24/09/2013
Lei da Mídia Democrática
Informações da campanha, kit coleta, para onde encaminhar, materiais de divulgação:
http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/index.php/2013-04-30-15-58-11
Marco civil multilateral para a governança e uso da internet
Na ONU, Dilma propõe governança global para
internet
A presidenta Dilma Rousseff defendeu nesta
terça-feira (24), durante discurso de abertura da 68ª
Assembleia-Geral das Nações Unidas, o estabelecimento de um
marco civil multilateral para a governança e uso da internet e
de medidas que garantam uma efetiva proteção dos dados: http://www.youtube.com/watch?v=RReQxP4YteU&feature=youtu.be
Dilma afirmou que as recentes revelações sobre as atividades de uma rede global de espionagem eletrônica provocaram indignação e repúdio em amplos setores da opinião pública mundial. No Brasil, a situação foi ainda mais grave, pois dados pessoais de cidadãos e da própria presidenta da República foram indiscriminadamente objeto de interceptação.
Para a presidenta, este é o momento de se criar as condições para evitar que o espaço cibernético seja instrumentalizado como arma de guerra, por meio da espionagem, da sabotagem, dos ataques contra sistemas e infraestrutura de outros países. Segundo Dilma, a ONU deve desempenhar um papel de liderança no esforço de regular o comportamento dos Estados frente a essas tecnologias.
No discurso, a presidenta afirmou que não se sustentam os argumentos de que a interceptação ilegal de informações e dados destina-se a proteger as nações contra o terrorismo, pois o Brasil é um país democrático que repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas. Ela disse ainda que o Brasil “redobrará os esforços para dotar-se de legislação, tecnologias e mecanismos que nos protejam da interceptação ilegal de comunicações e dados”.
http://blog.planalto.gov.br/na-onu-dilma-propoe-governanca-global-para-internet/
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http://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil/bloco/dilma-rousseff-criticou-na-assembleia-geral-da-onu-espionagem-dos-eua
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http://www.fndc.org.br/clipping/na-onu-dilma-propoe-governanca-global-para-internet-929331/
Terça-feira, 24 de
setembro de 2013 às 11:11
Dilma afirmou que as recentes revelações sobre as atividades de uma rede global de espionagem eletrônica provocaram indignação e repúdio em amplos setores da opinião pública mundial. No Brasil, a situação foi ainda mais grave, pois dados pessoais de cidadãos e da própria presidenta da República foram indiscriminadamente objeto de interceptação.
“Lutei contra o arbítrio e a censura e não posso deixar de defender de modo intransigente o direito à privacidade dos indivíduos e a soberania de meu país. Sem ele – direito à privacidade – não há verdadeira liberdade de expressão e opinião e, portanto, não há efetiva democracia. Sem respeito à soberania, não há base para o relacionamento entre as nações”, disse.Dilma propôs a implementação de mecanismos multilaterais capazes de garantir os seguintes princípios: Liberdade de expressão, privacidade do individuo e respeito aos direitos humanos; Governança democrática, multilateral e aberta; Universalidade que assegura o desenvolvimento social e humano e a construção de sociedades inclusivas e não discriminatórias; Diversidade cultural, sem imposição de crenças, costumes e valores; e neutralidade da rede, ao respeitar apenas critérios técnicos e éticos, tornando inadmissível restrição por motivos políticos, comerciais e religiosos.
Para a presidenta, este é o momento de se criar as condições para evitar que o espaço cibernético seja instrumentalizado como arma de guerra, por meio da espionagem, da sabotagem, dos ataques contra sistemas e infraestrutura de outros países. Segundo Dilma, a ONU deve desempenhar um papel de liderança no esforço de regular o comportamento dos Estados frente a essas tecnologias.
No discurso, a presidenta afirmou que não se sustentam os argumentos de que a interceptação ilegal de informações e dados destina-se a proteger as nações contra o terrorismo, pois o Brasil é um país democrático que repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas. Ela disse ainda que o Brasil “redobrará os esforços para dotar-se de legislação, tecnologias e mecanismos que nos protejam da interceptação ilegal de comunicações e dados”.
“Fizemos saber ao governo norte-americano nosso protesto, exigindo explicações, desculpas e garantias de que tais procedimentos não se repetirão. Governos e sociedades amigos, que buscam consolidar uma parceria efetivamente estratégica, como é o nosso caso, não podem permitir que ações ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem normais. Elas são inadmissíveis”, disse.
http://blog.planalto.gov.br/na-onu-dilma-propoe-governanca-global-para-internet/
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Dilma Rousseff criticou, na Assembleia-Geral da ONU, espionagem dos EUA
A presidenta foi hoje a primeira governante a se pronunciar, no encontro que reúne líderes de todo o mundo, em Nova York. No discurso, Dilma abordou as denúncias de espionagem dos Estados Unidos e defendeu a necessidade de proteção às informações na internet.http://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil/bloco/dilma-rousseff-criticou-na-assembleia-geral-da-onu-espionagem-dos-eua
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Na ONU, Dilma propõe governança global para internet
Escrito por:
Redação
Fonte: Blog do Planalto
Fonte: Blog do Planalto
24/09/2013 às 11:39
15/09/2013
Democracia participativa: políticas públicas e sociais, espaços de participação e controle social
Texto: José Antônio
Somensi
Fotos: Fernanda Seibel
Nos dias 14 e 15 de setembro, nas dependências do Centro de Formação de Pastoral, aconteceu a sétima etapa da Escola de Formação Fé, Política e Trabalho 2013 – 10ª edição que é coordenada pela Cáritas Caxias do Sul e conta com a parceria do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Com o objetivo de questionar se a
existência de políticas públicas tem promovido um maior
protagonismo da sociedade civil a assessoria e a ampliação da
democracia, bem como compreender se as políticas públicas estão
criando uma nova dinâmica social rumo a um projeto societário
tivemos como tema desta etapa: Democracia participativa. Políticas
públicas e sociais, espaços de participação e controle social que
contou com a assessoria da professora Dr. Marilene Maia – Unisinos.
Na sua fala inicial a professora
Marilene colocou que a Escola torna-se um espaço cidadão do fazer e
do poder e que é importante valorizar este e outros espaços
semelhantes.
Em seguida utilizando a técnica
chamada de Fanzine (recortes de informações) os alunos divididos em
grupos e a partir de notícias de jornais e revistas foram
verificando de que forma a democracia, que no dizer de Bobbio é o
governo do povo, de todos os cidadãos e de Francisco Oliveira
governo da maioria, garantindo o direito das minorias, existe ou
deixa de existir através do agentes– mídia, mercado;
cenários – cultural, social, econômico; sujeitos –
diversidade de gêneros; políticas - educação, comunicação,
trabalho, segurança; valores – liberdade, ética,
contradições.
Os grupos chegaram a conclusão de que
precisamos avançar muito para conquistarmos uma democracia plena e
para que isso aconteça a professora Marilene nos alerta da
necessidade de identificarmos estratégias de ação para podermos
avançar, sem perder as referências histórias, sem deixarmos de
perceber a realidade porque é ela que deve ser ‘partida’ e
‘chegada’ das políticas públicas e que devemos utilizar os
critérios éticos que encontramos na Declaração Universal dos
Direitos Humanos e na nossa Constituição Federal de 1988.
No final da manhã de domingo tivemos
a alegre e entusiástica participação do cantor, poeta, militante
católico, Zé Vicente, que conversou e cantou conosco, em um encontro
musical.
A próxima etapa da Escola acontece
nos dias 19 e 20 de Outubro e os temas serão: Bioética.
