15/11/2014

Sociedade sustentável: por um novo paradigma civilizacional capaz de contribuir à sustentabilidade do Planeta e da sociedade

Escola de Formação Fé, Política e Trabalho 2014.ano11

Sociedade sustentável: por um novo paradigma civilizacional capaz de contribuir à sustentabilidade do Planeta e da sociedade

Professor Gilberto A. Faggion – gfaggion@terra.com.br

Texto 1 - O Brasil no contexto da crise civilizacional

Texto adaptado de http://bit.ly/1ubeixX , de uma análise de conjuntura realizada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU

A percepção que orienta essa análise sintetiza-se na formulação de Edgar Morin de que “nossa época de mudanças tornou-se uma mudança de época”, ou ainda na intuição de Gramsci resgatada por Zygmunt Bauman,  de que “a crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não nasceu: neste interregno surge uma grande variedade de sintomas mórbidos”.  O novo está em disputa e é dessa disputa que sobrevirá ou não um projeto emancipatório.
A crise que denominamos de civilizacional ou epocal manifesta-se nas crises econômica, ecológica, alimentar, energética e do trabalho. Acrescente-se ainda que o conjunto dessas crises é também acompanhado por uma crise ético-cultural, ou seja, não se trata apenas de uma crise ancorada nas relações de produção, mas também e sobretudo uma crise do sentido humano que emerge nessa transição de século.
A crise civilizacional exige uma interpretação sist.
êmica. As crises não estão isoladas e requerem uma abordagem a partir do paradigma da complexidade, como propõe Morin. Trata-se de perceber que “não só a parte está no todo, mas também que o todo está na parte”. Tudo está interligado, entrelaçado, e há uma interdependência entre as crises. Nossos problemas não podem mais ser concebidos como separados uns dos outros.
Sob a perspectiva metodológica, propõe-se aqui uma interpretação da crise a partir do movimento social, sobretudo dos “novos movimentos sociais” – indígena, ambientalista, de gênero, anti-globalização. Esses “novos movimentos”, entre outros, sugerem que no interior da crise já se gestam alternativas que indicam que “outro mundo é possível”. Esses novos movimentos manifestam uma “metamorfose” em curso: “Tudo recomeça por uma inovação, uma nova mensagem desviante, marginal, pequena, muitas vezes invisível para os contemporâneos”, diz Morin.
Os novos movimentos sociais auxiliam ainda na compreensão de que a chave de saída da crise encontra-se, sobretudo, na categoria cultura. Frente ao “sujeito” da primeira modernidade, assiste-se à emergência da “subjetividade”. Frente aos temas da política e da economia, emerge o tema da cultura. Segundo Touraine, hoje “as mudanças são tão profundas que nos levam a afirmar que um novo paradigma está em vias de substituir o paradigma social, assim como este tomou o lugar do paradigma político”.  As categorias sociais da sociedade industrial, da primeira modernidade, tornaram-se insuficientes para a compreensão da sociedade de hoje. A intuição de Touraine, é que hoje as “categorias culturais substituem as categorias sociais, onde as relações de cada um consigo mesmo são tão importantes quanto eram, outrora, a conquista do mundo”.
Com a modernidade, surge o conceito da autonomia, o direito de recusa daquilo que sempre foi considerado como natural e de conceder-se sua própria lei – o primado do individualismo: “a liberdade de cada um imprimir sua exterioridade com o selo de sua individualidade para nela poder reconhecer-se e fazer-se reconhecer”, afirma Monod. A modernidade caracteriza-se pelo protagonismo do sujeito. A novidade agora, na segunda modernidade, ou pós-modernidade, é o fato da subjetividade “substituir” o sujeito. Agora, os interesses próprios, subjetivos, são o que irrigam a maior parte da cultura cotidiana.
Atente-se, porém, que a nova subjetividade apresenta também aspectos emancipatórios. É nessa outra subjetividade que aos poucos vai se constituindo que surgem as novas resistências. Basta pensar aqui nos novos movimentos sociais, nas redes sociais, no movimento ambientalista, nos movimentos de expressão cultural, nos movimentos de gênero, no movimento antiglobalização. A “subjetividade” que substitui o “sujeito” não é necessariamente negativa. Se por um lado, exacerba os imperativos do mercado, por outro, podem também ser resistência a ele. A subjetividade da segunda modernidade pode se traduzir em biopolítica - Foucault.
A biopolítica é uma resposta ao biopoder, àquilo que escapa a imposição da sociedade produtivista-consumista. É a idéia de uma produção de poder a partir do poder que se exerce. Possibilita “uma resposta biopolítica da sociedade: não mais os poderes sobre a vida, mas potência da vida como resposta a esses poderes; em suma, isso abre à insurreição e à proliferação da liberdade, à produção de subjetividade e à invenção de novas formas de luta”, destaca Antonio Negri.
Crise Civilizacional e suas manifestações

