cultura de paz contra a Violência.

•Relatos e análise de experiências de Escolas locais de Fé e Política

Download de documentos:

Folder do Curso

Ficha de Inscrição

 

Mais informações:

Telefone: (61) 3349 4623
Endereço Eletrônico: cefep@cefep.org.br

Página internet: http://www.cefep.org.br/news/inscricoes-para-o-4o-curso-de-formacao-politica-para-cristaos-as-leigos-as-turma-2012-2013-1

21/08/2011

Escola de Fé, Política e Trabalho 2011.ano8 – sexta etapa

Nos dias 20 e 21 de Agosto de 2011, no Centro Diocesano de Formação Pastoral, numa iniciativa da Cáritas Caxias do Sul em parceria com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, aconteceu a sexta etapa da Escola de Fé, Política e Trabalho em sua oitava edição.
Os temas propostos para esta etapa foram: ‘Contexto cultural na pós-modernidade na sociedade capitalista’ e contou com a presença da assessoria do Professor Ms Lucas Henrique da Luz – Unisinos onde vimos que a cultura sendo práticas e ações sociais que seguem um padrão determinado no espaço e no tempo, na pós-modernidade deixou de ser um direito universal e passou a ser um privilégio de poucos que pela massificação cultural (a mesma idéia, o mesmo produto para a maior parte da população) introduz uma divisão social na arte e então temos pobres e ricos em situações opostas.

Na pós-modernidade o espaço e tempo não são mais rígidos criando um mundo contraditório com uma sociedade capitalista desigual, com um grupo mínimo de pessoas desfrutando o melhor e a grande maioria com acesso restrito a produtos básicos, vivendo num mundo onde a ‘estética’ é mais importante que a ética – o discurso é mais valorizado que a prática; o passado e o futuro não têm importância, o que vale é viver o presente intensamente; a individualização é o que vale em detrimento as questões comunitárias; os vínculos e valores são minimizados por ações superficiais gerando a crise civilizacional por qual passamos onde as ações políticas são diminuídas, a questão ecológica é mais dizer do que fazer, o consumismo é alimentado por todos os meios possíveis capazes de nos seduzir.

 





No domingo, dentro da possibilidade de continuar o debate e trazer novas luzes sobre a pós-modernidade trouxemos como tema ‘Bíblia: Projeto de uma sociedade sem empobrecidos e excluídos’ e contou com a assessoria do professor Dr. Pedro Kramer – ESTEF – Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – Porto Alegre.


Através da leitura do livro do Deuteronômio vimos que foi possível construir uma sociedade onde a solidariedade e a partilha geraram um povo sem excluídos, onde foi possível estabelecer vínculos e compromissos capazes de atitudes éticas e morais que motivaram laços com as pessoas economicamente fracas e legalmente dependentes.


A próxima etapa acontece nos dias 17 e 18 de Setembro com o tema: ‘Brasil no século 21: da modernização conservadora à inserção mundial – avanços e desafios’ com a assessoria do professor Dr. César Sanson – CEPAT – Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – Curitiba, PR.

Equipe de Coordenação
Escola de Formação Fé, Política e Trabalho 2011 . ano8
(Texto: José Somensi | Fotos: Gilnei Fronza e Fernanda Seibel)

GRUPOS DE PESSOAS SEM-TERRA NO LIVRO DO DEUTERONÔMIO. PROGRAMA DE UMA SOCIEDADE IGUALITÁRIA, DE SOLIDARIEDADE E DE PARTILHA

Pedro Kramer

RESUMO: A tríade, estrangeiro, órfão e viúva, são os grupos de pessoas mais pobres nos códigos legais do antigo Oriente Médio. No Código Deuteronômico, no entanto,o escravo, o levita e esses três grupos de pessoas não são pobres e nem são mencionados em contextos de pobreza. Neste código, eles são pessoas sem-terra e assim são economicamente fracos e legalmente dependentes. Nele há tantas leis de assistência e promoção social que o escravo, o levita e esses três grupos não são mais considerados pobres na sociedade israelita do século VII a.C. Eles estão protegidos pela lei e por Deus, seu Advogado e Libertador.

PALAVRAS-CHAVE: Código Deuteronômico. Escravo. Levita. Estrangeiro. Órfão. Viúva. Assistência. Promoção. Libertação. Pobre. Lei
INTRODUÇÃO
            A pesquisa do assunto, explicitado no título acima, sugere que devemos primeiramente tratar da origem, formação e composição da legislação deuteronômica e do livro do Deuteronômio[1] como ele, hoje, se encontra nas nossas Bíblias. No livro de nossa autoria[2], nós temos comparado o livro do Deuteronômio e sua legislação com um rio com muitos afluentes e com trezentos anos de gestação[3]. Nós vamos concentrar nossa atenção no Código Deuteronômico e só, de vez em quando, vamos nos referir aos outros dois códigos legais no Pentateuco, o Código da Aliança (Ex 20,22-23,33) e o Código da Santidade (Lv 17-26).

            O título de nossa pesquisa sobre escravo, levita e os três grupos de pessoas sem terra, o estrangeiro, o órfão e a viúva, provém da própria legislação deuteronômica. Porque os termos ‘órfão’ e ‘viúva’ nesta legislação sempre aparecem juntos e sempre nesta sequência. Se essas duas palavras em algum parágrafo da lei forem conectadas ao substantivo “estrangeiro”, então este grupo de pessoas é sempre antecedido aos dois outros, ou seja, aos órfãos e às viúvas. Nesta primeira observação referente aos grupos de pessoas economicamente fracos e legalmente dependentes, mencionados sempre na mesma ordem e sequência, podemos perceber que o redator da legislação deuteronômica é uma pessoa que pensa. Ela tem lógica e senso de organização. Ela assim cria um sistema de leis, através das quais não devem e nem podem existir na sociedade israelita do seu tempo, pobres e excluídos. Em vista disso, vamos agora destacar alguns aspectos típicos da legislação deuteronômica.

            No texto do nosso estudo vão aparecer duas formas de transliterar para o português o nome do Deus do Antigo Testamento. Nas citações literais do texto bíblico aparece a forma “Iahweh” porque é assim que translitera o tetragrama divino, YHWH, a Bíblia de Jerusalém, edição de 2002. E no texto corrido emprega-se a forma “Iavé”, no sentido de simplificar a transliteração do nome divino.  

            Esta pesquisa se compõe de três partes. Na primeira descreve-se o processo evolutivo do Código Deuteronômico, desde a sua origem no século VIII a.C. até a sua  formação final no livro do Deuteronômio como ele se encontra atualmente em nossas bíblias. A segunda parte contém a análise geral e detalhada do sistema legal das quatorze leis de assistência e promoção social do escravo, levita, estrangeiro, órfão e da viúva no Código Deuteronômico. Na terceira parte são especialmente comentadas as leis referentes ao estrangeiro e ao levita nas outras passagens do livro do Deuteronômio.
1. O CÓDIGO DEUTERONÔMICO É A CONSTITUIÇÃO DO REINO DE JUDÁ

            Pelo título nós podemos deduzir que, se no Antigo Testamento há um livro que já em seu tempo foi colocado em prática e que orientou e norteou a vida dos israelitas na história, então, este é o Código Deuteronômico. Vamos agora conhecer melhor o processo de sua formação e composição. 


