Miguel
Pereira
é advogado, bancário e secretário de Organização da Confederação
Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).
Confira
a entrevista.
IHU
On-Line – Em que sentido você considera que a terceirização pode
ser apontada como uma prática ilegal de intermediação de mão de
obra?
Miguel
Pereira –
A terceirização pode ser de mão de obra ou de serviços. No
Brasil, particularmente esse processo começou pela mão de obra.
Apesar de não termos uma lei sobre a terceirização, temos a CLT,
que define o que é uma relação de emprego. Ou seja, se na relação
triangular da terceirização houver os elementos caracterizadores
(pessoalidade, subordinação, habitualidade, onerosidade), pelo
princípio legal da primazia da realidade, podemos afirmar que a
relação de emprego é estabelecida de forma direta com a tomadora
ou a contratante dos serviços. O termo jurídico para essa situação
é “intermediação ilegal de mão de obra”. E registre-se: na
maioria dos casos é isso o que ocorre.
(…)
IHU
On-Line – Em que medida a terceirização pode ser vista como um
mito para acobertar a precarização?
Miguel
Pereira –
É porque a terceirização foi “vendida” à sociedade como algo
moderno para a organização e divisão do trabalho, que gera postos
de trabalho, que ajuda na especialização do trabalho, e por tudo
isso é irreversível. Tudo mentira. A disputa para aumentar a
lucratividade e a produtividade, que é apropriada por poucos, em
detrimento da geração de postos de trabalho melhores, com menor
rotatividade, com menos mortes, etc., constitui um debate que é uma
falácia. Os empresários buscam mesmo é redução dos custos com a
mão de obra e todos os estudos, dados e informações minimamente
sistematizadas apontam para todo tipo de precarização.
IHU
On-Line – O que precisa mudar em relação ao mercado de trabalho
para contribuir na redução da desigualdade em nosso país?
Miguel
Pereira –
Alguns pontos deveriam ser atacados de imediato, como a alta
rotatividade no emprego, que só no Brasil temos. Como exemplo, temos
os bancários – dos cerca de 500 mil trabalhadores, mais da metade
tem menos de cinco anos de casa. E cada novo bancário que chega, vem
ganhando até 50% menos. Portanto, é preciso por limites a essa
possibilidade da demissão sem justa causa. Outra questão
fundamental é o fortalecimento dos sindicatos, aprovando a Convenção
87 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que trata da
liberdade e da autonomia sindical, com o fim do imposto sindical e do
poder normativo da justiça do trabalho. Assim, teríamos sindicatos
fortalecidos em condições de fazer a disputa por melhores salários
e condições de trabalho. É preciso continuar valorizando o salário
mínimo, o aumento real dos salários, a garantia de aposentadorias
dignas para todos, e a terceirização nem de longe combina com o que
queremos.
IHU
On-Line – Quais as principais consequências que os trabalhadores
vítimas da precarização das condições de trabalho têm sofrido?
Miguel
Pereira –
De toda ordem são os prejuízos. A começar pela perda da própria
identidade, uma vez que deixam de integrar o mesmo grupo. Apesar de
terem a mesma profissão e exercerem a mesma atividade, são vistos
como elementos estranhos àquele ambiente. São discriminados.
Trabalhadores e cidadãos de segunda classe. Seus contratos de
trabalho, quando existem, são diferenciados, não lhes são
assegurados os mesmos direitos. Dos mais elementares, como utilizar o
mesmo transporte, banheiros, ou restaurantes, a ter salários
reduzidos (em alguns casos chegam a 1/3 dos demais), não recebem os
mesmos auxílios, não têm plano de saúde, a cada 12 meses de
trabalho têm, em média, apenas seis meses de INSS recolhidos,
comumente não têm depósitos nas contas do FGTS e, quando
demitidos, geralmente não recebem suas verbas rescisórias. E o mais
trágico: de cada cinco acidentes de trabalho, quatro são com os
terceirizados. A cada 10 mortes, oito são com os terceirizados.
Mesmo não tendo dados estatísticos oficiais para comprovar, por
alguns indicadores podemos dizer que temos algo em torno de 10
milhões de trabalhadores terceirizados – particularmente acredito
que esse número é ainda maior –, de um total de aproximadamente
43 milhões de trabalhadores formais no Brasil. Assim, podemos
projetar o tamanho do prejuízo atual e futuro para a classe
trabalhadora e, por conseguinte, para a sociedade. Como o mundo
poderá ser melhor se as pessoas estiverem piores?
IHU
On-Line – O que deveria ser levado em conta ao se pensar em uma lei
que fortaleça as relações de emprego e os direitos dos
trabalhadores?
Miguel
Pereira –
Em primeiro lugar, o princípio da igualdade de tratamento entre
homens, mulheres, negros, jovens, deficientes e da isonomia de
direitos. Em segundo, o fortalecimento da atuação dos sindicatos,
para que sejam verdadeiramente comprometidos com a representação e
luta histórica dos trabalhadores. Com esses elementos poderíamos
restabelecer a solidariedade entre os trabalhadores e a classe
trabalhadora. Não há condições de se manter um oásis em meio ao
caos. Ou todos ganham, ou todos perdem. Momentaneamente, as coisas
parecem que não são assim. Leva algum tempo para as pessoas
perceberem que foram enganadas. Às vezes por elas próprias. Essas
ideologias do “Você SA”, “Faça seu salário” são
intencionalmente construídas e muitas vezes custeadas por grupos
financeiros para serem propagandeadas como verdades absolutas, e não
o são. Os trabalhadores estão pagando muito caro por terem
legitimado parte desse processo.
IHU
On-Line – Em que sentido uma legislação precarizante em relação
ao trabalho pode comprometer o futuro da nação brasileira?
Miguel
Pereira –
As nações capitalistas, e o Brasil é uma delas, se organizam
através da relação capital e trabalho. Quanto mais injusta for
essa relação, mais comprometido será o futuro. O trabalho e o seu
rendimento que garantem o sustento e o consumo social, e, por sua
vez, a produção industrial e de serviços, é que estruturam a
sociedade. Se as pessoas não tiverem a capacidade de bem se
manterem, o futuro e a própria vida ficam comprometidas. Violência,
morte, doenças são os preços que todos pagamos na medida em que
essa relação permanece injusta e inalterável. Coloca em risco
inclusive o próprio processo democrático, à medida que não temos
uma sociedade de iguais.
IHU
On-Line – Que cenário esperar caso seja aprovada a regulamentação
da terceirização para outros setores da economia?
Miguel
Pereira –
Caso o projeto de lei 4330 e seu substitutivo sejam aprovados, o
cenário será de caos total. Teremos trabalhadores e cidadãos de
terceira classe. O país certamente será mais rico, mas o seu povo
infinitamente mais pobre e desprovido de proteção social. Os
sindicatos perderão a lógica de sua existência, uma vez que nosso
modelo é baseado na organização de categorias profissionais.
Pergunto: qual categoria profissional resistirá ou persistirá se
tudo e todos poderão ser terceirizados e levados para fora da área
de representação dos sindicatos mais organizados? E como a média e
a massa salarial serão comprimidos, todas as referências salariais
e de direitos serão gradativamente rebaixados.
Revista
IHU On-Line,
n. 390, 30-04-2012.
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