21/11/2013

Fé e Política

Fé e Política: “a missão mais importante é humanizar”, afirma Carlos Mesters

19/11/2013 - notícias - Criado por: Jaime C. Patias













Com olhos e ouvidos atentos, os participantes do 9º Encontro Nacional Fé e Política abriram o coração para saborear as sábias reflexões do teólogo e biblista do povo, frei Carlos Mesters. A conferência encerrou o evento que reuniu quase três mil lideranças no feriado da República, dias 15 a 17 de novembro na Universidade Católica de Brasília (UCB), campus de Taguatinga Sul (DF), e teve como tema “Cultura do Bem Viver: Partilha e Poder”.

Carlos Mesters repassou textos bíblicos e contando histórias destacou a centralidade da palavra de Deus para a leitura da realidade. Comparou os vários cativeiros enfrentados pelo Povo bíblico com o cativeiro de hoje representado pelo capitalismo neoliberal que mata a vida. “Ouvimos que lá no Mato Grosso do Sul mataram índios só para se apropriarem de suas terras. Este é um cativeiro, mas mesmos assim nós temos esperança”, disse o teólogo e em seguida, enumerou sete passos da cultura do Bem Viver para a saída do cativeiro.

1. Uma nova visão sobre a natureza. “Neste ponto podemos aprender muito dos povos indígenas”, afirmou Mesters. “Nós podemos ser muito desobedientes a Deus, mas isso não impede o nascimento do sol, a sequência dos dias e das noites, o ciclo da lua, o sol que vem todos os dias, a chuva no tempo certo... O profeta Jeremias vê nisso, um sinal da fidelidade de Deus. Nós podemos romper com Deus, mas Ele nunca rompe conosco, basta olhar a natureza. Esse é o fundamento de tudo”.

2. Redescobrir a força da palavra. “Os indígenas veneram muito a palavra. E Isaías diz: ‘tudo é capim, tudo passa. A única coisa que permanece é a palavra de Deus’, recordou o biblista. “No cativeiro, a única coisa que eles tinham era a memória. A pior coisa que pode acontecer a uma pessoa é perder a memória e pior ainda é um povo perder a memória”, completou. “E os meios de comunicação hoje, pela maneira de apresentar a história muitas vezes apagam em nós a memória”. Mesters recordou que 50 anos atrás, quase ninguém tinha a Bíblia em casa e hoje todos têm. “Estamos recuperando a palavra de Deus. A palavra é para conversar e quando estamos nos círculos bíblicos estamos nos confrontando com a palavra de Deus. Isso é conversão, uma conversa grande”. E jogou com as palavras: “conversa = conversão”.

3. Redescobrir o amor eterno de Deus. “No cativeiro Jeremias ficava olhando o sol, a lua, as estrelas. Isso significa que por detrás da natureza está o amor eterno de Deus por nós. ‘Eu amei você com amor eterno. Por isso conservei o meu amor por você’ (Jr 31,3). ‘Pode a mãe se esquecer do seu bebê pode ela deixado de ter amor pelo filho de suas entranhas. Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você’ (Is 49, 15). O amor é a melhor coisa que o nosso coração pode sentir. E quando somos amados, Deus faz nascer coisas novas no coração da gente”.

4. Uma nova experiência de Deus, uma nova imagem de Deus. “No cativeiro sem terra, sem templo, nem sacerdote, a única coisa que sobrou foi a família, o pai, a mãe, uma família quebrada, fraquinha, mas é o único lugar onde podem falar com liberdade. Nesse pequeno espaço da família eles experimentam Deus. Experimentam o amor de Deus e inventam nomes novos para Deus. Isso aparece somente em Isaías por quem Deus é chamado de Mãe, Pai, Marido e nós somos sua esposa. Ele é também o Irmão maior. É um Deus de família. Nas experiências da vida formamos a imagem de Deus. Depois de tantos anos de caminhada no Movimento Fé e Política, a nossa ideia de Deus melhorou ou não?”, perguntou Mesters.

5. Deus não escreveu um livro, mas escreveu dois livros. “No cativeiro não há vida, mas eles têm a palavra de Deus e lembram como Deus criou o mundo. Tudo o que existe é expressão de uma palavra de Deus. As estrelas, o sol, as pessoas, as crianças são a palavra de Deus. Santo Agostinho afirma que Deus escreveu dois livros e o primeiro não é a Bíblia, mas a vida, os fatos, os acontecimentos. E por causa da nossa mania de querer dominar tudo, as letras desse livro se atrapalharam, a gente não consegue descobrir Deus dentro da vida. Então para nos ajudar a ler a vida, Deus escreveu mais um livro que é a Bíblia que não foi escrito para ocupar o lugar da vida, mas para nos ajudar a ler a vida, descobrir Deus na vida. Santo Agostinho nos diz, a leitura da Bíblia todos os dias, é como um colírio que você coloca no olho. Colírio melhora a visão e com esse novo olhar de contemplação, somos capazes de decifrar o mundo.