Fundamentos da dignidade humana, com o
professor Dr. José Roque Junges – Unisinos e Projeto
de uma sociedade sem exclusão a partir da prática de Jesus, com
o professor Dr. Pedro Kramer – Faculdade Palotina de Santa
Maria.
>> Agenda:
Participa dia 26 de outubro, das 9h às 17h, no Salão Paroquial da Igreja Santa Catarina – Caxias do Sul,
do encontro de todas as turmas do curso!
Seminário:10 anos da Escola de Formação Fé, Política e Trabalho - memória e perspectivas.
Informações e inscrições: fepoliticaetrabalho@gmail.com.
Participa dia 26 de outubro, das 9h às 17h, no Salão Paroquial da Igreja Santa Catarina – Caxias do Sul,
do encontro de todas as turmas do curso!
Seminário:10 anos da Escola de Formação Fé, Política e Trabalho - memória e perspectivas.
Informações e inscrições: fepoliticaetrabalho@gmail.com.
Filmes, vídeos e músicas...
FILMES / VIDEOS
José Saramago e a democracia
https://www.youtube.com/watch?v=BUU4JmuvXKQ
Direito ao delírio – Eduardo Galeano
https://www.youtube.com/watch?v=m-pgHlB8QdQ
Democracia Participativa – Lei de iniciativa popular –
https://www.youtube.com/watch?v=y8KZeMTuuEA
Conferencias de assistência Social
https://www.youtube.com/watch?v=TAFlGs9sRhA
Cidades sustentáveis
https://www.youtube.com/watch?v=5sTDik3rUug
https://www.youtube.com/watch?v=KY4WfdYl_Fw
Políticas publicas sociais - ambiente
https://www.youtube.com/watch?v=Mbybl_gbR5M
Políticas publicas sociais – educação e segurança alimentar e nutricional
https://www.youtube.com/watch?v=6CMajGJ3_cQ
Políticas publicas sociais – ODMs
https://www.youtube.com/watch?v=xJzigrh58tM
MÚSICAS
Papas da Língua - Essa Não é a Sua Vida
https://www.youtube.com/watch?v=zYejdfx-TUs
O Rappa - Anjos "Pra Quem Tem Fé"
https://www.youtube.com/watch?v=BPbCLtBl_g4
OUTROS FILMES:
Quanto Vale ou É por Quilo?
https://www.youtube.com/watch?v=fZhaZdCqrHg
A revolução não será televisionada
https://www.youtube.com/watch?v=MTui69j4XvQ
José Saramago e a democracia
https://www.youtube.com/watch?v=BUU4JmuvXKQ
Direito ao delírio – Eduardo Galeano
https://www.youtube.com/watch?v=m-pgHlB8QdQ
Democracia Participativa – Lei de iniciativa popular –
https://www.youtube.com/watch?v=y8KZeMTuuEA
Conferencias de assistência Social
https://www.youtube.com/watch?v=TAFlGs9sRhA
Cidades sustentáveis
https://www.youtube.com/watch?v=5sTDik3rUug
https://www.youtube.com/watch?v=KY4WfdYl_Fw
Políticas publicas sociais - ambiente
https://www.youtube.com/watch?v=Mbybl_gbR5M
Políticas publicas sociais – educação e segurança alimentar e nutricional
https://www.youtube.com/watch?v=6CMajGJ3_cQ
Políticas publicas sociais – ODMs
https://www.youtube.com/watch?v=xJzigrh58tM
MÚSICAS
Papas da Língua - Essa Não é a Sua Vida
https://www.youtube.com/watch?v=zYejdfx-TUs
O Rappa - Anjos "Pra Quem Tem Fé"
https://www.youtube.com/watch?v=BPbCLtBl_g4
OUTROS FILMES:
Quanto Vale ou É por Quilo?
https://www.youtube.com/watch?v=fZhaZdCqrHg
A revolução não será televisionada
https://www.youtube.com/watch?v=MTui69j4XvQ
O discurso da legitimidade
O
discurso da legitimidade
Demétrio Xavier*
Demétrio Xavier*
"Preguntan
de donde soy
y no sé qué responder.
De tanto no tener nada,
No tengo de adonde ser.”
y no sé qué responder.
De tanto no tener nada,
No tengo de adonde ser.”
E
como perguntam, neste Rio Grande de Deus! De onde és? Bagé?
Alegrete? Paleteias, laças, tranças? Leste estes ou aqueles textos,
para mim fundamentais? Perguntas. Nem sempre foi assim…
Numa terra onde a instituição era tão rara e rala; onde o ilícito das atividades e o partidarismo das guerras poderiam criar constrangimentos e sobretudo onde sempre se precisava de algum braço destro… é assunto sabido que quem chegasse em qualquer galpão era bem recebido, comia, tomava mate e trago, se provisionava de alguma coisa; mudava cavalo, secava roupa e aperos. Sem perguntas.
Gosto particularmente de lembrar de algo que meu pai deixou escrito, sobre o fascínio que o cheiro de fogo exercia sobre ele (e que também sempre senti, sem fazer a associação, por falta da experiência): isso lhe vinha dos tempos de viajar só a cavalo, guri, cansado, sem recursos, às vezes molhado, voltando de entregar uma vacagem ou andando de escoteiro, mesmo. O cheiro do fogo era conforto, bóia, trago, conversa, quem sabe o flerte de alguma guriazinha…
Hoje, essa identidade gaúcha, emocionar-se com ela e cultivar os traços que a fazem ser identificável – os “sinais diacríticos” da Antropologia – passa por uma pergunta, lamentavelmente insistente: “tu podes ser gaúcho?” Subentendido aí “…sendo quem és?”
E aí eu morro de inveja dos negros e dos meus bisnetos. Os negros, empapados do justo orgulho por suas raízes, mas livres de maiores rigores porque essas, as raízes, estão do outro lado de um oceano, originalmente; mais tarde, na escravidão brasileira, localizadas num tempo muito distinto e, portanto, distante.
Os negros, que saem vestindo motivos “tribais” e não são inquiridos sobre sua verossimilhança, sobre essas tribos ou o significado ou mesmo existência daqueles desenhos… Que criam roupas que constroem o afroamericano, referências musicais, culinárias ou linguísticas com a liberdade que não teriam para isso se a fonte desse universo simbólico estivesse logo ali, quer no tempo, quer no espaço.
Nós, gaúchos, de história jovem e cultura resistente, temos sempre um congênere a nos inquirir: “pois é, mas a faca que meu pai usava não era assim…” “Nunca vi essa encilha no campo do meu tio, onde eu passava as férias” (e é um capítulo à parte o que se poderia chamar gauchismo escolar, tamanha a quantidade de gaúchos, inclusive entre os melhores da literatura e da música, cuja referência campeira são as viagens de férias).
O campo é ao lado das nossas cidades e há muita tradição remanescente ou recuperada nele. Além disso, há duas, três gerações, em nossas próprias famílias, sempre houve alguém que viveu ou testemunhou a forma que consideramos a que identificava um “verdadeiro gaúcho”.
Os meus bisnetos, que inveja, poderão viver toda a identidade gaúcha depurada desse discurso de legitimidade, dessa disseminada pretensão de sentenciar: “esse é genuíno, esse não”, dessa forma possessiva de amor e pertencimento que tem nos caracterizado. Porque só a distância no tempo e no espaço, lamentavelmente, nos autorizará a sermos gaúchos como um cigano é cigano: afirmando esse ser com naturalidade e orgulho, sem necessariamente tocar violino, viver em um comboio, ler a sorte ou usar esse ou aquele adereço.
