Escola
de Formação Fé, Política e Trabalho 2014.ano11
Sociedade
sustentável:
por um novo
paradigma civilizacional capaz
de contribuir à sustentabilidade do Planeta e da sociedade
Professor
Gilberto A. Faggion – gfaggion@terra.com.br
Texto 1 - O Brasil no contexto da crise civilizacional
Texto adaptado de http://bit.ly/1ubeixX , de uma análise de conjuntura realizada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU
A
percepção que orienta essa análise sintetiza-se na formulação
de Edgar
Morin de
que “nossa época de mudanças tornou-se uma mudança de época”,
ou ainda na intuição de Gramsci resgatada
por Zygmunt
Bauman,
de que “a crise consiste precisamente no fato de que o velho está
morrendo e o novo ainda não nasceu: neste interregno surge uma
grande variedade de sintomas mórbidos”. O novo está em
disputa e é dessa disputa que sobrevirá ou não um projeto
emancipatório.
A
crise que denominamos de civilizacional ou epocal manifesta-se nas
crises econômica, ecológica, alimentar,
energética e do trabalho. Acrescente-se ainda que o conjunto dessas
crises é também acompanhado por uma crise ético-cultural, ou seja,
não se trata apenas de uma crise ancorada nas relações de
produção, mas também e sobretudo uma crise do sentido humano que
emerge nessa transição de século.
A
crise civilizacional exige uma interpretação sist.
êmica.
As crises não estão isoladas e requerem uma abordagem a partir do
paradigma da complexidade, como propõe Morin.
Trata-se de perceber que “não só a parte está no todo, mas
também que o todo está na parte”. Tudo está interligado,
entrelaçado, e há uma interdependência entre as crises. Nossos
problemas não podem mais ser concebidos como separados uns dos
outros.
Sob
a perspectiva metodológica, propõe-se aqui uma interpretação da
crise a partir do movimento social, sobretudo dos “novos movimentos
sociais” – indígena, ambientalista, de gênero,
anti-globalização. Esses “novos movimentos”, entre outros,
sugerem que no interior da crise já se gestam alternativas que
indicam que “outro mundo é possível”. Esses novos movimentos
manifestam uma “metamorfose” em curso: “Tudo recomeça por uma
inovação, uma nova mensagem desviante, marginal, pequena, muitas
vezes invisível para os contemporâneos”, diz Morin.
Os
novos movimentos sociais auxiliam ainda na compreensão de que a
chave de saída da crise encontra-se, sobretudo, na categoria
cultura. Frente ao “sujeito” da primeira modernidade,
assiste-se à emergência da “subjetividade”. Frente aos
temas da política e da economia, emerge o tema da cultura.
Segundo Touraine,
hoje “as mudanças são tão profundas que nos levam a afirmar que
um novo paradigma está em vias de substituir o paradigma social,
assim como este tomou o lugar do paradigma político”. As
categorias sociais da sociedade industrial, da primeira modernidade,
tornaram-se insuficientes para a compreensão da sociedade de hoje. A
intuição de Touraine,
é que hoje as “categorias culturais substituem as categorias
sociais, onde as relações de cada um consigo mesmo são tão
importantes quanto eram, outrora, a conquista do mundo”.
Com
a modernidade, surge o conceito da autonomia, o direito de recusa
daquilo que sempre foi considerado como natural e de conceder-se sua
própria lei – o primado do individualismo: “a liberdade de cada
um imprimir sua exterioridade com o selo de sua individualidade para
nela poder reconhecer-se e fazer-se reconhecer”, afirma Monod. A
modernidade caracteriza-se pelo protagonismo do sujeito. A novidade
agora, na segunda modernidade, ou pós-modernidade, é o fato da
subjetividade “substituir” o sujeito. Agora, os interesses
próprios, subjetivos, são o que irrigam a maior parte da
cultura cotidiana.
Atente-se,
porém, que a nova subjetividade apresenta também aspectos
emancipatórios. É nessa outra subjetividade que aos poucos vai se
constituindo que surgem as novas resistências. Basta pensar aqui nos
novos movimentos sociais, nas redes sociais, no movimento
ambientalista, nos movimentos de expressão cultural, nos movimentos
de gênero, no movimento antiglobalização. A “subjetividade”
que substitui o “sujeito” não é necessariamente negativa. Se
por um lado, exacerba os imperativos do mercado, por outro, podem
também ser resistência a ele. A subjetividade da segunda
modernidade pode se traduzir em biopolítica - Foucault.
A
biopolítica é uma resposta ao biopoder, àquilo que escapa a
imposição da sociedade produtivista-consumista. É a idéia de uma
produção de poder a partir do poder que se exerce. Possibilita “uma
resposta biopolítica da sociedade: não mais os poderes sobre a
vida, mas potência da vida como resposta a esses poderes; em suma,
isso abre à insurreição e à proliferação da liberdade, à
produção de subjetividade e à invenção de novas formas de luta”,
destaca Antonio
Negri.
Crise
Civilizacional e suas manifestações
Crise ecológica
Crise ecológica
O
planeta Terra dá sinais cada vez mais reiterados e evidentes de
esgotamento. Os sistemas físicos e biológicos alteram-se
rapidamente como nunca antes aconteceu na história da civilização
humana. Desde o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC)
de fevereiro de 2007, já não há mais contestação de que o
responsável pela evolução acelerada da tragédia ambiental é a
ação antropogênica sobre a Terra. À época, o informe dos
pesquisadores e cientistas foi categórico e não deixou espaço para
dúvidas ao afirmar de forma contundente – o relatório utilizou a
expressão “inequívoca” – que o aquecimento global se deve à
intervenção humana sobre o planeta.
Destaque-se
que para muitos, as previsões do IPCC já
estão defasadas. O quadro hoje seria pior do que o alardeado pelos
cientistas no relatório de 2007. Estudo recente apresentado por
pesquisadores afirma que alguns limites planetários já foram
ultrapassados. Segundo o estudo três dos limites já foram
transgredidos: os do aquecimento global, a extinção de espécies e
o ciclo do nitrogênio. Outros quatro estão próximos: uso da água
doce, conversão de florestas em plantações, acidificação dos
oceanos e ciclo do fósforo.
Para
dados bem atuais sugere-se consultar o relatório Planeta
Vivo 2014,
divulgado pelo WWF,
em
http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/relatorio_planeta_vivo/.
A
“pegada ecológica” – indicador da pressão exercida sobre o
ambiente está muito forte. A média é 2,2 hectares, mas o espaço
disponível para regeneração (biocapacidade) é de apenas 1,8
hectares. Avançamos o sinal. Há quem diga que o estrago já foi
feito e ponto de retorno já passou. Na análise do
ambientalista James
Lovelock, Gaia –
o organismo vivo que é a Terra – está com febre e se nada, e
urgentemente, for feito esse quadro poderá evoluir para o estado de
coma.
É
o tipo de desenvolvimento econômico implantado, especialmente, ao
longo dos últimos dois séculos, baseado no paradigma do crescimento
econômico ilimitado, na idéia de progresso infinito e na concepção
de que os recursos naturais seriam inesgotáveis e de que a nossa
intervenção sobre a natureza se daria de maneira neutra que se
encontra a razão do impasse que vivemos. Na origem da crise
ecológica está o consumo desenfreado. O estilo de vida americano e
ocidental – reproduzido em grande parte do continente
latino-americano – não é compatível com as possibilidades do
nosso Planeta.
“Essa
crise ambiental não veio do nada. Não foi desastre natural, foi
causada por homens”, diz Nicholas
Stern.
Quando se pensa que uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz
suas necessidades sem diminuir as perspectivas futuras, como
define Lester
Brown,
percebe-se que o nosso modo de produção e de consumo está
comprometendo a vida das futuras gerações, ou seja, estamos
decidindo a sorte de quem virá depois de nós, deixando-lhes um
mundo árido, poluído e feio. Emerge com intensidade crescente a
consciência de que qualquer projeto radicalmente alternativo de
sociedade não pode desconsiderar a questão ecológica.
Crise
energética
Associada
à crise ecológica está imbricada a crise energética. A
civilização moderna é insaciável por energia. A voracidade por
energia está associada aos padrões sempre crescentes de produção
e consumo. A energia impostou-se no centro do desenvolvimento neste
século XXI. Não há país no mundo hoje que não esteja às voltas
com a questão energética, que tem hoje o potencial de estrangular
qualquer economia. O mundo necessita sempre mais de petróleo,
carvão, gás, eletricidade, energia nuclear e
agora biocombustíveis.
As
matrizes energéticas, via-de-regra, se produzem a partir de uma
lógica concentrada e concentradora, além de serem reféns do
gigantismo – basta pensar aqui nas gigantescas estruturas para
extração e refino de petróleo, nas hidrelétricas e usinas
nucleares.
As
matrizes energéticas centralizadoras, poluidoras e devastadoras do
meio ambiente – tributárias da sociedade industrial –,
apresentam enorme ameaças a biodiversidade e perigos à civilização
humana, particularmente no caso da energia nuclear. Cabe alertar que
essas matrizes energéticas pertencem cada vez mais ao passado e o
século XXI exigirá outras fontes de energia – renováveis e
limpas.
Na
realidade, em termos energéticos, a humanidade está passando da era
do petróleo para uma era em que a produção de energia se dará em
escala descentralizada e com impactos menores sobre o ambiente. A
nova economia tendo como paradigma a Revolução Informacional, que
está deixando para trás a Revolução Industrial, potencializa a
gestação de um novo tipo de organização produtiva menos poluidora
e com potencial descarbonizador. Essa nova economia potencializa
novas matrizes energéticas que podem oportunizar inclusive a criação
de outro tipo de empregos.
O
pesquisador Jeremy
Rifkin nos
dá uma ideia do que está por vir: “Estamos no início da terceira
revolução industrial: no período dos próximos trinta anos tudo
mudará como mudou quando o vapor foi substituído pela eletricidade.
