Profa. Dra. Vera Regina Schmitz
A economia solidária é o conjunto de atividades econômicas organizadas e realizadas solidariamente por trabalhadores e trabalhadoras sob a forma de autogestão (ASSEBURG, OGANDO, 2006, p. 13).
Economia Solidária é um modo de organização da produção, comercialização, finanças e consumo que privilegia o trabalho associado, a cooperação e a autogestão (CULTI, KOYAMA, TRINDADE, 2010, p. 7).
A Economia Solidária é uma prática regida pelos valores de autogestão, democracia, cooperação, solidariedade, respeito à natureza, promoção da dignidade e valorização do trabalho humano, tendo em vista um projeto de desenvolvimento sustentável global e coletivo. Também é entendida como uma estratégia de enfrentamento da exclusão social e da precarização do trabalho, sustentada em formas coletivas, justas e solidárias de geração de trabalho e renda (SENAES).
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ECONOMIA SOLIDÁRIA
Tem como base o conceito de solidariedade, contrastando com o individualismo competitivo que é característica marcante da sociedade capitalista.
Os empreendimentos de economia solidária são:
- Organizações urbanas e/ou rurais;
- Formada por produtores, consumidores, fornecedores de serviços, crédito;
- Baseadas na livre associação, no trabalho cooperativo, na autogestão e no processo decisório democrático.
(CULTI, KOYAMA, TRINDADE, 2010, p. 15)
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A economia solidária resgata o cooperativismo operário, presente nas lutas de resistência à Revolução Industrial nos séculos XIX e XX.
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Socialistas utópicos:
- Robert Owen (1771-1859): imaginava uma sociedade como uma federação de comunidades cooperativas, de gestão operária, ou seja, governadas pelos próprios produtores, cuja renda seria distribuída igualitariamente.
- Carlos Fourier (1772–1837): combateu o feudalismo comercial e industrial por meio de experiências na base do associativismo. Criou os falanstérios, associações livres, compostas de trabalhadores, capitalistas e administradores.
- Saint-Simon (1760-1825): Preconizava a reforma social, um estado industrializado, dirigido pela ciência moderna, no qual a sociedade seria organizada para o trabalho e produção de coisas úteis à vida.
- Louis Blanc (1811-1882): Contribuiu para popularizar, na França, as cooperativas operárias de produção. “O ideal de Blanc era uma sociedade igualitária com os interesses pessoais incorporados ao bem comum” (HORVART, 1990, p. 15).
- Pierre Joseph Proudhon (1809-1865): visionário proletário, defendia que a propriedade privada deveria ser transformada em propriedade coletiva de associações de operários. Preconizava o regime mutualista.
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Sociedade dos Pioneiros Equitativos de Rochdale (1844): formaram a primeira cooperativa de consumo que se tem notícias.
Os pioneiros de Rochdale estabeleceram e adotaram alguns princípios de funcionamento da cooperativa que, com o passar do tempo, foram transformados em princípios comuns a todas as outras que existiam ou que desde então surgiram.
Resumiam-se, na época, em: democracia (cada cabeça um voto), livre adesão, livre saída, compras e venda à vista e juro limitado ao capital e retorno.
(Hoje: Adesão livre e voluntária; Controle democrático; Participação econômica; Autonomia e independência; Educação, Formação e Informação; Cooperação entre Cooperativas; Preocupação com a Comunidade).
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Fatores históricos - gênese dos EES*
Presença de setores populares com experiência em práticas associativas, comunitárias ou de classe;
Existência de lideranças e organizações populares genuínas, vinculadas aos movimentos de ação direta e aos sistemas de representação de interesses coletivos;
Compatibilidade entre a economia associativa e as práticas costumeiras de economia popular;
Presença de entidades e grupos de mediação, aptos a canalizar as demandas populares para a economia solidária
Redução efetiva, para os trabalhadores em causa, das modalidades convencionais de subsistência;
Contexto político e ideológico local favorável: apoio dos movimentos sociais e das instituições políticas.