A liberdade de pertencer a uma etnia, sem testes, provas, controles e aferições. Como os negros. Sem perguntas sobre procedência, conhecimentos específicos de trabalhos, pelagens, vocabulário. Ou como dizia aquele mesmo Atahualpa Yupanqui, da epígrafe aí em cima, pensando no lugar onde gostaria de chegar um dia: donde nadie me pregunte de ande vengo y p’ande voy.
Numa terra onde a instituição era tão rara e rala; onde o ilícito das atividades e o partidarismo das guerras poderiam criar constrangimentos e sobretudo onde sempre se precisava de algum braço destro… é assunto sabido que quem chegasse em qualquer galpão era bem recebido, comia, tomava mate e trago, se provisionava de alguma coisa; mudava cavalo, secava roupa e aperos. Sem perguntas.
Gosto particularmente de lembrar de algo que meu pai deixou escrito, sobre o fascínio que o cheiro de fogo exercia sobre ele (e que também sempre senti, sem fazer a associação, por falta da experiência): isso lhe vinha dos tempos de viajar só a cavalo, guri, cansado, sem recursos, às vezes molhado, voltando de entregar uma vacagem ou andando de escoteiro, mesmo. O cheiro do fogo era conforto, bóia, trago, conversa, quem sabe o flerte de alguma guriazinha…
Hoje, essa identidade gaúcha, emocionar-se com ela e cultivar os traços que a fazem ser identificável – os “sinais diacríticos” da Antropologia – passa por uma pergunta, lamentavelmente insistente: “tu podes ser gaúcho?” Subentendido aí “…sendo quem és?”
E aí eu morro de inveja dos negros e dos meus bisnetos. Os negros, empapados do justo orgulho por suas raízes, mas livres de maiores rigores porque essas, as raízes, estão do outro lado de um oceano, originalmente; mais tarde, na escravidão brasileira, localizadas num tempo muito distinto e, portanto, distante.
Os negros, que saem vestindo motivos “tribais” e não são inquiridos sobre sua verossimilhança, sobre essas tribos ou o significado ou mesmo existência daqueles desenhos… Que criam roupas que constroem o afroamericano, referências musicais, culinárias ou linguísticas com a liberdade que não teriam para isso se a fonte desse universo simbólico estivesse logo ali, quer no tempo, quer no espaço.
Nós, gaúchos, de história jovem e cultura resistente, temos sempre um congênere a nos inquirir: “pois é, mas a faca que meu pai usava não era assim…” “Nunca vi essa encilha no campo do meu tio, onde eu passava as férias” (e é um capítulo à parte o que se poderia chamar gauchismo escolar, tamanha a quantidade de gaúchos, inclusive entre os melhores da literatura e da música, cuja referência campeira são as viagens de férias).
O campo é ao lado das nossas cidades e há muita tradição remanescente ou recuperada nele. Além disso, há duas, três gerações, em nossas próprias famílias, sempre houve alguém que viveu ou testemunhou a forma que consideramos a que identificava um “verdadeiro gaúcho”.
Os meus bisnetos, que inveja, poderão viver toda a identidade gaúcha depurada desse discurso de legitimidade, dessa disseminada pretensão de sentenciar: “esse é genuíno, esse não”, dessa forma possessiva de amor e pertencimento que tem nos caracterizado. Porque só a distância no tempo e no espaço, lamentavelmente, nos autorizará a sermos gaúchos como um cigano é cigano: afirmando esse ser com naturalidade e orgulho, sem necessariamente tocar violino, viver em um comboio, ler a sorte ou usar esse ou aquele adereço.
A liberdade de pertencer a uma etnia, sem testes, provas, controles e aferições. Como os negros. Sem perguntas sobre procedência, conhecimentos específicos de trabalhos, pelagens, vocabulário. Ou como dizia aquele mesmo Atahualpa Yupanqui, da epígrafe aí em cima, pensando no lugar onde gostaria de chegar um dia: donde nadie me pregunte de ande vengo y p’ande voy.
...
*Artigo
do músico Demétrio
Xavier,
violonista e cantor porto-alegrense, especializado na pesquisa e
interpretação da música crioula uruguaia e argentina, há 25 anos.
Compositor eventual, venceu ao lado de Marco Aurélio Vasconcelos, a
Califórnia da Canção Nativa de 2009, com a composição "A
Sanga do Pedro Lira". Produtor e apresentador do programa Cantos
do Sul da Terra, da Rádio FM Cultura - 107,7.
Publicado
originalmente na seção Fórum do CTG Inhanduí, de Porto Alegre.
03
de agosto de 2010.
Mateando com Sepé, Odilon Ramos
MATEANDO COM SEPÉ, Odilon Ramos
(Sepé Tiaraju e o Povo Guarani - Poesias - 2006)
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=XvWKOy9AI4w
(Sepé Tiaraju e o Povo Guarani - Poesias - 2006)
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=XvWKOy9AI4w
Sepé Tiaraju e a identidade gaúcha
SEPÉ
TIARAJU E A IDENTIDADE GAÚCHA
FREI
LUIZ CARLOS SUSIN*
Já
entre os gregos a narrativa – e a memória nela transmitida –
tinha importância decisiva na formação da identidade humana.
Assim, contava-se que em Tebas uma esfinge desafiava a cidade:
“Decifra-me ou devoro-te!”. E exigia sacrifícios periódicos de
preciosas vidas humanas. O enigma consistia em saber quem seria o
animal que anda com quatro pernas pela manhã, com duas ao meiodia e
com três à tarde. Ora, “é o ser humano”, decifrou Édipo,
livrando a cidade da sua assombração ao considerar o arco da
aventura humana, decifragem de vida ou morte. Pois o Rio Grande do
Sul tem duas esfinges: Sepé Tiaraju e o Negrinho do Pastoreio.
A
identidade gaúcha está marcada pela violência da fronteira, desde
antes da demarcação final, dos inícios do século 19, que não
deixou de ser uma demarcação belicosa. É, em conseqüência, uma
identidade “fronteiriça”, de “frontes” e “confrontos”,
ambiguamente belicosa e hospitaleira ao mesmo tempo. Molda-se à luz
de uma relação perigosa de incursões, de conquista e defesa, de
vigilância dificultada pela vastidão pampeana, quase uma “terra
de fundo”, corredor para bandeirantes e castelhanos. Mesmo depois
de sua definição, o Rio Grande do Sul permanece com uma tendência
obsessiva, repetitiva, para um dualismo resolvido na “degola”.
Ximangos e maragatos são figuras desse dualismo repetitivo, que vem
de antes ainda da guerra farroupilha e se repete mimeticamente até
nossos dias em formas mais sofisticadas de degola “da outra
metade”. Nas batalhas políticas, por exemplo, em que estamos
sempre belicosamente divididos e querendo o pescoço do adversário.
O que seria do gaúcho sem um inimigo, sem uma peleia, sem um
confronto?
Uma
real pacificação do Rio Grande do Sul precisa começar com a
reabertura de um doloroso dossiê de suas origens, um dossiê
escondido do ponto de vista político, acadêmico e religioso. A
imposição também belicosa do positivismo, um facho de iluminismo
na capital, mas com degola no campo afora, permitiu à nossa política
de fronteira ser tanto o vanguardismo quanto o berço da ditadura a
ferro e fogo (Décio Freitas). O positivismo acadêmico varreu da
história e da formação da identidade gaúcha tudo o que se conta
na memória popular cabocla e negra, remanescente do extravio
indígena e da escravidão africana em nossas terras. Lendas, mitos,
“causos”, essas formas de resistência da memória dos dominados
e envergonhados pela cultura oficial, foram desclassificadas como
incapazes de servirem de documentação ou ao menos como indícios de
verdades históricas. O catolicismo romanizado, por sua vez, ergueu a
catedral de Porto Alegre sobre cabeças de figuras indígenas
esmagadas – outra forma da degola – como vitória sobre a
superstição.