Desta vez, quem vencerá será a intergrid,
a Internet da energia: uma rede elétrica interativa e
descentralizada, que transformará milhões de consumidores em
pequenos produtores de energia criando um sistema mais confiável,
mais seguro e mais democrático. Os edifícios serão envoltos em
fotovoltaicos e, em vez de sugar a energia, produzirão. Os motores
dos automóveis poderão, por sua vez, transformarem-se em
mini-centrais, os tetos dos pavilhões beberão a energia solar com
seus painéis e a restituirão. Uma parte da eletricidade será
consumida diretamente no local de produção, reduzindo a dispersão.
É uma revolução radical que mudará toda a arquitetura do nosso
sistema produtivo. E quem compreender isso primeiro guiará o novo
salto industrial”.
Segundo
ele, “o século que apenas se iniciou é o século da terceira
revolução industrial. O século da Internet e a energia soft que é
produzida a partir de baixo, nos bairros, nas casas, se articulando
em rede, com entrada e saída, os fluxos de informação e da
energia. É um modelo descentrado, democrático, mais confiável
tanto do ponto de vista dos custos quanto daquele da independência
da produção”.
A
nossa civilização centrada no petróleo, e pode-se acrescentar aqui
as megas hidrelétricas e usinas nucleares, não se justificam mais,
são tributárias de uma sociedade que está ficando para trás.
Neste
aspecto, o Brasil em vez de assumir a vanguarda no processo de
descarbonização da economia, investe em matrizes superadas –
grandes hidrelétricas como as do Rio Madeira e de Belo Monte. Essas
grandes obras implicam em grandes inundações de terras, em
significativos deslocamentos de pessoas e em devastação ambiental
gigantesca e sucessivos apagões. Essa é também a lógica
subjacente aos agrocombustíveis que utilizam grandes extensões de
terra, produção em larga escala, avançando sobre terras
agricultáveis e voltadas para suprir preferencialmente o mercado
externo. É nesse mesmo sentido que se deve olhar criticamente o
pré-sal.
Crise
alimentar
A
crise energética, com graves repercussões ao meio ambiente,
apresenta implicações também para a crise alimentar. A Agência
das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação – FAO afirma
que a produção de biocombustíveis priva o mundo de quase 100
milhões de toneladas de cereais, que poderiam ser destinados à
alimentação. A opção pela ampliação de áreas cultiváveis para
produção de biocombustível rouba áreas da agricultura de
subsistência.
O
‘Seminário Internacional Agrocombustíveis como obstáculo à
construção da Soberania Alimentar e Energética’ realizado por
movimentos sociais denunciou que “o modelo de agricultura
industrial, onde se inserem os agrocombustíveis, é intrinsecamente
insustentável, pois apenas se viabiliza através da expansão das
monoculturas, da concentração de terras, do uso intensivo de
agroquímicos, da superexploração dos bens naturais comuns como a
biodiversidade, a água e o solo. Os agrocombustíveis representam
uma grave ameaça à produção de alimentos”.
O
‘Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar’ passou a denominar os
biocombustíveis de agrocombustível. Na análise dos movimentos
sociais do campo, o programa de matriz energética a partir do álcool
não deve ser chamado de biocombustível e muito menos de biodiesel.
Para os movimentos, "a expressão `bio` que relaciona energia à
vida, de forma genérica, é uma clara manipulação de um conceito
que não existe. Devemos adotar sim, em todos os idiomas, o conceito
de agro-combustíveis".
Os
movimentos denunciam que o crescimento da monocultura em países em
desenvolvimento e pobres tem como objetivo a manutenção do padrão
de consumo american way of life e isso significa em última instância
"tanques cheios a custas de barrigas vazias". A questão de
fundo posta pelos movimentos sociais é se as terras do planeta se
destinarão preferencialmente a atender aos cerca de 800 milhões de
proprietários de automóveis, ou à garantia da segurança alimentar
mundial do 1 bilhão de pessoas que passam fome no mundo.
“Já
que não saiu a Alca, vamos de álcool”, afirmou Brian
Dean,
diretor-executivo da Comissão Interamericana de Etanol (CIE)
do então governo Bush.
Os EUA falam em reduzir o consumo de petróleo em 20% nos próximos
dez anos substituindo-o pelo etanol, e querem o Brasil como parceiro
preferencial na criação de um mercado hemisférico de etanol. É
nessa perspectiva que deve ser compreendida o incentivo do governo
brasileiro para que países da América
Central, do Caribe e
da África passem a produzir etanol para abastecer os países do
norte. A lista da América Latina e Caribe tem como países elencados
pelos americanos como potenciais produtores de etanol os seguintes
países: Peru, Colômbia, El Salvador, Honduras, Guatemala, São
Cristóvão e Névis, República Dominicana e Haiti.
Destaque-se
ainda que a produção do etanol em larga escala apresenta como
consequência a exploração do trabalho humano, muitas
vezes em condições análogas à escravidão. A cana-de-açúcar
traz consigo miséria e condições de trabalho aviltantes para um
grande contingente de trabalhadores.
A
crise alimentar serve ainda de pretexto para uma ofensiva dos
defensores de uma nova “revolução verde” a partir dos
organismos geneticamente modificados – OGMs.
As indústrias de biotecnologia vendem os transgênicos, com a
promessa de que a sua produtividade e adaptabilidade é a grande
solução para a fome. Esconde-se na maioria das vezes que os
transgênicos sequer estão destinados à alimentação humana, e
além da exigência de grandes extensões de terra, consomem enorme
quantidade de água e demandam uso intensivo de fertilizantes que
causam estragos ambientais, muitos deles irreversíveis.
Na
realidade, cresce em todo o mundo a desconfiança sobre os
transgênicos. “Governos, produtores e consumidores por todo o
mundo reconhecem cada vez mais que a engenharia genética não é
confiável, nem viável, além de ser perigosa”, afirma Jeremy
Tager,
do Greenpeace Internacional.
Sobre
a fome do mundo, registre-se que sua obscenidade se torna ainda maior
quando se sabe que no mundo de hoje há mais comida do que em
qualquer outro momento da história da humanidade; temos 7,3 bilhões
de habitantes, e produzimos mais de 2 bilhões de toneladas de grãos,
o que significa que produzimos quase um quilo de grãos por pessoa e
por dia no planeta, amplamente suficiente para alimentar a todos;
segundo a FAO o
mundo precisaria de US$ 30 bilhões por ano para lutar contra a fome,
recursos que significam apenas uma fração do US$ 1,1 trilhão
aprovado peloG20 para
lidar com a recessão mundial; 65% dos famintos vivem em somente sete
países; no mesmo momento em que 1 bilhão de pessoas estão passando
fome, outro 1 bilhão sofre de obesidade por excesso de consumo; uma
criança americana consome o equivalente a 50 crianças africanas da
região subsaariana.
Muitos
pensam que o problema da fome se deve ao excesso da população, de
que não há alimentos para todos e se faz necessário o controle da
natalidade. Essa tese não se justifica. A FAO há
vinte anos afirma que o problema é político. A fome é um problema,
sobretudo, de acesso à comida e não de disponibilidade de
alimentos, ou seja, a crise alimentar não é uma crise
fundamentalmente de produção, mas de distribuição. O problema
está no mercado.
A
razão para o aumento da fome está ainda associada, entre outros
fatores, a crise econômica (leia-se especulação das grandes
corporações com os alimentos que chamam de commodities), às
mudanças climáticas que provocam em alguns momentos inundações e,
em outros, secas terríveis, e ao aumento das controvertidas
plantações para produzir combustível, que rouba áreas da
agricultura de subsistência.
A
crise alimentar está também associada aos escandalosos subsídios
concedidos aos fazendeiros dos países ricos. Existe muito dinheiro
para subsidiar a agricultura dos que já tem muito e pouco, ou quase
nada, para os países pobres que mais precisam. Nas últimas décadas,
o livre comércio e as políticas neoliberais favoreceram e
incrementaram o agronegócio, em detrimento da agricultura familiar,
da reforma agrária, da produção ecológica. A globalização não
significou o livre comércio de comida de alguns países para outros.
Pelo contrário, ela esmaga os países que podem produzi-la.
Crise
econômica
A
origem das crises anteriores encontra-se no fato de que economia
deixou de ser a “serva” da sociedade para se tornar a sua
“senhora”, a “grande transformação” de que nos fala Karl
Polanyi.
Impulsionada pela ideia de progresso linear e quantitativo assentado
sobre o crescimento econômico e recursos naturais ilimitados, a
economia, na sociedade industrial, foi se desvencilhando
gradativamente da ética e da política e passou a ser orientada e
regida tão somente pelo mercado. Ainda mais, para além ruptura da
relação entre economia e sociedade, também a ligação entre
economia e ambiente foi se desfazendo.
Hoje,
portanto, já não podemos mais dar centralidade apenas a economia
para depois nos ocupar das outras crises. A questão fulcral diz
respeito ao esgotamento do modelo de desenvolvimento criado e
incrementado na sociedade industrial baseado em uma visão linear,
progressiva, infinita e redutora de desenvolvimento, e que tem no
consumo desenfreado a sua mola propulsora.
Por
outro lado, a crise econômico-financeira que estalou nos Estados
Unidos em agosto de 2007 – que arrastou o mundo para uma recessão
levando milhares ao desemprego – apresenta-se com a novidade de que
a mesma estourou completamente a dicotomia – ainda cara a muitas
esquerdas – de economia real versus economia financeira. “Hoje
nossas vidas estão inteiramente no processo de financeirização:
quando usamos o cartão de crédito ou o cheque especial, quando
recorremos a empréstimos para ter acesso a necessidades fundamentais
(casa, formação, mobilidade, e principalmente a saúde), quando uma
parte dos salários é paga em stock
option (ações)
ou as pensões se tornam fundos de investimentos”, destaca Gigi
Roggero.
