ANÁLISE
DE ESTRUTURA E CONJUNTURA
AS
GRANDES TRASFORMAÇÕES SOCIOECONOMICAS E ÉTICO-CULTURAIS
Professor
Laurício Neumann1
- Aspectos sócio-econômico-políticos
Numa
ótica é desagradável afirmar que o Brasil, as instituições
brasileiras, os organismos sociais e o povo brasileiro estão
contaminados por uma ampla e profunda crise de identidade.
Crise
que revela uma profunda quebra de valores sobre o valor da vida e da
pessoa humana, os valores da dignidade humana e dos direitos
fundamentais da pessoa. Crise que revela uma distorção do conceito
de vida, de pessoa, de sociedade e de organização da vida em
sociedade.
A
nível mundial, esta crise de identidade ou crise de valores
fundamentais se revela pelos fundamentalismos (fanatismos) tanto
religiosos quanto políticos e econômicos; se revela pela cultura do
terrorismo, do ódio, da vingança e do medo; se revela pela
indústria e o tráfico de armas, associada a indústria e o tráfico
de drogas; se revela pelas situações dramáticas de atentados,
chacinas, sequestros, torturas, assassinatos; se revela pelo abuso, a
prepotência e a corrupção do poder político e do poder econômico;
se revela pela perigosa intenção das potenciais capitalistas
(leia-se Estados Unidos), em dominar a saúde, as fontes energéticas,
a biodiversidade e o patenteamento da vida. É a cultura da morte. A
crise de identidade ou de valores se manifesta também através da
população mundial que tem conhecimento do que acontece, assiste a
tudo estarrecida, mas, na maioria das vezes, permanece impotente ou
indiferente. É a cultura da omissão.
Em
nome da globalização e da mundialização vivemos a unificação do
planeta e a mundialização da informatização, da comunicação, do
conhecimento, da economia, do transporte, da cultura, das pesquisas
científicas, dos costumes e dos valores. Paradoxalmente, vivemos a
era da imposição de um projeto como modelo de globalização
neoliberal, através das potências capitalistas - mais precisamente
dos Estados Unidos -, que ameaça culturas, ameaça povos inteiros e
promove a discriminação, a exclusão e a dependência. É um
projeto que coloca em risco a “Aldeia Global”, anunciada por
McLuhan na década de 60. Este modelo neoliberal contamina e
compromete nações inteiras pela sua voracidade e pelo seu espírito
dominador e explorador. É um “sistema que, apoiado numa concepção
economicista de homem, considera o lucro e as leis do mercado como
parâmetros absolutos em detrimento da dignidade e do respeito da
pessoa e do povo” (Papa João Paulo II, na Eclesia in América, nº
56).
Em
nome do lucro a qualquer preço, este modelo se coloca acima dos
direitos humanos, acima do respeito à vida, da integridade do
ecossistema e impõe uma visão instrumental fragmentária,
individualista, oportunista e utilitarista da realidade e dos bens,
transformando até mesmo as pessoas e a vida das pessoas em
mercadoria.
2.
Revoluções tecnológicas materiais
Toda
a história das civilizações é marcada por grandes transformações
ou revoluções.
A diferença é que na modernidade estas transformações tornaram-se
radicais. Por serem radicais, assumiram proporções antes nunca
vividas pelo ser humano.
Primitivamente
a história nos mostra o ser humano como alguém que dependia da
benevolência da natureza para sobreviver: coletava frutas, caçava e
pescava. Por isso era chamado de nômade, porque migrava para novas
regiões em busca da fartura de alimentos que a natureza gratuita e
generosamente oferecia.
2.1
Revolução Tecnológica Agrícola
Com
a descoberta da roda, do arado e da enxada se operou a primeira
grande revolução tecnológica na história e na vida do ser humano.
É a Revolução
Tecnológica Agrícola,
na qual o ser humano se fixa na terra, planta e produz o sustento
para a sua vida, e progressivamente se impõe às leis e às forças
da natureza. Aos poucos, o ser humano se descobre capaz de fazer,
criar e produzir, sem depender diretamente da natureza e dos outros.
Descobre-se senhor, com poderes de controlar as forças da natureza e
de impor, aos poucos, a sua vontade a vontade do outro e da própria
natureza. Descobre-se também livre em decidir pela sua vida, sem
depender ou prestar contas a ninguém. Deste modo, o ser humano
declara a sua autonomia sobre a natureza e sobre os outros.
Tudo
isso, à primeira vista, parece positivo,
na medida em que as revoluções tecnológicas ajudaram o ser humano
a conhecer-se melhor, diferente de todos os povos em todos os tempos.