A
alma e a mística dos povos nativos e dos povos afro-descendentes se
refugiaram e se sintomatizaram no “causo”, na pageação, na
literatura. A identidade gaúcha foi sendo breteada para a estância,
ganhando nos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) uma forma de
estetização ritual e controle da violência do dualismo perigoso
que insiste em perseguir e criar curtos-circuitos no campo e na
cidade. A ambigüidade dos CTGs, criados num esforço de terapia da
identidade, que reproduz esteticamente, ritualmente e, ao mesmo
tempo, controla a violência gaúcha, parece não dar mais conta das
novas disseminações de violência e de vontade de degola como
solução radical. Estamos cada vez mais “pisando no pala” e cada
vez
mais
“o revólver fala” (Teixeirinha).
É
necessário um remédio homeopático, buscando nas fontes do veneno o
próprio remédio. Não é, propriamente, nas lendas e nos causos,
nas figuras míticas e nos gemidos que ainda se escutariam nas
regiões das charqueadas ou das Missões que estão as assombrações
a nos gelar a espinha. Estão nos rostos indiáticos, mestiços e
caboclos, que jazem vivos como esfinges nas periferias, nas vilas e
nos ônibus da área metropolitana, arranchados por todo canto nas
periferias das grandes e das pequenas cidades, identidades
desgarradas. Esses rostos e esses corpos não são visíveis para a
aristocracia acadêmica e política, a cavalo com vidro fumê, que
não circula pelas periferias ou de ônibus de vila.
Se
culturalmente e socialmente, em nosso meio, “quem passa de branco,
negro é”, então o mesmo se pode dizer dos descendentes indígenas
mestiçados e acaboclados: há multidões ao nosso redor.
Desmemoriadas por um lado, mas continuando a contar suas narrativas
por outro, sem mesmo saber bem por quê. Os vazios de suas memórias
e a baixa auto-estima de seus rostos e sotaques são ingredientes
perigosos para a violência indomada do gaúcho, mas suas narrativas
e sabedoria, como bem percebeu Simões Lopes, são a resistência de
uma anterioridade a todo dualismo fronteiriço, a possibilidade de
uma hospitalidade que tem o segredo da remissão e da reconciliação
– as vítimas sobreviventes que têm o poder de resgatar os
vencedores manchados de sangue. Contanto que tenham chance de
resgatar sua auto-estima no reconhecimento de sua dignidade. O
reconhecimento e a reconciliação real e completa com os vivos
comporta, no entanto, que não se deixe de fora os que foram mortos.
É o caso de Sepé Tiaraju.
Se
o corregedor da cidade missioneira de São Miguel fosse apenas o mito
trágico e brilhante em que se tornou, se fosse apenas uma lenda com
sucesso, como o Negrinho do Pastoreio, se São Sepé estivesse mais
para São Jorge do que para Santo Antônio, ainda assim, e exatamente
assim – como mito fundante e significante – teria uma importância
histórica e hagiográfica decisiva na formação da identidade
gaúcha. Certamente ainda incômoda como um São Luiz IX e uma Santa
Joana D’Arc para a identidade da França moderna. Sepé está para
a história do Rio Grande do Sul como a figura histórica de Jesus
para a literatura do Novo Testamento e para a história do
cristianismo. O próprio Negrinho do Pastoreio: há nele o custo das
vidas inocentes de muitos negrinhos de carne e osso pelo Rio Grande
do Sul saladeiro. Montado no cavalo escatológico do Negrinho do
Pastoreio ou no cavalo encilhado de Sepé Tiaraju estão os
descendentes todos de africanos triturados pelas charqueadas e de
nativos derrubados pelas coroas ibéricas. Na vida real continuam
gaúchos peões e usuários de coletivos, de periferia e beira de
estrada, que se reúnem em “gauchada” ou “indiada”, em torno
de algum “índio velho”, ou, ainda melhor, “qüera velho”:
são todos indícios de uma identidade mais antiga, mais ancestral e
mais enraizada do que a identidade gaúcha forjada mais ou menos
oficialmente no entrevero dos confrontos de interesses resolvidos na
degola e na necessidade de domar pela estética e pelo ritual a
violência e as suas assombrações.
O
Negrinho do Pastoreio, narrativa recolhida e consagrada por Simões
Lopes, é a história cifrada dos que não tem os meios oficiais de
documentar a sua história, situada no RS anterior às charqueadas,
às estâncias e às cercas, no tempo do gado solto, chimarrão,
jesuítico. Faz, portanto, como o juiz da carreira em cancha reta da
história, um índio velho, um enlace com a história das Missões
pelo caminho da narrativa popular. O gado missioneiro, abundante e
disperso pelo trágico fim das cidades guaranis, tornou-se, com o
agronegócio, o fio dourado da economia gaúcha passando pelas
charqueadas com trabalho escravo e pela indústria
coureirocalçadista. Com a entrada de novas migrações européias, o
Rio Grande do Sul se divide também economicamente em duas metades.
As migrações foram introduzidas dentro de projetos de ocupação e
desenvolvimento do espaço sem nenhuma consideração, ou até contra
a população nativa derrotada, espantada e dispersa, tornada “índio
do mato”, “bugre”, que se evita como a árvore braba, aquela
que agride pela sua inoculação de substância alérgica.
Antes
do dualismo trágico de fronteira a marcar a identidade gaúcha está
Sepé, o índio nascido e criado em cidade missioneira, no espaço de
um encontro civilizatório que, por todos os testemunhos deixados, e
apesar das lendas negras que logicamente se criaram ao seu redor, foi
um encontro muito criativo dentro do contexto e das suas
possibilidades. Nas cartas que os chefes guaranis escreveram ao
governador de Buenos Aires em resposta ao mandato do rei de Espanha
de se retirarem todos os sete povos para a banda ocidental do
Uruguai, eles deixam claro que não foram conquistados e submetidos à
força. Eles mesmos chamaram os padres e aceitaram livremente a
vassalagem, porém dentro de certos termos, pois não podiam aceitar,
com o Tratado de Madri, sua própria destruição. Essas cartas, como
outros documentos indiretos, revelam uma grandeza de alma, uma
dignidade e uma nobreza incomparavelmente acima dos dois lados que os
espremiam, espanhóis e portugueses. Mesmo em termos de linguagem e
argumentos cristãos, além de humanitários e políticos.
Os
índios missioneiros, no entanto, estavam entre o rochedo e o mar. A
lógica dos impérios ibéricos, lógica expansionista e
mercantilista, não poderia suportar outra forma de existência com
sucesso. Como interpretou Rodolfo Kusch, filósofo argentino, tratase
aqui, mais a fundo, do trágico conflito entre a hegemonia do ser
sobre o estar: o ser se realiza no desdobramento por meio do tempo e
do espaço, identidade conquistando as diferenças para reunir tudo
em si e aumentar o seu poder de ser, e assim sucessivamente. Por
isso, “a verdade do ser é a guerra” (Heráclito). Ora, os
nativos viviam – e continuam a resistir popularmente – na lógica
do “estar”, habitando ecologicamente uma terra em que, mais do
que serem eles os proprietários da terra, era ela a proprietária
deles, a “mãe terra”. Por isso, nos arrazoados de Santa Tecla
diante dos demarcadores, como nas cartas dirigidas ao governador de
Buenos Aires, está o discurso guarani sobre a terra que só a Deus,
o Criador, pertence, dada a S. Miguel no presente missioneiro para
que os nativos nela habitassem. A memória se resumiu, como sabemos,
no incômodo grito profético: “Esta terra tem dono”. Na lógica
indígena – é importante sublinhar – não são eles os donos da
terra, mas Aquele que as deu para habitarem, para criarem seus
filhos, enterrarem seus mortos, plantarem seus ervais e criarem seus
animais. Precisam da terra não para explorar, mas para habitar com
simplicidade, e por isso precisam mais terra do que os que a
transformam em matéria produtiva e negócio. Na verdade, são os
guardiões naturais da ecologia, ainda não totalmente contaminados
pelo ser agressivo do Ocidente.