Segundo
ele, “para a economia clássica e moderna, a financeirização e a
crise intervinham no final do ciclo, após a expansão da economia
real ligada à afirmação de um modelo produtivo. Hoje, a
financeirização não só recobre o ciclo econômico inteiro, mas
põe em discussão a própria categoria de ciclo”. Logo, diz
Roggero, “a crise, longe de estar confinada a uma fase descendente
do ciclo e de preparar uma nova expansão, tornando-se impulsionadora
de uma dinâmica de crescimento, não é mais somente um dado
estrutural do desenvolvimento capitalista, mas torna-se seu elemento
permanente e insuperável”. De certa forma, foi a obsessão pelo
consumo da sociedade americana (imóveis, carros, bens duráveis) que
lançou o mundo na crise.
O
mesmo afirma Carlo
Vercellone para
quem a relação entre capital produtivo versus capital financeiro já
não existe mais. Segundo ele “insistir nas finanças como se se
tratasse de um poder autônomo quase absoluto, tende a fazer esquecer
a compenetração entre capital financeiro e capital produtivo e as
outras causas socioeconômicas que estão na origem da crise
sistêmica do capitalismo contemporâneo”. Esclarecendo melhor, o
que agora precisa ser compreendido é que a financeirização não é
mais um processo externo à produção, mas constitui, ao contrário,
sua forma econômica real.
Nesse
sentido, “a financeirização – longe de contrapor-se à economia
real – é a forma da economia capitalista apta para exercer o
comando sobre o trabalho cognitivo e sobre a produção do saber
vivo”, afirma Gigi
Roggero;
ou seja, a financeirização da economia já se configura como um
novo estágio de apropriação do capital pelo trabalho imaterial que
se realiza. Aí está o cerne da crise.
Na
opinião de Andrea
Fumagalli,
economista, o que é preciso compreender é que “atualmente os
mercados financeiros são o coração pulsante do capitalismo
cognitivo. Eles financiam a atividade da acumulação: a liquidez
atraída para os mercados financeiros recompensa a reestruturação
da produção que visa à exploração do conhecimento e ao controle
de espaços externos aos negócios tradicionais”.
Por
outro lado, junto com a crise, os mitos econômicos vendidos como
verdades irrefutáveis caíram por terra. Tardiamente há um
reconhecimento – de algo que há muitos anos vem afirmando o
movimento social – de que o mercado precisa ser regulado. A tese
liberal do mercado como aquele que se autorregula se mostrou uma
falácia. Os que ousavam criticar a desregulação financeira eram
vistos como ‘atrasados’, entretanto, a própria Meca do
liberalismo, os EUA, que impuseram as exortações do ‘pensamento
único’ ao mundo, reconheceu que o mercado precisa de um mínimo de
regulação. A maior potência econômica do mundo, os EUA, reconhece
que a sua cruzada em defesa das virtudes do liberalismo esgotou-se.
Os anos dourados do neoliberalismo e as orientações do ‘Consenso
de Washington’ entraram em crise, ao menos do ponto de vista
ideológico.
Ao
mesmo tempo, a crise não é apenas de macro teoria, é também de
natureza ética. Todo sistema histórico de organização da
sociedade necessita de uma base de legitimação moral. Com a crise
rompeu-se a ética de um sistema fundado em valores que decorrem da
máxima “vícios privados, benefícios públicos”, ou seja, a
idéia de Bernard
de Mandeville,
de que a sorte dos demais é, em última instância, uma manifestação
do nosso amor-próprio, do nosso auto-interesse. A tese do egoísmo
como virtude exposta por Adam
Smith ao
destacar que a busca compulsiva do próprio interesse conspiraria
para a elevação do bem-estar da sociedade falhou. A cobiça
desmedida dos agentes financeiros desatou a crise.
Nesta
perspectiva, assistiu-se ao retorno do protagonismo do Estado que
havia sido colocado de lado. O Estado deixou de ser o problema para
voltar a ser a solução. O Estado se tornou a tábua de salvação
do capitalismo – assistiu-se a um derrame de dinheiro público para
salvar bancos e fábricas. O dinheiro que nunca se tem para aplicar
na redução da pobreza e da desigualdade no mundo apareceu para
resgatar os interesses dos mais poderosos.
O
lado positivo da crise encontra-se na possibilidade do fim do
unilaterismo e na formação de um mundo multipolar e, sobretudo, no
revigoramento das teses do movimento antiglobalização. A
necessidade de controle do capital financeiro propugnada pela Attac –
que ganhou corpo ao longo das edições do Fórum Social Mundial
(FSM) retomou fôlego novamente.
Crise
do trabalho
As
condições de vulnerabilidade crescente, de grande parte da força
de trabalho do planeta, estão associadas a dois grandes movimentos
que impactaram o capitalismo mundial a partir do último quartel do
século XX e adentraram o século XXI: a substituição do processo
produtivo padronizado pelo processo flexível – a radical
transformação das forças produtivas e a reorientação do papel do
Estado, isto é, sua subordinação ao mercado, sobretudo financeiro.
Essas
mutações em curso no capitalismo, e o seu significado, assumem
diversas denominações na literatura sociológica: sociedade
pós-industrial, pós-fordista (Lazzarato; Negri; Virno;
Rulani),
capitalismo cognitivo (Vercellone;
Corsani;Moulier-Boutang; Cocco), sociedade
do conhecimento (Gorz),
sociedade informacional (Castells; Lojkine),
era do acesso (Rifkin),
segunda modernidade (Giddens),
pós-social (Touraine),
pós-modernidade (Harvey),
novo capitalismo (Sennett),
modernidade líquida (Bauman)
e sociedade do risco (Beck),
são alguns conceitos, entre outros, que não expressam
necessariamente uma oposição entre si mas, antes de tudo, formas
próximas para dar conta de conteúdo a um mesmo acontecimento: o
enfraquecimento do paradigma da sociedade industrial.
A
ruptura com a sociedade industrial, provocada pela reorganização
das forças produtivas, a erosão do Estado-Nação e o seu
(re)direcionamento para desfazer o contrato do bem-estar social,
estão na origem da nova Divisão Internacional do Trabalho (DIT)
e engendram três “novas” categorias de trabalhadores: os
integrados, os semi-integrados e os excluídos. No primeiro grupo,
estão os trabalhadores vinculados aos circuitos das redes mundiais
de produção – bem pagos, porém em número cada vez mais
reduzido; no segundo grupo, estão aqueles que se encontram em
situação de ‘risco’ – os que trabalham precariamente de forma
intermitente; e ,no terceiro grupo, estão os excluídos – aqueles
que estão fora da sociedade salarial, situam-se no mercado informal
e descobertos de qualquer rede de proteção social, a não ser as
políticas assistencialistas de mitigação da miséria – os
“inúteis para o mundo” de que fala Robert
Castel.
Uma
das alavancas que está na base da nova Divisão Internacional do
Trabalho, tem a ver com reorganização das forças produtivas – a
Revolução Tecnológica para uns, ou Revolução Informacional para
outros. Assiste-se agora a uma revolução das forças produtivas
comparável à mesma envergadura produzida pela Revolução
Industrial. Assiste-se a mudanças profundas que alteram
significativamente o modo produtivo e desorganizam o mundo do
trabalho que se conhece. A introdução de novas
máquinas-ferramentas, com mais recursos, incorporando tecnologia
informacional, é a novidade da Revolução Tecnológica. Sob a
perspectiva do processo produtivo, essa revolução assume um caráter
profundamente transformador. O caráter inovador da Revolução
Tecnológica/Informacional reside no fato de que ela supera o
tratamento que era dado à informação pela Revolução Industrial
anterior.
A
Revolução Tecnológica transformou o processo produtivo e o
trabalho. Na sociedade industrial, o trabalho insere-se na esfera da
reprodução, dispensa o conhecimento, está preconcebido e atende a
um padrão tecnológico e organizacional estruturado de antemão.
Agora, com a introdução das Novas Tecnologias da Comunicação e
Informação, as mudanças são significativas. Cada vez mais a
valorização do trabalho repousa sobre o conhecimento, sobre a
capacidade de interação com a máquina, superando a mera
subordinação.
Trata-se
do que se denomina de “sistema de produção de conhecimentos por
conhecimentos”. Na nova forma de se organizar o trabalho e
ativá-lo, busca-se a reconquista da parte do trabalho vivo que o
desenvolvimento histórico do capitalismo tentou aniquilar. São o
conhecimento, a competência lingüística, a cooperação singular,
que agregam valor ao processo produtivo ou seja, recursos imateriais,
destacam Negri e Hardt.
Em
síntese, a sociedade industrial, taylorista-fordista, mobilizou
massas enormes de trabalhadores e os empurrou para uma divisão
técnica do trabalho que lhes reservava tarefas simples e
repetitivas. O operário fordista é duplamente massificado: pela
reincidência diuturna a que é submetido, num processo produtivo
estandardizado, e pela negação de suas características pessoais,
subjetivas. Essa sociedade, entretanto, está em reviravolta.
O
agressivo ataque dos interesses econômicos ao mundo do trabalho é
outro fator que reconfigura a realidade do mundo do trabalho.
Assiste-se, nas últimas décadas, a uma ofensiva do capital frente
ao trabalho, que se manifesta no trinômio flexilibilização,
terceirização e precarização. A ordem do capital é
desregulamentar. Observa-se um processo de desregulamentação de
direitos, que compreende as iniciativas de eliminação de leis ou
outras formas de direitos, instituídos nos contratos coletivos, que
regulam as condições e as relações de trabalho. Trata-se da
eliminação, diminuição ou flexibilização dos direitos
existentes. O ataque à ‘normatização’ do trabalho é mundial e
está relacionado à nova ordem econômica internacional de corte
neoliberal.
Repensar
a organização social do trabalho é uma exigência da nova
realidade social. Aumenta a percepção de que o desemprego, a
informalidade, as situações de precarização do trabalho não é
algo meramente conjuntural, mas se tornou estrutural, ou seja, cada
vez mais a precarização é central e constitutivo à nova forma de
organização do sistema produtivo centrado na revolução
tecnológica. O capitalismo do ‘pleno emprego’ se tornou uma
quimera.