Crise ecológica
O planeta Terra dá sinais cada vez mais reiterados e evidentes de esgotamento. Os sistemas físicos e biológicos alteram-se rapidamente como nunca antes aconteceu na história da civilização humana. Desde o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) de fevereiro de 2007, já não há mais contestação de que o responsável pela evolução acelerada da tragédia ambiental é a ação antropogênica sobre a Terra. À época, o informe dos pesquisadores e cientistas foi categórico e não deixou espaço para dúvidas ao afirmar de forma contundente – o relatório utilizou a expressão “inequívoca” – que o aquecimento global se deve à intervenção humana sobre o planeta.
Destaque-se que para muitos, as previsões do IPCC já estão defasadas. O quadro hoje seria pior do que o alardeado pelos cientistas no relatório de 2007. Estudo recente apresentado por pesquisadores afirma que alguns limites planetários já foram ultrapassados. Segundo o estudo três dos limites já foram transgredidos: os do aquecimento global, a extinção de espécies e o ciclo do nitrogênio. Outros quatro estão próximos: uso da água doce, conversão de florestas em plantações, acidificação dos oceanos e ciclo do fósforo.
Para dados bem atuais sugere-se consultar o relatório Planeta Vivo 2014, divulgado pelo WWF, em http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/relatorio_planeta_vivo/.
A “pegada ecológica” – indicador da pressão exercida sobre o ambiente está muito forte. A média é 2,2 hectares, mas o espaço disponível para regeneração (biocapacidade) é de apenas 1,8 hectares. Avançamos o sinal. Há quem diga que o estrago já foi feito e ponto de retorno já passou. Na análise do ambientalista James LovelockGaia – o organismo vivo que é a Terra – está com febre e se nada, e urgentemente, for feito esse quadro poderá evoluir para o estado de coma.
É o tipo de desenvolvimento econômico implantado, especialmente, ao longo dos últimos dois séculos, baseado no paradigma do crescimento econômico ilimitado, na idéia de progresso infinito e na concepção de que os recursos naturais seriam inesgotáveis e de que a nossa intervenção sobre a natureza se daria de maneira neutra que se encontra a razão do impasse que vivemos. Na origem da crise ecológica está o consumo desenfreado. O estilo de vida americano e ocidental – reproduzido em grande parte do continente latino-americano – não é compatível com as possibilidades do nosso Planeta.
Essa crise ambiental não veio do nada. Não foi desastre natural, foi causada por homens”, diz Nicholas Stern. Quando se pensa que uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas futuras, como define Lester Brown, percebe-se que o nosso modo de produção e de consumo está comprometendo a vida das futuras gerações, ou seja, estamos decidindo a sorte de quem virá depois de nós, deixando-lhes um mundo árido, poluído e feio. Emerge com intensidade crescente a consciência de que qualquer projeto radicalmente alternativo de sociedade não pode desconsiderar a questão ecológica.
Crise energética
Associada à crise ecológica está imbricada a crise energética. A civilização moderna é insaciável por energia. A voracidade por energia está associada aos padrões sempre crescentes de produção e consumo. A energia impostou-se no centro do desenvolvimento neste século XXI. Não há país no mundo hoje que não esteja às voltas com a questão energética, que tem hoje o potencial de estrangular qualquer economia. O mundo necessita sempre mais de petróleo, carvão, gás, eletricidade, energia nuclear e agora biocombustíveis.
As matrizes energéticas, via-de-regra, se produzem a partir de uma lógica concentrada e concentradora, além de serem reféns do gigantismo – basta pensar aqui nas gigantescas estruturas para extração e refino de petróleo, nas hidrelétricas e usinas nucleares.
As matrizes energéticas centralizadoras, poluidoras e devastadoras do meio ambiente – tributárias da sociedade industrial –, apresentam enorme ameaças a biodiversidade e perigos à civilização humana, particularmente no caso da energia nuclear. Cabe alertar que essas matrizes energéticas pertencem cada vez mais ao passado e o século XXI exigirá outras fontes de energia – renováveis e limpas.
Na realidade, em termos energéticos, a humanidade está passando da era do petróleo para uma era em que a produção de energia se dará em escala descentralizada e com impactos menores sobre o ambiente. A nova economia tendo como paradigma a Revolução Informacional, que está deixando para trás a Revolução Industrial, potencializa a gestação de um novo tipo de organização produtiva menos poluidora e com potencial descarbonizador. Essa nova economia potencializa novas matrizes energéticas que podem oportunizar inclusive a criação de outro tipo de empregos.
O pesquisador Jeremy Rifkin nos dá uma ideia do que está por vir: “Estamos no início da terceira revolução industrial: no período dos próximos trinta anos tudo mudará como mudou quando o vapor foi substituído pela eletricidade. Desta vez, quem vencerá será a intergrid, a Internet da energia: uma rede elétrica interativa e descentralizada, que transformará milhões de consumidores em pequenos produtores de energia criando um sistema mais confiável, mais seguro e mais democrático. Os edifícios serão envoltos em fotovoltaicos e, em vez de sugar a energia, produzirão. Os motores dos automóveis poderão, por sua vez, transformarem-se em mini-centrais, os tetos dos pavilhões beberão a energia solar com seus painéis e a restituirão. Uma parte da eletricidade será consumida diretamente no local de produção, reduzindo a dispersão. É uma revolução radical que mudará toda a arquitetura do nosso sistema produtivo. E quem compreender isso primeiro guiará o novo salto industrial”.
Segundo ele, “o século que apenas se iniciou é o século da terceira revolução industrial. O século da Internet e a energia soft que é produzida a partir de baixo, nos bairros, nas casas, se articulando em rede, com entrada e saída, os fluxos de informação e da energia. É um modelo descentrado, democrático, mais confiável tanto do ponto de vista dos custos quanto daquele da independência da produção”.
A nossa civilização centrada no petróleo, e pode-se acrescentar aqui as megas hidrelétricas e usinas nucleares, não se justificam mais, são tributárias de uma sociedade que está ficando para trás.
Neste aspecto, o Brasil em vez de assumir a vanguarda no processo de descarbonização da economia, investe em matrizes superadas – grandes hidrelétricas como as do Rio Madeira e de Belo Monte. Essas grandes obras implicam em grandes inundações de terras, em significativos deslocamentos de pessoas e em devastação ambiental gigantesca e sucessivos apagões. Essa é também a lógica subjacente aos agrocombustíveis que utilizam grandes extensões de terra, produção em larga escala, avançando sobre terras agricultáveis e voltadas para suprir preferencialmente o mercado externo. É nesse mesmo sentido que se deve olhar criticamente o pré-sal.
Crise alimentar
A crise energética, com graves repercussões ao meio ambiente, apresenta implicações também para a crise alimentar. A Agência das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação – FAO afirma que a produção de biocombustíveis priva o mundo de quase 100 milhões de toneladas de cereais, que poderiam ser destinados à alimentação. A opção pela ampliação de áreas cultiváveis para produção de biocombustível rouba áreas da agricultura de subsistência.
O ‘Seminário Internacional Agrocombustíveis como obstáculo à construção da Soberania Alimentar e Energética’ realizado por movimentos sociais denunciou que “o modelo de agricultura industrial, onde se inserem os agrocombustíveis, é intrinsecamente insustentável, pois apenas se viabiliza através da expansão das monoculturas, da concentração de terras, do uso intensivo de agroquímicos, da superexploração dos bens naturais comuns como a biodiversidade, a água e o solo. Os agrocombustíveis representam uma grave ameaça à produção de alimentos”.
O ‘Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar’ passou a denominar os biocombustíveis de agrocombustível. Na análise dos movimentos sociais do campo, o programa de matriz energética a partir do álcool não deve ser chamado de biocombustível e muito menos de biodiesel. Para os movimentos, "a expressão `bio` que relaciona energia à vida, de forma genérica, é uma clara manipulação de um conceito que não existe. Devemos adotar sim, em todos os idiomas, o conceito de agro-combustíveis".