Perdida
dramaticamente, a ferro e fogo, a civilização nascida do encontro
da espiritualidade barroca dos jesuítas com a mística e a
sensibilidade guarani, com a dispersão em diversas direções e
destinos, os índios aprenderam a sobreviver por meio da adaptação
silenciosa, enquanto os caingangues preferiram recuar soberanamente
para as matas, e os outros “infiéis” às coroas e sua religião
(charruas, minuanos, mojanes etc) foram sendo dizimados de diversas
maneiras.
Hoje,
além dos povos testemunhas, que, mesmo à beira de estrada, buscam
viver em comunidades próprias, conservando a língua e a mística em
torno de seus “caraís”, há uma multidão de autênticos
descendentes de Sepé Tiaraju nos rostos mestiços, de olhos
amendoados, cabeças cobertas por cabelos lisos e pretos, com o
enigmático sorriso de um olhar meio envergonhado, de poucas palavras
fora de seu círculo, verdadeiras multidões periféricas das cidades
gaúchas que são a esfinge – uma delas, a outra tem cor negra –
a desafiar a identidade gaúcha e seus problemas de origem e de
violência sistêmica.
Evidentemente,
a memória de Sepé não poderá ser apenas celebração que se torne
álibi para descarrego de consciência. A primeira justiça é o
reconhecimento e a efetivação da necessidade de terra e de um
mínimo de meios de vida para os povos guaranis e caingangues. A
sobrevivência deles, digna e feliz, é absolutamente necessária
para o futuro da identidade gaúcha tão plural. Mas para eles e para
toda a multidão de descendentes de ameríndios gaúchos, é urgente
também devolver a dignidade da auto-estima, da visão positiva que
dê disposição de perdão e de reconciliação com as demais
descendências vindas e crescidas no espaço gaúcho. Inclusive
trazendo seus ancestrais, seus mortos, na comunhão mística de sua
religiosidade, para que desapareça de nossas calçadas as suas
assombrações e a sua potencial violência, obrigando a nos
aprisionarmos em nossas casas com nossos juízos violentos, e para
que fiquem seus mortos sobre nossas noites como a luz brilhante e
pura de Sepé, do qual possamos todos nos orgulhar e possamos todos
venerar. Ele pode se tornar como um “pai Abraão” para todas as
raças que habitam nesse espaço gaúcho. Até lá, continuarão os
sacrifícios, as degolas, o medo até das sombras que nos assaltam, e
nenhuma descendência ou ascendência terá habitação pacificada
numa justa pátria gaúcha para todos.
É
por isso que, assim como o Movimento Negro lançou o desafio à
auto-estima dos afro-descendentes com o slogan “Negro é bonito!”,
com base na documentação e nos gestos herdados pelos descendentes
índios, no ano de Sepé Tiaraju pode-se proclamar com justiça:
“Índio é nobre!”.
*
Frei Luiz Carlos Susin é professor da Pontifícia Universidade
Católica (PUC) e da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade
Franciscana (ESTEF) e diretor da Sociedade dos Teólogos do Terceiro
Mundo.
SEPÉ
TIARAJU, 250 ANOS DEPOIS
Comitê
do ano de Sepé Tiaraju (org)
São
Paulo: Expressão Popular, 2005. 104 p.
São Sepé Tiarajú: utopia e profecia
SÃO
SEPÉ TIARAJU: UTOPIA E PROFECIA
IR.
ANTONIO CECHIN*
Quando
olhamos para os fatos históricos, não podemos deixar de reconhecer
que o fazemos sempre do lugar social em que estamos inseridos. O meu
lugar social são os pobres do Rio Grande com os seus Movimentos
Populares. E é deste lugar que olho para os primórdios destas
terras em que nasci e para o seu povo de raiz que são os índios,
particularmente os guaranis, organizados e evangelizados pelas
Missões dos Jesuítas. Padres e índios fizeram o contraponto
espiritual, humanista e cívico às conquistas da terra pelos
impérios militares de Espanha e Portugal.
Faço
a seguir uma rápida síntese desse meu olhar sobre a figura de Sepé
como herói e como santo canonizado pelo povo. O escritor Manoelito
de Ornelas, na introdução ao seu livro “Tiaraju”, refere que
todos os povos da terra deram asas à imaginação para criar um
símbolo que lhes proporcionasse sentido e permanência na geografia
do mundo e nos milênios da história.
Exemplifica
Manoelito com os gregos que, por meio de Homero, nos livros Ilíada
e Odiséia, criaram o mito da epopéia de Ulisses, o herói
de Tróia. Depois os romanos, que criaram o mito de Rômulo. Em
criança, foi amamentado por uma loba e, como primeiro rei de Roma,
organizou o rapto das sabinas a fim de que dessem descendência a
toda a população do Lácio. Invoca depois o mesmo escritor, na
França, o rei Carlos Martel; na Espanha, o Cid Campeador, passando
também em revista os principais povos do Oriente com seus
respectivos mitos.
Com
base nos mitos e epopéias históricas fundantes, Manoelito de
Ornelas divide os povos do universo entre aqueles que criaram um mito
inicial, como instrumento para dar origem à sua história, e um
segundo grupo de povos, que tiveram um feito histórico em sua
origem, tão saliente, que transformaram essa história em mito.
Pertenceríamos nós, o povo do Rio Grande, a este segundo grupo.
Tivemos aqui os índios guaranis com suas Missões Jesuíticas, em
cujo ventre foi gerado o personagem Sepé Tiaraju, que é um fato
histórico inconteste e de suma grandeza.
Aqui
por estas terras, o fato histórico fundante, foi transformado em
mito, enquanto aqueles povos mais antigos transformaram o mito em
história. Dentro dessa premissa, não deveria eu rejeitar o
argumento, que encontrei pelo caminho, quando historiadores tentaram
me convencer da inutilidade de querer a canonização oficial do
mártir Sepé Tiaraju, já popularmente declarada? Assim me falaram:
“Você está querendo canonizar um mito! Você quer canonizar
apenas uma bandeira!” O personagem Sepé, me afirmaram esses
historiadores, é infinitamente menor do que o mito Sepé.
Quando
no Rio Grande do Sul, na esteira da Igreja oficial que, em Medellín
(Colômbia), no ano de 1968, oficializou sua opção preferencial
pelos pobres, começamos a ler a nossa história pelo avesso, isto é,
a partir dos vencidos – sempre os pobres – como os índios de
hoje e todos os maltrapilhos à beira de estradas e nas periferias
das grandes cidades.
Nas
Missões Jesuíticas dos primórdios do Rio Grande, com os Sete Povos
e na figura central, polarizadora de todo esse trabalho missioneiro
que foi Sepé Tiaraju, canonizado por índios e pelo povo
riograndense, vimos nessa epopéia histórica a profecia e a utopia
capazes de o destino histórico de nossa terra e de nossas gentes.