*Grupo Ecosol - www.ecosol.org.br
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Segundo SINGER, ressurgem como resposta
[...] ao estrangulamento financeiro do desenvolvimento, à desregulação da economia e à liberação dos movimentos do capital, que acarretam, nos diversos países, desemprego em massa, fechamento de firmas e marginalização cada vez maior dos desempregados crônicos e dos que sabem que não têm possibilidade de voltar a encontrar emprego, por causa da idade, falta de qualificação ou de experiência profissional, discriminação de raça ou gênero, etc. (2003, p. 116-7).
O que distingue este “novo cooperativismo” é a volta aos princípios, o grande valor atribuído à democracia e à igualdade dentro dos empreendimentos, a insistência na autogestão e o repúdio ao assalariamento (SINGER, 2002, p. 111).
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Empreendimentos de Economia Solidária
Constituem-se sob forma de grupos informais, associações, cooperativas, empresas de autogestão grupos solidários, redes solidárias, clubes de trocas, centrais, etc.
Forma de Organização - RS:
49% - grupo informal
28% - associação
18% - cooperativa
4% - sociedade mercantil
1% - outra
Desenvolvem atividades econômicas nos setores de:
- produção de bens
- prestação de serviços
- consumo solidário
- comercialização
- crédito e finanças solidárias
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Valores e Princípios:
Cooperação
Solidariedade
Autogestão
Ação econômica
Cooperação:
- Trabalhar em conjunto; cooperar; ajuda-mútua; contribuir para o bem-estar de alguém e/ou de um grupo/comunidade.
- Entendida como “a base das relações econômico-sociais que os trabalhadores associados pretendem estabelecer no processo de trabalho” (JESUS, TIRIBA, 2009, p. 80).
- É a ação pela qual indivíduos com interesses comuns constituem um empreendimento, no qual os direitos de todos são iguais e o resultado alcançado é repartido entre os integrantes.
Solidariedade:
- Carrega o componente da afetividade, da interação entre duas ou mais pessoas, do cuidado mútuo.
- Diferencia-se da lógica capitalista, “por apresentar aquilo que nela não existe, que é o acolhimento da ação social, o sentimento de não estar só” (CULTI, KOYAMA, TRINDADE, 2010, p. 78).
- Na economia solidária o vínculo social é construído cotidianamente, por meio das relações de confiança que acontecem entre os membros dos grupos e/ou com a comunidade.
Autogestão:
“Conjunto de práticas sociais que se caracteriza pela natureza democrática das tomadas de decisão, que propicia a autonomia de um coletivo” (ALBUQUERQUE, 2009, p. 26). Exercício de poder compartilhado.
- Vivência de práticas participativas nos espaços de trabalho, nas decisões estratégicas e cotidianas relacionandas às ações de interesse dos associados.
- Decidir com conhecimento de causa. Os que decidem devem ter todas as informações necessárias, inclusive criando critérios pelos quais vão decidir.
- Relacionado à participação democrática
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Dimensão Econômica:
- Os EES realizam atividades econômicas de serviços, finanças, produção de bens, distanciando-se de um empreendimento caritativo e assistencialista.
- Integra a perspectiva do desenvolvimento local e regional, fortalecendo e sendo fortalecido por meio da riqueza existente no território e cultura local.
- Organizam-se com a função de gerar trabalho e renda.
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Fórum Brasileiro de Economia Solidária
FBES
- Criado oficialmente na III Plenária Nacional de Economia Solidária, em 2003, mesmo ano de criação da SENAES.
- A origem remete às discussões acontecidas durante o Fórum Social Mundial, em 2002.
- É uma instância de articulação nacional, de debates, elaboração de estratégias e mobilização do movimento de economia solidária no Brasil, representando também o movimento de ecosol ante o poder público, principalmente a SENAES, entidades e redes e articulações nacionais e internacionais.
- Tem o papel de congregar diferentes iniciativas na perspectiva da organização da ecosol.
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FORUNS
- Espaço para discutir problemas comuns e intervir na construção de políticas públicas, por meio de encaminhamentos, ajudando a pensar e desenhar os caminhos do próprio movimento.
- É o lugar da legitimidade do campo da Ecosol, na sociedade e para si mesma.
- Estrutura-se de forma a garantir a articulação de três segmentos da economia solidária: empreendimentos solidários, entidades de assessoria e fomento e gestores públicos.