É preciso construir uma nova noção de trabalho que supere a visão meramente econômica, que divide a sociedade entre os que recebem e os que não recebem. Entre os que têm emprego e os que não o têm. É necessário e urgente discutir os ganhos de produtividade. A crise da sociedade salarial, do emprego, é uma ótima oportunidade para se pensar, debater e avançar em propostas que contribuam para outro paradigma civilizacional que tenha como referência a organização social do trabalho na perspectiva da inclusão social.
É preciso construir uma nova noção de trabalho que supere a visão meramente econômica, que divide a sociedade entre os que recebem e os que não recebem. Entre os que têm emprego e os que não o têm. É necessário e urgente discutir os ganhos de produtividade. A crise da sociedade salarial, do emprego, é uma ótima oportunidade para se pensar, debater e avançar em propostas que contribuam para outro paradigma civilizacional que tenha como referência a organização social do trabalho na perspectiva da inclusão social.
Texto 2 - Precisamos ultrapassar a economia e sair dela. Entrevista especial com Serge Latouche
Texto adaptado de http://bit.ly/1u1xigJ
"A
palavra decrescimento está sendo tomada literalmente. Não se trata
de um conceito, mas um slogan". A advertência é do filósofo e
economista Serge
Latouche na
mesa redonda promovida pelo Instituto
Humanitas Unisinos – IHU por
ocasião de sua vinda à Unisinos, na semana passada.
Segundo ele, um dos slogans mais nocivos e perversos do sistema capitalista é o desenvolvimento sustentável. "Para nos opormos a ele, cunhamos o termo decrescimento sustentável", encarado quase como uma blasfêmia, provoca. A ideia é criar uma sociedade de prosperidade sem crescimento, de abundância frugal. O pensador francês pondera que nossa sociedade individualista está fundada sobre o mercado.
Serge Latouche, além de economista, é sociólogo, antropólogo, professor emérito de Ciências Econômicas na Universidade de Paris-Sul (1984). É presidente da Associação dos Amigos da Entropia e presidente de honra da Associação Linha do Horizonte. É doutor em Filosofia, pela Universidade de Lille III (1975), e em Ciências Econômicas, pela Universidade de Paris (1966), diplomado em Estudos Superiores em Ciências Políticas pela Universidade de Paris (1963). Latouche é um dos históricos contribuidores da Revista du MAUSS (Movimiento AntiUtilitarista em Ciências Sociais), além de ser professor emérito também da Faculdade de Direito, Economia e Gestão Jean Monnet (Paris-Sul), no Instituto de Estudos do Desenvolvimento Econômico e Social (IEDs) de Paris.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em que sentido o decrescimento é viável em sociedades em desenvolvimento como o Brasil e a China, por exemplo? O conceito de decrescimento pode ser aplicado a países emergentes?
Serge Latouche - O fato de formular essa pergunta demonstra que o termo decrescimento não foi compreendido. A palavra decrescimento está sendo tomada literalmente. Não se trata de um conceito, mas um slogan. Esse slogan foi necessário porque estamos numa sociedade da comunicação, onde tudo passa por slogans e manipulação midiática. Um dos slogans mais nocivos e perversos do sistema é o desenvolvimento sustentável. Para nos opormos a ele, cunhamos o termo decrescimento sustentável. Esse slogan nasceu na França, numa sociedade muito desenvolvida, com sentido provocador, porque vivemos na religião do crescimento. Sua ideia é romper com a ideologia do crescimento. Assim, quando utilizamos a palavra decrescimento soa como uma blasfêmia. Isso leva as pessoas a se perguntarem como é possível dizer algo desse tipo.
Por trás do decrescimento há um projeto de um outro paradigma, de uma verdadeira sociedade alternativa à sociedade de crescimento. Trata-se de um projeto para romper com uma sociedade e construir outra que não esteja voltada para a religião do crescimento. Se quisermos ser rigorosos, teríamos que falar em acrescimento, assim como falamos em ateísmo. Evidentemente, é preciso falar no projeto de uma outra sociedade que deve crescer com a felicidade, qualidade do ar, da água, da alimentação. Queremos construir uma sociedade que chamo, agora, da abundância frugal, uma sociedade de prosperidade sem crescimento. Retomo, por isso, a ideia de Ivan Illich de sobriedade feliz. O projeto é construir uma sociedade ecossocialista, algo já formulado por André Gorz. Ele próprio aderiu à palavra decrescimento.
Projetos iguais
Se as sociedades hiperdesenvolvidas precisam sair da sociedade do desenvolvimento para reencontrarem o limite, as sociedades não desenvolvidas, que não é o caso do Brasil, têm interesse em não entrar nessa piada.
Isso não quer dizer que não deva crescer uma certa produção para satisfazer as necessidades, mas não devem entrar nessa ideia da produção infinita. O problema do Brasil está exatamente na lógica do crescimento infinito e na fase onde essa fé tem efeitos positivos, e não somente negativos. Na França já não há mais efeitos positivos, mas no Brasil, ainda sim.
Em muitos países a palavra decrescimento não é a mais apropriada. No contexto da África, por exemplo, eu não falaria de decrescimento, mas quando nós encontramos representantes da CONAE do Equador e Bolívia, em Bilbao, na Espanha, num congresso chamado de Decrescimento e bem-viver, imediatamente eles nos falaram que o projeto deve ser o mesmo do que o nosso.
IHU On-Line - É possível haver decrescimento numa época de tamanho crescimento e consumo tecnológico?
Serge Latouche - Esse é o grande desafio. Estamos em uma situação de esquizofrenia total, como dizem os psicólogos. Trata-se de uma dissonância cognitiva. Bastaria ver que ao mesmo tempo os responsáveis do planeta vão a Copenhagen e Cancun dizendo que temos que parar o crescimento. Reúnem-se em Toronto afirmando que a economia deve ser relançada.
IHU On-Line - Como o conceito do decrescimento é recebido pela Europa em crise econômica e sedenta por recuperar-se e continuar consumindo?
Serge Latouche - Mesmo sendo uma ideia importante e fortalecida pelo movimento do decrescimento, frente ao todo essa é uma parte infinitesimal. Mesmo os ecologistas e verdes, que normalmente deveriam aderir, estão muito divididos nesse ponto. Trata-se de uma minoria dentro dos verdes que apoiam com esse projeto do decrescimento. Há iniciativas locais na Itália, sobretudo, que tem obtido êxito e sucesso. Na França isso também pode ser observado, mas somente em nível de algumas cidades e projetos. Há um grande movimento na Europa contra a privatização da água. Não se chama movimento do decrescimento, mas movimento contra o capitalismo e a privatização.
IHU On-Line - Quais os caminhos para "deseconomizar o imaginário" das pessoas no século XXI?
Serge Latouche - As vias do Senhor são impenetráveis. Penso que o trabalho intelectual e de difusão dessas ideias tem um papel. Mas o mais importante para a transformação do imaginário são as vivências. O bom seria ver os exemplos pequenos que temos e que são interessantes, e que quase sempre obedecem à pedagogia das catástrofes. Percebemos que na Europa a vaca louca levou as pessoas a modificar seus hábitos alimentares. Quando eu estava no Japão, ficou claro que o fenômeno do tsunami, que ocasionou a ruptura dos reatores em Fukushima, provocou uma verdadeira efervescência para que as pessoas se interrogassem sobre a energia nuclear. Foi interessante porque a sociedade japonesa é tradicionalmente muito passiva. Como as catástrofes acontecem cada vez mais, infelizmente, vemos estiagem, enchentes, pandemias e doenças novas aparecerem. Tudo isso leva as pessoas a mudarem sua maneira de pensar.
IHU On-Line - A construção de uma sociedade do decrescimento aconteceria, então, através de atitudes individuais e um movimento através de rede? Isso aconteceria institucionalizado ou trata-se de um movimento aberto que depende da atitude individual?
Serge Latouche - Há de tudo. Sou um intelectual e não estou comprometido ou engajado em qualquer partido político. Não tenho nem intenção em criar partido político. Há gente que tentou me "empurrar" para isso, mas não aceitei. É verdade que nos próximos anos pode haver um incremento desse tipo de movimento. Precisamos dizer que os principais movimentos de decrescimento são compostos de jovens. Eles não gostam de que alguém diga-lhes o que deve ser feito. Organizam-se espontaneamente, como os indignados, por exemplo. A primeira ação que fazem é, quase sempre, marchas grandes atravessando países, a fim de sensibilizar as pessoas. Realizam acampamentos durante os encontros (meetings). Na França há dois partidos cujo decrescimento é sua bandeira fundamental, mas sua representatividade é ínfima. Não podemos impedir isso, e irmos contra a criação de tais iniciativas. Haverá, sempre, alguém que se motive a fazer tais ações. Tentamos aprofundar a reflexão sobre o decrescimento através da revista Entropia.
IHU On-Line - Apostando que o decrescimento depende de uma construção de sujeitos diversos, e que o neoliberalismo, o desenvolvimento infinito lembra uma antropologia egoísta, qual seriam as antropologias que dariam base a uma sociedade do decrescimento?
Serge Latouche - O importante da lógica da sociedade do decrescimento é que, efetivamente, saímos da antropologia do homo economicus e vamos cair naturalmente na antropologia com a tradição de Marcel Mauss, na lógica do vínculo social fundado sobre a tripla obrigação de dar, receber e devolver. Nesse ponto de vista, o movimento de decrescimento se encontra em continuidade com o pensamento de Mauss, um movimento antiutilitarista nas ciências sociais, que está bem representado no Brasil no Recife por Paulo Henrique Martins.
IHU On-Line - O que é uma sociedade convivial? A partir de Ivan Illich, qual é a relação entre convivialidade e felicidade?