Nossas
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), inspiradoras de nossa Teologia
da Libertação, ao lado de não poucos Movimentos Populares,
beberam, nos inícios da década de 1970, da pipa de vinho místico
produzido nos parreirais espirituais cultivados pelos índios
missioneiros personificados na figura carismática de Sepé e seus
1.500 companheiros mártires do Caiboaté.
Fomos
a São Gabriel, no dia 7 de fevereiro de 1978, nos lugares sagrados
em que o sangue foi derramado, para a abertura do Ano de Todos os
Mártires Indígenas da América Latina. Nesse dia, realizamos a
primeira Romaria da Terra do Brasil. Fomos de novo em São Gabriel
nos dois anos seguintes, 1979 e 1980, para a segunda e terceira
Romarias da Terra e também para o primeiro e o segundo Encontros
Intereclesiais de Comunidades de Base, que tivemos o cuidado de
marcar, nos dois anos, nos dias 6, 7 e 8 de setembro, em torno do dia
comemorativo da independência do Brasil. Fomos sempre para nos
impregnar do sangue de Sepé e dos companheiros mártires
missioneiros, a fim de adquirir forças para as lutas com que
sonhávamos.
Descobrimos,
desde os lugares sagrados de nossos mártires, que o verdadeiro grito
de liberdade foi o de Sepé: “Esta terra tem dono!”. Esse “brado
retumbante” foi sufocado, à semelhança do grito do Nazareno na
cruz, por um mar de sangue. Sepé lutava ao mesmo tempo contra
Espanha e Portugal, as duas potências militares opressoras dos
guaranis dos Sete Povos, que, na ocasião, representavam todos os
povos nativos do continente americano. Sepé sabia, ao partir da
cidade de São Miguel, da qual era prefeito, que partiria para o
holocausto. “Ou ficar a pátria dos Sete Povos livre, ou morrer
pela nação guarani”.
Em
nossa reflexão, aquilo que aconteceu no dia 7 de setembro de 1822,
“nas margens plácidas do Ipiranga”, em São Paulo, reduziu-se a
um simples gritinho que provocou a repartição da herança no
império português. Portugal continuaria como terra do rei-pai e o
Brasil, como terra do império do rei-filho.
Foi
bebendo dessa fonte de águas puras das Missões Jesuíticas,
polarizadas em torno da figura do mártir Sepé, que as CEBs de Ronda
Alta, emblematicamente, no dia 7 de setembro de 1979, comemorativo da
Independência do Brasil, deixaram o recinto do Colégio Marista de
São Gabriel, onde acontecia o 1º Encontro Estadual, para abraçar
os companheiros que acabavam de ocupar a fazenda Macáli. As CEBs de
Ronda Alta haviam parido o MST com essa primeira conquista de terra.
Seguiu-se, pouco tempo depois, a ocupação da Fazenda Brilhante. Na
Encruzilhada Natalino, as mesmas CEBs derrotaram simbolicamente as
forças militares da ditadura, comandadas pelo coronel Curió. Estava
aberto o caminho do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) rumo à grande Reforma Agrária no latifúndio Brasil.
O
MST ficou debaixo das asas protetoras das Comunidades de Base até o
ano de 1984 quando, em encontro memorável, se tornou um movimento
autônomo.
Os
membros do MST se designaram a si mesmos, no Rio Grande do Sul, como
os Filhos de Sepé, nome com que batizaram o seu maior assentamento,
localizado no município de Viamão.
As
Missões Jesuíticas e São Sepé são ao mesmo tempo nossa utopia e
nossa profecia.
Utopia
porque a Igreja da Libertação do Rio Grande retomou, através das
CEBs, o projeto político-religioso exemplarmente solidário com o
oitavo povo das Missões, como escreve Alcy Cheuiche. A utopia
inventada pelos missioneiros na aurora de nosso Rio Grande continua
viva e está sempre presente no horizonte de nossa caminhada. O
princípio fundamental dessa utopia concreta é: “De cada um de
acordo com suas possibilidades, para cada um de acordo com suas
necessidades”.
É
também profecia porque denunciamos e anunciamos ao mesmo tempo.
Como
os guaranis das Missões, denunciamos todos os sistemas opressores e
excludentes do mundo. Anunciamos que não somente um mundo diferente
é possível, mas que esse mundo novo já foi concretizado aqui em
nosso Rio Grande, durante 150 anos de Sete Povos.
Então
aqui a minha pergunta: por que essa maravilha histórica fundante do
Rio Grande do Sul, nosso autêntico fogo de chão, continua debaixo
das cinzas até hoje? Quais as causas desse equívoco histórico?
O
que devemos fazer para que esse fogo de chão missioneiro saia do
chão em que ainda está, submerso pelas cinzas do tempo, conquiste
as alturas e torne a brilhar como o Cruzeiro do Sul, cantado como o
lunar de Sepé nos céus do Rio Grande e que causou a estupefação
da Europa, 250 anos atrás?
*
Irmão Antonio Cechin é professor e assessor dos movimentos de
catadores do Rio Grande do Sul.
SEPÉ
TIARAJU, 250 ANOS DEPOIS
Comitê
do ano de Sepé Tiaraju (org)
São
Paulo: Expressão Popular, 2005. 104 p.
Direitos Humanos, Participação e Intersetorialidade nas Políticas Públicas
Direitos
Humanos, Participação e Intersetorialidade nas Políticas Públicas
Alexandre
Ciconello e José Antônio Moroni[1]
1.
Direitos Humanos e PNDH
O
objetivo deste texto é levantar algumas reflexões sobre a
importância da intersetorialidade nas políticas públicas, como uma
condição fundamental para a efetivação dos direitos humanos de
todos os brasileiros e brasileiras.
Quando
falamos em efetivação de direitos humanos, consideramos a moderna
concepção dos DHESCAs, que inclui os direitos civis, políticos,
sociais, econômicos, culturais, sexuais, reprodutivos e ambientais
em sua indivisibilidade e interdependência.
Cabe
dizer que o Brasil realizou, ao longo de 2008, um grande debate
nacional sobre quais deveriam ser as prioridades que o Estado
brasileiro deve assumir ao longo dos próximos anos a fim de garantir
uma vida digna a todos/as os/as brasileiros/as. Esse debate ocorreu
em razão da realização da 11ª Conferência Nacional dos Direitos
Humanos, que foi um momento em que representantes do poder público e
das organizações da sociedade civil e movimentos sociais avaliaram
a situação dos direitos humanos no país e estabeleceram diretrizes
e metas para o novo Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH.
Desde
o início, o principal desafio político e metodológico da
construção do III PNDH foi o de construir um programa que
considerasse a indivisibilidade e interdependência dos direitos
humanos em todas as suas dimensões. Para tanto, o debate se deu a
partir de eixos temáticos estruturantes, trazendo os principais
desafios para a efetivação dos direitos em nosso país, destacando
as dimensões da desigualdade, violência, modelo de desenvolvimento,
cultura e educação em direitos humanos, democracia, monitoramento e
direito à memória e justiça.
Cabe
ressaltar duas dimensões que foram consideradas estruturantes na
construção do PNDH III: a universalização dos direitos em um
contexto de desigualdades e o impacto de um modelo de desenvolvimento
insustentável e concentrador de renda na promoção dos direitos
humanos.