Os movimentos denunciam que o crescimento da monocultura em países em desenvolvimento e pobres tem como objetivo a manutenção do padrão de consumo american way of life e isso significa em última instância "tanques cheios a custas de barrigas vazias". A questão de fundo posta pelos movimentos sociais é se as terras do planeta se destinarão preferencialmente a atender aos cerca de 800 milhões de proprietários de automóveis, ou à garantia da segurança alimentar mundial do 1 bilhão de pessoas que passam fome no mundo.
Já que não saiu a Alca, vamos de álcool”, afirmou Brian Dean, diretor-executivo da Comissão Interamericana de Etanol (CIE) do então governo Bush. Os EUA falam em reduzir o consumo de petróleo em 20% nos próximos dez anos substituindo-o pelo etanol, e querem o Brasil como parceiro preferencial na criação de um mercado hemisférico de etanol. É nessa perspectiva que deve ser compreendida o incentivo do governo brasileiro para que países da América Central, do Caribe e da África passem a produzir etanol para abastecer os países do norte. A lista da América Latina e Caribe tem como países elencados pelos americanos como potenciais produtores de etanol os seguintes países: Peru, Colômbia, El Salvador, Honduras, Guatemala, São Cristóvão e Névis, República Dominicana e Haiti.
Destaque-se ainda que a produção do etanol em larga escala apresenta como consequência  a exploração  do trabalho humano, muitas vezes em condições análogas à escravidão. A cana-de-açúcar traz consigo miséria e condições de trabalho aviltantes para um grande contingente de trabalhadores.
A crise alimentar serve ainda de pretexto para uma ofensiva dos defensores de uma nova “revolução verde” a partir dos organismos geneticamente modificados – OGMs. As indústrias de biotecnologia vendem os transgênicos, com a promessa de que a sua produtividade e adaptabilidade é a grande solução para a fome. Esconde-se na maioria das vezes que os transgênicos sequer estão destinados à alimentação humana, e além da exigência de grandes extensões de terra, consomem enorme quantidade de água e demandam uso intensivo de fertilizantes que causam estragos ambientais, muitos deles irreversíveis.
Na realidade, cresce em todo o mundo a desconfiança sobre os transgênicos. “Governos, produtores e consumidores por todo o mundo reconhecem cada vez mais que a engenharia genética não é confiável, nem viável, além de ser perigosa”, afirma Jeremy Tager, do Greenpeace Internacional.
Sobre a fome do mundo, registre-se que sua obscenidade se torna ainda maior quando se sabe que no mundo de hoje há mais comida do que em qualquer outro momento da história da humanidade; temos 7,3 bilhões de habitantes, e produzimos mais de 2 bilhões de toneladas de grãos, o que significa que produzimos quase um quilo de grãos por pessoa e por dia no planeta, amplamente suficiente para alimentar a todos; segundo a FAO o mundo precisaria de US$ 30 bilhões por ano para lutar contra a fome, recursos que significam apenas uma fração do US$ 1,1 trilhão aprovado peloG20 para lidar com a recessão mundial; 65% dos famintos vivem em somente sete países; no mesmo momento em que 1 bilhão de pessoas estão passando fome, outro 1 bilhão sofre de obesidade por excesso de consumo; uma criança americana consome o equivalente a 50 crianças africanas da região subsaariana.
Muitos pensam que o problema da fome se deve ao excesso da população, de que não há alimentos para todos e se faz necessário o controle da natalidade. Essa tese não se justifica. A FAO há vinte anos afirma que o problema é político. A fome é um problema, sobretudo, de acesso à comida e não de disponibilidade de alimentos, ou seja, a crise alimentar não é uma crise fundamentalmente de produção, mas de distribuição. O problema está no mercado.
A razão para o aumento da fome está ainda associada, entre outros fatores, a crise econômica (leia-se especulação das grandes corporações com os alimentos que chamam de commodities), às mudanças climáticas que provocam em alguns momentos inundações e, em outros, secas terríveis, e ao aumento das controvertidas plantações para produzir combustível, que rouba áreas da agricultura de subsistência.
A crise alimentar está também associada aos escandalosos subsídios concedidos aos fazendeiros dos países ricos. Existe muito dinheiro para subsidiar a agricultura dos que já tem muito e pouco, ou quase nada, para os países pobres que mais precisam. Nas últimas décadas, o livre comércio e as políticas neoliberais favoreceram e incrementaram o agronegócio, em detrimento da agricultura familiar, da reforma agrária, da produção ecológica. A globalização não significou o livre comércio de comida de alguns países para outros. Pelo contrário, ela esmaga os países que podem produzi-la.
Crise econômica
A origem das crises anteriores encontra-se no fato de que economia deixou de ser a “serva” da sociedade para se tornar a sua “senhora”, a “grande transformação” de que nos fala Karl Polanyi. Impulsionada pela ideia de progresso linear e quantitativo assentado sobre o crescimento econômico e recursos naturais ilimitados, a economia, na sociedade industrial, foi se desvencilhando gradativamente da ética e da política e passou a ser orientada e regida tão somente pelo mercado. Ainda mais, para além ruptura da relação entre economia e sociedade, também a ligação entre economia e ambiente foi se desfazendo.
Hoje, portanto, já não podemos mais dar centralidade apenas a economia para depois nos ocupar das outras crises. A questão fulcral diz respeito ao esgotamento do modelo de desenvolvimento criado e incrementado na sociedade industrial baseado em uma visão linear, progressiva, infinita e redutora de desenvolvimento, e que tem no consumo desenfreado a sua mola propulsora.
Por outro lado, a crise econômico-financeira que estalou nos Estados Unidos em agosto de 2007 – que arrastou o mundo para uma recessão levando milhares ao desemprego – apresenta-se com a novidade de que a mesma estourou completamente a dicotomia – ainda cara a muitas esquerdas – de economia real versus economia financeira. “Hoje nossas vidas estão inteiramente no processo de financeirização: quando usamos o cartão de crédito ou o cheque especial, quando recorremos a empréstimos para ter acesso a necessidades fundamentais (casa, formação, mobilidade, e principalmente a saúde), quando uma parte dos salários é paga em stock option (ações) ou as pensões se tornam fundos de investimentos”, destaca Gigi Roggero.
Segundo ele, “para a economia clássica e moderna, a financeirização e a crise intervinham no final do ciclo, após a expansão da economia real ligada à afirmação de um modelo produtivo. Hoje, a financeirização não só recobre o ciclo econômico inteiro, mas põe em discussão a própria categoria de ciclo”. Logo, diz Roggero, “a crise, longe de estar confinada a uma fase descendente do ciclo e de preparar uma nova expansão, tornando-se impulsionadora de uma dinâmica de crescimento, não é mais somente um dado estrutural do desenvolvimento capitalista, mas torna-se seu elemento permanente e insuperável”. De certa forma, foi a obsessão pelo consumo da sociedade americana (imóveis, carros, bens duráveis) que lançou o mundo na crise.
O mesmo afirma Carlo Vercellone para quem a relação entre capital produtivo versus capital financeiro já não existe mais. Segundo ele “insistir nas finanças como se se tratasse de um poder autônomo quase absoluto, tende a fazer esquecer a compenetração entre capital financeiro e capital produtivo e as outras causas socioeconômicas que estão na origem da crise sistêmica do capitalismo contemporâneo”. Esclarecendo melhor, o que agora precisa ser compreendido é que a financeirização não é mais um processo externo à produção, mas constitui, ao contrário, sua forma econômica real.
Nesse sentido, “a financeirização – longe de contrapor-se à economia real – é a forma da economia capitalista apta para exercer o comando sobre o trabalho cognitivo e sobre a produção do saber vivo”, afirma Gigi Roggero; ou seja, a financeirização da economia já se configura como um novo estágio de apropriação do capital pelo trabalho imaterial que se realiza. Aí está o cerne da crise.
