Apesar dos avanços visíveis em torno do aumento salarial, os sindicatos "não conseguiram mobilizar a sociedade em torno da bandeira da redução da jornada de trabalho", e as "principais conquistas ocorreram não pela capacidade de mobilização, mas pela relação mais próxima com o governo", avalia José Dari Krein.
Ao analisar a campanha da CUT pelo fim do imposto sindical, retomada em 2011, o economista enfatiza que ela diz respeito às bandeiras históricas e ressurge na conjuntura atual para diferenciar a Central Única dos Trabalhadores das demais centrais sindicais, agregar novas filiações e para reconquistar o espaço perdido no meio sindical. "A CUT foi a Central que mais perdeu espaço na sociedade brasileira. Na pesquisa sindical, o número de sindicatos filiados chega a 40%. Destes, 2/3 eram filiados à CUT. Atualmente, pelo cadastro do Ministério do Trabalho, as entidades filiadas a uma central chegam a 73% e a participação da CUT caiu para menos de 40%", informa José Dari Krein.
Na sua avaliação, "o tema da Reforma Sindical está fora da agenda política do país, porque não há uma conjunção de forças políticas capazes de impulsionar a sua retomada. Em última instância a reforma implica em alterar a Constituição, o que exige quórum qualificado. Apesar do meu ceticismo, o único caminho com alguma possibilidade de prosperar é a proposição de reformas pontuais".
Em um país onde a taxa de sindicalizados é de 17%, contabilizando 11,1 milhões de trabalhadores, Krein ressalta que a "tendência é que as alianças entre as centrais sejam pontuais de acordo com a questão em discussão ou disputa. Em outras, a tendência será de apresentar as diferenças. Por exemplo, no tema sobre a regulamentação da terceirização, há uma aliança entre a CUT, as Intersindicais e a CTB, de contrapor-se ao substitutivo do Deputado Roberto Santiago, que teve apoio de algumas lideranças sindicais".
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, o economista faz um balanço da atuação das centrais sindicais no Brasil nos últimos anos e esclarece quais são as principais aproximações e divergências entre elas. Apesar das críticas, Krein avalia como positiva a atuação dos sindicatos na sociedade, pois na última década eles conseguiram reajustar os salários acima da inflação. "Nos anos 2000, mais de 90% dos sindicatos estão conseguindo não apenas recompor a inflação, mas também algum aumento real nos salários. É verdade que o aumento real concentra-se entre 1 e 2%. Essa mudança significou uma elevação dos salários, o que ajuda a explicar o melhora dos rendimentos dos que ganham menos.", pontua.
Graduado em Filosofia pela PUCPR, José Dari Krein tem mestrado e doutorado em Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas, onde atualmente é professor no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por que a CUT está lançando a campanha pelo fim do imposto sindical?
José Dari Krein – A CUT está retomando uma de suas bandeiras históricas e respondendo a um novo cenário sindical brasileiro, com a consolidação de 5 centrais sindicais, que disputam com ela a hegemonia do movimento dos trabalhadores.
Para compreender essa questão, é preciso retroceder um pouco. A Central Única dos Trabalhadores – CUT apostou suas fichas no Fórum Nacional do Trabalho, que ocorreu em 2003, o qual tinha como objetivo promover uma Reforma Sindical e trabalhista no país. Esse foi um Fórum composto de forma tripartite pelo governo, trabalhadores e empregadores. O Fórum fazia parte das três propostas que o ex-presidente Lula havia feito em sua campanha presidencial em 2002 em relação ao trabalho, que consistia na organização do Fórum Nacional do Trabalho, na formulação de uma política de elevação do salário mínimo e na redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas.
Nesse Fórum decidiu-se que primeiro seria discutida a Reforma Sindical para depois discutir a Reforma Trabalhista. O Fórum foi construído com a ideia de que os atores deveriam buscar um consenso para estabelecer um novo sistema de organização sindical, de negociação coletiva e de solução de conflitos no país. Neste espaço tripartite concretizou-se a proposta de substituir o imposto sindical e as outras taxas compulsórias (taxa assistencial, que é a principal fonte de financiamento dos sindicatos e a contribuição confederativa). Ou seja, ficariam apenas duas fontes: a contribuição negocial e a mensalidade, que é voluntária.