            a) Os inícios da legislação deuteronômica do povo de Israel se deram, segundo os biblistas N. Lohfink e G. Braulik e tantos outros exegetas, no final do século VIII a.C., no tempo do rei Ezequias (725-696 a.C.), em Jerusalém, a capital do Reino de Judá ou Reino do Sul. As cidades deste reino foram conquistadas pelo rei assírio Senaquerib (704-681 a.C.). Assim praticamente só restou para o rei Ezequias a cidade de Jerusalém que esse rei assírio não conseguiu conquistar no ano de 701 a.C. O profeta Isaías descreve a situação deste monarca na capital Jerusalém assim: A filha de Sião foi deixada só como choça em vinha, como telheiro em pepinal, como cidade sitiada (Is 1,8). E documentos da Assíria desta época comparam o rei Ezequias em Jerusalém com um “pássaro na gaiola”.
            Que conseqüências surgem para o rei Ezequias e para a população israelita confinados praticamente ao território da cidade de Jerusalém? Este contexto histórico favoreceu a centralização de toda a liturgia no templo de Jerusalém, como prescreve Dt 12,4-7: Em relação a Iahweh vosso Deus ... buscá-lo-eis somente no lugar que Iahweh vosso Deus houver escolhido,dentre todas as vossas tribos,para aí colocar o seu nome e aí fazê-lo habitar. Levareis para lá vossos holocaustos e vossos sacrifícios, vossos dízimos e os dons das vossas mãos, vossos sacrifícios votivos e vossos sacrifícios espontâneos, os primogênitos de vossas vacas e das vossas ovelhas. E comereis lá, diante de Iahweh vosso Deus, alegrando-vos com todo o empreendimento de vossa mão, vós e vossas famílias, com o que Iahweh teu Deus te houver abençoado. Esta mesma prescrição encontra-se neste conjunto de leis: Dt 12,4-28; 14,22-27; 15,19-23; 16,1-17; 17,8-13; 18,1-8; 26,1-11; 31,9-13. Em base a esta legislação deuteronômica, o rei Ezequias empreendeu uma reforma religiosa, como nos atesta 2Rs 18,4: Foi ele que aboliu os lugares altos, quebrou as estelas, cortou o poste sagrado, e reduziu a pedaços a serpente de bronze que Moisés havia feito, pois os israelitas até então ofereciam-lhe incenso. (cf. v. 22). Esta reforma religiosa foi também favorecida porque o Reino do Norte, composto por quase dez tribos de israelitas, foi riscado do mapa e transformado numa província assíria, em 722 a.C. Assim o rei Ezequias se tornou o único rei israelita.  
            b) O rei Manassés (696-642 a.C.), sucessor de Ezequias, se submeteu totalmente aos interesses dos assírios que, então, dominavam o mundo. Este longo período de dependência dos assírios em todos os sentidos e a ausência de guerra propiciaram aos israelitas um pequeno desenvolvimento econômico. Em 2Rs 21, no entanto, contam-se verdadeiros horrores praticados por ele. Entre outras coisas, ele incentivou a idolatria, chegando ao cúmulo de mandar queimar seu filho primogênito em honra da divindade Moloc (2Rs 21,6). Uma frase pode talvez sintetizar seu longo governo: Manassés também derramou o sangue inocente em quantidade tão grande, que inundou Jerusalém de um lado a outro, sem falar nos pecados que fez Judá cometer, procedendo mal aos olhos de Iahweh (2Rs 21,16). Neste tempo de total dominação dos assírios desapareceu o documento original, contendo a legislação deuteronômica, e que serviu de base para a reforma religiosa do rei Ezequias.


c) A dependência completa da Assíria continuou durante o curto reinado de Amon (642-640 a.C.), filho e sucessor de Manassés (2Rs 21,1-22). Ele foi logo destronado, quando se percebeu que esse monarca iria continuar a política de seu pai ou mudar o rumo da política atual: os servos de Amon conspiraram contra ele e mataram o rei no seu palácio (2Rs 21,23).


d) Esta revolução palaciana provocou outro grupo da sociedade israelita, o assim chamado “povo da terra”, isto é, agricultores do Reino de Judá, que, num outro golpe de estado, mataram os assassinos do rei Amon: Mas o povo da terra matou todos os que haviam conspirado contra o rei Amon e proclamou rei em seu lugar seu filho Josias (2Rs 21,24). Se esse grupo de agricultores colocou no poder e coroou Josias (640-609 a,C.), um menino de oito anos de idade, isto é, de menoridade, então ele demonstra que tem em suas mãos todo o poder no Reino de Judá. O que neste momento histórico urgia fazer, era a elaboração de um programa político de governo. Este certamente foi elaborado por representantes dos agricultores e de outros grupos do primeiro escalão de governo do Reino de Judá. Tudo isto, no entanto, se tornou possível porque, desde 630 a.C. a Assíria entrou em crise e começava a se enfraquecer, vindo a desaparecer em 612 a.C.


            e) Quando, no entanto, o rei Josias, proclamado rei aos oito anos de idade, começou a governar por conta própria, o processo de enfraquecimento da Assíria, que ainda dominava o mundo, já estava bastante avançado. Este fato possibilitou ao rei Josias proclamar a independência econômica, política, religiosa e cultural dos assírios. Em vista disso, no ano de 622 a.C. ele empreendeu a obra de restaurar o templo de Iahweh. Durante esses trabalhos de reforma material foi encontrado no templo o “Livro da Lei” ou o “Livro da Aliança” (2Rs 22,1-20). Este foi logo identificado com a legislação deuteronômica do tempo do rei Ezequias que, durante os governos de Manassés e de Amon se perdera, mas foi agora encontrada no templo de Iavé (2Rs 22,8-20).
            O rei Josias, em base ao “Livro da Lei” ou ao “Livro da aliança” ou da legislação deuteronômica, com a provável adição de algumas leis, especialmente de cunho social, elaboradas pelos representantes de agricultores e de outros segmentos da sociedade israelita, realiza uma reforma religiosa (2Rs 23,4-20). Esta culminou quando ele mesmo e todo o povo de Israel se comprometeram a seguir a Iavé e a pôr em prática as cláusulas da Aliança escrita neste livro (2Rs 23,1-3). Esta ação era a declaração da independência da Assíria em todos os sentidos e a opção total e radical por Iavé, o Deus libertador e o Deus da aliança.
A declaração da independência foi comemorada através da celebração da Páscoa no ano de 622 a.C. A comemoração da Páscoa sempre nos remete ao acontecimento do êxodo libertador dos israelitas da escravidão do faraó do Egito: Não se havia celebrado uma Páscoa semelhante a esta em Israel desde os dias dos Juízes que haviam governado Israel, nem durante todo o tempo dos reis de Israel e dos reis de Judá (2Rs 23,22). A legislação deuteronômica, contendo leis principalmente litúrgicas e sociais, tornou-se, então, a constituição do povo no Reino do Sul, no mínimo de 622 até 609 a.C., o ano da morte do rei Josias. Durante o exílio dos israelitas na Babilônia e também depois dele, a legislação deuteronômica, Dt 5.12-28, e o livro do Deuteronômio receberam outros acréscimos, até assumirem a forma que eles têm agora nas nossas Bíblias.
2. AS LEIS DO CÓDIGO DEUTERONÔMICO REFERENTES AO ESCRAVO, LEVITA, ESTRANGEIRO, ÓRFÃO E À VIÚVA

