Ecologia
Integral e Espiritualidade Trans – Religiosa
Autor:
Marcelo Barros-Recife, PE, Brasil
Entre
pronunciamentos e testos emanados de bispos católicos, de patriarcas
ortodoxos e do Conselho Mundial de Igrejas, a encíclica Laudato
Si, do Papa Francisco significou uma novidade pela sua linguagem
aberta e acessível, dirigida a toda humanidade, mas pelo fato de o
Papa assumir o conceito de “ecologia integral” (n. 137ss). Até
pouco tempo, o conceito ainda não era bem aceito, mesmo em ambientes
da ONU. Parecia relegado a pensadores ligados à espiritualidade
profundamente humana e transrreligiosa. Nos anos 70, quando o
norueguês Arne Naess, estudioso do budismo e do taoísmo, lançou o
conceito de “ecologia profunda” (deep ecology), logo as
pessoas aderiram à corrente, como se tratando de um conceito
espiritual. Para autores como Fritjof Capra, a ecologia profunda é
praticamente sinônimo de “ecologia mística”. No Brasil,
Leonardo Boff tinha reelaborado os conceitos; propôs uma visão de
quatro ecologias: a ambiental, a social, a profunda ou interior e a
integral, e compreende a integral como aquela que une todas e se
constitui como caminho espiritual.
1
– Uma espiritualidade ecológica e trans-religiosa Nas chamadas
“religiões do livro” (judaísmo, cristianismo e islã), o
conceito de espiritualidade é “transcendente”, ou seja,
espiritualidade é graça divina e consiste em uma vida conduzida
pelo Espírito. De todo modo, a abertura ao Espírito pede que
estejamos atentos ao que o Espírito diz hoje, não somente às
Igrejas, mas às mais diversas religiões e mesmo a uma boa parte da
humanidade que vive uma busca espiritual independente de religiões.
O papa dedica o 6º capítulo da Laudato Si à Educação e à
Espiritualidade Ecológica (202ss). E explica como seria a
espiritualidade que integra o amor e o cuidado com a natureza no
jeito de se viver a intimidade com Deus. Propõe o caminho
espiritual, em primeiro lugar, aos cristãos, mas pede um diálogo
das religiões com a Ciência e que se valorize a sabedoria religiosa
das mais diversas tradições (199). Cita um místico muçulmano
medieval como mestre de espiritualidade (233). Ao assumir a linguagem
da ecologia integral, o papa se coloca no caminho de uma
espiritualidade profunda. Como Leonardo Boff explica:
“Espiritualidade é perceber as mensagens que o universo nos envia,
é captar o elo secreto que une todos os seres, fazendo que sejam um
cosmo e não um caos” (...) “Espiritualidade é toda atividade e
comportamento humano que encontram sua centralidade na vida (não na
vontade de poder, nem da acumulação, nem do desfrute fugaz do
prazer), na promoção e na dignificação de tudo o que estiver
ligado à vida”.
O
fato de a ecologia integral denunciar o antropocentrismo vai
no sentido de uma espiritualidade profunda que conduz as pessoas e
comunidades a evoluir de uma sensibilidade egocêntrica para uma
amorosidade universal. Ken Wilber (2007) chama de “visão integral”
o processo existencial que nos faz passar de um estágio egoico a uma
fase etnocêntrica e, finalmente, a um modo de viver cosmocêntrico.
2
– Ecologia integral, caminho de espiritualidade
Até
hoje, um imenso e grave problema em nossas Igrejas é que essa
abertura ao social e ao ambiental ainda não conseguiu penetrar no
que podemos chamar de núcleo duro da fé e da espiritualidade. Em
vários países, campanhas de Quaresma abordam temas sociais e
ambientais. Igrejas locais assumem até questões sociais como opções
de ação pastoral. No entanto, ao olhar para dentro das Igrejas, se
tem a impressão de que, apesar de todo o caminho já percorrido, as
questões sociais e ambientais ainda não conseguem penetrar no
coração cultural da fé e da oração. Nem são consideradas
elementos integrantes e intrínsecos da missão. Por isso, o primeiro
elemento para se viver uma ecologia integral como expressão
de um caminho espiritual é abrir o mais profundo das religiões e
tradições espirituais a esse cuidado ecossocial.