O Fórum aproximou as centrais sindicais no sentido de negociar uma proposta de reforma e de estabelecer uma estratégica comum para se contrapor às entidades empresariais. O resultado da negociação não foi o esperado, crescendo com o tempo o dissenso. Mas assim, as duas principais centrais sindicais acordaram uma proposta que foi enviada ao Congresso Nacional. Uma proposta que teve muita divergência na própria base dessas centrais. O que é importante destacar é que a partir do Fórum houve três desdobramentos.
1) a perspectiva de reforma implodiu, retirando o tema da agenda política nacional;
2) a aproximação entre as centrais viabilizou uma lei de reconhecimento das centrais sindicais e a formalização de um quadro sindical realmente existente no país, com pluralismo nas instâncias superiores e unicidade na base, mas com uma intensificação da pulverização de entidades sindicais;
3) o estabelecimento de uma agenda comum entre as centrais no seu posicionamento perante o governo e no desenvolvimento de campanhas na sociedade.
Reforma sindical
Retomando o debate sobre a Reforma Sindical, a partir da apresentação da proposta do Fórum e seus desdobramentos em uma PEC (Projeto de Emenda Constitucional) e um PL (Projeto de Lei) enviados para o Congresso Nacional ficou ainda mais evidente as profundas resistências existentes para alteração do atual arcabouço jurídico institucional de regulação da representação coletiva. A proposta foi bombardeada por uma parte expressiva do sindicalismo oficial, que chegou a constituir um Fórum Sindical dos Trabalhadores com a assinatura de 7 mil entidades, das correntes que saíram da CUT, das entidades de representação dos operadores do direito e das entidades patronais. Portanto, o dissenso em torno daquela proposta inicial apresentada foi muito grande. Por isso, a Reforma continua parada no Congresso Nacional e a partir de então, o tema da reforma sindical está fora da agenda política nacional.
Apesar da reforma não ter se viabilizado, importantes mudanças ocorreram no governo Lula, especialmente com a lei de reconhecimento das centrais sindicais e o acesso ao imposto sindical não somente para as centrais, mas também para as confederações e federações, entidades criadas fora (em paralelo) da estrutura oficial. A primeira consequência foi legalizar o que existe na prática do mundo sindical e sepultar os ímpetos para a defesa de alteração do modelo sindical brasileiro. A segunda consequência foi de estabelecer um ornitorrinco na estrutura sindical em que prevalece a pluralidade na cúpula e a unicidade sindical na base. Em terceiro lugar, intensificou brutalmente a disputa entre as centrais para conseguir sindicatos filiados, pois, além de ser um critério para o seu reconhecimento, o volume de recursos a ser arrecado por ela está vinculado ao número de trabalhadores representados por suas entidades filiadas. Ou seja, as disputas de base de representação, a criação de novos sindicatos e até o incentivo de oposições sindicais cresceu imensamente para ver que conseguiria ampliar a sua fatia no "mercado sindical", dentro das antigas e novas regras. Isso ajuda a explicar o atual quadro de avanço da pulverização sindical, com a existência de mais de 20 mil sindicatos no país (estimativa e não oficiais, pois a última pesquisa foi realizada em 2001, que identificou a existência de quase 16 mil sindicatos). Algumas centrais adotaram estratégias extremamente agressivas para agregar novas filiações, inclusive "criando" um mercado sindical.
Agenda Comum entre as centrais
O outro desdobramento, não somente do Fórum, foi das centrais estabelecerem uma agenda e jornadas comuns de lutas, tais como as jornadas nacionais por uma política de valorização do salário mínimo (puxada inicialmente pela CUT), a correção da tabela do imposto de renda, a introdução de mecanismo contra a dispensa imotivada, a crítica à política e econômica e a construção de uma plataforma comum pelo desenvolvimento do país, com distribuição de renda com a valorização do trabalho e as mobilizações para a defesa de políticas de combate à econômia de 2008. Ou seja, no âmbito político, apesar da intensificação da disputa por base sindical, houve, facilitado pela forma como o governo Lula relacionou-se com as centrais, uma convergência da agenda e da realização de muitas iniciativas conjuntas entre as diversas sindicais reconhecidas formalmente. A convergência de um posicionamento comum tem relação também com o fato dessas centrais estarem na base de apoio do governo Lula. A exceção foram o CONLUTAS e a Intersindical, que não são centrais sindicais reconhecidas. Também é preciso reconhecer que algumas questões, ainda que pontuais, foram introduzidas na agenda política, tais como: a política de valorização do salário mínimo, a retirada de parte da agenda flexibilibizadora de direitos existente no Congresso, políticas anticíclicas para enfrentar a crise de 2008, tais como a ampliação do seguro desemprego.