- Organizam-se em escala local, regional, nacional.
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REDES
- Forma de organização dos movimentos associativos, estendendo-se em escalas locais, regionais, nacionais e internacionais.
- Geralmente são compostas por empreendimentos da Ecosol e instituições de apoio e fomento.
- Espaço de troca de experiências, metodologias, formação, intercâmbio comercial, etc.
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CADEIAS PRODUTIVAS
- Apontam para caminhos de integração e superação de problemas enfrentados pelos empreendimentos solidários, de forma individual.
- Abarcam o conjunto das etapas das atividades, desde a produção até o consumo de um bem ou serviço, incluindo o processo que parte da matéria-prima, passa pelo uso de máquinas e equipamentos, pela incorporação de produtos intermediários até o produto final que é distribuído por uma vasta rede de comercialização.
- Possibilitam a cooperação entre empreendimentos do mesmo setor produtivo, colaborando para o desenvolvimento local e regional.
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BENEFÍCIOS E DESAFIOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Alguns benefícios da economia solidária:
- Ação de fronteira, criadora de alternativas de vida econômica e social;
- Base para o desenvolvimento local e ações propositivas de maior alcance;
- Responsabilidade coletiva no gerenciamento, definição de metas e correção de rumos;
- Experiência da cooperação;
- Geração de processos de inserção social (inclusão de mulheres no mercado de trabalho, idosos, portadores de necessidades especiais, etc...);
- Estímulo moral e material;
- Troca de saberes e habilidades;
- Alternativa ao desemprego, complementação de renda, obtenção de maiores ganhos, acesso à crédito);
Algumas dificuldades da economia solidária:
- Exercício da autogestão;
- Dificuldades para desenvolver o trabalho coletivamente;
- Falta de capacidade gerencial (amadorismo);
- Rotatividade de pessoas nos grupos;
- Carência de capital de giro e crédito;
- Dificuldades de comercialização;
- Atrasos tecnológicos (perda de mercados);
- Carência de fornecedores de matérias-primas, etc.;
- Pouca visibilidade;
- Falta de ousadia;
- Expectativa de soluções mágicas;
Alguns desafios da economia solidária:
- Ter políticas públicas direcionadas;
- Lideranças mais preparadas;
- Conhecer o negócio do empreendimento;
- Criar grupos integrados e comprometidos;
- Trabalhar com planejamento;
- Ter mais visibilidade;
- Aproximar-se das demandas da população;
- Desenvolvimento de tecnologias sociais;
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ASPECTOS LEGAIS
COOPERATIVAS x ASSOCIAÇÕES
COOPERATIVAS LEI Nº. 5.764, DE 16/10/1971
Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências, como:
- a forma de constituição
- as previsões legais que devem ter no estatuto
a forma de organização dos associados, do trabalho e do dinheiro da Cooperativa
- define o que é o Ato cooperativo
- e sobre sua representação, a OCB e Organizações Estaduais.
LEI 10.406, de 10/01/2002
CÓDIGO CIVIL 2002
CAPÍTULO VII
DA SOCIEDADE COOPERATIVA
Art. 1.093. A sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente Capítulo, ressalvada a legislação especial.
Art. 1.094. São características da sociedade cooperativa:
I - variabilidade, ou dispensa do capital social;
II - concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo;
III - limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar;
IV - intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança;
V - quorum, para a assembléia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado;
VI - direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação;
II - distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado;
VIII - indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade.
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DESENVOLVIMENTO LOCAL E ECONOMIA SOLIDÁRIA
“É entendido como um processo que mobiliza pessoas e instituições buscando a transformação da economia e da sociedade locais, criando oportunidades de trabalho e de renda, superando dificuldades para favorecer a melhoria das condições de vida da população local”
(JESUS, 2003, p.72).
DESENVOLVIMENTO LOCAL
“Processo de satisfação de necessidades e de melhoria das condições de vida de uma comunidade local, a partir essencialmente das suas capacidades, assumindo a comunidade o protagonismo principal nesse processo e segundo uma perspectiva integrada dos problemas e das respostas” (AMARO, 2009, p. 108).