Serge Latouche - Illich não intitulou seu livro sociedade convivial, mas convivialidade. Começou definindo o que ele chamava de instrumento convivial, oposto à técnica heteronômica que nos expropria de nossa capacidade de gerir nossa vida e que não podemos administrar, como é o caso das usinas atômicas ou da junção de autoestradas, que não são nunca coisas conviviais. Pelo contrário, uma bicicleta é algo convivial porque podemos consertá-la, ela não precisa de combustível, mas só do movimento gerado pelas pessoas. A bicicleta tem autonomia. As técnicas conviviais são inventadas não pela vontade de poder, mas por uma forma de amor para tornar mais fácil a vida dos outros, como a máquina de costurar, por exemplo.Ivan Illich escolheu o termo de convivialidade porque Aristóteles disse que a sociedade descansa sobre a philia, a amizade. Para os gregos esse é um sentimento muito forte e nós não o conhecemos mais. Esse vínculo de amizade aludido por Aristóteles e também Platão pressupunha que entre amigos tudo é em comum. Ocorre que hoje, entre nossos amigos, as coisas não são mais comuns. Vivemos numa sociedade que, a partir da modernidade, iniciou uma revolução individualista. Damos mais importância à vida privada do que à vida comum. O outro não é tão importante. Ao menos estamos bem conscientes de que o mercado não cria vínculos sociais. Trata-se de uma sociedade individualista fundada sobre o mercado que é quase um oxímoro, um paradoxo.
Ele tenta encontrar o que poderia substituir a philia num contexto moderno. Então ele teve essa ideia de convivialidade. Seria de alguma maneira uma philia de um grão inferior. Poderíamos definir a convivialidade como simpatia no sentido forte do termo, ou a empatia, ou para dizer de outro modo, podemos falar no termo de George Arouel, sociedade decente. Uma sociedade decente é uma sociedade que não humilha seus membros. Especialmente as pessoas do povo têm essa mentalidade, que Arouel chama de decência comum. Espontaneamente há coisas que essas pessoas não fazem. Basta lembrar do período de guerras, quando pessoas comuns tomaram atitudes extraordinárias e que salvaram vidas. Isso é decência comum. Uma sociedade onde isso não existe mais não é uma sociedade, e sim uma selva.
IHU On-Line - Considerando o cenário de crise financeira e econômica, muitos estudiosos falam na crise do capitalismo. O senhor concorda que o capitalismo está em crise e corre o risco de acabar, dando lugar a um sistema alternativo?
Serge Latouche - Sempre se diz que os jesuítas respondem uma pergunta com outra. Então, pergunto: o que é mesmo o capitalismo? A questão fundamental é que o capitalismo, como dizia Max Weber, é primeiro de tudo, um espírito. Sair do capitalismo não se trata de fazer uma revolução e tomar os palácios, mas, antes de tudo, sair do seu espírito. Isso é uma coisa que não se pode decidir assim, tão facilmente. Estou convencido de que o capitalismo sempre esteve em crise. O dia em que entramos no capitalismo, data que é impossível de precisar, começamos também a sair dele. Um dia teremos saído dele e não teremos percebido.
IHU On-Line - Quais suas expectativas para a Rio + 20? Que temas não podem deixar de ser discutidos? Quais as prioridades?
Serge Latouche - Os temas importantes são sempre os mesmos: o desregulamento climático, o fim do uso do petróleo, a destruição da biodiversidade, as enfermidades geradas pela poluição. O decrescimento, contudo, nunca entra na pauta, mas é fundamental, porque impacta em todos os setores da sociedade, como agricultura, indústria, a tecnociência e a ciência.
IHU On-Line - O senhor menciona convergências e divergência em relação ao resgate do conceito de economia civil, principalmente na Itália. Essa economia civil fala, inclusive, em civilizar o mercado, de bens relacionais. Poderia falar um pouco mais sobre essa ideia?
Serge Latouche - Há muitas convergências a partir da crítica à lógica da economia do mercado e da economia tal como ela se configurou. A divergência é, sobretudo, pelo fato que os adeptos dessa economia civil pensam que, de algum jeito, podemos voltar às origens da economia política, e não particularmente a Adam Smith, mas a antes, na Escola do Iluminismo Napolitano. Penso que na época da economia civil napolitana isso era importante, mas evoluiu na economia liberal inglesa. Penso que agora precisamos ultrapassar essa economia e pensar seriamente em sair dela. Isso é a principal divergência na medida em que isso lhes leva a assumir uma posição muito reformista. Eles querem desenvolver uma economia solidária, ética, que são coisas muito boas mas incompatíveis com a lógica do mercado. Nós favorecemos essa ética mas na ótica de não abolir somente, mas de reduzir o espírito do mercado. O que tem que ser abolido é o mercado como um todo. Voltando à escola italiana, menciono Stefano Bartolini, da Universidade de Siena. Ele escreveu um livro muito interessante chamado Manifesto da felicidade que segue totalmente a linha do decrescimento, diferente do que outros autores, como ZamagnI, por exemplo.
IHU On-Line - No Brasil existe o termo economia de baixo carbono. Nesse contexto surgem ideias de Georgescu Roegen. Que convergências e divergências há entre tais ideias e o decrescimento?
Serge Latouche - Não conheço essa ideia. O que se fala é em economia pós-carbono. Então, penso que... não penso. De fato a utilização desse termo provém de Georgescu. Por coincidência, um discípulo seu, Jacques Grinevald, seu assistente, fez conhecer na França seu trabalho e conseguiu publicar lá obras suas como O decrescimento. Creio que a primeira edição é de 1995. Ele não utiliza o termo "decrescimento", mas "declining". Contudo, ele disse que o decrescimento correspondia exatamente ao seu pensamento. Porém, é verdade que Georgescu Roegen não considerava a ideia de sair da economia, como eu.
IHU On-Line - Que método de pesquisa utiliza como pesquisador? Que pesquisas têm conduzido agora?
Serge Latouche - Antigamente consagrei-me à epistemologia através de meu primeiro livro, Epistemologia e economia, de 1973, um grosso volume que não se encontra mais. Parti do freudo-marxismo e cheguei a uma posição mais crítica, mais perto do marxismo que do freudismo. Depois lancei O Processo da ciência social e me ocupei bem mais de Habermas e dos conceitos da Escola de Frankfurt, a teoria crítica, além de Umberto Eco com a crítica da linguagem e A estrutura ausente. Minha caminhada foi uma crítica da economia política e de acesso ao real através da crítica do discurso.
IHU On-Line - Tem alguma sugestão de pesquisas que poderiam ser trabalhadas no Brasil?
Serge Latouche - A ideia de construir um futuro sustentável para o Brasil é um tema muito importante a ser trabalhado. Não podemos dissociar os problemas ecológicos dos problemas sociais.
Por Gilberto Faggion, Graziela Wolfart, Lucas Luz e Márcia Junges / Tradução: Susana Rocca
Segundo ele, um dos slogans mais nocivos e perversos do sistema capitalista é o desenvolvimento sustentável. "Para nos opormos a ele, cunhamos o termo decrescimento sustentável", encarado quase como uma blasfêmia, provoca. A ideia é criar uma sociedade de prosperidade sem crescimento, de abundância frugal. O pensador francês pondera que nossa sociedade individualista está fundada sobre o mercado.
Serge Latouche, além de economista, é sociólogo, antropólogo, professor emérito de Ciências Econômicas na Universidade de Paris-Sul (1984). É presidente da Associação dos Amigos da Entropia e presidente de honra da Associação Linha do Horizonte. É doutor em Filosofia, pela Universidade de Lille III (1975), e em Ciências Econômicas, pela Universidade de Paris (1966), diplomado em Estudos Superiores em Ciências Políticas pela Universidade de Paris (1963). Latouche é um dos históricos contribuidores da Revista du MAUSS (Movimiento AntiUtilitarista em Ciências Sociais), além de ser professor emérito também da Faculdade de Direito, Economia e Gestão Jean Monnet (Paris-Sul), no Instituto de Estudos do Desenvolvimento Econômico e Social (IEDs) de Paris.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em que sentido o decrescimento é viável em sociedades em desenvolvimento como o Brasil e a China, por exemplo? O conceito de decrescimento pode ser aplicado a países emergentes?
Serge Latouche - O fato de formular essa pergunta demonstra que o termo decrescimento não foi compreendido. A palavra decrescimento está sendo tomada literalmente. Não se trata de um conceito, mas um slogan. Esse slogan foi necessário porque estamos numa sociedade da comunicação, onde tudo passa por slogans e manipulação midiática. Um dos slogans mais nocivos e perversos do sistema é o desenvolvimento sustentável. Para nos opormos a ele, cunhamos o termo decrescimento sustentável. Esse slogan nasceu na França, numa sociedade muito desenvolvida, com sentido provocador, porque vivemos na religião do crescimento. Sua ideia é romper com a ideologia do crescimento. Assim, quando utilizamos a palavra decrescimento soa como uma blasfêmia. Isso leva as pessoas a se perguntarem como é possível dizer algo desse tipo.
Por trás do decrescimento há um projeto de um outro paradigma, de uma verdadeira sociedade alternativa à sociedade de crescimento. Trata-se de um projeto para romper com uma sociedade e construir outra que não esteja voltada para a religião do crescimento. Se quisermos ser rigorosos, teríamos que falar em acrescimento, assim como falamos em ateísmo. Evidentemente, é preciso falar no projeto de uma outra sociedade que deve crescer com a felicidade, qualidade do ar, da água, da alimentação. Queremos construir uma sociedade que chamo, agora, da abundância frugal, uma sociedade de prosperidade sem crescimento. Retomo, por isso, a ideia de Ivan Illich de sobriedade feliz. O projeto é construir uma sociedade ecossocialista, algo já formulado por André Gorz. Ele próprio aderiu à palavra decrescimento.
Projetos iguais
Se as sociedades hiperdesenvolvidas precisam sair da sociedade do desenvolvimento para reencontrarem o limite, as sociedades não desenvolvidas, que não é o caso do Brasil, têm interesse em não entrar nessa piada.