Nesse cenário, a CUT foi a Central que mais perdeu espaço na sociedade brasileira. Na pesquisa sindical, o número de sindicatos filiados chega a 40%. Destes, 2/3 eram filiados à CUT. Atualmente, pelo cadastro do Ministério do Trabalho, as entidades filiadas a uma central chegam a 73% e a participação da CUT caiu para menos de 40%. Na nova realidade com a lei de reconhecimento das centrais e inúmeros outros fatores, aqui não analisados, as outras centrais cresceram e a CUT teve dissidências, que originaram na formação de uma nova central (CTB – Central dos Trabalhadores e das trabalhadoras do Brasil) e em outros três agrupamentos que são o CONLUTAS (hoje CSP/CONLUTAS – Central Sindical e Popular), duas Intersindicais, que serão discutidas abaixo.
Portanto, na nossa avaliação, a CUT, desde 2011, está buscando construir uma estratégia de diferenciar-se das outras centrais, a partir de um campo próprio de intervenção na sociedade. Nesse sentido, ela retoma a sua bandeira história de reforma sindical, baseada na liberdade e autonomia sindical, no fim das contribuições compulsórias e nos principais preceitos existentes nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho - OIT. Na agenda política, também está com uma posição diferenciada, como por exemplo, no embate contra um acordo que foi costurado no Congresso Nacional entre duas centrais e entidades empresariais de regulamentar a terceirização, que absolutamente um retrocesso na legislação de proteção dos trabalhadores. Essa iniciativa da CUT tem apoio de outras centrais, especialmente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil - CTB e das Intersindicais.
IHU On-Line – Essa proposta não vem tarde demais?
José Dari Krein – Na minha avaliação, o tema da Reforma Sindical está fora da agenda política do país, porque não há uma conjunção de forças políticas capazes de impulsionar a sua retomada. Em última instância a reforma implica em alterar a Constituição, o que exige quórum qualificado. Apesar do meu ceticismo, o único caminho com alguma possibilidade de prosperar é a proposição de reformas pontuais. Em relação às formas de financiamento parece que havia um acordo entre as principais sindicais de introduzir a taxa negocial. Mas, é uma proposta que não tem apoio da maioria das entidades sindicais, inclusive de parte da base da CUT.
A bandeira tem a simpatia de uma parte importante da sociedade e da mídia, mas não enxergo nela uma bandeira capaz de gerar grandes paixões e mobilizações na sociedade. Além disso, acho que não interessa ao governo Dilma comprar uma bandeira que tende a dividir a sua base de sustentação. As melhores oportunidades de realização da reforma foram perdidas ainda nos anos 80. O grande problema é que o atual sistema de sindical apresenta uma grande ambiguidade. Ao mesmo tempo garante uma série de salvaguardas para ação sindical e a negociação coletiva introduz mecanismos que facilitam a proliferação de sindicatos "cartoriais" (existem somente no papel e não tem representatividade) e fracos (sem capacidade de unir um contingente de trabalhadores/as para poder exercer as suas prerrogativas).
IHU On-Line – Então o senhor concorda com aqueles que afirmam que a CUT lançou essa campanha para se diferenciar das outras sindicais, uma vez que todas estão cada vez mais iguais?
José Dari Krein – Sim. É uma estratégia. Se olharmos os anos 2000 em relação aos anos 1990, veremos que as outras centrais sindicais ganharam maior espaço na sociedade e ampliaram mais o número de entidades filiadas. Assim, a mudança de estratégia objetiva recuperar suas bandeiras históricas, que a diferencia das outras centrais. Com isso, procura também ser protagonistas na agenda em discussão na sociedade. Por um lado, é fundamental que o movimento tenha unidade para ampliar sua força na defesa dos interesses dos trabalhadores/as, que estão muito fortemente presentes nas políticas adotadas e nos projetos votados no Congresso. Essa questão é importante, pois está colocada no Brasil uma disputa sobre os rumos do desenvolvimento do país. Por outro lado, também se percebe um movimento em que muitas entidades sindicais perderam dinamismo e caminham para um processo de burocratização e acomodação. Portanto, ter atores que sejam capazes de sacudir o movimento e levantar novos questionamentos e bandeiras é positivo. Um dos aspectos importantes a ser destacado é que a estratégia deixa mais clara a sua autonomia na relação com governo. A sociedade ganha com isso, pois o governo tende a expressar o embate das lutas sociais.