Durante o governo do rei Josias, de 622 a 609 a.C., a legislação deuteronômica em Dt 5.12-28 era a constituição do povo de Israel no Reino do Sul. Ela provavelmente continha leis litúrgicas, socioeconômicas, penais, leis sobre os deveres e os direitos das autoridades como os juízes, sacerdotes, reis e profetas bem como bênçãos e maldições. Esses conjuntos legais eram provavelmente mais reduzidos na época do rei Josias do que são hoje, no atual livro do Deuteronômio. Porque eles receberam acréscimos durante o exílio e depois dele, a tal ponto que seria mais exato falar em legislação deuteronômica e deuteronomista. As leis deuteronomistas seriam as adições exílicas e pós-exílicas à legislação deuteronômica pré-exílica. Elas foram feitas pelos mesmos legisladores deuteronômicos que agora relêem os textos pré-exílicos e os atualizam e aplicam para a situação do exílio e depois dele.
            Neste nosso estudo nós não vamos nos ater às leis litúrgicas e a outros conjuntos de leis da legislação deuteronômica[4], mas a nossa atenção vai direcionar-se apenas para as leis relativas ao escravo, levita, estrangeiro, órfão e à viúva, esses grupos de pessoas sem-terra. Neste contexto nós não podemos esquecer que a economia e o modo de sobrevivência eram basicamente a agricultura. O outro pilar da economia, a indústria, praticamente não existia, a não ser algum artesanato. Como, no entanto, o legislador deuteronômico elaborou um sistema de quatorze leis socioeconômicas, nós, ao menos, temos que mencionar algumas outras leis para percebermos a intenção e a finalidade do redator dessas leis. Porque no tratado das quatorze leis, ele elabora um conjunto legal através do qual na sociedade israelita não devia existir nem sequer um só pobre e excluído. Por isso, devemos também mencionar aquelas leis de assistência e promoção social que defendem, apóiam e promovem outros grupos sociais, igualmente economicamente fracos e legalmente dependentes, como o escravo e a escrava e o levita. Ao fazer isso, nós estamos tomando mais consciência do objetivo do nosso legislador que visava uma sociedade e um mundo, onde não mais deviam existir pessoas  e grupos de pobres e excluídos. O exegeta Norbert Lohfink nos apresenta as quatorze leis de assistência e promoção social da legislação deuteronômica num esquema panorâmico e de fácil compreensão[5]:

Dt 5.12-28: Leis de assistência e promoção social

                                           Escravo   Levita   Estrangeiro   Órfão   Viúva
5,14:    Sábado                       x                              x 
12,7:    Sacrifício              Família  
12,12:  Sacrifício                     x              x            
12,18:  Dízimo                         x              x
14,26s: Dízimo                   Família                         
14,29:  Dízimo trienal                              x
15,20:  Primogênitos           Família 
16,11:  Pentecostes                 x             x              x              x              x
16,14:  Tendas                         x             x              x              x              x
24,19:  Colheita                                                      x              x              x                              
24,20:  Colheita                                                      x              x              x
24,21:  Colheita                                                      x              x              x
26,11:  Dízimo                   Família          x              x
26,12s: Dízimo                                        x              x             x              x

            Este quadro, elencando as quatorze leis sociais, contém a passagem no livro do Deuteronômio, o título da respectiva lei e o grupo social beneficiado.

2.1 Observações gerais sobre o sistema de leis de assistência e promoção social do Código Deuteronômico

            O exegeta N. Lohfink[6] observa primeiramente que o Código Deuteronômico, presente em Dt 5.12-28, é um conjunto de leis orgânico, lógico e completo. Porque o redator da legislação deuteronômica elenca em Dt 5,6-21 os dez mandamentos da Lei de Deus. Estes são os princípios orientadores e norteadores da vida e missão do povo de Israel. Este decálogo, no entanto, necessita de leis complementares que concretizam, atualizam e detalham os respectivos princípios para um período determinado da história que é o século VII a. C. As leis complementares encontram-se em Dt 12-26 seguindo a sequência dos dez mandamentos em Dt 5,6-21[7], como podemos ver no gráfico abaixo.

Mandamento                                     Leis Complementares
Primeiro                Dt 5,7-10                       Dt 12,2-13,19
Segundo               Dt 5,11                          Dt 14,1-21
Terceiro                Dt 5,12-15                     Dt 14,22-16,17
Quarto                  Dt 5,16                          Dt 16,18-18,22
Quinto                  Dt 5,17                          Dt 19,1-21,23
Sexto                   Dt 5,18                          Dt 22,13-23,15
Sétimo                 Dt 5,19                          Dt 23,16-24,7
Oitavo                  Dt 5,20                          Dt 24,8-25,4
Nono                    Dt 5,21a                        Dt 25,5-12
Décimo                 Dt 5,21b                        Dt 25,13-16

Este Código Deuteronômico é uma doação de Iavé, o Deus do êxodo do Egito e o libertador da escravidão, para que o povo de Israel na terra prometida preserve e guarde a liberdade alcançada e não entre mais em desvios que possam levá-lo novamente para a escravidão. Com essa legislação deuteronômica, seu redator visa criar uma sociedade igualitária, de solidariedade e de partilha, na qual não haja mais empobrecidos, excluídos e marginalizados. Para ele, a legislação deuteronômica é o caminho para esta sociedade alternativa e possível, projetando assim um mundo novo e diferente.

            Outra observação geral do nosso biblista refere-se à escolha dos termos usados pelo legislador deuteronômico para descrever a pobreza ou a miséria, na qual infelizmente muitas pessoas caíam e caem. Ele destaca que o redator da legislação deuteronômica tem um cuidado todo especial na escolha das palavras que ele emprega para tornar seu Código Deuteronômico bem compreensível para todos, evitando a confusão e a ambigüidade dos conceitos. Em vista disso, quando ele se refere à pobreza ele usa apenas os termos hebraicos ’ebyon e ‘any, para descrever alguém como pobre. Ao passo que na língua hebraica há ainda, ao menos, seis termos que designam o ‘pobre’. Também na língua portuguesa há uma série de palavras que associamos a pessoas pobres, como cegos, paralíticos, desempregados, certos tipos de doentes, pessoas com baixa renda e analfabetos. N. Lohfink[8] percebe ainda que os dois termos que aludem à pobreza, ’ebyon e ‘any, só se encontram no Código Deuteronômico, Dt 5.12-26, e apenas em dois capítulos deste código legal. Assim em Dt 15 e 24 a palavra ’ebyon aparece seis vezes em Dt 15, 4.7.7.9.11.11 e apenas uma vez em Dt 24,14. O termo ’ebyon é, então, usado, ao todo, sete vezes na legislação deuteronômica. O número sete alude à plenitude e sua utilização, sete vezes, não pode ser mera coincidência e causalidade. E o termo ‘any aparece inversamente apenas uma vez em Dt 15,11 e três vezes em Dt 24,12.14.15. Ao todo, ele é aqui utilizado quatro vezes. Ora, o emprego do número ‘quatro’ aqui também não pode ser mera causalidade e coincidência, pois o número ‘quatro’ indica a totalidade do mundo criado[9].