Isso não quer dizer que não deva crescer uma certa produção para satisfazer as necessidades, mas não devem entrar nessa ideia da produção infinita. O problema do Brasil está exatamente na lógica do crescimento infinito e na fase onde essa fé tem efeitos positivos, e não somente negativos. Na França já não há mais efeitos positivos, mas no Brasil, ainda sim.
Em muitos países a palavra decrescimento não é a mais apropriada. No contexto da África, por exemplo, eu não falaria de decrescimento, mas quando nós encontramos representantes da CONAE do Equador e Bolívia, em Bilbao, na Espanha, num congresso chamado de Decrescimento e bem-viver, imediatamente eles nos falaram que o projeto deve ser o mesmo do que o nosso.
IHU On-Line - É possível haver decrescimento numa época de tamanho crescimento e consumo tecnológico?
Serge Latouche - Esse é o grande desafio. Estamos em uma situação de esquizofrenia total, como dizem os psicólogos. Trata-se de uma dissonância cognitiva. Bastaria ver que ao mesmo tempo os responsáveis do planeta vão a Copenhagen e Cancun dizendo que temos que parar o crescimento. Reúnem-se em Toronto afirmando que a economia deve ser relançada.
IHU On-Line - Como o conceito do decrescimento é recebido pela Europa em crise econômica e sedenta por recuperar-se e continuar consumindo?
Serge Latouche - Mesmo sendo uma ideia importante e fortalecida pelo movimento do decrescimento, frente ao todo essa é uma parte infinitesimal. Mesmo os ecologistas e verdes, que normalmente deveriam aderir, estão muito divididos nesse ponto. Trata-se de uma minoria dentro dos verdes que apoiam com esse projeto do decrescimento. Há iniciativas locais na Itália, sobretudo, que tem obtido êxito e sucesso. Na França isso também pode ser observado, mas somente em nível de algumas cidades e projetos. Há um grande movimento na Europa contra a privatização da água. Não se chama movimento do decrescimento, mas movimento contra o capitalismo e a privatização.
IHU On-Line - Quais os caminhos para "deseconomizar o imaginário" das pessoas no século XXI?
Serge Latouche - As vias do Senhor são impenetráveis. Penso que o trabalho intelectual e de difusão dessas ideias tem um papel. Mas o mais importante para a transformação do imaginário são as vivências. O bom seria ver os exemplos pequenos que temos e que são interessantes, e que quase sempre obedecem à pedagogia das catástrofes. Percebemos que na Europa a vaca louca levou as pessoas a modificar seus hábitos alimentares. Quando eu estava no Japão, ficou claro que o fenômeno do tsunami, que ocasionou a ruptura dos reatores em Fukushima, provocou uma verdadeira efervescência para que as pessoas se interrogassem sobre a energia nuclear. Foi interessante porque a sociedade japonesa é tradicionalmente muito passiva. Como as catástrofes acontecem cada vez mais, infelizmente, vemos estiagem, enchentes, pandemias e doenças novas aparecerem. Tudo isso leva as pessoas a mudarem sua maneira de pensar.
IHU On-Line - A construção de uma sociedade do decrescimento aconteceria, então, através de atitudes individuais e um movimento através de rede? Isso aconteceria institucionalizado ou trata-se de um movimento aberto que depende da atitude individual?
Serge Latouche - Há de tudo. Sou um intelectual e não estou comprometido ou engajado em qualquer partido político. Não tenho nem intenção em criar partido político. Há gente que tentou me "empurrar" para isso, mas não aceitei. É verdade que nos próximos anos pode haver um incremento desse tipo de movimento. Precisamos dizer que os principais movimentos de decrescimento são compostos de jovens. Eles não gostam de que alguém diga-lhes o que deve ser feito. Organizam-se espontaneamente, como os indignados, por exemplo. A primeira ação que fazem é, quase sempre, marchas grandes atravessando países, a fim de sensibilizar as pessoas. Realizam acampamentos durante os encontros (meetings). Na França há dois partidos cujo decrescimento é sua bandeira fundamental, mas sua representatividade é ínfima. Não podemos impedir isso, e irmos contra a criação de tais iniciativas. Haverá, sempre, alguém que se motive a fazer tais ações. Tentamos aprofundar a reflexão sobre o decrescimento através da revista Entropia.
IHU On-Line - Apostando que o decrescimento depende de uma construção de sujeitos diversos, e que o neoliberalismo, o desenvolvimento infinito lembra uma antropologia egoísta, qual seriam as antropologias que dariam base a uma sociedade do decrescimento?
Serge Latouche - O importante da lógica da sociedade do decrescimento é que, efetivamente, saímos da antropologia do homo economicus e vamos cair naturalmente na antropologia com a tradição de Marcel Mauss, na lógica do vínculo social fundado sobre a tripla obrigação de dar, receber e devolver. Nesse ponto de vista, o movimento de decrescimento se encontra em continuidade com o pensamento de Mauss, um movimento antiutilitarista nas ciências sociais, que está bem representado no Brasil no Recife por Paulo Henrique Martins.
IHU On-Line - O que é uma sociedade convivial? A partir de Ivan Illich, qual é a relação entre convivialidade e felicidade?
Serge Latouche - Illich não intitulou seu livro sociedade convivial, mas convivialidade. Começou definindo o que ele chamava de instrumento convivial, oposto à técnica heteronômica que nos expropria de nossa capacidade de gerir nossa vida e que não podemos administrar, como é o caso das usinas atômicas ou da junção de autoestradas, que não são nunca coisas conviviais. Pelo contrário, uma bicicleta é algo convivial porque podemos consertá-la, ela não precisa de combustível, mas só do movimento gerado pelas pessoas. A bicicleta tem autonomia. As técnicas conviviais são inventadas não pela vontade de poder, mas por uma forma de amor para tornar mais fácil a vida dos outros, como a máquina de costurar, por exemplo.Ivan Illich escolheu o termo de convivialidade porque Aristóteles disse que a sociedade descansa sobre a philia, a amizade. Para os gregos esse é um sentimento muito forte e nós não o conhecemos mais. Esse vínculo de amizade aludido por Aristóteles e também Platão pressupunha que entre amigos tudo é em comum. Ocorre que hoje, entre nossos amigos, as coisas não são mais comuns. Vivemos numa sociedade que, a partir da modernidade, iniciou uma revolução individualista. Damos mais importância à vida privada do que à vida comum. O outro não é tão importante. Ao menos estamos bem conscientes de que o mercado não cria vínculos sociais. Trata-se de uma sociedade individualista fundada sobre o mercado que é quase um oxímoro, um paradoxo.
Ele tenta encontrar o que poderia substituir a philia num contexto moderno. Então ele teve essa ideia de convivialidade. Seria de alguma maneira uma philia de um grão inferior. Poderíamos definir a convivialidade como simpatia no sentido forte do termo, ou a empatia, ou para dizer de outro modo, podemos falar no termo de George Arouel, sociedade decente. Uma sociedade decente é uma sociedade que não humilha seus membros. Especialmente as pessoas do povo têm essa mentalidade, que Arouel chama de decência comum. Espontaneamente há coisas que essas pessoas não fazem. Basta lembrar do período de guerras, quando pessoas comuns tomaram atitudes extraordinárias e que salvaram vidas. Isso é decência comum. Uma sociedade onde isso não existe mais não é uma sociedade, e sim uma selva.
IHU On-Line - Considerando o cenário de crise financeira e econômica, muitos estudiosos falam na crise do capitalismo. O senhor concorda que o capitalismo está em crise e corre o risco de acabar, dando lugar a um sistema alternativo?
Serge Latouche - Sempre se diz que os jesuítas respondem uma pergunta com outra. Então, pergunto: o que é mesmo o capitalismo? A questão fundamental é que o capitalismo, como dizia Max Weber, é primeiro de tudo, um espírito. Sair do capitalismo não se trata de fazer uma revolução e tomar os palácios, mas, antes de tudo, sair do seu espírito. Isso é uma coisa que não se pode decidir assim, tão facilmente. Estou convencido de que o capitalismo sempre esteve em crise. O dia em que entramos no capitalismo, data que é impossível de precisar, começamos também a sair dele. Um dia teremos saído dele e não teremos percebido.
IHU On-Line - Quais suas expectativas para a Rio + 20? Que temas não podem deixar de ser discutidos? Quais as prioridades?
Serge Latouche - Os temas importantes são sempre os mesmos: o desregulamento climático, o fim do uso do petróleo, a destruição da biodiversidade, as enfermidades geradas pela poluição. O decrescimento, contudo, nunca entra na pauta, mas é fundamental, porque impacta em todos os setores da sociedade, como agricultura, indústria, a tecnociência e a ciência.
IHU On-Line - O senhor menciona convergências e divergência em relação ao resgate do conceito de economia civil, principalmente na Itália. Essa economia civil fala, inclusive, em civilizar o mercado, de bens relacionais. Poderia falar um pouco mais sobre essa ideia?
Serge Latouche - Há muitas convergências a partir da crítica à lógica da economia do mercado e da economia tal como ela se configurou. A divergência é, sobretudo, pelo fato que os adeptos dessa economia civil pensam que, de algum jeito, podemos voltar às origens da economia política, e não particularmente a Adam Smith, mas a antes, na Escola do Iluminismo Napolitano. Penso que na época da economia civil napolitana isso era importante, mas evoluiu na economia liberal inglesa. Penso que agora precisamos ultrapassar essa economia e pensar seriamente em sair dela. Isso é a principal divergência na medida em que isso lhes leva a assumir uma posição muito reformista. Eles querem desenvolver uma economia solidária, ética, que são coisas muito boas mas incompatíveis com a lógica do mercado. Nós favorecemos essa ética mas na ótica de não abolir somente, mas de reduzir o espírito do mercado. O que tem que ser abolido é o mercado como um todo. Voltando à escola italiana, menciono Stefano Bartolini, da Universidade de Siena. Ele escreveu um livro muito interessante chamado Manifesto da felicidade que segue totalmente a linha do decrescimento, diferente do que outros autores, como ZamagnI, por exemplo.