- afirmação científica do conceito a partir dos finais dos anos 1970;
- reconhecimento político-institucional a partir dos anos 1990.
Surge como resposta das comunidades locais aos problemas econômicos, sociais, culturais, ambientais:
- falências e fechamento de empresas, desestruturação das economias locais;
- desemprego, pobreza e exclusão social, ausência de respostas sociais, como, por exemplo, o acompanhamento dos mais novos e dos mais velhos;
- descaracterização das identidades, dos valores culturais e dos patrimônios locais;
- falta de saneamento básico, ameaças à qualidade de vida, destruição de ecossistemas locais.
(AMARO, 2009, p. 108).
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IDEIAS PRINCIPAIS
- Realização de diagnóstico com a participação das comunidades locais;
- Valorização das potencialidades e capacidades da comunidade para dar resposta às necessidades apontadas;
- Abordagem de problemas e soluções de forma integrada.
“Pode-se, pois, dizer que se está perante uma iniciativa ou um processo de desenvolvimento local quando se constata a utilização de recursos e valores locais, sob o controle de instituições e de pessoas do local, resultando em benefícios para as pessoas e o meio ambiente local” (JESUS, 2003, p. 72).
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“O desenvolvimento local integra os recursos que existem no território, a cultura da comunidade e as instituições. A economia local se dinamiza e fortalece quando as pessoas e instituições interagem e o resultado é a criação de riqueza, a geração de trabalho e renda e a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida. O fluxo financeiro circula em grande medida no próprio território e volta a ser investido ali mesmo, gerando novas oportunidades de desenvolvimento” (CULTI, Maria Nezilda, KOYAMA, Mitti Ayako H. TRINDADE, Marcelo, 2010, p. 82).
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Cooperativas: Recursos aplicados na própria região
- Fortalecendo o estado origem;
- Apoiando iniciativas locais.
As cooperativas apostam no desenvolvimento local e regional.
Fonte: PORT, Marcio. Sicredi Pioneira
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Provocações...
- A partir das discussões que já aconteceram na Escola, das experiências relatadas e dos vídeos assistidos, como o grupo “enxerga” a economia solidária?
- Na visão do grupo, no compromisso e no dia-a-dia de cada um, o que pode ser feito?
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REFERÊNCIAS:
ALBUQUERQUE, Paulo Peixoto de. Autogestão. In: CATTANI, Antonio David (Org.) A outra economia. Porto Alegre: Veraz, 2003.
AMARO, Rogério Roque. Desenvolvimento local. In: CATTANI, A. D., LAVILLE, J. L., GAIGER, L. I., HESPANHA, P. (Coord.). Dicionário internacional da outra economia. Coimbra/São Paulo: Almedina, 2009.
ASSEBURG, Hans Benno, OGANDO, Cláudio Barcelos. A economia solidária no Rio Grande do Sul. San Jose/Costa Rica: Unesco, 2006. (Cartilha da Economia Solidária – resultados do primeiro mapeamento nacional)
CULTI, Maria Nezilda, KOYAMA, Mitti Ayako H. TRINDADE, Marcelo. Economia solidária no Brasil. Tipologia dos empreendimentos econômicos solidários. São Paulo: Todos os Bichos, 2010.
Economia Solidária. Mapeamento Rio Grande do Sul. Brasília: Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES/MTE, 2008. 44 p. (Convênio Finep/Unitrabalho e Unitrabalho/ Unisinos).
HORVART, Branko. Socialismo autogestionário: origens e evolução. Traduzido por Siemi Matos Campos. Fonte: Self governing socialism. IASP – New York – 1975. CECA/Centro de Cultura Socialista: São Leopoldo-Rio de Janeiro, 1990. 90p.
JESUS, Paulo de, TIRIBA, Lia. Cooperação. CATTANI, A.D., LAVILLE, L., GAIGER, L.I., HESPANHA, P. (Coord.) Dicionário internacional da outra economia. Coimbra: Almedina, 2009.
25 anos de economia popular solidária/Cáritas Brasileira. Brasília: Cáritas Brasileira, 2006.
SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002.
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