Na opinião de Andrea Fumagalli, economista, o que é preciso compreender é que “atualmente os mercados financeiros são o coração pulsante do capitalismo cognitivo. Eles financiam a atividade da acumulação: a liquidez atraída para os mercados financeiros recompensa a reestruturação da produção que visa à exploração do conhecimento e ao controle de espaços externos aos negócios tradicionais”.
Por outro lado, junto com a crise, os mitos econômicos vendidos como verdades irrefutáveis caíram por terra. Tardiamente há um reconhecimento – de algo que há muitos anos vem afirmando o movimento social – de que o mercado precisa ser regulado. A tese liberal do mercado como aquele que se autorregula se mostrou uma falácia. Os que ousavam criticar a desregulação financeira eram vistos como ‘atrasados’, entretanto, a própria Meca do liberalismo, os EUA, que impuseram as exortações do ‘pensamento único’ ao mundo, reconheceu que o mercado precisa de um mínimo de regulação. A maior potência econômica do mundo, os EUA, reconhece que a sua cruzada em defesa das virtudes do liberalismo esgotou-se. Os anos dourados do neoliberalismo e as orientações do ‘Consenso de Washington’ entraram em crise, ao menos do ponto de vista ideológico.
Ao mesmo tempo, a crise não é apenas de macro teoria, é também de natureza ética. Todo sistema histórico de organização da sociedade necessita de uma base de legitimação moral. Com a crise rompeu-se a ética de um sistema fundado em valores que decorrem da máxima “vícios privados, benefícios públicos”, ou seja, a idéia de Bernard de Mandeville, de que a sorte dos demais é, em última instância, uma manifestação do nosso amor-próprio, do nosso auto-interesse. A tese do egoísmo como virtude exposta por Adam Smith ao destacar que a busca compulsiva do próprio interesse conspiraria para a elevação do bem-estar da sociedade falhou. A cobiça desmedida dos agentes financeiros desatou a crise.
Nesta perspectiva, assistiu-se ao retorno do protagonismo do Estado que havia sido colocado de lado. O Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a solução. O Estado se tornou a tábua de salvação do capitalismo – assistiu-se a um derrame de dinheiro público para salvar bancos e fábricas. O dinheiro que nunca se tem para aplicar na redução da pobreza e da desigualdade no mundo apareceu para resgatar os interesses dos mais poderosos.
O lado positivo da crise encontra-se na possibilidade do fim do unilaterismo e na formação de um mundo multipolar e, sobretudo, no revigoramento das teses do movimento antiglobalização. A necessidade de controle do capital financeiro propugnada pela Attac – que ganhou corpo ao longo das edições do Fórum Social Mundial (FSM) retomou fôlego novamente.
Crise do trabalho
As condições de vulnerabilidade crescente, de grande parte da força de trabalho do planeta, estão associadas a dois grandes movimentos que impactaram o capitalismo mundial a partir do último quartel do século XX e adentraram o século XXI: a substituição do processo produtivo padronizado pelo processo flexível – a radical transformação das forças produtivas e a reorientação do papel do Estado, isto é, sua subordinação ao mercado, sobretudo financeiro.
Essas mutações em curso no capitalismo, e o seu significado, assumem diversas denominações na literatura sociológica: sociedade pós-industrial, pós-fordista (Lazzarato; Negri; Virno; Rulani), capitalismo cognitivo (Vercellone; Corsani;Moulier-Boutang; Cocco), sociedade do conhecimento (Gorz), sociedade informacional (Castells; Lojkine), era do acesso (Rifkin), segunda modernidade (Giddens),  pós-social (Touraine), pós-modernidade (Harvey), novo capitalismo (Sennett), modernidade líquida (Bauman) e sociedade do risco (Beck), são alguns conceitos, entre outros, que não expressam necessariamente uma oposição entre si mas, antes de tudo, formas próximas para dar conta de conteúdo a um mesmo acontecimento: o enfraquecimento do paradigma da sociedade industrial.
A ruptura com a sociedade industrial, provocada pela reorganização das forças produtivas, a erosão do Estado-Nação e o seu (re)direcionamento para desfazer o contrato do bem-estar social, estão na origem da nova Divisão Internacional do Trabalho (DIT) e engendram três “novas” categorias de trabalhadores: os integrados, os semi-integrados e os excluídos. No primeiro grupo, estão os trabalhadores vinculados aos circuitos das redes mundiais de produção – bem pagos, porém em número cada vez mais reduzido; no segundo grupo, estão aqueles que se encontram em situação de ‘risco’ – os que trabalham precariamente de forma intermitente; e ,no terceiro grupo, estão os excluídos – aqueles que estão fora da sociedade salarial, situam-se no mercado informal e descobertos de qualquer rede de proteção social, a não ser as políticas assistencialistas de mitigação da miséria – os “inúteis para o mundo” de que fala Robert Castel.
Uma das alavancas que está na base da nova Divisão Internacional do Trabalho, tem a ver com reorganização das forças produtivas – a Revolução Tecnológica para uns, ou Revolução Informacional para outros. Assiste-se agora a uma revolução das forças produtivas comparável à mesma envergadura produzida pela Revolução Industrial. Assiste-se a mudanças profundas que alteram significativamente o modo produtivo e desorganizam o mundo do trabalho que se conhece. A introdução de novas máquinas-ferramentas, com mais recursos, incorporando tecnologia informacional, é a novidade da Revolução Tecnológica. Sob a perspectiva do processo produtivo, essa revolução assume um caráter profundamente transformador. O caráter inovador da Revolução Tecnológica/Informacional reside no fato de que ela supera o tratamento que era dado à informação pela Revolução Industrial anterior.
A Revolução Tecnológica transformou o processo produtivo e o trabalho. Na sociedade industrial, o trabalho insere-se na esfera da reprodução, dispensa o conhecimento, está preconcebido e atende a um padrão tecnológico e organizacional estruturado de antemão. Agora, com a introdução das Novas Tecnologias da Comunicação e Informação, as mudanças são significativas. Cada vez mais a valorização do trabalho repousa sobre o conhecimento, sobre a capacidade de interação com a máquina, superando a mera subordinação.
Trata-se do que se denomina de “sistema de produção de conhecimentos por conhecimentos”. Na nova forma de se organizar o trabalho e ativá-lo, busca-se a reconquista da parte do trabalho vivo que o desenvolvimento histórico do capitalismo tentou aniquilar. São o conhecimento, a competência lingüística, a cooperação singular, que agregam valor ao processo produtivo ou seja, recursos imateriais, destacam Negri e Hardt.
Em síntese, a sociedade industrial, taylorista-fordista, mobilizou massas enormes de trabalhadores e os empurrou para uma divisão técnica do trabalho que lhes reservava tarefas simples e repetitivas. O operário fordista é duplamente massificado: pela reincidência diuturna a que é submetido, num processo produtivo estandardizado, e pela negação de suas características pessoais, subjetivas. Essa sociedade, entretanto, está em reviravolta.
O agressivo ataque dos interesses econômicos ao mundo do trabalho é  outro fator que reconfigura a realidade do mundo do trabalho. Assiste-se, nas últimas décadas, a uma ofensiva do capital frente ao trabalho, que se manifesta no trinômio flexilibilização, terceirização e precarização. A ordem do capital é desregulamentar. Observa-se um processo de desregulamentação de direitos, que compreende as iniciativas de eliminação de leis ou outras formas de direitos, instituídos nos contratos coletivos, que regulam as condições e as relações de trabalho. Trata-se da eliminação, diminuição ou flexibilização dos direitos existentes. O ataque à ‘normatização’ do trabalho é mundial e está relacionado à nova ordem econômica internacional de corte neoliberal.
Repensar a organização social do trabalho é uma exigência da nova realidade social. Aumenta a percepção de que o desemprego, a informalidade, as situações de precarização do trabalho não é algo meramente conjuntural, mas se tornou estrutural, ou seja, cada vez mais a precarização é central e constitutivo à nova forma de organização do sistema produtivo centrado na revolução tecnológica. O capitalismo do ‘pleno emprego’ se tornou uma quimera.  