Muito
se avançou após a Constituição Federal de 1988 na construção de
um arcabouço legal de afirmação e garantia de direitos. Essas
declarações e reconhecimentos formais de direitos são conquistas
importantes, muitas delas decorrentes das lutas populares. Contudo,
ainda há no Brasil um fosso imenso entre a previsão normativa e a
ação executiva de implementação de políticas públicas que
efetivem os direitos humanos em geral e os DHESCA em particular. De
fato, pouco se avançou na efetivação de direitos dentro de um
contexto de grandes desigualdades.
No
caso da sociedade brasileira, essa dimensão é essencial. Não há
como se falar em direitos sem considerar o ambiente de desigualdades
estruturais, que permite que certos sujeitos de direitos (em razão
de fatores como cor, sexo, faixa etária, situação regional,
orientação sexual, etnia, classe social etc.) tenham maiores
dificuldades de acessar direitos ou tenham seus direitos negados e
violados.
Enfrentar
as desigualdades sociais passa ainda pela necessidade de compreender
que a opção pelo atual modelo de “desenvolvimento” hegemônico
– que é insustentável ambientalmente e concentrador de renda –
transformou a terra, urbana e rural, e os territórios tradicionais
em mercadorias. Desse modo, para privilegiar grupos de empresas
nacionais e transnacionais, a todo tempo os direitos a terra e ao
território são negados a povos indígenas, comunidades
tradicionais, trabalhadores rurais e populações urbanas. Nesse
sentido, o PNDH III avançou ao estabelecer diretrizes e ações
destinadas à proteção da terra e dos territórios tradicionais.
As
principais críticas recebidas pelo Programa vieram dos grupos mais
conservadores da sociedade: latifundiários, grandes empresas de
mídia e setores da Igreja Católica e dos militares. Isso porque o
Programa estabelecia como diretrizes e ações, entre inúmeras
outras, a criação de uma Comissão da Verdade para esclarecer as
violações de direitos ocorridas no contexto da repressão política
no Brasil; apoiava a aprovação de projeto de lei que descriminaliza
o aborto; propugnava pela não ostentação de símbolos religiosos
em repartições públicas da União; propunha a elaboração de um
projeto de lei que institucionalize a mediação como ato
inicial das demandas coletivas fundiárias em áreas rurais e
urbanas; e propõe algumas ações relacionadas à democratização
das comunicações no país. A maioria dessas disposições foi
alterada por pressão desses setores.
Ou
seja, o Programa tocou em questões sensíveis aos interesses dos
grupos dominantes nesse país: a função social da propriedade, a
democratização dos meios de comunicação, a laicacidade do Estado.
Além disso, ousou tornar públicos e transparentes os tristes
acontecimentos promovidos pelo Estado durante a ditadura militar:
mortes, tortura, perseguição, desaparecimentos.
2.
A Estruturação das Políticas Públicas no Brasil Contemporâneo
Consideramos
importante ressaltar a estruturação das políticas públicas no
Brasil, após a promulgação da Constituição Federal de 1988,
destacando alguns elementos que julgamos fundamental para debatermos
a intersetorialidade entre as políticas.
Inicialmente,
cabe dizer que a Constituição restabeleceu o Estado Democrático de
Direito no país, após anos de ditadura militar e de violação dos
direitos humanos.
Ademais,
a Constituição estabeleceu os principais objetivos da República: a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária com a redução das desigualdades
sociais e a prevalência dos direitos humanos. Para que esses
objetivos realmente se efetivassem em uma realidade histórica de
exclusão, pobreza e desigualdades, a Constituição conferiu ao
Estado brasileiro um papel central na promoção dos direitos humanos
e na redução das desigualdades, por meio da estruturação de
políticas públicas de Estado e sistemas públicos de direitos.
Ao
longo da década de 90 e início dos anos 2000, uma vasta
normatização foi construída no sentido de operacionalizar os
princípios constitucionais e de construir políticas públicas
universais e permanentes. Esse verdadeiro reordenamento institucional
foi formalizado por uma série de Leis, Decretos, Normas
Operacionais, repartição de competências e recursos entre as três
esferas da federação. A Lei Orgânica da Saúde, da Assistência
Social, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e mais recentemente
o Estatuto do Idoso, Estatuto das Cidades, a Lei Orgânica de
Segurança Alimentar e Nutricional e a Lei Maria da Penha[2] são
alguns exemplos nesse sentido. Apesar dos avanços conceituais e
jurídicos, isso nem sempre refletiu e reflete no formato/desenho das
políticas públicas. Ainda vivemos em transição do modelo tutelar
das políticas para o modelo de garantia de direitos.
Todo
esse processo tem contado com uma intensa participação de
organizações e redes da sociedade civil, por meio de canais
institucionais de participação, como Conselhos e Conferência, e
também por meio de pressão direta nas esferas de poder (realizando
estudos, formação política, pressionando parlamentares e gestores,
realizando protestos, manifestos, etc.). Nesse caminho cada vez mais
as organizações da sociedade civil foram obrigadas a se
especializar em áreas, lutas e “demandas específicas”, ao
contrário do grande bloco de forças políticas pela
redemocratização do país dos anos 80. Isso gerou uma falta de
diálogo entre diversos espaços e políticas. A opção feita,
consciente ou não, foi de estruturar sistemas de direitos e
políticas públicas setoriais (saúde, educação, assistência,
cidades, segurança alimentar), que ainda têm muita dificuldade de
dialogarem entre si.
Por
parte do Estado, devido a sua estrutura setorial burocrática,
qualquer tentativa de ações ministeriais conjuntas de gestão e
execução compartilhada de políticas encontra barreiras tanto
políticas (em que cada pasta deseja maximizar seus próprios
resultados e ações) como técnicas (pela hierarquia funcional
existente nos ministérios e pela forma como são elaboradas as peças
orçamentárias, por órgãos da administração).
Nesse
sentido, é chegado o momento de – atingida certa estruturação e
normatização necessária de diversas políticas públicas –
trabalhar no sentido da integração entre elas, na perspectiva da
indivisibilidade dos direitos. O PNDH III traz a síntese de uma
agenda para as políticas públicas que pode ser importante como
referência de uma política intersetorial. Contudo, há ainda uma
cultura institucional no Estado e também na sociedade civil que
opera em uma lógica setorial e fragmentada, por motivos e
condicionantes diversas.
2.1.
Descentralização
A
descentralização é uma das principais características da
construção de políticas públicas no Brasil pós-1988. Cada esfera
de governo – União, estados e municípios – têm competências e
recursos próprios para a construção de políticas públicas que
visam assegurar direitos. Ou seja, a implementação de políticas
públicas passa por um pacto federativo que é baseado em políticas
consensuadas no âmbito nacional e implementadas no nível municipal.
Em alguns casos, temos a implementação de sistemas, como o SUS –
Sistema Único da Saúde e o SUAS – Sistema Único da Assistência
Social, e a criação de fundos orçamentários[3].
Esse novo desenho das políticas ainda tem entraves no atual modelo
de federação que temos, por exemplo, a não definição objetiva do
papel dos estados na execução das políticas publicas, o excesso de
centralização da arrecadação dos recursos na esfera federal e a
não articulação dos municípios para a execução das políticas.
As
diretrizes nacionais (como o III Programa Nacional de Direitos
Humanos) ganham vida e significados a partir das realidades
municipais e regionais. Assim, cada estado, município ou mesmo
certos conselhos municipais (que têm atribuições de aprovação de
políticas locais, como os conselhos de assistência social e de
saúde) deliberam, na sua respectiva esfera, por critérios próprios,
a aprovação das respectivos políticas municipais e estaduais, que
devem estar em consonância com a legislação nacional e os
objetivos de políticas pactuadas nacionalmente.