IHU On-Line - No Brasil existe o termo economia de baixo carbono. Nesse contexto surgem ideias de Georgescu Roegen. Que convergências e divergências há entre tais ideias e o decrescimento?
Serge Latouche - Não conheço essa ideia. O que se fala é em economia pós-carbono. Então, penso que... não penso. De fato a utilização desse termo provém de Georgescu. Por coincidência, um discípulo seu, Jacques Grinevald, seu assistente, fez conhecer na França seu trabalho e conseguiu publicar lá obras suas como O decrescimento. Creio que a primeira edição é de 1995. Ele não utiliza o termo "decrescimento", mas "declining". Contudo, ele disse que o decrescimento correspondia exatamente ao seu pensamento. Porém, é verdade que Georgescu Roegen não considerava a ideia de sair da economia, como eu.
IHU On-Line - Que método de pesquisa utiliza como pesquisador? Que pesquisas têm conduzido agora?
Serge Latouche - Antigamente consagrei-me à epistemologia através de meu primeiro livro, Epistemologia e economia, de 1973, um grosso volume que não se encontra mais. Parti do freudo-marxismo e cheguei a uma posição mais crítica, mais perto do marxismo que do freudismo. Depois lancei O Processo da ciência social e me ocupei bem mais de Habermas e dos conceitos da Escola de Frankfurt, a teoria crítica, além de Umberto Eco com a crítica da linguagem e A estrutura ausente. Minha caminhada foi uma crítica da economia política e de acesso ao real através da crítica do discurso.
IHU On-Line - Tem alguma sugestão de pesquisas que poderiam ser trabalhadas no Brasil?
Serge Latouche - A ideia de construir um futuro sustentável para o Brasil é um tema muito importante a ser trabalhado. Não podemos dissociar os problemas ecológicos dos problemas sociais.
Por Gilberto Faggion, Graziela Wolfart, Lucas Luz e Márcia Junges / Tradução: Susana Rocca
Texto 3 - Elogio da metamorfose. Artigo de Edgar Morin
Adaptado de http://bit.ly/1v3pkGV
Edgar
Morin nasceu
em 1921, é diretor de pesquisa emérito no CNRS,
presidente da Agência
Europeia para a
Cultura(Unesco)
e presidente da Associação
para o Pensamento Complexo.
Em 2009, publicou Edwige,
l’inseparable(Fayard)
[‘Edwige, a inseparável’, dedicado à sua esposa morta]. Ler
também, La
Pensée Tourbillonnaire - Introduction à la pensée d’Edgar Morin,
de Jean
Tellez (éditions
Germina). (“O pensamento turbulento. Introdução ao pensamento de
Edgar Morin”).
Segue
o artigo.
Quando
um sistema é incapaz de tratar os seus problemas vitais, se degrada
ou se desintegra ou então é capaz de suscitar um meta-sistema capaz
de lidar com seus problemas: ele se metamorfoseia. O sistema Terra é
incapaz de se organizar para resolver seus problemas críticos:
perigos nucleares que se agravam com a expansão e, talvez, a
privatização das armas atômicas; degradação da biosfera;
economia mundial sem verdadeira regulação; retorno da fome;
conflitos étnico-político-religiosos que tendem a se desenvolver em
guerras de civilização.
O
aumento e a aceleração destes processos podem ser considerados como
o desencadeamento de um poderoso
feedback negativo,
um processo pelo qual um sistema se desintegra irremediavelmente.
A
desintegração é provável. O improvável, mas possível é a
metamorfose. O que é uma metamorfose? Nós vemos inúmeros exemplos
no reino animal. A lagarta que se fecha num casulo começa um
processo ao mesmo tempo de destruição e de auto reconstrução,
como uma organização e uma forma de borboleta, diferente da
lagarta, permanecendo a mesma. O nascimento da vida pode ser
concebido como a metamorfose de uma organização físico-química,
que, tendo chegado a um ponto de saturação, cria a meta-organização
viva que, embora tendo os mesmos aspectos físico-químicos, produz
novas qualidades.
A
formação das sociedades históricas – no Oriente Médio, na
Índia, na China, no México, no Peru – constitui uma metamorfose a
partir de um conjunto de antigas sociedades de caçadores-coletores,
que produziu as cidades, o Estado, as classes sociais, a
especialização do trabalho, as grandes religiões, a arquitetura,
as artes, a literatura e a filosofia. E também as piores coisas: a
guerra e a escravidão. A partir do século XXI se coloca o problema
da metamorfose das sociedades históricas em uma sociedade-mundo de
um novo tipo, que englobará a ONU,
sem suprimi-la. Porque a continuação da história, isto é, das
guerras, por parte dos Estados com armas de destruição em massa,
leva à destruição da humanidade. Ainda que, para Fukuyama,
sejam as capacidades criativas da evolução humana que se esgotaram
com a democracia representativa e a economia liberal, devemos pensar
que, ao contrário, é a história que se esgota e não as
habilidades criativas da humanidade.
A
ideia de metamorfose, mais rica do que a ideia de revolução, guarda
a radicalidade transformadora, mas a liga à conservação (da vida,
do patrimônio cultural). Para ir rumo à metamorfose, como mudar de
caminho? Mas se parece possível corrigir alguns males, é impossível
romper a lógica técnico-científico-econômico-civilizacional que
leva o planeta ao desastre. No entanto, a História humana mudou
muitas vezes de caminho. Tudo recomeça por uma inovação, uma nova
mensagem desviante, marginal, pequena, muitas vezes invisível para
os contemporâneos. Assim começaram as grandes religiões: budismo,
cristianismo, islamismo. O capitalismo se desenvolveu parasitando as
sociedades feudais para finalmente decolar e, com a ajuda de
monarquias, desintegrá-las.
A
ciência moderna formou-se a partir de algumas mentes desviantes
dispersas, Galileu, Bacon, Descartes,
e então criou suas redes e associações, se introduziu nas
universidades no século XIX, e depois, no século XX nas economias e
nos Estados para se tornar um dos quatro poderosos motores da nave
espacial Terra. O socialismo nasceu de algumas mentes autodidatas e
marginalizadas no século XIX para se tornar uma formidável força
histórica no século XX. Hoje, tudo tem que ser repensado. Tudo deve
recomeçar.
Com
efeito, tudo começou, mas sem que se soubesse. Estamos no estágio
de começos, modestos, invisíveis, marginais, dispersos. Porque já
existe, em todos os continentes, uma efervescência criativa, uma
multiplicidade de iniciativas locais, em conformidade com a
revitalização econômica, ou social, ou política, ou cognitiva, ou
educacional ou ética, ou da reforma da vida.
Estas
iniciativas estão isoladas, nenhuma administração as leva em
conta, nenhum partido toma conhecimento delas. Mas elas são o
viveiro do futuro. Trata-se de reconhecê-las, inventariá-las,
cotejá-las, catalogá-las, combiná-los e de conjugá-las em uma
pluralidade de caminhos reformadores. São estes caminhos múltiplos
que podem, através de um desenvolvimento conjunto, se combinar para
formar o novo caminho que nos levaria em direção à metamorfose
ainda invisível e inconcebível. Para desenvolver formas que vão
desembocar no Caminho, é preciso identificar alternativas limitadas,
que limitam o mundo do conhecimento e do pensamento hegemônicos.
Assim, é preciso ao mesmo tempo globalizar e desmundializar, crescer
e diminuir, desenvolver e envolver.
A
orientação mundialização/desmundialização significa que, se é
preciso multiplicar os processos de comunicação e de planetarização
culturais, é preciso que se constitua uma consciência da
Terra-Pátria, mas também é preciso promover, de maneira
desmundializante, a alimentação de proximidade, os artesanatos
locais, as lojas locais, a jardinagem suburbana, as comunidades
locais e regionais.
A
orientação “crescimento/decrescimento” significa que precisamos
aumentar os serviços, as energias verdes, os transportes públicos,
a economia plural capaz de incluir a economia social e solidária, o
desenvolvimento da humanização das megacidades, a pecuária
orgânica, mas diminuir as intoxicações consumistas, a alimentação
industrializada, a produção de objetos descartáveis e não
consertáveis, o tráfego de automóvel, o tráfego de caminhões (em
benefício do transporte ferroviário).
A
orientação desenvolvimento/envolvimento significa que o objetivo
não é mais fundamentalmente o desenvolvimento de bens materiais, da
eficiência, da rentabilidade, do cálculo; é também o retorno de
cada um às necessidades interiores, o grande retorno à vida
interior e ao primado da compreensão do outro, do amor e da amizade.
Já
não basta mais apenas denunciar. Precisamos propor. Não basta
apelar à urgência. É preciso saber também começar a definir os
caminhos que levarão ao Caminho. É para isso que estamos tentando
contribuir. Quais são as razões para ter esperança? Podemos
formular cinco princípios de esperança.
1.
O surgimento do improvável. Assim, por duas vezes a vitoriosa
resistência da pequena Atenas à formidável força dos persas,
cinco séculos antes da nossa era, foi altamente improvável e
permitiu o nascimento da democracia e da filosofia. Igualmente
inesperado foi o congelamento da ofensiva alemã diante de Moscou, no
outono de 1941, e depois a contra-ofensiva vitoriosa de Jukov que
começou em 5 de dezembro e, depois, no dia 8 de dezembro com o
ataque a Pearl Harbor, que marcou a entrada dos Estados Unidos na
Segunda Guerra Mundial.
2.
As virtudes geradoras/criadoras inerentes à humanidade. Assim como
existem em qualquer organismo humano adulto células-tronco dotadas
de habilidades polivalentes (totipotentes) próprias às células
embrionárias, mas inativas, existem em cada ser humano, em cada
sociedade humana, virtudes regeneradoras, geradoras e criativas em
estado dormente ou inibidas.
3.
As virtudes da crise. Ao mesmo tempo em que forças regressivas e
desintegradoras, as forças criadoras despertam na crise planetária
da humanidade.
4.
Com o que se combinam as virtudes do perigo: “Aí onde cresce o
perigo cresce também o que salva”. A chance suprema é inseparável
do risco supremo.