É preciso construir uma nova noção de trabalho que supere a visão meramente econômica, que divide a sociedade entre os que recebem e os que não recebem. Entre os que têm emprego e os que não o têm. É necessário e urgente discutir os ganhos de produtividade. A crise da sociedade salarial, do emprego, é uma ótima oportunidade para se pensar, debater e avançar em propostas que contribuam para outro paradigma civilizacional que tenha como referência a organização social do trabalho na perspectiva da inclusão social.

Texto 2 - Precisamos ultrapassar a economia e sair dela. Entrevista especial com Serge Latouche

Texto adaptado de http://bit.ly/1u1xigJ

"A palavra decrescimento está sendo tomada literalmente. Não se trata de um conceito, mas um slogan". A advertência é do filósofo e economista Serge Latouche na mesa redonda promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU por ocasião de sua vinda à Unisinos, na semana passada.

Segundo ele, um dos slogans mais nocivos e perversos do sistema capitalista é o desenvolvimento sustentável. "Para nos opormos a ele, cunhamos o termo decrescimento sustentável", encarado quase como uma blasfêmia, provoca. A ideia é criar uma sociedade de prosperidade sem crescimento, de abundância frugal. O pensador francês pondera que nossa sociedade individualista está fundada sobre o mercado.
Serge Latouche, além de economista, é sociólogo, antropólogo, professor emérito de Ciências Econômicas na Universidade de Paris-Sul (1984). É presidente da Associação dos Amigos da Entropia e presidente de honra da Associação Linha do Horizonte. É doutor em Filosofia, pela Universidade de Lille III (1975), e em Ciências Econômicas, pela Universidade de Paris (1966), diplomado em Estudos Superiores em Ciências Políticas pela Universidade de Paris (1963). Latouche é um dos históricos contribuidores da Revista du MAUSS (Movimiento AntiUtilitarista em Ciências Sociais), além de ser professor emérito também da Faculdade de Direito, Economia e Gestão Jean Monnet (Paris-Sul), no Instituto de Estudos do Desenvolvimento Econômico e Social (IEDs) de Paris.
Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em que sentido o decrescimento é viável em sociedades em desenvolvimento como o Brasil e a China, por exemplo? O conceito de decrescimento pode ser aplicado a países emergentes?

Serge Latouche - O fato de formular essa pergunta demonstra que o termo decrescimento não foi compreendido. A palavra decrescimento está sendo tomada literalmente. Não se trata de um conceito, mas um slogan. Esse slogan foi necessário porque estamos numa sociedade da comunicação, onde tudo passa por slogans e manipulação midiática. Um dos slogans mais nocivos e perversos do sistema é o desenvolvimento sustentável. Para nos opormos a ele, cunhamos o termo decrescimento sustentável. Esse slogan nasceu na França, numa sociedade muito desenvolvida, com sentido provocador, porque vivemos na religião do crescimento. Sua ideia é romper com a ideologia do crescimento. Assim, quando utilizamos a palavra decrescimento soa como uma blasfêmia. Isso leva as pessoas a se perguntarem como é possível dizer algo desse tipo. 

Por trás do decrescimento há um projeto de um outro paradigma, de uma verdadeira sociedade alternativa à sociedade de crescimento. Trata-se de um projeto para romper com uma sociedade e construir outra que não esteja voltada para a religião do crescimento. Se quisermos ser rigorosos, teríamos que falar em acrescimento, assim como falamos em ateísmo. Evidentemente, é preciso falar no projeto de uma outra sociedade que deve crescer com a felicidade, qualidade do ar, da água, da alimentação. Queremos construir uma sociedade que chamo, agora, da abundância frugal, uma sociedade de prosperidade sem crescimento. Retomo, por isso, a ideia de Ivan Illich de sobriedade feliz. O projeto é construir uma sociedade ecossocialista, algo já formulado por
 André Gorz. Ele próprio aderiu à palavra decrescimento.
Projetos iguais

Se as sociedades hiperdesenvolvidas precisam sair da sociedade do desenvolvimento para reencontrarem o limite, as sociedades não desenvolvidas, que não é o caso do Brasil, têm interesse em não entrar nessa piada. 

Isso não quer dizer que não deva crescer uma certa produção para satisfazer as necessidades, mas não devem entrar nessa ideia da produção infinita. O problema do Brasil está exatamente na lógica do crescimento infinito e na fase onde essa fé tem efeitos positivos, e não somente negativos. Na França já não há mais efeitos positivos, mas no Brasil, ainda sim. 

Em muitos países a palavra decrescimento não é a mais apropriada. No contexto da África, por exemplo, eu não falaria de decrescimento, mas quando nós encontramos representantes da CONAE do Equador e Bolívia, em Bilbao, na Espanha, num congresso chamado de Decrescimento e bem-viver, imediatamente eles nos falaram que o projeto deve ser o mesmo do que o nosso.
IHU On-Line - É possível haver decrescimento numa época de tamanho crescimento e consumo tecnológico?


Serge Latouche - Esse é o grande desafio. Estamos em uma situação de esquizofrenia total, como dizem os psicólogos. Trata-se de uma dissonância cognitiva. Bastaria ver que ao mesmo tempo os responsáveis do planeta vão a Copenhagen e Cancun dizendo que temos que parar o crescimento. Reúnem-se em Toronto afirmando que a economia deve ser relançada.
IHU On-Line - Como o conceito do decrescimento é recebido pela Europa em crise econômica e sedenta por recuperar-se e continuar consumindo?

Serge Latouche - Mesmo sendo uma ideia importante e fortalecida pelo movimento do decrescimento, frente ao todo essa é uma parte infinitesimal. Mesmo os ecologistas e verdes, que normalmente deveriam aderir, estão muito divididos nesse ponto. Trata-se de uma minoria dentro dos verdes que apoiam com esse projeto do decrescimento. Há iniciativas locais na Itália, sobretudo, que tem obtido êxito e sucesso. Na França isso também pode ser observado, mas somente em nível de algumas cidades e projetos. Há um grande movimento na Europa contra a privatização da água. Não se chama movimento do decrescimento, mas movimento contra o capitalismo e a privatização.
IHU On-Line - Quais os caminhos para "deseconomizar o imaginário" das pessoas no século XXI?
Serge Latouche - As vias do Senhor são impenetráveis. Penso que o trabalho intelectual e de difusão dessas ideias tem um papel. Mas o mais importante para a transformação do imaginário são as vivências. O bom seria ver os exemplos pequenos que temos e que são interessantes, e que quase sempre obedecem à pedagogia das catástrofes. Percebemos que na Europa a vaca louca levou as pessoas a modificar seus hábitos alimentares. Quando eu estava no Japão, ficou claro que o fenômeno do tsunami, que ocasionou a ruptura dos reatores em Fukushima, provocou uma verdadeira efervescência para que as pessoas se interrogassem sobre a energia nuclear. Foi interessante porque a sociedade japonesa é tradicionalmente muito passiva. Como as catástrofes acontecem cada vez mais, infelizmente, vemos estiagem, enchentes, pandemias e doenças novas aparecerem. Tudo isso leva as pessoas a mudarem sua maneira de pensar.
IHU On-Line - A construção de uma sociedade do decrescimento aconteceria, então, através de atitudes individuais e um movimento através de rede? Isso aconteceria institucionalizado ou trata-se de um movimento aberto que depende da atitude individual?
Serge Latouche - Há de tudo. Sou um intelectual e não estou comprometido ou engajado em qualquer partido político. Não tenho nem intenção em criar partido político. Há gente que tentou me "empurrar" para isso, mas não aceitei. É verdade que nos próximos anos pode haver um incremento desse tipo de movimento. Precisamos dizer que os principais movimentos de decrescimento são compostos de jovens. Eles não gostam de que alguém diga-lhes o que deve ser feito. Organizam-se espontaneamente, como os indignados, por exemplo. A primeira ação que fazem é, quase sempre, marchas grandes atravessando países, a fim de sensibilizar as pessoas. Realizam acampamentos durante os encontros (meetings). Na França há dois partidos cujo decrescimento é sua bandeira fundamental, mas sua representatividade é ínfima. Não podemos impedir isso, e irmos contra a criação de tais iniciativas. Haverá, sempre, alguém que se motive a fazer tais ações. Tentamos aprofundar a reflexão sobre o decrescimento através da revista Entropia.
IHU On-Line - Apostando que o decrescimento depende de uma construção de sujeitos diversos, e que o neoliberalismo, o desenvolvimento infinito lembra uma antropologia egoísta, qual seriam as antropologias que dariam base a uma sociedade do decrescimento?