A imagem pública que a CUT passou para boa parte da sociedade nos anos 2000 foi de uma central sindical muito próxima do governo e perde ímpeto a sua combatividade. As ações recentes deixam mais claras suas posições, que é feito a partir do resgate histórico de suas bandeiras.
IHU On-Line – Quais as implicações dessa proposta para as centrais?
José Dari Krein – A tendência é que as alianças entre as centrais sejam pontuais de acordo com a questão em discussão ou disputa. Em outras, a tendência será de apresentar as diferenças. Por exemplo, no tema sobre a regulamentação da terceirização, há uma aliança entre a CUT, as Intersindicais e a CTB, de contrapor-se ao substitutivo do Deputado Roberto Santiago, que teve apoio de algumas lideranças sindicais. É uma proposta que legaliza a terceirização de forma muito desfavorável aos trabalhadores/as. Outro exemplo, os metalúrgicos das duas principais centrais estão desenvolvendo mobilizações conjuntas na luta contra o atual processo de desindustrialização do país. No tema da representação sindical não deve ter acordo, pois tende a prevalecer uma guerra em quem é mais capaz de aglutinar entidades. Particularmente no tema do imposto sindical, um acordo é bem complicado.
IHU On-Line – O mecanismo proposto pela CUT para substituir o lugar do imposto sindical não é um "novo tipo de imposto sindical"? Como ele funcionaria?
José Dari Krein – Sou favorável à proposta de substituir as contribuições compulsórias pela negocial. Se analisarmos os países desenvolvidos, em boa parte deles o sindicato é reconhecido como uma instituição pública importantíssima na sociedade no sentido de que os frutos do progresso técnico e da geração da riqueza sejam redistribuídos e que as condições de trabalho sejam asseguradas. Portanto, o sindicato é uma instituição que cumpre uma função social extremamente importante. Nesse sentido, é legítimo que sejam assegurados ao sindicato mecanismos de financiamento da sua ação. É uma ilusão pensar que ela virá somente das contribuições individuais, especialmente em um mercado de trabalho bastante heterogêneo e de baixos salários. A principal mudança é que a decisão do valor, sua distribuição e forma de desconto são decididas pelos trabalhadores/as de base, em assembleia da categoria. Mesmo reconhecendo a existência de muitas assembleias fantasmas, sempre há a possibilidade de mobilização de setores que não concordam com determinadas atitudes dos sindicatos, o que tende gerar debate e politização. Outra consequência é que o sindicato precisará ter maior transparência, colocando as suas contas à disposição da sociedade.
IHU On-Line – Quanto o imposto sindical arrecada anualmente e quanto retorna para as centrais?
José Dari Krein – O imposto não é a principal fonte de financiamento das entidades sindicais. A principal é a taxa assistencial, vinculada com a negociação coletiva. O imposto sindical tem peso maior para os sindicatos menores. Mas, o seu valor apresenta uma trajetória de crescimento, pois ele é arrecadado de todos os trabalhadores com carteira de trabalho assinada, que está em franca expansão. No ano passado, o total arrecadado foi 1,6 bilhões de reais, sendo repassado 116 milhões de reais às centrais. As centrais recebem 10% da contribuição de um dia de serviço de cada trabalhador representado pelo sindicato filiado a um delas. O valor recebido por cada central não corresponde ao número de sindicatos, mas a quantidade de trabalhadores representados e valor dos salários destes trabalhadores. Portanto, é um cálculo um pouco mais complicado, em que os dados não estão disponibilizados. Ou seja, a CUT representa 38% dos sindicatos filiados e não significa que necessariamente ela tenha recebido 38% do bolo repassado às centrais. Ela, por exemplo, tem muitos sindicatos de servidores que ainda não recolhem o imposto.
Também é necessário destacar três fenômenos novos:
1) o imposto sindical começou a ser arrecadado por sindicatos de servidores públicos, especialmente os municipais;
2) o número de entidades que devolvem o imposto sindical decresceu nos últimos anos;
3) as entidades sindicais estão com muito mais dinheiro em caixa, dado o desempenho positivo do mercado de trabalho.
IHU On-Line – Como está o nível de sindicalização no país?