Ele, além disso, constata que os dois termos para ’pobre’ só se encontram em realidades, nas quais sempre haverá pobres. Porque numa sociedade agrícola sempre vão acontecer colheitas frustradas que obrigam o agricultor e a agricultora a fazer empréstimos que, mais tarde, não poderão ser devolvidos por causa de sucessivas safras sem lucro. Assim a pessoa endividada vai ter que pagar a dívida ao credor mediante trabalhos por um determinado tempo. Nosso biblista, aliás, ainda ressalta que os três grupos de pessoas sem-terra, o estrangeiro, o órfão e a viúva, sempre nesta sequência, nem são consideradas e designadas pobres. Porque, se a legislação deuteronômica for praticada, esta tríade não é pobre e nem excluída ou marginalizada na sociedade israelita do século VII a.C. O seguinte esquema nos ajuda a compreender melhor as observações de N. Lohfink[10]:

’ebyon    Dt 15,4.7.7.9.11.11                       ‘any   Dt 15,11      
                   24,14 = 7 vezes                                        24, 12.14.15 = 4 vezes

Estrangeiro + órfão + viúva      Dt 10,18s
                                                           14,29
                                                           16,11.14
                                                           24,17.19.20.21
                                                           26,12.13
                                                           27,19 
           
             Como resumo, podemos enfatizar que todas estas observações gerais sobre o Código Deuteronômico têm como finalidade demonstrar que esta legislação foi muito bem pensada, organizada e planejada para que a sociedade israelita se tornasse e se mantivesse igualitária, uma sociedade de solidariedade e de partilha, sem empobrecidos e excluídos.

2.2 Análise detalhada das leis de assistência e promoção social do Código Deuteronômico

Nós queremos agora conhecer melhor as quatorze leis de assistência e promoção social do Código Deuteronômico, Dt 5.12-26, priorizando aquelas onde aparece a tríade estrangeiro, órfão e viúva e os grupos de pessoas sem-terra como os escravos e levitas.

1) Repouso semanal: Dt 5,14

            Quem lê com atenção Dt 5,14 e medita um pouco sobre o seu conteúdo, sentirá a sensação de uma profunda alegria e experimenta uma inigualável satisfação. A pessoa talvez até exclame: “Até que, enfim, há um dia por semana, no qual tudo para, todos os e todas as israelitas, com as demais categorias desta sociedade agrária, fazem uma significativa experiência de relações de igualdade, sem distinções e discriminações!” Quando, no entanto, o sábado é, de fato, o sábado de Iavé teu Deus? O legislador deuteronômico está tão solícito a não deixar nenhuma pessoa de fora do repouso semanal que ele até ordena que teu boi, teu jumento e qualquer dos teus animais devem descansar no sétimo dia. De tão detalhado que ele apresenta este mandamento, ele não se importa em tornar-se repetitivo: Não farás nenhum trabalho, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu boi, nem teu jumento, nem qualquer dos teus animais, nem o estrangeiro que está em tuas portas. Deste modo o teu escravo e a tua escrava poderão repousar como tu (Dt 5,14). Alguém poderia exclamar: “Que pena que é só um dia por semana!” Mas, isto não é pouca coisa! Pois, após cada seis dias de trabalho, há um, no qual se poderá experienciar a sociedade nova e alternativa, de igualdade, fraternidade e irmandade. O sábado de Iavé assim vivido, após seis dias de trabalho, poderá produzir o gosto pela sociedade igualitária, sem empobrecidos e excluídos. Este gosto bom e este prazer incontido poderão transformar-se em espiritualidade e mística nos israelitas e nas demais pessoas desta sociedade durante os seis dias de trabalho. O fermento da sociedade nova e alternativa, sem excluídos e marginalizados, produzido a cada sábado de Iavé, poderá e deverá levedar a massa dos seis dias de trabalho.
            Um dos beneficiados desta experiência benfazeja, prazerosa e igualitária é o “estrangeiro”. O legislador deuteronômico emprega dois termos quando ele fala do estrangeiro. Pois, há o estrangeiro que emigrou de sua pátria e imigrou no país de Israel. Ele agora mora entre os israelitas e faz parte desta sociedade. Ele é designado em hebraico pelo substantivo ger, “estrangeiro”, no sentido de um imigrante e residente num outro país. Ele, no entanto, não é um cidadão pleno, com todos os direitos e deveres como um israelita. Ele, por exemplo, não tem direito à propriedade, por isso ele é economicamente fraco e legalmente dependente. Em vista disso, o legislador deuteronômico o coloca sob as leis de assistência e promoção social. Em Dt 1,16-17 os juízes israelitas não deverão descriminar o estrangeiro. Eles deverão julgar com justiça não só o israelita, mas também o estrangeiro. Isto é verdadeiramente revolucionário, porque nos códigos legais do antigo Oriente Médio, o estrangeiro geralmente não gozava da proteção da lei e, muito menos, era colocado sob uma lei de assistência e promoção social[11].
            O outro termo hebraico para “estrangeiro”, nokry, indica um estrangeiro de viagem e de passagem; ele é uma espécie de turista. Dele pode-se cobrar juro como é atestado em Dt 23,21, senão o sistema social de Israel pode falir ou ser abusado por aproveitadores estrangeiros (cf. Dt 14,21).
            Um outro grupo beneficiado pelo descanso semanal em Dt 5,14 é o escravo e a escrava. N. Lohfink[12] se pergunta se tem sentido considerar um escravo ou uma escrava de “pobre” conforme as condições econômicas e sociais daquele tempo. Porque os escravos tinham normalmente garantidos os direitos à comida, à bebida e às vestes. Eles, portanto, do ponto de vista do redator deuteronômico não são pobres. O que lhes falta é a liberdade e a honra. Em vista disso, o legislador deuteronômico os coloca sob a lei de assistência e promoção social porque eles não têm propriedade particular e, por isso, não poderiam sustentar-se por conta própria. Aliás, muitos deles perderam as suas terras para pagar as dívidas. E muitas vezes nem isto bastava. Então, eles tinham que se entregar ao credor para que, através de trabalhos na sua propriedade, pudesse pagar o restante de sua dívida. Eles assim são bastante semelhantes aos estrangeiros imigrantes e residentes em Israel.

2) Beneficiados pelos sacrifícios: Dt 12,7

            A segunda lei de assistência e promoção social da legislação deuteronômica, Dt 12,4-7, visa beneficiar, proteger e defender o casal agricultor que tem patrimônio e vive em matrimônio com filhos e filhas. Porque no pronome “vós” ou “tu” nas leis deve-se subentender o casal agricultor. Este, em relação a Iavé e a seu culto, não deve proceder como os cananeus no culto às suas divindades. Porque o lugar da liturgia a Iavé é única e exclusivamente no templo de Jerusalém. Em vista disso, o rei Josias, na sua reforma religiosa, pretendeu acabar com todos os templos e cultos sincretistas no interior do Reino de Judá (2Rs 23,4-20). A série de sete sacrifícios, holocaustos e sacrifícios, dízimos e dons das vossas mãos, sacrifícios votivos e sacrifícios espontâneos, primogênitos das vacas e ovelhas (Dt 12,6), quer dizer que todos os sacrifícios devem ser oferecidos no templo de Jerusalém. O número sete alude à totalidade e à plenitude. Os “holocaustos” são aqui citados, pois havia o costume de oferecer a vítima inteira a Iavé. O redator deuteronômico, no entanto, ressalta muito mais os outros tipos de sacrifícios. Estes deviam ser consumidos no templo de Jerusalém pelo casal e seus filhos para aprofundar a sua fé no Deus Iavé e renovar o seguimento a ele como o Deus libertador e doador da terra prometida: E comereis lá, diante de Iahweh vosso Deus, alegrando-vos com todo o empreendimento da vossa mão, vós e vossas famílias, com o que Iahweh teu Deus te houver abençoado (Dt 12,7).