Aí
poderemos ver religiões como o cristianismo, o judaísmo e o islã,
assim como as religiões orientais e as afrodescendentes, defenderem
claramente que um tipo de economia não seja uma atividade isolada e
sim expressão de uma política de inclusão ecossocial e de uma
ética amorosa. Em vários Ecologia integral e espiritualidade
trans-religiosa Marcelo Barros Recife, PE, Brasil 233 países,
independentemente de religião, movimentos sociais e grupos de base
têm lutado para que a sociedade respeite e defenda como bens comuns
a terra, a água, o ar, a saúde, a educação e outros... Ao falar
de ecologia integral, a Laudato Si se refere aos bens
que devem ser vistos como bens comuns (156ss).
Qualquer
pessoa que aprofunde os caminhos de uma ecologia integral
percebe que dentro do sistema capitalista não há lugar para uma
verdadeira ecologia integral. Ora, isso coloca o grande
desafio: viver em um sistema que é destruidor da natureza e da
dignidade dos pobres como profetas e profetisas de outro mundo
possível, ou seja, de outra forma de organizar o mundo. É um
cuidado permanente e espiritual.
Um
elemento que une espiritualidade transrreligiosa e ecologia
integral é o aprendizado pessoal e comunitário para o Diálogo.
Para a ecologia integral, o diálogo deve nos abrir a todas as
categorias da humanidade em uma aliança em prol da salvação do
Planeta.
3
– Propostas para um caminho novo
Relembro
aqui alguns elementos que unem os princípios de uma ecologia
integral a uma espiritualidade libertadora e transrreligiosa:
3.1
Aprimorar a capacidade de escutar
Toda
espiritualidade profunda, judaico-cristã e em outros caminhos e
tradições, começa pela escuta de uma palavra que nos chama à
conversão. Essa escuta é um ato de espiritualidade. Na Bíblia, é
a atitude fundamental que deve ter Israel (Shemá Israel, Dt
6,4ss). É essa escuta que faz de alguém profeta ou profetisa.
Antropologicamente, a escuta é o princípio essencial de toda
atitude de diálogo e de espiritualidade. Supõe a aceitação
positiva e criativa (não resignada) do diferente. Em uma
espiritualidade ecológica, somos chamados a aprender a escutar o
clamor da Terra e da natureza e a nos unir a todos os seres vivos em
uma só comunidade da vida.
3.2
Uma profunda conversão
Os
apelos da natureza nos chamam à conversão como uma verdadeira
palavra profética de Deus. Eles não são diferentes ou separados do
clamor dos empobrecidos e explorados do mundo que pedem justiça e
lutam por uma vida digna e libertada. As diversas dimensões da
escuta – dos pobres, da terra e da natureza e, por meio das
escutas, a escuta do próprio Espírito Criador, mãe de ternura, se
constituem como elemento de uma espiritualidade baseada na ecologia
integral e na caminhada da libertação. Segundo os evangelhos
cristãos, a conversão é mudança de mentalidade (metanoia)
e transformação de vida. No entanto, o apelo à conversão, de um
modo ou de outro, pode ser encontrado em diversas tradições
espirituais. Temos de reinventar nossa maneira de viver no mundo.
Isso convoca a humanidade a um profundo despertar espiritual.
3.3
Abertura às tradições autóctones
Muito
do cuidado ecológico que hoje se torna matéria de espiritualidade
nas Igrejas e outras religiões veio de tradições como o xamanismo,
pajelanças e as diversas religiões afrodescendentes. A
espiritualidade da libertação nos recorda que, para ser profundo e
integral, o processo de conversão pessoal precisa assumir a dimensão
da solidariedade e a participação na luta pela libertação social
e humana de nossos irmãos e irmãs e, ao mesmo tempo, o cuidado com
a Terra, a água e todos os seres vivos.