Portanto,
para além das dificuldades de uma efetiva integração de políticas
no âmbito nacional, há ainda o desafio de promover a
intersetorialidade nos municípios, lócus da prestação dos
serviços públicos à população.
2.2.
Universalidade
O
estabelecimento de políticas públicas universais promovidas pelo
Estado é uma das principais diretrizes da Constituição Federal.
Contudo, há um grande desafio de universalizar direitos em uma
sociedade como a brasileira, marcada por grandes desigualdades.
Combater
a pobreza no Brasil ou as desigualdades de renda passa
necessariamente pelo entendimento de que aqui ambas têm relação
com as variantes de cor e sexo. As mulheres negras são as mais
pobres e têm menor grau de escolaridade, enquanto os homens jovens e
negros são os que mais sofrem com a violência, por exemplo. As
inaceitáveis distâncias que ainda separam negros de brancos, em
pleno século XXI, se expressam no microcosmo das relações
interpessoais diárias e se refletem nos acessos desiguais a bens e
serviços, ao mercado de trabalho, à educação – que persistem,
apesar das melhorias nos indicadores tomados para o conjunto da
população –, bem como ao gozo de direitos civis, políticos,
sociais e econômicos.
Quando
falamos em universalidade no âmbito das políticas públicas,
devemos ter como meta a universalização dos direitos, benefícios e
serviços oferecidos pelo Estado. A prestação desses serviços deve
se dar de forma republicana, sem nenhum tipo de discriminação ou
condicionalidade.
2.3.
Participação popular
A
criação de um sistema de participação social nas políticas
públicas, a partir das diretrizes da Constituição de 1988, ganhou
forma pela criação de Conselhos setoriais de Políticas Públicas
nos três níveis federativos e pela realização periódica de
Conferências de Políticas Públicas. Ao longo dos anos 90, muita
energia foi direcionada para a constituição e consolidação de
conselhos municipais e estaduais e a capacitação de
conselheiros/as. Isso ocorreu, especialmente, nas políticas de
saúde, assistência social e criança e adolescente, devido às
previsões legais nesse sentido.
A
partir de 2003, conselhos e processos de conferências têm sido
realizados, articulando e construindo uma nova geração de políticas
públicas, como a política de promoção da igualdade racial,
política para as mulheres, cidades, segurança alimentar, segurança
pública, etc.
Em
que pese a ampliação de espaços participativos de controle social
e cogestão e a inclusão de novas pautas e temas às políticas
públicas, o Estado (nas suas três esferas) ainda não enxerga a
participação de forma orgânica, como uma estrutura deliberativa e
decisória integrada. Para algumas políticas setoriais, essa
participação é mais estruturante (saúde, criança e adolescente,
assistência social), contudo essa não é a regra. A participação
ainda é vista como instrumental e não como essencial nos processos
democráticos, portanto com potencial enorme de provocar
transformações políticas, sociais, econômicas e culturais.
Na
esfera federal não há uma integração horizontal entre os
conselhos, que, por vezes, discutem as mesmas questões de forma
desconectada. A falta de vontade política de criação de um
verdadeiro sistema participativo, somada à já mencionada
dificuldade de integração das políticas setoriais, faz com que os
espaços de participação reproduzam a fragmentação das políticas.
O
desenho da política influencia totalmente a sua efetividade. No caso
da criança e adolescente, uma política transversal, que deveria
estar contida nas ações dos diversos ministérios, há pouca
intersetorialidade. Não se criou uma institucionalidade adequada
para a efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
A articulação dos direitos previstos no ECA com a política de
assistência social, por exemplo, em que um dos focos é a proteção
à infância e à adolescência, é residual, e o debate público nos
Conselhos da Criança e Adolescente ficou restrito à questão do
adolescente em conflito com a lei e a violação de direitos.
Com
relação às deliberações das Conferências, o impacto da
fragmentação das políticas e dos espaços de participação também
é evidente. A maioria das conferências e suas deliberações são
intersetoriais e há muita dificuldade de os órgãos setoriais
efetivarem os encaminhamentos de deliberações que estão
relacionadas com outros órgãos gestores. Esses órgãos formulam e
executam suas ações a partir de suas próprias diretrizes e
dinâmicas e têm muita dificuldade de absorverem decisões e
recomendações de outros espaços de poder. Não há um órgão
centralizador de governo – Casa Civil, Secretarias de governo –
que assuma a responsabilidade de dar conseqüência política às
demandas populares expressa nos processos de Conferências. Na esfera
federal essa atribuição é da Secretaria Geral da Presidência da
República, mas ela não deu nenhum passo importante nessa direção.
O
argumento central que gostaríamos de ressaltar é que a falta de uma
visão estratégica da importância da participação por parte dos
governos e a forma como os espaços de participação estão
constituídos têm alimentado uma concepção de política social
setorial, com dificuldade de articulação de ações e estratégias.
Outro
aspecto que queremos pontuar é que a participação ficou reduzida
praticamente às chamadas políticas sociais e quase nada nas
políticas econômicas e de desenvolvimento. Decisões relacionadas à
definição de taxas de juros, metas de inflação e superávit
primário, por exemplo, devem considerar os impactos sociais e o
aprofundamento das desigualdades. Se essa integração não ocorrer,
as políticas de direitos humanos vão continuar sendo políticas de
gestão da pobreza e não políticas voltadas para a transformação
social.
3.
Comentários Finais
A
intersetorialidade nas políticas públicas é o único meio de se
garantir e efetivar os direitos humanos em sua integralidade e
indivisibilidade. As políticas setoriais ainda dialogam com
dificuldade. Suas estruturas, institucionalidades, linguagens e
espaços de socialização de seus profissionais contribuem para esse
isolamento, que se reflete também nos mecanismos institucionais de
participação social.
O
peso da cultura institucional da burocracia estatal – refratária a
mudanças – e da lógica de construção das políticas públicas –
fragmentada e setorial – é o principal empecilho a uma efetiva
integração das políticas de efetivação de direitos e redução
das desigualdades no país.
Aliado
a isso, temos uma difícil tarefa de pactuar, nos três níveis da
federação, políticas públicas de Estado, que não fiquem reféns
de disputas político-partidárias por espaços de poder. Uma das
condições para que haja um salto qualitativo das políticas
voltadas para a promoção dos direitos humanos – ainda “focalista”
e gestora da pobreza – para uma política emancipatória
garantidora de direitos humanos reside na sua capacidade de
implementar programas, benefícios e ações de forma integrada com
as demais políticas sociais e econômicas.
[1]Alexandre
Ciconello é
advogado, mestre em ciência política, assessor de direitos humanos
do Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos e José
Antônio Moroni é
filósofo, membro do colegiado de gestão do Inesc – Instituto de
Estudos Socioeconômicos.
[2] Lei
11.340 de 2006, que cria mecanismos para coibir e punir a violência
doméstica e familiar contra a mulher.
[3] A
política de saúde é ainda o grande modelo de estruturação de
políticas públicas universais, descentralizadas e participativas no
Brasil. Estruturada a partir de um Sistema Único que reúne os três
entes federativos e uma rede privada de hospitais filantrópicos,
possui um Fundo orçamentário específico (Fundo de Saúde) e um
sistema participativo de Conselhos de Políticas Públicas nos
municípios, estados e no âmbito federal. Além disso, prevê a
realização periódica de Conferências de Saúde (a cada quatro
anos) com o objetivo de avaliar a situação de saúde no país e
propor diretrizes para a formulação da política de saúde nos
níveis correspondentes.
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