3) Beneficiados pelos sacrifícios: Dt 12,12

            A próxima lei de assistência e promoção social do Código Deuteronômico, Dt 12,8-12, fala a respeito do tempo quando os sacrifícios deverão ser oferecidos a Iavé. As expressões “lugar de repouso” e “herança” são referências à vida dos israelitas na terra de Canaã. Ocupando, uma vez, a terra prometida é possível que o casal agricultor tenha necessidade de ter escravos e escravas. Muitos destes, no entanto, estão pagando, com seu trabalho, suas dívidas contraídas por empréstimo de dinheiro porque não podiam  devolvê-lo de outra forma. Estes e estas não podem ser discriminados, deixando-os na propriedade do casal agricultor para aí trabalhar, enquanto que o casal com seus filhos e suas filhas fazem sua romaria para o templo de Jerusalém. Esta lei proíbe tal decisão do casal agricultor. Porque o escravo e a escrava, de um lado, não são pobres porque não lhes falta comida, bebida e vestes, mas, de outro, lhes falta a liberdade e a honra. Em vista disso, eles acompanham o casal agricultor com seus filhos para o templo de Jerusalém, onde eles comem, bebem e festejam como a família agricultora: Alegrar-vos-eis diante de Iahweh vosso Deus, vós, vossos filhos e vossas filhas, vossos escravos e vossas escravas, e o levita que mora em vossas cidades, pois ele não tem parte nem herança convosco (Dt 12,12). O escravo e a escrava são nesta lei tão beneficiados como o levita que na legislação deuteronômica é um grupo muito importante e goza de muito prestígio e influência. O grupo dos escravos e o dos levitas são, do mesmo modo, assistidos, promovidos e protegidos pela lei, pois não possuem terra, isto é, os meios de sobrevivência, e, por isso, são economicamente fracos. A lei vem em socorro deles, pois na sociedade nova, alternativa e igualitária não pode haver pobres e excluídos.

4) Beneficiados pelo dízimo anual e primogênitos: Dt 12,18

            Nesta lei, Dt 12,17-19, o legislador deuteronômico determina primeiramente que o dízimo do trigo, vinho e óleo bem como os primogênitos bovinos e ovinos e igualmente os sacrifícios votivos e espontâneos e os dons da tua mão devem ser unicamente consumidos no templo de Jerusalém. Ele, além disso, prescreve que esta fartura em comida e bebida beneficiará a família do agricultor e servirá de assistência e promoção social ao escravo e à escrava e ao levita. Este último grupo é aqui mencionado, como já foi assinalado acima, porque ele não possui terra e assim ele não tem os meios para se sustentar, já que a economia naquele tempo era essencialmente a agricultura. Chama a atenção que tanto nesta lei de assistência e promoção social como nas demais, o legislador deuteronômico destaca que tudo o que ele prescreve deve ser observado na maior e mais completa alegria. Toda esta partilha de comida e bebida bem como a solidariedade da família do agricultor não devem ser realizadas com tristeza e mau humor como algo que lhe seja “imposto”, mas com alegria, porque Iavé está abençoando com bens abundantes a família do agricultor e assim ela continuará a ter muitas coisas para partilhar: Tu os comerás diante de Iahweh teu Deus, somente no lugar que Iahweh teu Deus houver escolhido, tu, teu filho e tua filha, teu escravo e tua escrava, e o levita que habita contigo. E te alegrarás  diante de Iahweh teu Deus de todo o empreendimento da tua mão (Dt 12,18).    

5) Beneficiados pelo dízimo anual: Dt 14,26-27

            Esta lei, Dt 14,22-27, é bastante semelhante à precedente. Mas, como o legislador deuteronômico determina que “todos os anos” o dízimo da semeadura e os primogênitos bovinos e ovinos devem ser oferecidos e consumidos no templo de Jerusalém, em vista disso, ele agora não menciona os sacrifícios votivos e os espontâneos bem como os dons da tua mão, pois nem todos os anos se ofereciam tais sacrifícios. E, além disso, a comunidade que deve consumir tudo isto, também diminuiu de número. Os escravos e escravas não participam desta vez.
            O legislador deuteronômico está aqui atento à exeqüibilidade das leis. Ele sabe que é difícil transportar todo o dízimo da semeadura e os primogênitos bovinos e ovinos para o templo de Jerusalém para quem mora longe, por exemplo, na Galiléia. Estes, por isso, podem ser vendidos lá onde se reside. Com o dinheiro adquirido, deve-se comprar tudo isso em Jerusalém. Ele ainda acrescenta que, com o dinheiro na mão, pode-se comprar “bebida embriagante”, isto só pode referir-se à cerveja: Comerás lá, diante de Iahweh teu Deus, e te alegrarás, tu e a tua família. Quanto ao levita que mora nas tuas cidades, não o abandonarás, pois ele não tem parte nem herança contigo (Dt 14,26-27).

6) Beneficiados pelo dízimo trienal: Dt 14,29

            Uma lei vigorosa e eficiente de assistência e promoção social é Dt 14,28-29. Ela ordena que o dízimo, a cada três anos, deva ser diretamente entregue ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva. O casal agricultor tomará o dízimo trienal da colheita e o colocará no portão da cidade, que é o lugar mais público dela, onde também acontecem os julgamentos. Num ciclo de sete anos, respectivamente no terceiro e sexto ano, o dízimo não é levado para o santuário central de Jerusalém, mas depositado no portão da cidade e dos povoados, onde moram esses quatro grupos de pessoas sem-terra e distribuído entre eles, sem burocracia e sem a mediação de funcionários do Estado e do templo. Diretamente do casal produtor vêm os alimentos a serem distribuídos entre os vários grupos vulneráveis da sociedade israelita. Para que isto aconteça, de fato e não haja sonegação, o casal agricultor deve publicamente professar sua fé em Iavé, o Deus libertador e doador da terra, o Deus fonte da fecundidade e da fertilidade (Dt 26,1-11), no templo de Jerusalém e proclamar: Tirei de minha casa o que estava consagrado e o dei ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva conforme todos os mandamentos que me ordenaste (Dt 26,13). Na observância desta lei cumpre-se verdadeiramente a palavra do profeta Oséias: “É amor que eu quero e não sacrifício, conhecimento de Deus mais do que holocaustos” (Os 6,6; Mt 12,7).

7) Beneficiados pela oferenda dos primogênitos: Dt 15,20
      
            O legislador deuteronômico declara solenemente que todo o primogênito macho bovino e ovino é consagrado a Iavé. Em vista disso, ele proíbe que se tire proveito econômico deles, tanto no trabalho como na tosquia. Nesta lei bem como em tantas outras transparece claramente a teologia, a espiritualidade e a mística do nosso legislador. Tudo o que é consagrado e oferecido a Iavé, ele não o retém para si mesmo como no holocausto, mas o devolve e o destina para beneficiar o ser humano, especialmente os grupos sociais vulneráveis econômica ou legalmente. Nesta lei, o primogênito macho bovino e ovino é consumido pela família do agricultor no templo de Jerusalém e diante de Iavé como sinal de gratidão a Deus pela fecundidade das vacas e ovelhas.