3.4
O caminho do coração
Outro
elemento que faz da ecologia integral um caminho de
espiritualidade é retomar a centralidade da dimensão afetiva e do
coração. Não se trata de menosprezar o intelecto, mas descobrir a
inteligência amorosa. Ela nos faz descobrir que “em tudo há um
coração e que, em último termo, o coração do ser humano e o
coração de Deus são um único grande coração que pulsa amor e
cordialidade”.
Carlos Rodrigues Brandão sintetiza o pensamento de Teilhard de
Chardin ao afirmar: “Ser é unir. Eis a lei mais profunda do Real.
Cada ser é a síntese de outros que lhe são anteriores. Nesse
sentido, a união cria. Dela sempre resulta um ser que é mais do que
os elementos que compõem e que é novo, porque a União diferencia
(e, no caso do ser humano, personifica: o Eu cresce no Nós). Essa
energia unitiva fundamental é a de ordem espiritual interna: Amor”.
O
paradigma do Bem Viver indígena, além de ser um projeto
social vindo das culturas indígenas, pode ser para nós um
testemunho concreto da realização de uma ecologia amorosa que nos
faz viver em comunhão com todo ser vivo e com todo o universo.
A JUSTIÇA SOCIAL SEGUNDO O
ENSINO SOCIAL DA IGREJA
A justiça como fruto do
amor.
Segundo nossa fé o amor é
fruto do Espírito Santo. E ele não está desligado do amor ao
próximo. Isso Jesus deixa bem claro depois de lembrar o amor a Deus:
"amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos
dependem toda a lei e os profetas" (Mt22, 39-40). LC 55.
O amor cristão tem uma
identidade própria. Seus traços principais são os seguintes: amor
aos inimigos e perseguidores; amor misericordioso; amor cheio de
compaixão; amor gratuito e universal. LC 55.
O amor vivido e pregado por
Jesus se converte no imperativo da prática da justiça. " O
amor evangélico e a vocação de filho de Deus, à qual todos os
homens são chamados, tem como consequência a exigência, direta e
imperativa, do respeito de cada ser humano em seus direitos à vida e
à dignidade. Não existe distância entre o amor ao próximo e a
vontade de justiça. Opor amor e justiça seria desnaturar a ambos.
Mais ainda, o sentido da misericórdia completa o da justiça,
impedindo a esta última de se fechar no círculo da vingança".(LC).
O amor que deságua na promoção da justiça prioriza os pobres.
"O amor ao homem - em primeiro lugar ao pobre, no qual a Igreja
vê Cristo - concretiza-se na promoção da justiça. Esta nunca se
poderá realizar plenamente, se os homens não deixarem de ver nos
necessitado, que pede ajuda para a sua vida, um inoportuno ou um
fardo, para reconhecerem nele a ocasião de um bem em si, a
possibilidade de uma riqueza maior"; CA58
Por isso, "As
desigualdades iníquas e todas as formas de opressão, que hoje
atingem milhões de homens e mulheres, estão em aberta contradição
como Evangelho de Cristo e não podem deixar tanquila a consciência
de nenhum cristão" LC57.
Sentido amplo da justiça.
Como vimos a
justiça tem como fonte o amor ao próximo. E tem como objetivo,
regular as relações humanas e sociais no sentido de respeitar os
direitos de cada um. É o que diz o Sínodo dos Bispos sobre a
justiça no mundo: "O amor é antes de tudo exigência absoluta
de justiça, isto é, reconhecimento da dignidade e dos direitos do
próximo" JM 37.
Dentro desse espírito, a
Igreja define o sentido de justiça como virtude moral. "a
justiça é uma virtude moral que consiste na vontade constante e
firme de dar a Deus e ao próximo o que lhe é devido. A justiça
para com Deus chama-se 'virtude da religião'. E para com os homens
ela dispõe a respeitar os direitos de cada um e a estabelecer nas
relações humanas a harmonia que promove a equidade em prol das
pessoas e do bem comum. O homem justo, muitas vezes mencionado nas
Escrituras, distingue-se pela correção habitual de seus pensamentos
e pela retidão de sua conduta para como o próximo". CIC 1807.