Ontem foram lembradas as manifestações de ruas do mês de junho. Qual é a palavra de Deus que está nesse movimento? Qual é o apelo de Deus? Conversando, lendo a Bíblia a gente vai descobrir e aí fazemos do mundo uma ‘teofania’(manifestação de Deus) e o mundo se torna de novo transparente para nos falar de Deus. Nesse ponto também podemos aprender muito dos povos indígenas”.

6. Redescobrir a missão. “Quando viviam na Palestina, o povo de Deus pensava em ser um povo grande. Agora no cativeiro eles descobrem que a missão é servir. E fizeram uma cartilha para ensinar como servir. Em Isaíasencontramos o Servo sofredor de Javé. Provavelmente Jesus leu muito estes textos do profeta sobre o serviço. ‘O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir’ (Mc 10, 45). Esta é nossa missão principal. Não estamos aqui para dominar”.

7. Descobrir uma nova pastoral, uma nova maneira de anunciar a Boa Nova. Carlos Mesters entende isso como “uma nova ação política, uma nova ação de convivência entre nós”. Ele destaca as seguintes palavras: ternura, diálogo, reunião, consciência crítica e alegria. “Ternura significa acolher as pessoas, respeitar. Para quem está sofrendo muito não adianta chegar com imposição, tem que acolher, cuidar da ferida do coração. Não se impor, mas conversar para produzir o conhecimento, ser aprendiz. Na Igreja temos uma Encíclica chamada Mater et Magistra (Mãe e Mestra). Falta-nos outra chamada ‘Aluna e Aprendiz’. Fazer encontros, honrar o Sábado, tirar um dia por semana para conversar. Com consciência crítica o povo tenta aumentar a fé por dentro e diminuir o peso do sistema opressor. Hoje a gente lê a Bíblia e os acontecimentos com consciência crítica para achar a saída. Volta o equilíbrio e o povo renasce. E por fim temos a alegria!”. A dimensão da festa.

“O ponto de chegada é Jesus”. Mesters lembrou ainda que, o nome que Jesus mais gostava de usar para Ele mesmo era ‘Filho do Homem’ (83 vezes). “Jesus falou que era Rei apenas uma vez e meia. Jesus disse: ‘sim eu sou rei, mas não rei deste mundo’ (uma vez). Pilatos perguntou: o senhor é rei? Jesus respondeu: ‘é você quem está dizendo’. Então é pela metade. E nós temos a festa de Cristo Rei”, constatou para em seguida explicar o significado da expressão ‘Filho do Homem’. “Esse título vem do profeta Daniel (Dn 7) que descreve os impérios do mundo sob a figura de animais. Por que o império é animalesco, desumaniza. Basta ver o império neoliberal, não desumaniza a vida das pessoas? Os meios de comunicação continuam a colocar valores na cabeça da gente que desumanizam a vida. Na visão de Daniel, depois dos quatro impérios aparece a Reino de Deus apresentado com a figura de gente: ‘Filho do Homem’ que não é uma pessoa, mas o Povo de Deus, um povo humano. Precisamos saber humanizar. Esta é a missão mais importante que Deus nos dá. E Jesus assume esta missão. Ele quer humanizar a vida. Isso aparece o tempo todo nos Evangelhos”.

No encerramento dos trabalhos, um momento de mística retomou os símbolos da abertura: fogo, água, terra e ar. Dessa vez, a simbologia ganhou maior significado e força com uma dança guarani onde os participantes formaram um círculo para, de cabeça erguida, braços entrelaçados e pisadas firmes cantar a resistência da cultura do Bem Viver.

O ipê, árvore típica do cerrado foi símbolo do Evento. Uma última ação recordou as nove edições do Encontro Fé e Política ao plantar nove mudas da árvore na entrada principal do Campus da Universidade. Cada participante no evento recebeu nove sementes de ipê para multiplicar a ação em sua cidade. Isso para repor o carbono gasto em média por cada pessoa e educar para o cuidado com a natureza.

http://www.intereclesialcebs.org/full.php?id_noticia=248&noticia_cat=2 

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