8) Beneficiados pela festa de Pentecostes: Dt 16,11

              Também às festas religiosas do povo de Israel, o legislador deuteronômico dá um cunho humano, social e de inclusão. Em Dt 16,9-12 ele descreve como a festa das Semanas ou de Pentecostes deverá ser celebrada para que traga o máximo de bem estar para os seus participantes. Ela é uma festa móvel, não é festejada num dia fixo. O qüinquagésimo (= pentecostes em grego) dia é aquele, no qual em uma região se inicia com a colheita dos cereais. Como estes amadurecem na terra de Israel em épocas diferentes, então há, por um bom tempo, casais de agricultores da Galiléia ou da Samaria, trazendo em rodízio, para o templo de Jerusalém a oferta espontânea de cereais, proporcional à abundância da colheita do respectivo ano. Os participantes beneficiados por estas refeições comunitárias diante de Iavé, para consumir os vários tipos de cereais, num clima de muita festa e alegria, pertencem a grupos bem variados da sociedade israelita: E te alegrarás diante de Iahweh teu Deus, tu, teu filho e tua filha, teu escravo e tua escrava, o levita que vive em tua cidade, e o estrangeiro, o órfão e a viúva que vivem no meio de ti (Dt 16,11). Esta lei de assistência e promoção social termina com uma exortação veemente: Recorda que foste escravo no Egito e cuida de pôr esses estatutos em prática (Dt 16,12). Ela relembra que na sociedade israelita não pode haver escravidão, empobrecimento e exclusão como havia na sociedade egípcia e nas demais sociedades daquele tempo.

9) Beneficiados pela festa das Tendas: Dt 16,14

            A festa religiosa das Tendas, celebrada durante sete dias no santuário central de Jerusalém em honra de Iavé, integra, irmana e confraterniza os mais variados grupos da sociedade israelita. Ela também não é celebrada numa data fixa, pois depende do amadurecimento das uvas e dos grãos que era regionalmente diferente de acordo com a situação climática do país de Israel. Ela era festejada no outono do hemisfério norte, nos meses de outubro ou novembro, no final da colheita mais importante do ano. Ela era chamada “a tua festa”, isto é, a festa de ação de graças por excelência do casal agricultor. Sua característica fundamental era a alegria. Alegria pela colheita abundante de grãos e de uvas, transformadas em vinho, e também por poder partilhar comida e bebida durante sete dias para tantos grupos economicamente fracos na sociedade israelita: E ficarás alegre com a tua festa, tu, teu filho e tua filha, teu escravo e tua escrava, o levita, e o estrangeiro, o órfão e a viúva que vivem nas tuas cidades (Dt 16,14).

10) Beneficiados pelo feixe esquecido na colheita: Dt 24,19

            O legislador deuteronômico é muito criativo na elaboração de suas leis de assistência e promoção social. Como a economia no seu tempo era basicamente a agricultura, por isso ele visa criar nos casais de agricultores a teologia, a espiritualidade e a mística da partilha e de solidariedade com aqueles e aquelas que não possuem terra para trabalhar e se sustentar. Por isso, até o feixe esquecido na roça torna-se, para ele, um meio para assistir e promover o estrangeiro, o órfão e a viúva. Porque a terra e sua produção são, em primeiro lugar, propriedade social e não propriedade particular. O legislador deuteronômico pensa tudo a partir do povo de Israel. Ele é um verdadeiro socialista.

11) Beneficiados pela respiga: Dt 24,20

            O legislador deuteronômico criou duas leis referentes à respiga. A primeira refere-se à colheita dos frutos da oliveira. Só as olivas maduras são colhidas. As ainda verdes na hora da colheita, certamente por disposição de Iavé e pelas leis da natureza, pertencem por lei ao estrangeiro, ao órfão e à viúva. E como é lei, estes grupos economicamente fracos e legalmente dependentes podem reivindicar, no caso de não-observância desta lei, ao casal agricultor e junto às autoridades competentes.

12) Beneficiados pela respiga: Dt 24,21

A segunda lei da respiga refere-se aos cachos de uva ainda verdes, quando os maduros são colhidos pelo casal agricultor. Os cachos de uva verdes, quando depois amadurecem, pertencem, por lei, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva. Assim esses grupos sem-terra também podem participar da fertilidade e fecundidade da terra doada por Deus e ter parte ativa das bênçãos divinas. Através das leis do feixe esquecido e da respiga evitam-se os pedintes de esmola nas ruas e lugares públicos.
A exortação final nesta sequência de leis é um vigoroso apelo à recordação de que os antepassados dos israelitas eram escravos no Egito e que Iavé os libertou de lá com mão forte e braço estendido. Os israelitas são agora, através das leis de assistência e promoção social, fortemente convidados a seguir o Deus Iavé, impedindo, com todas as forças e formas, para que não haja escravos, empobrecidos e excluídos na sociedade israelita.

13) Beneficiados pelas primícias: Dt 26,11

            Também com as primícias dos cachos de uva, das espigas de grãos e de todos os frutos do solo israelita, o legislador deuteronômico consegue criar uma lei de assistência e promoção social em favor das pessoas sem-terra. É conhecido o costume que, com os primeiros frutos amadurecidos, tem-se uma devoção toda especial. Estes são recolhidos num cesto, levados para o templo de Jerusalém pelo casal agricultor e, diante de Iavé, ele professará a sua fé nele, o libertador, o condutor seguro pelo deserto e o doador da terra prometida. Depois do reconhecimento de Iavé como a fonte da fecundidade e fertilidade da terra, o casal agricultor, em profunda gratidão e alegria, consumirá com sua família, com o levita e o estrangeiro todas as coisas boas que ele lhes proporciona: Alegrar-te-ás, então, por todas as coisas boas que Iahweh teu Deus deu a ti e à tua casa e, juntamente contigo, o levita e o estrangeiro que reside em teu meio (Dt 26,11).

14) Beneficiados pelo dízimo trienal: Dt 26,12-13

            A última lei de assistência e promoção social parece ser muito importante para o legislador deuteronômico. Sua sonegação poderia afetar seriamente a vida e o sustento de pessoas sem-terra. Para garantir seu cumprimento, ele prescreve ao casal agricultor que, quando for para o templo de Jerusalém, após a entrega conscienciosa de tudo o que cabe ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, ele declare diante de Iavé que observou fielmente a lei do dízimo trienal e todas as demais quatorze leis de assistência e promoção social: Obedeci à voz de Iahweh meu Deus e agi conforme tudo o que me ordenaste (Dt 26,14).
3. LEIS DE PROTEÇÃO AO ESCRAVO, LEVITA, ESTRANGEIRO, ÓRFÃO E À VIÚVA NO LIVRO DO DEUTERONÔMIO