Sentido estrito da justiça
social. O amor
cristão se dirige a Deus e ao próximo. O amor ao próximo se
pratica na vivência da justiça no sentido geral que nos referimos
acima. Porém o ser humano vive em relação com os outros, com a
comunidade e com a sociedade. O amor cristão praticado no âmbito da
sociedade chama-se justiça social.
"A Igreja fala de justiça
social para definir o que compete à sociedade para garantir as
condições e os meios básicos que permite aos grupos, as
associações e às pessoas obter o que lhes é necessário segundo a
sua natureza e vocação. Por isso, a justiça social está ligada ao
bem comum e ao exercício da autoridade". CIC 1928.
A justiça social está
intimamente ligada ao
bem comum. "É
próprio da justiça social, impor aos membros da comunidade tudo o
que é necessário ao bem comum. Porém, do mesmo modo como num
organismo vivo provemos as necessidades do corpo inteiro fornecendo a
cada uma de suas partes e a cada um de seus membros o que lhes falta
para que cumpram suas funções, assim também, em toda a
coletividade, é preciso que se dê a cada uma das partes e a cada um
de seus membros - ou seja, homens que tenham a dignidade de pessoas -
aquilo que lhes é necessário para o cumprimento de suas funções
sociais" (DR 51).
“Todo ser humano é portador
de uma dignidade inviolável e sujeito de direitos e deveres que o
dignificam na sua relação com Deus como filho, com os outros como
irmãos e com a natureza como senhor. Mas não é suficiente o
reconhecimento formal dessa dignidade e igualdade fundamentais. É
preciso que esse reconhecimento seja traduzido na proporção de
condições concretas para realizar e reivindicar os direitos
fundamentais de todos os homens e de todas as mulheres: direito à
vida e a um padrão digno de existência, direito à saúde e ao
lazer; direito à educação, inclusive religiosa e a escolher o tipo
de educação desejada para os filhos; direito à liberdade
religiosa; direito ao trabalho e à remuneração suficiente para o
sustento pessoal e da própria família; direito de todos à
propriedade, submetida à sua função social; direito à segurança,
à preservação da própria imagem e à participação da vida
política”. (CNBB, 38, 91).
Além
disso, os direitos da pessoa pode ser ampliado: à vida; à
integridade corporal, à defesa contra a sujeição forçada da mente
( GS 27), à proteção do ambiente físico (OA 21), à proteção
contra a tortura moral ou física (GS 27), aos meios suficientes para
um nível de vida digno, incluindo: alimentação, habitação,
cuidados médicos, lazer (PT 11), aos meios para desenvolver-se por
si mesmo (GS 69), ao trabalho em condições justas (GS 66), sem
ofender a dignidade física (RN 35), sem prejudicar a vida familiar
do trabalhador (RN 16), com remuneração justa (RN 16), à
propriedade particular dos bens necessários para liberdade pessoal e
familiar (GS 71), à iniciativa econômica (MM 51-58), a participar
equitativamente da riqueza nacional (OA 16), aos serviços
indispensáveis dos Estado, em caso de: doença, invalidez, velhice,
viuvez, demissão de emprego, ou contra causa involuntária em que se
perdem os meios de subsistência (PT 11), a conhecer e exercer seus
direitos e deveres (GS 75), a não ser discriminado por razão de
sexo, raça, cor, condição social, língua ou nacionalidade (GS 29
e 66).
A
sociedade humana consegue desenvolver-se adequadamente se tiver uma
autoridade legítima que persiga o bem comum. “A sociedade humana
não estará bem constituída nem será fecunda a não ser que lhe
presida uma autoridade legítima que salvaguarde as instituições e
dedique o necessário trabalho e esforço ao bem comum” (CIC,
1897). A legitimidade da autoridade está ligada ao emprego de “meios
moralmente lícitos. Se acontecer que os dirigentes promulguem leis
injustas ou tomem medidas contrárias à ordem moral, estas
disposições não poderão obrigar a s consciências” (CIC 1903).
Para evitar que a autoridade extrapole seus limites é necessário
“que cada pode seja equilibrado por outros poderes e outras esferas
de competência que o mantenham no justo limite. Este é o princípio
do 1estado de direito, no qual é soberana a lei, e não a vontade
arbitrária dos homens” (CIC 1904).