José Dari Krein – De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, a taxa de sindicalização é de 17% do total dos ocupados e de 26,4% dos assalariados com carteira.
Se compararmos esse número internacionalmente, o valor de trabalhadores sindicalizados não é baixo. Existem hoje 11,1 milhões de trabalhadores brasileiros sindicalizados. A taxa de sindicalização cresceu entre 2003 e 2006. Em 2006, ela era de 28,8%, mas caiu depois de 2007 porque cresceu muito mais intensamente o número de trabalhadores com carteira de trabalho assinada e o número de sindicalizados ficou estável. Entre 2006 e 2009, houve um acréscimo de 500 mil sindicalizados no emprego formal. Ou seja, a sindicalização cresceu mais intensamente nos primeiros anos do governo Lula e se estabilizou depois de 2006. É um dado estranho, pois no melhor momento do mercado de trabalho brasileiro, com queda do desemprego, melhora nas negociações salariais (sindicatos conquistando coisas) e com um presidente sindicalista, a sindicalização em termos proporcionais cai. Uma hipótese que necessita ser confirmada é que houve uma reconfiguração das classes trabalhadoras, com a geração do emprego em setores com menor tradição sindical. O comportamento apresenta algumas diferenciações importantes, por exemplo, a taxa cresce entre as mulheres, trabalhadores rurais e na região nordeste.
Comparando internacionalmente, a taxa de sindicalização não é baixa porque há, nos países mais desenvolvidos, uma queda acentuada na taxa da sindicalização nos últimos 20 ou 30 anos. Na França, a taxa de sindicalização é de 8%. Na Espanha e na Alemanha, as taxas são compatíveis com a brasileira. Claro que não é possível comparar com a Suécia, onde a taxa de sindicalização é de 90%, ou com a Noruega, onde é de 80%. Nesses países, além de haver uma tradição social democrata muito importante, o acesso ao seguro desemprego está associado à sindicalização. No caso do Brasil, se tem um desestímulo à sindicalização, porque o resultado das negociações é estendido a toda a categoria, e não somente aos trabalhadores associados.
IHU On-Line – Como o senhor vê a atuação do sindicato no sentido de representar os interesses das categorias, especialmente em relação aos reajustes anuais? Os reajustes não são elevados e, de certo modo, são sempre em torno de 5 a 7%.
José Dari Krein – Os reajustes não são tão elevados, mas são acima da inflação. Então, nesse sentido, há uma inflexão muito importante em relação aos anos 1990.
IHU On-Line – Comparativamente há um avanço, então?
José Dari Krein – Sim. Porque nos anos 1990 grande parte dos sindicatos não conseguia reajustar os salários acima da inflação. Então, muitos sindicatos não conseguiam recompor nem a inflação passada. Nos anos 2000, mais de 90% dos sindicatos estão conseguindo não apenas recompor a inflação, mas também algum aumento real nos salários. É verdade que o aumento real concentra-se entre 1 e 2%. Essa mudança significou uma elevação dos salários, o que ajuda a explicar o melhora dos rendimentos dos que ganham menos. Tem relação mais direta com a elevação do salário mínimo e com o resultado das negociações coletivas.
Então, se analisarmos essa questão do ponto de vista internacional, em nenhum lugar do mundo os sindicatos estão conseguindo, nos anos recentes, de forma sistemática, durante seis ou sete anos, conseguir um aumento real do salário. Se o salário não aumentasse em torno de 5% ou 6%, o salário teria caído 30% ou 40%. O aumento real é pequeno, mas ele está ocorrendo. Isso é fato.
IHU On-Line – Compreendo o avanço, mas para os trabalhadores, esse aumento de 5 ou 6% ainda é baixo.
José Dari Krein – É verdade. Apesar de elevação recente, os salários continuam muito baixos e a renda é muito desigual no Brasil.
IHU On-Line – Além dessa questão do aumento do salário real, quais são as conquistas mais significativas dos sindicatos?
José Dari Krein – Na nossa hipótese um movimento com sinais trocados. Por um lado, os sindicatos obtiveram algumas conquistas, especialmente nas negociações salariais, o que deve aumentar a sua representatividade junto aos trabalhadores de base de representação em relação às questões mais corporativas. Ou seja, os sindicatos estão conseguindo colocar mais dinheiro no bolso de seus representados. Mas, fortalece-se nas ações corporativas, levando a defender bandeiras que são bastante problemáticas para pensar uma sociedade mais justa e equitativa e um Estado com capacidade de desenvolver políticas universais, tais como a luta recente pela isenção do imposto de renda para o bônus recebido em forma de PLR (Participação nos Lucros e Resultados). É uma bandeira que pode levar os trabalhadores nos setores mais organizados a ter mais dinheiro no bolso, mas prejudica a sociedade na perspectiva de construir políticas universais e gerais para toda a população.