É positivo também na medida em que as revoluções tecnológicas
possibilitaram uma nova compreensão do relacionamento do ser humano
consigo, com o outro, com o cosmos, com a natureza e com o
transcendente. As revoluções tecnológicas, por sua vez,
facilitaram também o trabalho, influenciaram no conforto e bem estar
das pessoas e aumentaram a produtividade.
Estas
revoluções tecnológicas, porém, tem também o lado negativo,
na medida em que o ser
humano não assume os riscos e as consequências de suas descobertas,
invenções e criações. São negativas também na medida em que o
ser humano usa a sua capacidade racional e a sua liberdade para
agredir e destruir a natureza, esmagar ou excluir o outro e
apropriar-se de bens que são um direito universal.
Estes
aspectos positivos
e negativos
da presença do ser humano sobre o cosmos e sobre a vida do próximo
ficaram mais visíveis a partir da segunda
grande revolução tecnológica, a Revolução
Tecnológica Industrial,
que marca definitivamente o início da Modernidade.
A descoberta da máquina e o consequente processo industrial operaram
uma profunda alteração nas relações sociais e na vida das
pessoas.
2.2
Revolução Tecnológica Industrial
Na
Revolução
Tecnológica Agrícola
cada um era dono dos meios de produção: terra,
enxada,
arado, carroça, etc.
Já na Revolução
Tecnológica Industrial
poucos se tornaram os donos dos meios de produção: máquinas,
fábricas, indústrias, terra, etc. A grande revolução que se
operou é que o agricultor e o filho do agricultor deixaram de serem
donos dos seus meios de produção (enxada, arado, carroça, terra),
deixaram de trabalhar para si e passaram a trabalhar para o dono da
fábrica. Deste modo, passamos a ter muita gente trabalhando
coletivamente de baixo do mesmo teto (fábrica, empresa), porém sem
o direito de desfrutar do resultado de seu trabalho. O resultado do
trabalho de todos fica para o dono da máquina ou da fábrica que, em
troca, paga um aluguel pela força de trabalho, chamado de salário.
Em outras palavras, isso quer dizer, que os agricultores, além de
expropriados
dos seus bens e arrancados do seu meio, foram também explorados,
na medida em que deixaram de trabalhar para si e passaram a trabalhar
para o dono da fábrica. Com esta lógica, poucos enriqueceram e
muitos empobreceram. Ou, o que é pior, passamos a ter “cada vez
menos ricos mais ricos à custa de cada vez mais pobres mais pobres
(Puebla, 1978)”.
As
mudanças operadas na vida das pessoas ou na vida dos novos
trabalhadores industriais assalariados e nas relações sociais são
incalculáveis. Além de expropriados e explorados, os novos
trabalhadores da era industrial tiveram que organizar a sua vida em
função da jornada de trabalho e do salário estabelecido pelo
patrão por esta jornada. Ou seja, o trabalhador foi tão
desaculturado, que “ele já não se pertence mais, ele pertence
vinte e quatro horas do dia ao patrão ou ao dono da fábrica”
(BASBAUM, Leôncio, 1986). Isso significa dizer que o trabalhador
industrial, além de deixar de ser dono de seus bens, deixou também
de ser dono de sua vida e passou a ser à vontade de seu novo dono. É
este novo dono (seu patrão), que através do salário define
horários, lazer, alimentação, saúde, qualidade de vida,
escolaridade e educação dos filhos do trabalhador. Define também
onde e como o trabalhador vai morar, como vai mobiliar sua casa, como
vai vestir seus filhos, o que vai comer, etc. O trabalhador e sua
família constróem e reconstroem sua vida sempre segundo a vontade
de seus donos (patrões). Por isso vivemos numa sociedade
moderna dominante,
inclusive culturalmente. Deste modo, o trabalhador acabou se
transformando em peça de uma grande engrenagem ou, numa outra ótica,
em mercadoria.
Mercadoria de compra, de troca e de uso. E quando não serve mais, é
descartado.
Além
de mexer com a cultura das pessoas, a modernidade industrial mexeu
também com os valores fundamentais das pessoas, como a liberdade, a
justiça, o respeito e a honestidade. Hoje, ser
livre
significa estar à disposição do patrão e submeter-se ao mercado.