ECOLOGIA INTERIOR
Frei
Beto, SP, Brasil
Por
um minuto, esquece a poluição do ar e do mar, a química que
contamina a terra e envenena os alimentos, e medita: como anda teu
equilíbrio ecobiológico? Tens dialogado com teus órgãos
interiores? Acariciado o teu coração? Respeitas a delicadeza de teu
estômago? Acompanhas mentalmente teu fluxo sanguíneo?
Teus
pensamentos são poluídos? As palavras, ácidas? Os gestos,
agressivos? Quantos esgotos fétidos correm em tua alma? Quantos
entulhos - mágoas, ira, inveja - se amontoam em teu espírito?
Examina a tua mente. Está despoluída de ambi- ções desmedidas,
preguiça intelectual e intenções inconfessáveis? Teus passos
sujam os caminhos de lama, deixando um rastro de tristeza e
desalento? Teu humor intoxica-se de raiva e arrogância? Onde estão
as flores do teu bem-querer, os pássaros pousados em teu olhar, o
som cristalino de tuas palavras? Por que teu temperamento ferve com
frequência e expele tanta fuligem pelas chaminés de tua
intolerância?
Não
desperdiça a vida queimando a tua língua com as nódoas de teus
comentários infundados sobre a vida alheia. Preserva o teu ambiente,
investe em tua qualidade de vida, purifica o espaço em que
transitas. Limpa os teus olhos das ilusões de poder, fama e riqueza,
antes que fiques cego e tenhas os passos desviados para a estrada
dessinalizada dos rumos da ética. Ela é cheia de buracos e podes
enterrar o teu caminho em um deles.
Tu
és, como eu, um ser frágil, ainda que julgues fortes os semelhantes
que merecem a tua reverência. Somos todos finos copos de cristal que
se quebram ao menor atrito: uma palavra descuidada, um gesto que
machuca, uma desconfiança que perdura.
Graças
ao Espírito de Deus que molda e anima o teu ser, o copo partido se
reconstitui, inteiro, se fores capaz de amar. Primeiro, a ti mesmo,
impedindo que a tua subjetividade se afogue nas marés negativas.
Depois, a teus semelhantes, exercendo a tolerância e o perdão, sem
jamais sacrificar o respeito e a justiça. E ama também a natureza,
pois dela recebes todos os frutos que alimentam a tua vida. Tu mesmo
és fruto singular engendrado por bilhões de anos de evolução
desse Universo no qual acampas tua breve existência. E deixa que
Deus te ame sobejamente.
Livra
a tua vida de tantos lixos acumulados. Atira pela janela as caixas
que guardam mágoas e tantas fichas de tua contabilidade com os
supostos débitos de outrem. Vive o teu dia como se fosse a data de
teu renascer para o melhor de ti mesmo - e os outros te receberão
como dom de amor.
Pratica
a difícil arte do silêncio. Desliga-te das preocupações inúteis,
das recordações amargas, das inquietações que transcendem o teu
poder. Recolhe-te no mais íntimo de ti mesmo, mergulha em teu oceano
de mistério e descobre, lá no fundo, o Ser Vivo que funda a tua
identidade. Guarda este ensinamento: por vezes é preciso fechar os
olhos para ver melhor
Acolhe
a tua vida como ela é: uma dádiva involuntária. Não pediste para
nascer e, agora, não desejas morrer. Faze dessa gratuidade uma
aventura amorosa. Não sofras por dar valor ao que não merece
importância.
Porém,
arma-te de indignação e esperança. Luta para que todos os caminhos
sejam aplainados, até que a espécie humana se descubra como uma só
família, na qual todos, malgrado as diferenças, tenham iguais
direitos e oportunidades. E estejas convicto de que convergimos todos
para Aquele que, supremo Atrator, impregnou-nos dessa energia que nos
permite conhecer a abissal distância que há entre a opressão e a
libertação.
Faze
de cada segundo de teu existir uma oração. E terás força para
expulsar os vendilhões do templo, operar milagres e disseminar a
ternura como plenitude de todos os direitos humanos. Ainda que
estejas cercado de adversidades, se preservares a tua ecobiologia
interior serás feliz, porque trarás em teu coração tesouros
indevassáveis.