Serge Latouche
 - O importante da lógica da sociedade do decrescimento é que, efetivamente, saímos da antropologia do homo economicus e vamos cair naturalmente na antropologia com a tradição de Marcel Mauss, na lógica do vínculo social fundado sobre a tripla obrigação de dar, receber e devolver. Nesse ponto de vista, o movimento de decrescimento se encontra em continuidade com o pensamento de Mauss, um movimento antiutilitarista nas ciências sociais, que está bem representado no Brasil no Recife por Paulo Henrique Martins. 
IHU On-Line - O que é uma sociedade convivial? A partir de Ivan Illich, qual é a relação entre  convivialidade e felicidade? 

Serge Latouche
 - Illich não intitulou seu livro sociedade convivial, mas convivialidade. Começou definindo o que ele chamava de instrumento convivial, oposto à técnica heteronômica que nos expropria de nossa capacidade de gerir nossa vida e que não podemos administrar, como é o caso das usinas atômicas ou da junção de autoestradas, que não são nunca coisas conviviais. Pelo contrário, uma bicicleta é algo convivial porque podemos consertá-la, ela não precisa de combustível, mas só do movimento gerado pelas pessoas. A bicicleta tem autonomia. As técnicas conviviais são inventadas não pela vontade de poder, mas por uma forma de amor para tornar mais fácil a vida dos outros, como a máquina de costurar, por exemplo.Ivan Illich escolheu o termo de convivialidade porque Aristóteles disse que a sociedade descansa sobre a philia, a amizade. Para os gregos esse é um sentimento muito forte e nós não o conhecemos mais. Esse vínculo de amizade aludido por Aristóteles e também Platão pressupunha que entre amigos tudo é em comum. Ocorre que hoje, entre nossos amigos, as coisas não são mais comuns. Vivemos numa sociedade que, a partir da modernidade, iniciou uma revolução individualista. Damos mais importância à vida privada do que à vida comum. O outro não é tão importante. Ao menos estamos bem conscientes de que o mercado não cria vínculos sociais. Trata-se de uma sociedade individualista fundada sobre o mercado que é quase um oxímoro, um paradoxo. 

Ele tenta encontrar o que poderia substituir a philia num contexto moderno. Então ele teve essa ideia de convivialidade. Seria de alguma maneira uma philia de um grão inferior. Poderíamos definir a convivialidade como simpatia no sentido forte do termo, ou a empatia, ou para dizer de outro modo, podemos falar no termo de
 George Arouel, sociedade decente. Uma sociedade decente é uma sociedade que não humilha seus membros. Especialmente as pessoas do povo têm essa mentalidade, que Arouel chama de decência comum. Espontaneamente há coisas que essas pessoas não fazem. Basta lembrar do período de guerras, quando pessoas comuns tomaram atitudes extraordinárias e que salvaram vidas. Isso é decência comum. Uma sociedade onde isso não existe mais não é uma sociedade, e sim uma selva.
IHU On-Line - Considerando o cenário de crise financeira e econômica, muitos estudiosos falam na crise do capitalismo. O senhor concorda que o capitalismo está em crise e corre o risco de acabar, dando lugar a um sistema alternativo? 
Serge Latouche - Sempre se diz que os jesuítas respondem uma pergunta com outra. Então, pergunto: o que é mesmo o capitalismo? A questão fundamental é que o capitalismo, como dizia Max Weber, é primeiro de tudo, um espírito. Sair do capitalismo não se trata de fazer uma revolução e tomar os palácios, mas, antes de tudo, sair do seu espírito. Isso é uma coisa que não se pode decidir assim, tão facilmente. Estou convencido de que o capitalismo sempre esteve em crise. O dia em que entramos no capitalismo, data que é impossível de precisar, começamos também a sair dele. Um dia teremos saído dele e não teremos percebido. 
IHU On-Line - Quais suas expectativas para a Rio + 20? Que temas não podem deixar de ser discutidos? Quais as prioridades? 
Serge Latouche - Os temas importantes são sempre os mesmos: o desregulamento climático, o fim do uso do petróleo, a destruição da biodiversidade, as enfermidades geradas pela poluição. O decrescimento, contudo, nunca entra na pauta, mas é fundamental, porque impacta em todos os setores da sociedade, como agricultura, indústria, a tecnociência e a ciência.
IHU On-Line - O senhor menciona convergências e divergência em relação ao resgate do conceito de economia civil, principalmente na Itália. Essa economia civil fala, inclusive, em civilizar o mercado, de bens relacionais. Poderia falar um pouco mais sobre essa ideia?

Serge Latouche - Há muitas convergências a partir da crítica à lógica da economia do mercado e da economia tal como ela se configurou. A divergência é, sobretudo, pelo fato que os adeptos dessa economia civil pensam que, de algum jeito, podemos voltar às origens da economia política, e não particularmente a Adam Smith, mas a antes, na Escola do Iluminismo Napolitano. Penso que na época da economia civil napolitana isso era importante, mas evoluiu na economia liberal inglesa. Penso que agora precisamos ultrapassar essa economia e pensar seriamente em sair dela. Isso é a principal divergência na medida em que isso lhes leva a assumir uma posição muito reformista. Eles querem desenvolver uma economia solidária, ética, que são coisas muito boas mas incompatíveis com a lógica do mercado. Nós favorecemos essa ética mas na ótica de não abolir somente, mas de reduzir o espírito do mercado. O que tem que ser abolido é o mercado como um todo. Voltando à escola italiana, menciono Stefano Bartolini, da Universidade de Siena. Ele escreveu um livro muito interessante chamado Manifesto da felicidade que segue totalmente a linha do decrescimento, diferente do que outros autores, como ZamagnI, por exemplo.
IHU On-Line - No Brasil existe o termo economia de baixo carbono. Nesse contexto surgem ideias de Georgescu Roegen. Que convergências e divergências há entre tais ideias e o decrescimento? 
Serge Latouche - Não conheço essa ideia. O que se fala é em economia pós-carbono. Então, penso que... não penso. De fato a utilização desse termo provém de Georgescu. Por coincidência, um discípulo seu, Jacques Grinevald, seu assistente, fez conhecer na França seu trabalho e conseguiu publicar lá obras suas como O decrescimento. Creio que a primeira edição é de 1995. Ele não utiliza o termo "decrescimento", mas "declining". Contudo, ele disse que o decrescimento correspondia exatamente ao seu pensamento. Porém, é verdade que Georgescu Roegen não considerava a ideia de sair da economia, como eu.
IHU On-Line - Que método de pesquisa utiliza como pesquisador? Que pesquisas têm conduzido agora?
Serge Latouche - Antigamente consagrei-me à epistemologia através de meu primeiro livro, Epistemologia e economia, de 1973, um grosso volume que não se encontra mais. Parti do freudo-marxismo e cheguei a uma posição mais crítica, mais perto do marxismo que do freudismo. Depois lancei O Processo da ciência social e me ocupei bem mais de Habermas e dos conceitos da Escola de Frankfurt, a teoria crítica, além de Umberto Eco com a crítica da linguagem e A estrutura ausente. Minha caminhada foi uma crítica da economia política e de acesso ao real através da crítica do discurso.
IHU On-Line - Tem alguma sugestão de pesquisas que poderiam ser trabalhadas no Brasil?
Serge Latouche - A ideia de construir um futuro sustentável para o Brasil é um tema muito importante a ser trabalhado. Não podemos dissociar os problemas ecológicos dos problemas sociais. 