Sem raízes culturais, despojado dos meios de produção e explorado,
o trabalhador industrial fica sem saída. Sobra agarrar-se ao emprego
e submeter-se às exigências do patrão, já que os direitos humanos
e os direitos constitucionais também se tornaram vulneráveis e
negociáveis. Quando perde o emprego, não tem como voltar, não tem
para onde ir, não tem como sobreviver. Por isso o trabalhador aceita
negociar a própria dignidade humana. Os sindicatos também foram
atingidos e contaminados pelo vírus do capital neoliberal, perdendo
seu poder de mobilização e de barganha, deixando o trabalhador
ainda mais vulnerável.
Na
modernidade
quem tem poder
de influência sobre as pessoas já não é a moral, a religião, a
Igreja, a lei ou o dono da terra, mas o dono da ciência e da
tecnologia, o dono das máquinas e das fábricas, além dos donos da
mídia, pois estes donos são também os donos do emprego, do qual
depende a sobrevivência da absoluta maioria das pessoas na
modernidade.
Como
a ordem
do mercado é
a produtividade com qualidade, a tendência dos patrões é
modernizar as fábricas, para isso visitam feiras internacionais em
busca de tecnologias que aumentam a produção, reduzem os custos e
aumentam os lucros. Tecnologias que visam também substituir cada vez
mais os trabalhadores pela máquina. Pois a máquina não requer
férias, trabalha dia e noite, não tem licença gestante, não fica
doente, não vai ao médico, não tem Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço, não tem leis trabalhistas e não tem sindicato. Além
disso, não reclama, não protesta, não reivindica, não faz greve.
É o fim da utopia do emprego para todos.
- Revoluções tecnológicas imateriais
Podemos
afirmar que as duas
primeiras revoluções tecnológicas
foram materiais.
Pois, na revolução tecnológica agrícola tinha poder quem tinha
muita terra.
Já na revolução tecnológica industrial passou a ter poder quem
tinha muitas ou grandes fábricas.
3.1
Revolução Tecnológica da Informática
Já
a terceira
revolução
tecnológica
é imaterial.
É a Revolução
Tecnológica da
Informática.
Esta revolução está sendo tão profunda e radical que marca uma
nova era da história: a Pós-modernidade.
Além do computador,
com a capacidade de armazenar dados e informações, surge a
Internet,
com a informação on-line. Começamos a viver a era
da
informática
a serviço da ciência e da produção. As mudanças rápidas e
profundas são visíveis em todas as áreas de conhecimento,
principalmente na comunicação, na medicina, na genética e na
produção.
Neste
tempo pós-moderno
da Revolução
Tecnológica da Informática
tem poder não mais o dono da terra, nem o dono da fábrica, mas o
dono do conhecimento armazenado, isto é, da Microsoft
e da Macrosoft.
A
primeira característica desta Revolução
Tecnológica da Informática
são as marcas.
Os donos do mercado, através dos modernos veículos de comunicação,
e a informática a serviço destes veículos, fazem o consumidor
comprar
e consumir marcas e não produtos.
Marcas associadas ao desejo, ao prazer, ao poder. A todo produto é
agregada uma marca. À marca é agregado um estilo de vida, um jeito
de ser, um padrão de valores. Desde o tênis, a camiseta e a bermuda
que usamos; o colégio ou a universidade onde estudamos; até o
restaurante, o clube e a academia que frequentamos e o carro que
dirigimos, revelam prazer, status e poder pelo valor atribuído às
marcas.
A
segunda característica desta Revolução
Tecnológica da Informática
são as franquias.
Além de vender marcas, os donos do mercado vendem franquias. As
franquias são a venda de marcas em rede, sempre padronizadas no
mundo inteiro, controladas via internet e que comercializam produtos
descartáveis.
A
terceira característica da Revolução
Tecnológica da Informática
é o acesso fácil e o intercâmbio
fácil e permanente do consumidor
com o produtor
e vice versa. Deste modo, o consumidor sempre se mantém atualizado
sobre as modas e suas tendências e os donos do mercado se mantêm
atualizados quanto às expectativas do consumidor.
3.2
Revolução Tecnológica da Biogenética
A
quarta
revolução tecnológica é a Revolução
da Biogenética.
Esta revolução tecnológica é a combinação da genética com a
informática, que permite usar as informações armazenadas no
computador sobre animais e vegetais, para programar seres com novas
características, criar novas espécies, exterminar espécies
existentes, inclusive exterminar com a espécie humana. A
era pós-moderna marca o controle definitivo da ciência e do
homem
sobre a vida.
Este será o fim da história ou o fim da espécie humana? Será a
pós-modernidade ou a pós-humanidade? O que nos espera? Um ser (ou
espécie), físico, biológica e moralmente melhor? Há cientistas
que acreditam nisso. E nós acreditamos em que? O surgimento de novas
religiões, seitas e filosofias de vida serão um novo sinal dos
tempos que pode significar a volta do ser humano para Deus e para o
próximo? O que fazemos para acontecer aquilo que acreditamos?