5.
A aspiração multimilenar da humanidade à harmonia (paraíso,
depois utopias, depois ideologias libertárias/socialistas/comunistas,
depois aspirações e revoltas juvenis dos anos 1960). Esta aspiração
renasce no formigueiro de iniciativas múltiplas e dispersas que
alimentarão o caminho da reforma, consagradas a se unirem ao novo
caminho.
A
esperança estava morta. As gerações mais velhas estão
decepcionadas com falsas esperanças. As gerações mais jovens se
desconsolam com o fato de que não haja mais causas como a nossa
resistência durante a Segunda Guerra Mundial. Mas a nossa causa
trazia em si o seu contrário. Como disse Vasily Grossman de
Stalingrado, a maior vitória da humanidade foi ao mesmo tempo a sua
maior derrota, desde que o totalitarismo stalinista saiu vitorioso. A
vitória das democracias restabeleceu no mesmo ato seu colonialismo.
Hoje, a causa é inequivocamente sublime: trata-se de salvar a
humanidade.
A
verdadeira esperança sabe que não tem certeza. É a esperança não
no melhor dos mundos, mas em um mundo melhor. A origem está diante
de nós, disse Heidegger.
A metamorfose seria efetivamente uma nova origem.
Texto 4 - Terra e Humanidade: uma comunidade de destino
Adaptado de http://bit.ly/1tGIWKt
"Estamos
vivendo agora a idade de ferro da noosfera,
cheia de contradições", escreve Leonardo Boff, teólogo.
Segundo ele, estamos "apenas do começo de uma nova etapa da
história, a etapa da Terra unida com a Humanidade (que é a
expressão consciente da Terra). Ou a etapa da Humanidade (parte da
Terra) unida à própria Terra, constituindo juntas uma única
entidade una e diversa chamada de Gaia ou
de Grande Mãe".
Eis
o artigo.
Seguramente
o aquecimento global comporta graves conseqüências. No entanto,
numa perspectiva mais filosofante, ele não se destinaria a destruir
o projeto planetário humano mas obriga-lo a elevar-se a um patamar
mais alto para que seja realmente planetário. Urge passar do local
ao global e do nacional ao planetário.
Se olharmos para trás, para o processo da antropogênese, podemos seguramente dizer: a crise atual, como as anteriores, não nos levará à morte mas à uma integração necessária da Terra com a Humanidade. Será a geosociedade. Neste caso, estaríamos então, face a um sol nascente e não a um sol poente.
Tal fato objetivo comporta um dado subjetivo: a irrupção da consciência planetária com a percepção de que formamos uma única espécie, ocupando uma casa comum com a qual formamos uma comunidade de destino. Isso nunca ocorreu antes e constitui o novo da atual fase histórica.
Inegavelmente há um processo em curso que já tem bilhões de anos: a ascensão rumo à consciência. A partir degeosfera (Terra) surgiu a hidrosfera (água), em seguida a litosfera (continentes), posteriormente a biosfera (vida), aantropofesfera (ser humano) e para os cristãos a cristosfera (Cristo). Agora estaríamos na iminência de outro salto na evolução: a irrupção da noosfera que supõe o encontro de todos os povos num único lugar, vale dizer, no planeta Terra e com a consciência planetária comum. Noosfera como a palavra sugere (nous em grego significa mente e inteligência), expressa a convergência de mentes e de corações dando origem a uma unidade mais alta e complexa.
Se olharmos para trás, para o processo da antropogênese, podemos seguramente dizer: a crise atual, como as anteriores, não nos levará à morte mas à uma integração necessária da Terra com a Humanidade. Será a geosociedade. Neste caso, estaríamos então, face a um sol nascente e não a um sol poente.
Tal fato objetivo comporta um dado subjetivo: a irrupção da consciência planetária com a percepção de que formamos uma única espécie, ocupando uma casa comum com a qual formamos uma comunidade de destino. Isso nunca ocorreu antes e constitui o novo da atual fase histórica.
Inegavelmente há um processo em curso que já tem bilhões de anos: a ascensão rumo à consciência. A partir degeosfera (Terra) surgiu a hidrosfera (água), em seguida a litosfera (continentes), posteriormente a biosfera (vida), aantropofesfera (ser humano) e para os cristãos a cristosfera (Cristo). Agora estaríamos na iminência de outro salto na evolução: a irrupção da noosfera que supõe o encontro de todos os povos num único lugar, vale dizer, no planeta Terra e com a consciência planetária comum. Noosfera como a palavra sugere (nous em grego significa mente e inteligência), expressa a convergência de mentes e de corações dando origem a uma unidade mais alta e complexa.
O
que, entretanto, nos falta é uma Declaração
Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade que
coordene as consciências e faça convergir as diferentes políticas.
Até agora nos limitávamos a pensar no bem comum de cada pais.
Alargamos o horizonte ao propor uma Carta
dos Direitos Humanos.
Esta foi a grande luta cultural do século XX. Mas agora emerge a
preocupação pela Humanidade como um todo e pela Terra, entendida
não como algo inerte, mas como um superorganismo vivo do qual nós
humanos somos sua expressão consciente. Como garantir os direitos da
Terra junto com os da Humanidade? A Carta
da Terra surgida
nos inícios do século XXI procura atender a esta demanda.
A crise global nos está exigindo uma governança global para coordenar soluções globais para problemas globais. Oxalá não surjam centros totalitários de comando mas uma rede de centros multidimensionais de observação, de análise, de pensamento e de direção visando o bem viver geral.
Trata-se apenas do começo de uma nova etapa da história, a etapa da Terra unida com a Humanidade (que é a expressão consciente da Terra). Ou a etapa da Humanidade (parte da Terra) unida à própria Terra, constituindo juntas uma única entidade una e diversa chamada de Gaia ou de Grande Mãe.
Estamos vivendo agora a idade de ferro da noosfera, cheia de contradições. Mas mesmo assim, cremos que todas as forças do universo conspiram para que ela se firme. Para ela está marchando nosso sistema solar, quem sabe a inteira galáxia e até este tipo de universo, pois, segundo a teoria das cordas, pode haver outros, paralelos. Ela é frágil e vulnerável mas carregada de novas energias, capazes de moldar um novo futuro. Talvez a noosfera seja agora somente uma chama tremulante. Mas ela representa o que deve ser. E o que deve ser tem força. Tende a se realizar.
A crise global nos está exigindo uma governança global para coordenar soluções globais para problemas globais. Oxalá não surjam centros totalitários de comando mas uma rede de centros multidimensionais de observação, de análise, de pensamento e de direção visando o bem viver geral.
Trata-se apenas do começo de uma nova etapa da história, a etapa da Terra unida com a Humanidade (que é a expressão consciente da Terra). Ou a etapa da Humanidade (parte da Terra) unida à própria Terra, constituindo juntas uma única entidade una e diversa chamada de Gaia ou de Grande Mãe.
Estamos vivendo agora a idade de ferro da noosfera, cheia de contradições. Mas mesmo assim, cremos que todas as forças do universo conspiram para que ela se firme. Para ela está marchando nosso sistema solar, quem sabe a inteira galáxia e até este tipo de universo, pois, segundo a teoria das cordas, pode haver outros, paralelos. Ela é frágil e vulnerável mas carregada de novas energias, capazes de moldar um novo futuro. Talvez a noosfera seja agora somente uma chama tremulante. Mas ela representa o que deve ser. E o que deve ser tem força. Tende a se realizar.
Texto 5 – Cântico das Criaturas
Altíssimo,
Onipotente,
Bom Senhor!
Teus são o louvor, a glória, a honra e toda a bênção.
Louvado sejas, meu Senhor,
com todas as tuas criaturas,
especialmente o senhor irmão Sol, que clareia o dia
e que com sua luz nos ilumina.
Ele é belo e radiante, com grande esplendor
de ti, Altíssimo, é a imagem.
Louvado sejas, meu Senhor,
pela irmã Lua e pelas estrelas,
que no céu formaste, claras, preciosas e belas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelo irmão vento, pelo ar e pelas nuvens,
pelo sereno e todo tempo
com que dás sustento às tuas criaturas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pela irmã água, útil e humilde, preciosa e casta.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelo irmão fogo, pelo qual iluminas a noite.
Ele é belo e alegre, vigoroso e forte.
Louvado sejas, meu Senhor,
por nossa irmã, a mãe terra,
que nos sustenta e governa,
produz frutos diversos, flores e ervas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelos que perdoam, pelo teu amor,
e suportam as enfermidades e as tribulações.
Louvado sejas, meu Senhor,
por nossa irmã, a morte corporal,
de quem homem algum pode escapar.
Louvai todos e bendizei ao meu Senhor,
dai-lhe graças e servi-o com grande humildade.
Onipotente,
Bom Senhor!
Teus são o louvor, a glória, a honra e toda a bênção.
Louvado sejas, meu Senhor,
com todas as tuas criaturas,
especialmente o senhor irmão Sol, que clareia o dia
e que com sua luz nos ilumina.
Ele é belo e radiante, com grande esplendor
de ti, Altíssimo, é a imagem.
Louvado sejas, meu Senhor,
pela irmã Lua e pelas estrelas,
que no céu formaste, claras, preciosas e belas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelo irmão vento, pelo ar e pelas nuvens,
pelo sereno e todo tempo
com que dás sustento às tuas criaturas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pela irmã água, útil e humilde, preciosa e casta.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelo irmão fogo, pelo qual iluminas a noite.
Ele é belo e alegre, vigoroso e forte.
Louvado sejas, meu Senhor,
por nossa irmã, a mãe terra,
que nos sustenta e governa,
produz frutos diversos, flores e ervas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelos que perdoam, pelo teu amor,
e suportam as enfermidades e as tribulações.
Louvado sejas, meu Senhor,
por nossa irmã, a morte corporal,
de quem homem algum pode escapar.
Louvai todos e bendizei ao meu Senhor,
dai-lhe graças e servi-o com grande humildade.
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