Por outro lado, o sindicalismo não recuperou o seu protagonismo na sociedade brasileira, no sentido de influir de forma mais decisiva em colocar na agenda nacional as reivindicações de interesse dos trabalhadores. Por exemplo, os sindicatos não conseguiram mobilizar a sociedade em torno da bandeira da redução da jornada de trabalho. Algumas categorias conseguiram reduzir a jornada de trabalho, mas a campanha pública pelas 40 horas semanais, que era a grande bandeira dos centrais sindicais há dois anos, não está na agenda política.
Se olharmos do ponto de vista das centrais sindicais, as principais conquistas ocorreram não pela capacidade de mobilização, mas pela relação mais próxima com o governo. Entre as conquistas, destaca-se a política de valorização do salário mínimo. Sem dúvida nenhuma, do ponto de vista social, da distribuição de renda, do combate à pobreza, essa foi a principal política pública brasileira no período recente. Até, porque, boa parte das políticas de transferência de renda e de seguridade social está vinculada ao salário mínimo.
IHU On-Line – Então, a aproximação das centrais com o governo foi positiva? Algumas análises dão conta de que as centrais foram cooptadas pelo governo? Tem sentido essa análise?
José Dari Krein – A aproximação trouxe vantagens e desvantagens. Algumas questões foram encaminhadas pela relação com o governo e não pela capacidade de mobilização. Talvez a exceção foi na crise de 2009, em que as centrais pressionaram o governo para a adoção de políticas anticíclicas, as quais foram importantes para os efeitos da crise terem menor impacto no país. Foi um momento de muitas mobilizações e greves setoriais.
A grande questão é deixar claro para o conjunto da sociedade que o movimento sindical precisa afirmar a sua autonomia em relação ao governo para o bem da democracia e da própria manutenção da credibilidade do movimento sindical. A autonomia não significa amarrar o movimento sindical, mas dele exercer o seu papel na sociedade no sentido de vocalizar as aspirações dos trabalhadores.
IHU On-Line – Quantas centrais sindicais têm o país e a que forças políticas são ligadas?
José Dari Krein – Atualmente existem, em 2012, cinco centrais sindicais formalmente reconhecidas, que conseguiram atingir os critérios que lhe garante exercer as prerrogativas sindicais e ter acesso ao imposto sindical. Alem disso, existem outras, entre as quais podem ser destacadas a CSP/CONLUTAS e as Intersindicais. Vou apresentar essas centrais.
Vamos começar pela Força Sindical que, do ponto de vista político, tem uma aproximação maior com o PDT, mas que possui correntes vinculadas a outros partidos políticos. A caracterização da Força Sindical, em minha avaliação, não se dá pela sua vinculação político-partidária, apesar de o PDT ser um partido mais de esquerda e de ter um certo legado do trabalhismo brasileiro. A Força Sindical é absolutamente pragmática. A característica fundamental da sua origem é ser oriunda do chamado sindicalismo de resultados em que não questiona o sistema capitalista, mas busca, de uma forma muito pragmática, meios para conseguir colocar mais dinheiro no bolso do trabalhador. Com o tempo, a Força Sindical passou a adotar uma postura muito centrada na figura de seu presidente. Então, em alguns momentos ela critica a economia, faz alianças com outros setores empresariais em nome da preservação do emprego, depois defende o governo, e disputa o controle do Ministério do Trabalho.
A Nova Central Sindical dos Trabalhadores não tem uma vinculação política partidária clara. É formada por vários partidos diferentes. O que a caracteriza é o fato de ter sido constituída em 2005 com a finalidade de defender a estrutura sindical existente no país, defender o legado da CLT, tanto do ponto de vista dos direitos existentes como do ponto de vista da estrutura sindical. Ela está baseada fortemente nas estruturas oficiais federais. Por exemplo, o presidente dela também preside a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria. O trabalho fundamental dela é defender a atual Estrutura Oficial.