4.
Aspectos humano-cristãos ou éticos
Estes
são os novos sinais dos tempos, sinais concretos e muito próximos,
que mexem cada vez mais com a vida de cada um de nós. O que estes
sinais, à luz dos direitos humanos e à luz da ética têm a ver com
cada um de nós como cidadãos, profissionais e, sobretudo, como
pessoas humanas?
As
quatro
revoluções tecnológicas
revelam uma pessoa ou um indivíduo pós-moderno contraditório. Numa
ótica, nos deparamos frente a um ser
humano livre e capaz,
que aposta e acredita na sua capacidade de criar, projetar, inventar
e transformar. A prova disso é o avanço vertiginoso registrado em
todas as áreas do conhecimento que encurta distâncias, aproxima as
pessoas, prolonga a vida, controla epidemias, facilita o trabalho,
cria conforto, lazer, praticidade, etc. Numa outra ótica, as
revoluções tecnológicas
revelam o rosto de um ser
humano absoluto,
um ser humano como centro
e medida de todas as coisas.
Revela também o rosto de um ser humano sem limites, além de
individualista, materialista, imediatista e consumista inconsequente.
As consequências são desastrosas na medida em que este ser humano
rompe com a transcendência e se proclama absoluto; rompe com a
natureza sem medir as consequências das suas ações de intervenção
e destruição; rompe com a subjetividade do próximo, na medida em
que este é visto como um concorrente, portanto, um estorvo para o
enriquecimento fácil; rompe consigo próprio, na medida em que não
quer encontrar tempo para interiorizar-se, repensar seu projeto de
vida, repensar seus valores, repensar seu conceito de vida, de
pessoa, de sociedade e de organização da sociedade.
As
quatro
revoluções tecnológicas
revelam ainda outras dimensões do ser humano pós-moderno, como o
rompimento com a autoridade formal, que deixou de ser a bíblia,
Deus, a Igreja, o Papa, a religião, os pais, a lei e passou a ser o
indivíduo
autônomo.
A pós-modernidade, portanto, é a afirmação do indivíduo e da
consciência do indivíduo livre.
Além
disso, as quatro
revoluções tecnológicas
revelam as dimensões do desejo
e do prazer.
O indivíduo pós-moderno aceita fazer o que gosta. O que não gosta
é deixado de lado. Este desejo é provocado e alimentado pelo
mercado e estimulado pelos meios de comunicação de massa,
principalmente a televisão. O desejo está intimamente associado ao
prazer. Por isso, o indivíduo pós-moderno deseja possuir, comprar,
consumir e desfrutar aquilo que dá prazer, aquilo que faz sentir-se
bem. Por isso, felicidade
deixou de ser um projeto de vida para transformar-se em momentos de
prazer. E para que estes momentos de prazer sejam frequentes e
intensos é preciso romper com diversos valores religiosos e morais,
como a fidelidade e o respeito, entre outros. A ordem estabelecida é
esta: “É
proibido proibir”.
Como consequência, a autonomia dos indivíduos se transforma em
individualismo, e os indivíduos se transformam em mercadoria, assim
como a religião, Deus, a natureza, a terra, a água, a mata, o ar,
etc. Tudo é transformado em mercadoria de compra, troca e uso.
Quando não serve mais, quando não dá mais prazer descarta, joga
fora.
Nesta
sociedade pós-moderna, fundamentada na autonomia da consciência e
na liberdade dos indivíduos de viverem sua vida sem autoridade e sem
moralistas que definem regras e normas e impõem limites, o refúgio
torna-se o direito.
Por isso, quando o indivíduo se sente lesado na sua liberdade
individual, imediatamente busca seus direitos na justiça. Como a
justiça está calcada mais na lei do que na ética de princípios,
esta também está bastante desacreditada, além de viciada pela
parcialidade e a impunidade. Como o indivíduo já não consegue ter
a justiça do direito do seu lado ou não tem condições de
alimentar financeiramente os infinitos labirintos da burocracia
jurídica, ele prefere viver no chamado pecado, na contraversão, no
vício, pois tudo isso também dá muito prazer e, além disso,
alimenta a voracidade de lucros do mercado.