            Além do sistema das quatorze leis de assistência e promoção social ao escravo, levita, estrangeiro, órfão e à viúva no Código Deuteronômico, há ainda outras leis no livro do Deuteronômio que protegem esses mesmos grupos economicamente fracos e legalmente dependentes. No sistema das quatorze leis, os três grupos aparecem juntos sete vezes. O termo “estrangeiro residente”, ger, é ainda usado mais duas vezes sozinho neste mesmo sistema legal. Este grupo social é, no entanto, ainda contemplado com mais treze leis no livro do Deuteronômio. Sobre elas queremos agora tecer alguns comentários.
            Inicialmente, o exegeta G. Braulik[13] faz uma descoberta interessante a respeito do número de vezes que a expressão “estrangeiro residente” é empregada em todo o livro do Deuteronômio. Sua contagem chega a vinte e duas vezes. Ele faz o mesmo com o verbo hebraico gur, “viver, residir como estrangeiro”, cuja raiz verbal é usada seis vezes no livro do Deuteronômio. Ora, somando o número de vezes em que é usado o substantivo “estrangeiro” e o verbo “residir como estrangeiro”, chega-se a um total muito significativo: vinte e oito vezes. Este total, traduzido em miúdos, é a multiplicação dos números sete por quatro. Ora, os números sete e quatro, como nós já demonstramos acima, têm um valor simbólico muito importante. Eles aludem à totalidade e à plenitude. Portanto, o legislador deuteronômico com seu sistema de leis de assistência e promoção social visa, através do emprego repetido dos números sete e quatro, alcançar plenitude, totalidade e perfeição. Seu sistema de leis pleno, total e amplo quer impedir que na sociedade israelita do século VII a.C. houvesse miséria, pobreza, marginalização e exclusão. Esse jogo de números não pode ser uma mera coincidência e causalidade. Mas, o legislador deuteronômico é um teólogo, cuja espiritualidade e mística o levam a criar leis que dêem assistência eficaz, promovam e protejam o estrangeiro residente entre os israelitas, o órfão e a viúva bem como os demais grupos sem-terra na sociedade do povo de Israel.        
            Vamos agora comentar detalhadamente o uso e o sentido da expressão “estrangeiro residente” em todo o livro do Deuteronômio, exceto seu emprego no sistema das quatorze leis que já abordamos acima.
            Há passagens no livro do Deuteronômio, nas quais os israelitas são continuamente recordados de que eles mesmos, no passado, foram estrangeiros residentes no país do Egito. Desta situação se fala em Dt 10,19. Aqui encontramos a ordem e a motivação do próprio Iavé para que os israelitas amem o estrangeiro residente no meio deles: Portanto, amareis o estrangeiro, porque fostes estrangeiros na terra do Egito. Em Dt 24,18 fala-se dos israelitas que, no Egito, até foram escravizados e que Iavé os libertou de lá com mão forte e braço estendido. Por causa disso, há em Dt 24,17 o forte apelo: Não perverterás o direito do estrangeiro e do órfão, nem tomarás como penhor a roupa da viúva. E em Dt 23,8-9 encontramos a prescrição a respeito do relacionamento do israelita com estrangeiros como o edomita e o egípcio: Não abomines o edomita, pois ele é teu irmão. Não abomines o egípcio, porque foste estrangeiro em sua terra. Na terceira geração seus descendentes terão acesso à assembléia de Iahweh.
            A fundamentação e a grande motivação da atitude de justiça, de direito, de respeito e de amor do israelita para com o estrangeiro, encontram-se na ação justa, misericordiosa, amorosa e libertadora do próprio Iavé: Pois Iahweh vosso Deus é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, o valente, o terrível, que não faz acepção de pessoas e não aceita suborno, o que faz justiça ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e roupa (Dt 10,17-18). Portanto, crer nesse Deus e segui-lo significa concretamente para os juízes israelitas: Ouvireis vossos irmãos para fazerdes justiça entre um homem e seu irmão, ou o estrangeiro que mora com ele. Não façais acepção de pessoas no julgamento: ouvireis de igual modo o pequeno e o grande (Dt 1,16-17) e para os agricultores israelitas a promoção e o respeito do direito à vida e às necessidades básicas. Estas estão acima do direito à propriedade particular: Quando entrares na vinha do teu próximo poderás comer à vontade, até ficar saciado, mas nada carregues em teu cesto. Quando entrares na plantação do teu próximo poderás colher as espigas com a mão, mas não passes a foice na plantação do teu próximo (Dt 23,25-26). Neste contexto torna-se mais facilmente compreensível a seguinte maldição: Maldito seja aquele que perverte o direito do estrangeiro, do órfão e da viúva! E todo o povo dirá: Amém! (Dt 27,19).
            Fora do Código Deuteronômico, Dt 5.12-28, faz-se também alusão aos levitas. Eles são os descendentes do chefe de tribo Levi, o terceiro filho de Jacó com Lia (Gn 29,34; 35,22-26). Em Dt 33,8-11, na bênção de Moisés à tribo de Levi, transparece claramente que seus membros desempenham funções sacerdotais. Mas, em que sentido eles exercem funções sacerdotais? Quando as pessoas procuram os sacerdotes levitas, eles devem ajudá-las a descobrir a vontade de Deus para as suas vidas, através de um recurso muito antigo e até certo ponto perigoso, lançando os dados de pedra ou de madeira, os Urim e os Tumim. Além disso, eles devem atuar como professores do ensino religioso e guias religiosos do povo como teólogos e catequistas: Eles ensinam tuas normas a Jacó e tua Lei a Israel. Eles oferecem incenso às tuas narinas e holocaustos sobre o teu altar (33,10). 
            Em Dt 10,1-5.8-9 nós encontramos a ordem de Deus a Moisés de fazer uma arca de madeira de acácia e também de talhar duas tábuas de pedra sobre as quais Iavé vai escrever mais uma vez o texto dos Dez Mandamentos que Moisés quebrara. O costume de colocar textos importantes em caixas de madeira e guardá-las em santuários ou arquivos, é conhecido tanto no Egito como na Mesopotâmia.
Nos vv. 8-9 diz-se ainda que a arca da aliança, contendo o texto dos Dez Mandamentos, foi entregue aos cuidados dos membros da tribo de Levi. Esta informação destaca uma de suas mais importantes funções que é a proclamação do conteúdo dos Dez Mandamentos para que fossem conhecidos e observados, tanto pelo rei israelita (Dt 17,18) como por todo o povo de Israel (Dt 31,9-13.24-29). Outra função importante dos sacerdotes levitas é sua atuação no templo de Jerusalém como juízes, pois como bons conhecedores da Lei de Deus, deviam julgar os casos nos quais a Lei de Deus não foi observada (Dt 17,12; 18,5-8; 21,5). A terceira função do sacerdote levita era abençoar o povo em nome de Iavé (Dt 21,5; Nm 6,22-27).
Por causa dessas funções típicas dos sacerdotes levitas que necessitam de dedicação exclusiva, eles deviam ser mantidos e remunerados pelo povo. Em vista disso, a tribo de Levi não recebeu terra quando o país de Canaã foi distribuído entre as tribos conforme o número de seus membros. Porque, então, os levitas são pessoas sem-terra, eles devem ser remunerados pelo povo: Os sacerdotes levitas, a tribo inteira de Levi, não terão parte nem herança em Israel: eles viverão dos manjares oferecidos a Iahweh e do seu patrimônio. Esta tribo não terá uma herança no meio dos seus irmãos: Iahweh é a sua herança, conforme lhe falou. Eis os direitos que os sacerdotes têm sobre o povo, sobre os que oferecem um sacrifício: do gado ou do rebanho serão dados ao sacerdote a espádua, as queixadas e o estômago. Dar-lhe-ás as primícias do teu trigo, do teu vinho novo e do teu óleo, como também as primícias da tosquia do teu rebanho. Pois foi ele que Iahweh teu Deus escolheu dentre todas as tribos, ele e seus filhos, para estar diante de Iahweh teu Deus, realizando o serviço divino e dando a bênção em nome de Iahweh, todos os dias (Dt 18,1-5; cf. 12,12.18-19; 14,27.29; 16,11.14; 17,9.18; 18,6-7; 21,5; 24,8; 26,11-13; 27,9.14; 31,9.25; 33,8),   
 