A União Geral dos Trabalhadores (UGT) tem tendências internas na sua composição, oriundas dos grupos que a compuseram (PPS, que é a antiga unidade sindical, CGT e dissidência da Força Sindical). A unidade da UGT ocorreu, a meu ver, para viabilizar uma central sindical que pudesse preencher os critérios de representatividade exigidos pela lei que cria as centrais sindicais. A sua concepção é bastante aberta. O seu presidente é filiado ao PSD (partido do Kassab).
Depois, tem-se a Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil – CTB. Essa central sindical surgiu de um racha na CUT. Sua principal influência é dada pelo PCdoB. Ela está crescendo no cenário nacional em aliança com setores que não têm uma concepção mais próxima do sindicalismo oficial, como a Federação dos Trabalhadores da Cultura do Rio Grande do Sul. O que a diferencia em relação à CUT é a sua visão sobre a estrutura sindical, pois ela é favorável ao imposto sindical e defende o princípio da unicidade e apresenta a estratégia de construir uma política de maior unidade entre as diferentes centrais sindicais.
A outra é a CUT, que é a principal central sindical brasileira. Apesar de tudo, boa parte das principais greves e lutas ainda é desenvolvida por ela. Como afirmado acima, a partir de 2011 está buscando construir uma estratégia de reafirmar suas bandeiras históricas e se diferenciar das outras centrais. Mantém uma concepção classista, apesar de parte de sua bela estar praticando um velho sindicalismo. Também tendo preso nos principais setores econômicos.
Entre as outras, destaco a CSP/CONLUTAS e a Intersindical (Instrumento de Luta e Organização da Classe, 2006). São dois agrupamentos que saíram da CUT, em função do posicionamento desta em relação ao governo Lula. São organizações mais a esquerda e com um posicionamento de transformação mais radical da sociedade. A Intersindical rachou em dois agrupamentos. Uma parte (mais próxima de algumas correntes do PSOL) tentou fazer uma negociação para se unificar com o CONLUTAS, mas ele não concretizou, pois houve racha no congresso chamado para esse fim em 2010. A outra continuou com o propósito de ser uma articulação de sindicatos sem a pretensão de ser e constituir uma central sindical. O interessante que as duas Intersindicais estão fortemente presentes em Campinas (químicos e metalúrgicos).
Depois tem o Conlutas, que mudou o nome para Central Sindical Popular – CSP/CONLUTAS, depois da tentativa frustrada de unificação com parte da Intersindical. O CSP/Conlutas é hegemonizada pelo PSTU. Mas o CSP/Conlutas não tem o número mínimo de sindicatos para ser reconhecido formalmente como central sindical, de acordo com a lei brasileira. De todo modo, é uma organização que tem sua base principal no setor público federal. Ela tem como estratégia diferente em relação a todas as outras centrais, pois aglutina na mesma organização não somente a sua base sindical, mas também os movimentos sociais e estudantis.
Existem outras centrais sindicais que não são expressivas, tais como CGTB - Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (1983), que rachou recentemente e não vai perder o acesso aos recursos do imposto sindical, a CSP – Central Sindical de Profissionais e a UST - União Sindical dos Trabalhadores. O importante a destacar é a existência de pluralismo na cúpula sindical, em que as diferenças de concepção sindical são pouco demarcadas e muitas vezes tem relação mais com projetos dos dirigentes que estão a sua frente e estratégia de agrupamentos políticos para buscar ter alguma base entre os trabalhadores.
IHU On-Line – Como avalia os dados divulgados pelo IPEA de que o Brasil está longe de atingir o pleno emprego? Quais as razões de o país não atingir o pleno emprego?
José Dari Krein – Historicamente, o Brasil tem um mercado de trabalho muito segmentado. O peso do trabalhador autônomo é grande e grande parte dele exerce essa condição como mera estratégia de sobrevivência. Também é preciso considerar que há ainda no Brasil uma alta informalidade. Por exemplo, apesar da redução proporcional, o Brasil ainda tem 7 milhões de domésticas. Caso o país avance, como ocorre em outros campos, esse tipo de trabalho deverá cair mais. Ou seja, o primeiro aspecto a destacar é que há um contingente muito grande de pessoas que estão inseridas de forma bastante precária, sem proteção social e recebendo baixo rendimento. Assim, ainda temos um excedente estrutural de força de trabalho ainda por ser incorporada no mercado de trabalho. Essa é a primeira razão para concordar que não há pleno emprego no Brasil.
