08/03/2016

Uma nova “conspirata policial-midiática”

Uma nova "conspirata policial-midiática"

Pedrinho Guareschi*

Acho que quem melhor está definindo essa situação vergonhosa que vivemos é Mino Carta: "espetáculo de insensatez provocado pela conspirata policial-midiática". É isso.

"Conspirata", porque nem conspiração é, é uma farsa. "Policial", por que as elites precisam da força, e certos juízes e procuradores fazem uso dela. "Midiática", pois essa é a arma moderna, a que substitui os canhões.

Em momentos como esse é fundamental um olhar mais estrutural e histórico. Examinemos a história brasileira. O que vemos agora é outro lance do que vem acontecendo no Brasil sempre que a Casa Grande, as elites, se vêem ameaçadas. A divisão Casa Grande/Senzala ainda define a estrutura de nosso Brasil. Ninguém vai entender o que acontece agora sem essa chave de leitura. Comento apenas os lances que vivi: em 1954, Getúlio precisou se matar para evitar o golpe: situação parecida com a de hoje, onde há a elite, a polícia e a mídia. Mais uma tentativa em 1961, frustrada por Brizola que percebeu a trapaça e resistiu. Em 1964 as elites viram o perigo perto demais: veio o golpe, com a elite , que apelou então ao exército, e a mídia sacramentando. Vinte e quatro anos de hibernação. Em 1989, uma leve possibilidade de mudança, mas novamente a mídia, principalmente a Globo, a cria da ditadura, entrando para rachar.

E agora? O sociólogo Boaventura Sousa Santos, alguns dias depois da vitória de Dilma em 2014, fez uma análise, realmente profética, do que viria pela frente: a Casa Grande não se conformaria com a vitória (veja "A Grande Divisão", publicada no Ibase). Tentaria impedir, de qualquer modo, que esse novo projeto de inclusão social dos mais pobres, filhos e filhas da senzala, prosperasse. Tentaria interrompê-lo, de qualquer modo. E vejam o que ele colocou, como condição indispensável para que essa interrupção do projeto não acontecesse: um cuidado diário com a GRANDE MÍDIA, porta-voz das elites que agem como se fossem 'donas' absolutas, ferindo a própria Constituição que diz que a mídia eletrônica é 'concessão pública', deve dar voz a todos. O que mudou hoje é que a mídia representa um pensamento único e se transformou num GRANDE PARTIDO.

Se alguém tem dúvida do papel que essa mídia – sintetizada na Rede Globo – está desempenhando, preste atenção na maneira como ela vem, numa estratégia dissimulada e hipócrita, CONSTRUINDO A REALIDADE a partir de insinuações 'suspeitas', 'suposições', bem ao estilo nazista de repetir, insistir e para a imensa população que vê ou escuta essa mídia, essas "notícias" se transformam em REALIDADE!

Precisa dizer isso: Será o juiz que montou o espetáculo de condução coercitiva é ingênuo, ou hipócrita? Será que ele não se dá conta que no momento em que leva alguém, rodeado de policiais, obrigado, de um lugar a outro, como se fosse um impostor... só isso, para a grande maioria da população, já é dizer e mostrar que essa pessoa é já um sem-vergonha e um mentiroso? Ele não se dá conta que o fato midiático CRIA A REALIDADE, não interessa se é verdade ou não, pelo o simples fato de ser veiculado?

Vejam o que esse fulano escreveu em 2005, num artigo sobre o episódio das "mãos limpas", na Itália: é fundamental vazar os interrogatórios à imprensa, pois assim todo mundo fica sabendo e os políticos ficam impedidos de negar! O povo vai se colocar contra esses políticos! Só que aqui o CASO É DIFERENTE! O que JORRA na mídia são INSINUAÇÕES, SUSPEITAS, SUGESTÕES, HIPÓTESES. Tudo o que se perguntou no "espetáculo policial-midiático" já tinha sido explicado: o sítio, o apartamento, o dinheiro das palestras. Mas é preciso dizer de novo, insinuar que o que é dito não pode ser verdade... Um homem como esse, um operário que nunca deveria deixar seu trabalho na fábrica, não pode chegar onde chegou... Onde se viu? E essa ofensiva policial-midiática vai penetrando as consciências.

Esse espetáculo montado é uma afronta ao bom senso! Será que estão pensando que a população, que somos todos uns imbecis? Vê-se claro que o que se quer, nesse momento 'oportuno', é 'azeitar' as possíveis demonstrações e protestos. A Mídia da Casa Grande e aqueles policiais "adrede preparados", que passam longos minutos diante das câmeras levantando suspeitas, explicando o inexplicável, repetindo o já dito, têm de deixar de ser hipócritas, e saber que o povo não é ignorante, que ainda há cidadãos e cidadãs sensatos.

Chega! Volto ao início da análise. Será que se quer que alguém que de novo se suicide (ou como alguns dizem claramente: que renuncie)? Ou que o país se conflagre? Incrível: já há "analistas" trazendo "supostas" declarações de generais, dizendo o que se faria se ... Em pleno painel da Globo News (06.03.2016) um ilustre comentarista convidado afirma pontificalmente: "a única saída é a renúncia de Dilma". E um governador do PSDB já tinha afirmado há alguns meses: "Seria um gesto de grandeza de alma da Presidenta". Ora, onde o Estado de Direito? Dilma não foi escolhida por eleição direta? Porque a economia não está bem, precisa renunciar? A favor de quem? Desses porta-vozes da Casa Grande?

O sociólogo Jessé de Souza analisa esse 'fenômeno' com clarividência. Diz ele: "todos os golpes de Estado e todas as perseguições políticas, só podem ser compreendidos pelo divisor de águas que é a luta entre o partido da sociedade inclusiva e o partido da sociedade exclusiva (o partido da sociedade para poucos)" (FSP, 21.02 2016, Ilustríssima, 'Partido da sociedade para poucos').

Chega! Deixem que a experiência que se tenta no Brasil de construção de uma pátria mais igualitária, fraterna, inclusiva, prospere! Quem quiser interromper o processo, prepare seu projeto para apresentá-lo em 2018, mas não convulsione o país! Chega de provocações, de mesquinhezas. Está ficando claro – que bom! - que a própria mídia está perdendo a credibilidade. Precisa mais respeito. Por favor: não suponham, nem exijam, que aceitemos tamanha insensatez!


*Pedrinho Guareschi é graduado em Filosofia, Teologia e Letras; pós-graduado em Sociologia; mestre e doutor em Psicologia Social; pós-doutor em Ciências Sociais em duas universidades (Wisconsin e Cambridge). É professor na UFRGS.
Seus estudos, pesquisas e experiência focalizam a Psicologia Social, com ênfase em mídia, ideologia, representações sociais, ética, comunicação e educação. É autor, dentre outros, de O Direito Humano à Comunicação – Pela Democratização da Mídia (Petrópolis: Vozes, 2013).

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