CONCLUSÃO
            O estudo e o conhecimento das leis do Código Deuteronômico e das outras leis espalhadas no livro do Deuteronômio revelam um legislador ou um grupo de legisladores israelitas que entende muito bem de direito, que sabe criar e redigir leis e compô-las de modo artístico, orgânico e amplo. Este legislador ou este grupo de legisladores israelitas manifesta e explicita a compreensão e a imagem de Deus que é o libertador da escravidão do faraó do Egito, que é o doador dos Dez Mandamentos com suas leis complementares, que é o condutor do povo de Israel pelo deserto e que é o realizador da promessa da terra prometida. A fé neste Deus Iavé e seu seguimento do legislador ou do grupo de legisladores israelitas têm implicâncias concretas e diretas na vida pessoal e nas relações com a sociedade. A crença e a convicção na intervenção de Iavé na libertação dos israelitas da escravidão egípcia levam seus adeptos e veneradores a ter atitudes semelhantes em prol dos escravizados, marginalizados e excluídos onde se vive e se faz história. Este é o pano de fundo, a fundamentação e a inspiração do redator da legislação deuteronômica. Com seu Código Deuteronômico, ele visa criar um tal conjunto de leis para que a sociedade israelita se torne aquela sociedade que Deus quer que ela seja: nova, justa, alternativa, igualitária, de partilha e de solidariedade, sem escravizados, marginalizados, excluídos e empobrecidos. É gratificante e faz muito bem saber que no passado, há mais ou menos 2800 anos antes de nós, havia pessoas que sonhavam como nós hoje. Isto recorda o refrão de um canto: “sonho que se sonha só pode ser ilusão, mas sonho que se sonha juntos pode ser caminho de solução”. Assim o Código Deuteronômico, com sua longa história de adições e atualizações, tornou-se a constituição do Reino de Judá, na segunda metade de século VII a.C., no governo do rei Josias (640-609 a.C.). Neste contexto vale recordar e frisar que partes desta legislação deuteronômica foram assumidas pelas primeiras comunidades cristãs. Quando se testemunha que entre os primeiros cristãos não havia nenhum necessitado (At 4,34), então, está-se retomando a afirmação de Dt 15,4.7-8: na sociedade israelita não deve haver nenhum pobre: É verdade que em teu meio não haverá nenhum pobre, porque Iahweh vai abençoar-te na terra que Iahweh teu Deus te dará (v.4). Há ainda outros pontos de conexão entre os dois livros do Deuteronômio e dos Atos dos Apóstolos.

            A legislação deuteronômica revela, por outro lado, um legislador ou um grupo de legisladores israelitas humano, solidário e preocupado com as pessoas em todos os sentidos. Suas leis litúrgicas são tão bem elaboradas que levam seus participantes a ter atitudes éticas e morais nas suas relações com as demais pessoas e grupos sociais. Que sensibilidade e cuidado tem ele com as pessoas e os grupos economicamente fracos e legalmente dependentes na sociedade israelita do seu tempo! Que conhecimento tem ele das pessoas e dos grupos sociais que facilmente podem cair na pobreza, na escravidão, na marginalização e exclusão! Que criatividade admirável tem ele para elaborar leis que assistam e promovam pessoas e grupos socialmente vulneráveis, até mesmo com o feixe esquecido na roça, com a proibição da respiga das parreiras e oliveiras e com a permissão de colher com a mão espigas de cereais e cachos de uva das plantações dos vizinhos para matar a fome!

            Outra conclusão refere-se ao casal agricultor com filhos e, talvez, também com escravos. Que tipo de conscientização e de formação tinham e recebiam os casais de agricultores para que colocassem em prática a legislação deuteronômica e não sonegassem o que era legal e de direito das pessoas e dos grupos de sem-terra? De um lado, as leis da legislação deuteronômica foram talvez apenas observadas, porque sua não-observância acarretava sanções, castigos corporais e até pena de morte. Mas, de outro lado, há leis, cuja prática depende apenas da ordem, do apelo vigoroso e do convite insistente, sem a menção de sanções concretas e castigos. Em Dt 31,9-13, em todo o caso, nós encontramos um meio de conscientização e de formação de todo o povo de Israel. Aqui nós nos confrontamos com a prescrição de Moisés aos sacerdotes levitas. Estes recebem a incumbência de reunir todo o povo de Israel, isto é, os homens e as mulheres, as crianças e o estrangeiro, no fim de cada sete anos, durante a festa das Tendas, para proclamar a eles toda a legislação deuteronômica, com esta finalidade: para que ouçam e aprendam a temer a Iahweh vosso Deus e cuidem de pôr em prática todas as palavras desta Lei (Dt 31,12). Isto tudo, no entanto, não impediu que entre os israelitas do Reino de Judá houvesse uma farsa na observância de algumas leis do  Código Deuteronômico. Este fato lamentável nos é atestada em Jr 34,8-22, durante o governo do rei Sedecias (597-587 a.C.).
ABSTRACT: The triad, the foreigner, the orphan and the widow, were economically the poorest classes in the legal codes of the ancient Middle East. But in the Deuteronomic Code this triad is not classified as poor nor mentioned in the contexts of poverty. Rather, the Deuteronomic Code considered the landless as economically weak and, therefore, legally dependent. The first three groups benefitted from the many social laws drawn up for their assistance, support and protection that they were no longer considered poor by Israelite society in the VIIth century b.C. They were protected by law and by God.

KEY WORDS: Deuteronomic Code. Foreigner. Orphan. Widow. Assistance. Promotion. Liberation. Poor. Law.


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[1] O quinto livro do Pentateuco, Ele se compõe de duas palavras gregas: deuterós = segundo, posterior, e nomos = lei, então, segundo exemplar ou cópia da lei
[2] KRAMER, Pedro. Origem e legislação do Deuteronômio. Programa de uma sociedade sem empobrecidos e excluídos, São Paulo: Paulinas, 2006
[3] IBIDEM, pp. 11-39
[4] IBIDEM, pp. 41-89
[5] LOHFINK, Norbert. “Armut in den Gesetzen des Alten Orients und der Bibel”, In: IDEM, Studien zur biblischen Theologie, pp. 239-259, p. 250; IDEM, “Das deuteronomische Gesetz in der Endgestalt – Entwurf einer Gesellschaft ohne marginale Gruppen”, In: IDEM, Studien zum Deuteronomium und zur deuteronomistischen Literatur III, pp. 205-218, p. 213
[6] IDEM, “Entwurf einer Gesellschaft ohne marginale Gruppen”, p. 205 
[7] BRAULIK, Georg. Die deuteronomischen Gesetze und der Dekalog. Studien zum Aufbau von Deuteronomium 12-26; IDEM, “Die Abfolge der Gesetze in Deuteronomium 12-26 und der Dekalog”, In: IDEM, Studien zur Theologie des Deuteronomiums, pp. 231-255
[8] LOHFINK,N, “Entwurf einer Gesellschaft ohne marginale Gruppen”, pp. 206208
[9] MORANT, Peter. Das Kommen dês Herrn. Ein Erklaerung der Offenbarung des Johannes, 1969, p. 22: Os quarto elementos básicos do mundo: terra, água, vento e fogo; as quatro direções: norte, sul, leste, oeste; as quatro partes do mundo: céu, terra, subterrâneo e mar.  
[10] LOHFINK, N. “Entwurf einer Gesellschaft ohne marginale Gruppen”,, p. 209
[11] VEIJOLA, Timo. Das Buch Mose. Deuteronomium – Kapitel 1,1-16,17, p.26
[12] LOHFINK, Norbert. Armut in den Gesetzen des alten Orients und der Bibel, 1993, p. 251
[13] BRAULIK, G. “Die Funktion von Siebenergruppierungen im Endtext des Deuteronomiums, In: IDEM, Studien zum Buch Deuteronomium, pp. 63-79,p. 72;  MARTIN-ACHARD,  R. “Gur, Residir como forastero”, In: Diccionário Teológico Manual del Antiguo Testamento, pp. 583-588, p. 584