Essa realidade não nega que houve no período recente uma melhora expressiva nos indicadores do trabalho, com o crescimento do emprego, especialmente formalizado, com carteira de trabalho assinada. Claro que isso não significa emprego de qualidade e nem boa remuneração, mas isso significa um emprego protegido, do ponto de vista da seguridade social. Mais de 90% das ocupações criadas nos anos 2000 é de até 1,5 salários mínimos. No país se nós olharmos desse ponto de vista, veremos que há um contingente muito grande de pessoas que não estão nem protegidas formalmente. Apesar do avanço recente, mais de um terço dos trabalhadores não tem Previdência Social no país.
Nesse sentido, não dá para dizer que temos um país com pleno emprego. A taxa de desemprego apresentou uma queda muito forte, caindo pela metade. Mas, o desemprego atinge diferentes os trabalhadores e trabalhadores. Ele é bem mais expressivo entre os jovens e muito baixo entre as faixas etárias acima dos 50 anos. Então, concordo com a leitura do IPEA. Como podemos falar de pleno emprego se uma parte importante da juventude está desempregada, e um percentual considerável de pessoas está ocupado em atividades informais, autônomas, como estratégia de sobrevivência, numa condição extremamente precária e sem proteção social?
Também é importante destacar que está em curso uma mudança na estrutura demográfica em que tende a diminuir a pressão pela criação de novos postos de trabalho, já que a população está envelhecendo, há uma queda da taxa de natalidade e houve, nos anos recentes, uma forte inserção das mulheres. Haverá menor pressão nos próximos anos para a geração de postos de trabalho. O número de pessoas que está ingressando no mercado de trabalho tende a cair nos próximos 20 anos.
Com isso, hoje está colocada a discussão de termos um mercado de trabalho mais estruturado, com a geração de emprego com proteção social. Portanto, um tema novo precisa começar a ser enfrentado de como gerar emprego de qualidade, de combate da terceirização e de outras formas de flexibilização do trabalho.
José Dari Krein – A primeira questão a destacar é que as ocupações a serem geradas têm relação direta com o modelo de desenvolvimento social e econômico que o país for adotar. Um modelo econômico baseado no agronegócio tende a criar postos de trabalho de baixos. Portanto, agenda do trabalho está diretamente vinculada com o debate sobre os projetos de país. Nesse sentido, destacaria quatro aspectos:
1) a capacidade de gerar ocupação em setores com maior grau de complexidade do ponto de vista tecnológico, o que implica investimento em ciência e tecnologia e uma política ativa na forma de inserção do país na globalização, preservando e estimulando certos setores;
2) um grande gargalo é a nossa atual infraestrutura física e social, o que implica a adoção de políticas que de fato desenvolvam, por exemplo, a saúde e educação, saneamento, sistema de transporte coletivo etc.;
3) o grande desafio de ter um crescimento sustentável do ponto de vista ambiente, não é possível pensar o futuro sem considerar a dimensão ecológica;
4) a promoção da inclusão social. Um modelo de desenvolvimento com essas características tende a gerar pontos de trabalho de maior qualidade.
A segunda questão importante é a redução da jornada de trabalho, pois pelo progresso técnico há um aumento progressivo da capacidade de produzir bens e serviços com um número menor de pessoas, o que coloca a necessidade de redistribuir o trabalho útil na sociedade, acompanhada de uma redefinição no padrão de consumo e das formas de sociabilidade. Na mesma linha, é importante discutir formas de retardar a entrada de jovens no mercado de trabalho, proporcionando uma escola de qualidade.
Em terceiro lugar, há uma agenda de resistência às iniciativas de flexibilização, que tende a gerar maior precarização, tais como o projeto em discussão no Congresso de regulamentação da terceirização, que se for aprovada nos termos que se encontra será um grande retrocesso na legislação social e trabalhista no país. Também seria importante, avançar na criminalização dos que praticam a fraude trabalhista. Para além da resistência, há também a possibilidade de uma agenda mais ofensiva de ampliar o nível de direitos e de proteção social no país e de combater todas as formas de discriminação e assegurar nível de igualdade social e de renda.
Por último, não existe sociedade democrática sem a presença sindical. Portanto, é importante ter uma agenda que contribua para o fortalecimento dos/as trabalhadores/as no Brasil, especialmente introduzindo mecanismos contra a dispensa imotivada, o direito de organização sindical no local de trabalho e estimule a existência de sindicatos representativos e fortes.
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