Por Gilberto Faggion, Graziela Wolfart, Lucas Luz e Márcia Junges / Tradução: Susana Rocca

Texto 3 - Elogio da metamorfose. Artigo de Edgar Morin

Adaptado de http://bit.ly/1v3pkGV

Edgar Morin nasceu em 1921, é diretor de pesquisa emérito no CNRS, presidente da Agência Europeia para a Cultura(Unesco) e presidente da Associação para o Pensamento Complexo. Em 2009, publicou Edwige, l’inseparable(Fayard) [‘Edwige, a inseparável’, dedicado à sua esposa morta]. Ler também, La Pensée Tourbillonnaire - Introduction à la pensée d’Edgar Morin, de Jean Tellez (éditions Germina). (“O pensamento turbulento. Introdução ao pensamento de Edgar Morin”).
Segue o artigo.
Quando um sistema é incapaz de tratar os seus problemas vitais, se degrada ou se desintegra ou então é capaz de suscitar um meta-sistema capaz de lidar com seus problemas: ele se metamorfoseia. O sistema Terra é incapaz de se organizar para resolver seus problemas críticos: perigos nucleares que se agravam com a expansão e, talvez, a privatização das armas atômicas; degradação da biosfera; economia mundial sem verdadeira regulação; retorno da fome; conflitos étnico-político-religiosos que tendem a se desenvolver em guerras de civilização.
O aumento e a aceleração destes processos podem ser considerados como o desencadeamento de um poderoso feedback negativo, um processo pelo qual um sistema se desintegra irremediavelmente.
A desintegração é provável. O improvável, mas possível é a metamorfose. O que é uma metamorfose? Nós vemos inúmeros exemplos no reino animal. A lagarta que se fecha num casulo começa um processo ao mesmo tempo de destruição e de auto reconstrução, como uma organização e uma forma de borboleta, diferente da lagarta, permanecendo a mesma. O nascimento da vida pode ser concebido como a metamorfose de uma organização físico-química, que, tendo chegado a um ponto de saturação, cria a meta-organização viva que, embora tendo os mesmos aspectos físico-químicos, produz novas qualidades.
A formação das sociedades históricas – no Oriente Médio, na Índia, na China, no México, no Peru – constitui uma metamorfose a partir de um conjunto de antigas sociedades de caçadores-coletores, que produziu as cidades, o Estado, as classes sociais, a especialização do trabalho, as grandes religiões, a arquitetura, as artes, a literatura e a filosofia. E também as piores coisas: a guerra e a escravidão. A partir do século XXI se coloca o problema da metamorfose das sociedades históricas em uma sociedade-mundo de um novo tipo, que englobará a ONU, sem suprimi-la. Porque a continuação da história, isto é, das guerras, por parte dos Estados com armas de destruição em massa, leva à destruição da humanidade. Ainda que, para Fukuyama, sejam as capacidades criativas da evolução humana que se esgotaram com a democracia representativa e a economia liberal, devemos pensar que, ao contrário, é a história que se esgota e não as habilidades criativas da humanidade.
A ideia de metamorfose, mais rica do que a ideia de revolução, guarda a radicalidade transformadora, mas a liga à conservação (da vida, do patrimônio cultural). Para ir rumo à metamorfose, como mudar de caminho? Mas se parece possível corrigir alguns males, é impossível romper a lógica técnico-científico-econômico-civilizacional que leva o planeta ao desastre. No entanto, a História humana mudou muitas vezes de caminho. Tudo recomeça por uma inovação, uma nova mensagem desviante, marginal, pequena, muitas vezes invisível para os contemporâneos. Assim começaram as grandes religiões: budismo, cristianismo, islamismo. O capitalismo se desenvolveu parasitando as sociedades feudais para finalmente decolar e, com a ajuda de monarquias, desintegrá-las.
A ciência moderna formou-se a partir de algumas mentes desviantes dispersas, Galileu, Bacon, Descartes, e então criou suas redes e associações, se introduziu nas universidades no século XIX, e depois, no século XX nas economias e nos Estados para se tornar um dos quatro poderosos motores da nave espacial Terra. O socialismo nasceu de algumas mentes autodidatas e marginalizadas no século XIX para se tornar uma formidável força histórica no século XX. Hoje, tudo tem que ser repensado. Tudo deve recomeçar.
Com efeito, tudo começou, mas sem que se soubesse. Estamos no estágio de começos, modestos, invisíveis, marginais, dispersos. Porque já existe, em todos os continentes, uma efervescência criativa, uma multiplicidade de iniciativas locais, em conformidade com a revitalização econômica, ou social, ou política, ou cognitiva, ou educacional ou ética, ou da reforma da vida.
Estas iniciativas estão isoladas, nenhuma administração as leva em conta, nenhum partido toma conhecimento delas. Mas elas são o viveiro do futuro. Trata-se de reconhecê-las, inventariá-las, cotejá-las, catalogá-las, combiná-los e de conjugá-las em uma pluralidade de caminhos reformadores. São estes caminhos múltiplos que podem, através de um desenvolvimento conjunto, se combinar para formar o novo caminho que nos levaria em direção à metamorfose ainda invisível e inconcebível. Para desenvolver formas que vão desembocar no Caminho, é preciso identificar alternativas limitadas, que limitam o mundo do conhecimento e do pensamento hegemônicos. Assim, é preciso ao mesmo tempo globalizar e desmundializar, crescer e diminuir, desenvolver e envolver.
A orientação mundialização/desmundialização significa que, se é preciso multiplicar os processos de comunicação e de planetarização culturais, é preciso que se constitua uma consciência da Terra-Pátria, mas também é preciso promover, de maneira desmundializante, a alimentação de proximidade, os artesanatos locais, as lojas locais, a jardinagem suburbana, as comunidades locais e regionais.
A orientação “crescimento/decrescimento” significa que precisamos aumentar os serviços, as energias verdes, os transportes públicos, a economia plural capaz de incluir a economia social e solidária, o desenvolvimento da humanização das megacidades, a pecuária orgânica, mas diminuir as intoxicações consumistas, a alimentação industrializada, a produção de objetos descartáveis e não consertáveis, o tráfego de automóvel, o tráfego de caminhões (em benefício do transporte ferroviário).
A orientação desenvolvimento/envolvimento significa que o objetivo não é mais fundamentalmente o desenvolvimento de bens materiais, da eficiência, da rentabilidade, do cálculo; é também o retorno de cada um às necessidades interiores, o grande retorno à vida interior e ao primado da compreensão do outro, do amor e da amizade.
Já não basta mais apenas denunciar. Precisamos propor. Não basta apelar à urgência. É preciso saber também começar a definir os caminhos que levarão ao Caminho. É para isso que estamos tentando contribuir. Quais são as razões para ter esperança? Podemos formular cinco princípios de esperança.
1. O surgimento do improvável. Assim, por duas vezes a vitoriosa resistência da pequena Atenas à formidável força dos persas, cinco séculos antes da nossa era, foi altamente improvável e permitiu o nascimento da democracia e da filosofia. Igualmente inesperado foi o congelamento da ofensiva alemã diante de Moscou, no outono de 1941, e depois a contra-ofensiva vitoriosa de Jukov que começou em 5 de dezembro e, depois, no dia 8 de dezembro com o ataque a Pearl Harbor, que marcou a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.
2. As virtudes geradoras/criadoras inerentes à humanidade. Assim como existem em qualquer organismo humano adulto células-tronco dotadas de habilidades polivalentes (totipotentes) próprias às células embrionárias, mas inativas, existem em cada ser humano, em cada sociedade humana, virtudes regeneradoras, geradoras e criativas em estado dormente ou inibidas.
3. As virtudes da crise. Ao mesmo tempo em que forças regressivas e desintegradoras, as forças criadoras despertam na crise planetária da humanidade.
4. Com o que se combinam as virtudes do perigo: “Aí onde cresce o perigo cresce também o que salva”. A chance suprema é inseparável do risco supremo.
5. A aspiração multimilenar da humanidade à harmonia (paraíso, depois utopias, depois ideologias libertárias/socialistas/comunistas, depois aspirações e revoltas juvenis dos anos 1960). Esta aspiração renasce no formigueiro de iniciativas múltiplas e dispersas que alimentarão o caminho da reforma, consagradas a se unirem ao novo caminho.
A esperança estava morta. As gerações mais velhas estão decepcionadas com falsas esperanças. As gerações mais jovens se desconsolam com o fato de que não haja mais causas como a nossa resistência durante a Segunda Guerra Mundial. Mas a nossa causa trazia em si o seu contrário. Como disse Vasily Grossman de Stalingrado, a maior vitória da humanidade foi ao mesmo tempo a sua maior derrota, desde que o totalitarismo stalinista saiu vitorioso. A vitória das democracias restabeleceu no mesmo ato seu colonialismo. Hoje, a causa é inequivocamente sublime: trata-se de salvar a humanidade.
A verdadeira esperança sabe que não tem certeza. É a esperança não no melhor dos mundos, mas em um mundo melhor. A origem está diante de nós, disse Heidegger. A metamorfose seria efetivamente uma nova origem.