4.1
Questionamentos
Alguns
questionamentos se fazem necessários como desafios éticos: Qual o
papel exercido pelas escolas e as universidades, inclusive
religiosas, ao longo da modernidade e da pós-modernidade? Qual o
papel exercido pela família, pelos partidos políticos, sindicatos,
associações, ONGs, cooperativas? Inserir e adequar as novas
gerações aos novos tempos e preparar os profissionais das
diferentes áreas segundo a lógica do mercado é o suficiente para
cumprir a filosofia educacional de valorização e realização
integral da pessoa humana? Estes profissionais entram no mercado de
trabalho com que valores, expectativas, sonhos e utopias? As utopias
do céu na terra, do emprego para todos, do enriquecimento pelo
trabalho, etc. estão se dissolvendo como fumaça. Como conciliar
princípios éticos com os interesses do mercado? Quais os métodos e
as ferramentas usadas pelos sindicatos e movimentos sociais para
neutralizar os impactos na relação capital e trabalho, e na busca
de um modelo mais democrático, justo e distributivo de organização
da sociedade?
Este
é o nosso grande desafio: como ser ético numa sociedade desumana?
Como justificar eticamente a expropriação e a exploração do ser
humano? Como justificar eticamente o fato de tudo ser submetido às
ordens do mercado e tudo ser transformado em mercadoria, inclusive a
pessoa humana? Urge repensar a educação como um todo,
principalmente na sua proposta de valores humanos, além da
capacitação profissional. Esta proposta educacional deve iluminar
os novos tempos da pós-modernidade, principalmente iluminar o debate
em torno de temas que são problemas mundiais como: sustentabilidade
do planeta, a preservação da vida, o desenvolvimento sem agressão
ao meio ambiente, a biodiversidade, a clonagem, os transgênicos, o
papel do Estado democrático, o papel dos sindicatos e dos movimentos
sociais, entre outros temas.
Enquanto
continuamos convencidos de que tudo deve ser submetido às ordens do
mercado e de que tudo é mercadoria, inclusive a pessoa, então fica
difícil enxergar uma saída ou traçar um plano de mudanças. Pois,
enquanto tudo for submetido às ordens do mercado e considerado
mercadoria, não há gratuidade e sem gratuidade é impossível ser
humano. A gratuidade é a opção fundamental pelo outro, como centro
de tudo, inclusive de sua própria vida. Pois, é a “alteridade que
constitui a subjetividade. Isso significa dizer que é o outro que
permite eu ser. Por isso, o outro existe em mim, como eu existo no
outro” (BUBER, Martin, 2006).
O
que vimos na pós-modernidade é a negação da alteridade, para
justificar a afirmação do indivíduo e do mercado descartável.
Desde cedo, na família, na escola, através de certas revistas em
quadrinho, da televisão e da internet ensinamos as crianças a negar
o outro, desenvolvendo a cultura do “eu” e não do “nós”.
Por isso, somos individualistas. Quanto mais negamos a subjetividade
do outro, mais individualistas nos tornamos. Negar a alteridade
significa negar o outro em mim. Significa arrancar o outro de dentro
de mim. A partir desse momento o outro deixa de ser sujeito para mim
e passa a ser objeto. Negar a subjetividade do outro, para
transformá-lo em objeto, é negar a minha própria subjetividade,
para transformar-me também em objeto, afirma Buber. A partir desse
momento a relação passa a ser uma relação de objetos (eu objeto
com o outro objeto) e não mais de sujeitos (eu sujeito com outro
sujeito).
Na
verdade, negamos a subjetividade do outro e não o outro em si, pois
este interessa enquanto podemos transformá-lo em mercadoria e dele
tirar proveito, afirma Marx. E quando dele já não conseguimos mais
tirar proveito o descartamos, o excluímos. Por isso, os milhões de
pobres da modernidade foram transformados em milhões de pobres
excluídos da pós-modernidade.
Como
vimos, ao longo do texto, estas questões de fundo são questões
profundamente éticas, que exigem de todos nós maior clareza,
convicção e compromisso coerente. Por parte dos sindicatos exige
clareza e convicção sobre o modelo de sociedade que desejamos para
a nação trabalhadora e sobre os valores que desejamos imprimir na
preparação das novas gerações. Uma sociedade orientada por
princípios éticos precisa ter a ousadia e a coragem de somar forças
para romper estruturas e colocar a formação humana na base do
conhecimento, visando a formação de profissionais competentes e
cidadãos éticos, comprometidos com os ideais de justiça social na
construção de uma sociedade sustentável, inclusiva e com justiça
social.
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Laurício Neumann é graduado em Filosofia, especialista em
Administração e Sistemas de Ensino, mestre em Educação e doutor
em Educação.
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