Texto 4 - Terra e Humanidade: uma comunidade de destino

Adaptado de http://bit.ly/1tGIWKt

"Estamos vivendo agora a idade de ferro da noosfera, cheia de contradições", escreve Leonardo Boff, teólogo. Segundo ele, estamos "apenas do começo de uma nova etapa da história, a etapa da Terra unida com a Humanidade (que é a expressão consciente da Terra). Ou a etapa da Humanidade (parte da Terra) unida à  própria Terra, constituindo juntas uma única entidade una e diversa chamada de Gaia ou de Grande Mãe".
Eis o artigo.
Seguramente o aquecimento global comporta graves conseqüências. No entanto, numa perspectiva mais filosofante, ele não se destinaria a destruir o projeto planetário humano mas obriga-lo a elevar-se a um patamar mais alto para que seja realmente planetário. Urge passar do local ao global e do nacional ao planetário.

Se olharmos para trás, para o processo da antropogênese, podemos seguramente dizer: a crise atual, como as anteriores, não nos levará à morte mas à uma integração necessária da Terra com a Humanidade. Será a geosociedade. Neste caso, estaríamos então, face a um sol nascente e não a um sol poente.
 

Tal fato objetivo comporta um dado subjetivo: a irrupção da consciência planetária com a percepção de que formamos uma única espécie, ocupando uma casa comum com a qual formamos uma comunidade de destino. Isso nunca ocorreu antes e constitui o novo da atual fase histórica.

Inegavelmente há um processo em curso que já tem bilhões de anos: a ascensão rumo à consciência. A partir de
geosfera (Terra) surgiu a hidrosfera (água), em seguida a litosfera (continentes), posteriormente a biosfera (vida), aantropofesfera (ser humano) e para os cristãos a cristosfera (Cristo). Agora estaríamos na iminência de outro salto na evolução: a irrupção da noosfera que supõe o encontro de todos os povos num único lugar, vale dizer, no planeta Terra e com a consciência planetária comum. Noosfera como a palavra sugere (nous em grego significa mente e inteligência), expressa a convergência de mentes e de corações dando origem a uma unidade mais alta e complexa.
O que, entretanto, nos falta é uma Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade que coordene as consciências e faça convergir as diferentes políticas. Até agora nos limitávamos a pensar no bem comum de cada pais. Alargamos o horizonte ao propor uma Carta dos Direitos Humanos. Esta foi a grande luta cultural do século XX. Mas agora emerge a preocupação pela Humanidade como um todo e pela Terra, entendida não como algo inerte, mas como um superorganismo vivo do qual nós humanos somos sua expressão consciente. Como garantir os direitos da Terra junto com os da Humanidade? A Carta da Terra surgida nos inícios do século XXI procura atender a esta demanda.

A crise global nos está exigindo uma governança global para coordenar soluções globais para problemas globais. Oxalá não surjam centros totalitários de comando mas uma rede de centros multidimensionais de observação, de análise, de pensamento e de direção visando o bem  viver geral.

Trata-se apenas do começo de uma nova etapa da história, a etapa da Terra unida com a Humanidade (que é a expressão consciente da Terra). Ou a etapa da Humanidade (parte da Terra) unida à  própria Terra, constituindo juntas uma única entidade una e diversa chamada de
 Gaia ou de Grande Mãe.

Estamos vivendo agora a idade de ferro da
 noosfera, cheia de contradições. Mas mesmo assim, cremos que todas as forças do universo conspiram para que  ela se firme. Para ela está marchando nosso sistema solar, quem sabe a inteira galáxia e até este tipo de  universo, pois, segundo a teoria das cordas, pode haver outros, paralelos. Ela é frágil e vulnerável mas carregada de novas energias, capazes de moldar um novo futuro. Talvez a noosfera seja agora somente uma chama tremulante. Mas ela representa o que deve ser. E o que deve ser tem força. Tende a se realizar.

Texto 5 – Cântico das Criaturas


Altíssimo,
Onipotente,
Bom Senhor!
Teus são o louvor, a glória, a honra e toda a bênção.
Louvado sejas, meu Senhor,
com todas as tuas criaturas,
especialmente o senhor irmão Sol, que clareia o dia
e que com sua luz nos ilumina.
Ele é belo e radiante, com grande esplendor
de ti, Altíssimo, é a imagem.
Louvado sejas, meu Senhor,
pela irmã Lua e pelas estrelas,
que no céu formaste, claras, preciosas e belas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelo irmão vento, pelo ar e pelas nuvens,
pelo sereno e todo tempo
com que dás sustento às tuas criaturas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pela irmã água, útil e humilde, preciosa e casta.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelo irmão fogo, pelo qual iluminas a noite.
Ele é belo e alegre, vigoroso e forte.
Louvado sejas, meu Senhor,
por nossa irmã, a mãe terra,
que nos sustenta e governa,
produz frutos diversos, flores e ervas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelos que perdoam, pelo teu amor,
e suportam as enfermidades e as tribulações.
Louvado sejas, meu Senhor,
por nossa irmã, a morte corporal,
de quem homem algum pode escapar.
Louvai todos e bendizei ao meu Senhor,
dai-lhe graças e servi-o com grande humildade.

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