A RAIZ DA CRISE ECOLÓGICA E SOCIAL: a
tecnologia a serviço da economia e da política.
Embora a ciência e
tecnologia “[podem] produzir coisas realmente valiosas para
melhorar a qualidade de vida do ser humano”, elas também têm dado
“àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder econômico
[…] um domínio impressionante sobre o conjunto do gênero humano e
do mundo inteiro”. Francisco
diz que estamos fascinados pelo paradigma tecnocrático, que promete
crescimento ilimitado. Mas esse paradigma “supõe a mentira da
disponibilidade infinita dos bens do planeta, que leva a ‘espremê-lo’
até ao limite e para além do mesmo”. Os que defendem esse
paradigma “[parecem] não preocupar-se com o justo nível da
produção, uma melhor distribuição da riqueza, um cuidado
responsável do meio ambiente ou os direitos das gerações futuras.
Com os seus comportamentos, afirmam que é suficiente o objetivo da
maximização dos ganhos”.
No documento Laudato Si o papa Francisco
reflete sobre o impacto da tecnologia na vida das pessoas e no meio
ambiente. Ele reconhece a contribuição da tecnologia no
melhoramento da qualidade de vida do ser humano (102-103): indústrias
químicas; medicina moderna; revolução digital; robótica;
biotecnologias; nano tecnologias; objetos de uso doméstico; grandes
meios de transporte; pontes; edifícios; etc.
Por outro lado, a tecnologia dá um poder
tremendo “àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder
econômico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o
conjunto do gênero humano e do mundo inteiro”. E o documento
questiona como será usado esse poder? No passado o nazismo , o
comunismo e outros regimes totalitários o usaram para exterminar
milhões de pessoas. Hoje se usa na guerra instrumentos cada vez mais
mortíferos. É um perigo que esse poder esteja nas mãos de uma
pequena parte da humanidade (104).
Nem sempre o poder da tecnologia e da
economia proporciona o desenvolvimento humano. “a verdade é que o
homem moderno não foi educado para o reto uso do poder, porque o
imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um
desenvolvimento do ser humano quanto à sua responsabilidade, aos
valores, à consciência”. (...) “Por isso, é possível que hoje
a humanidade não se dê conta da seriedade dos desafios que se lhe
apresentam, e cresce continuamente a possibilidade de o homem fazer
mau uso do seu poder quando não existem normas de liberdade, mas
apenas pretendas necessidades de utilidade e segurança. O ser humano
não é plenamente autônomo. A sua liberdade adoece quando se
entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades
imediatas, do egoísmo, da violência brutal. Nesse sentido ele está
nu e exposto diante de seu próprio poder que continua a crescer, sem
ter os instrumentos para o controlar. Talvez disponha de mecanismos
superficiais, mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida,
uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite
e o contenha dentro de um lúcido domínio de si” (105).
O documento continua sua reflexão sobre
o desenvolvimento tecnológico e diz que o seu problema fundamental é
outro e mais profundo: “o modo como realmente a humanidade assumiu
a tecnologia e o seu desenvolvimento juntamente com um paradigma
homogêneo e unidimensional”. O referido paradigma consiste na
compreensão do sujeito dentro do processo lógico-racional que se
apropria do objeto que se encontra fora. “Um tal sujeito
desenvolve-se ao estabelecer o método científico com sua
experimentação, que já é explicitamente uma técnica de posse,
domínio e transformação. É como o sujeito tivesse à sua frente
uma realidade informe totalmente disponível para a manipulação”
(...). “o que interessa é extrair o máximo possível das coisas
por imposição da mão humana, que tende a ignorar e esquecer a
realidade própria do eu tem à sua frente. Por isso, o ser humano e
as coisas deixaram de se dar amigavelmente a mão, tornando-se
contendentes. Daqui passa-se facilmente à ideia de um crescimento
infinito e ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os
teóricos da finança e da tecnologia” (...). “trata-se de um
falso pressuposto de que existe uma quantidade ilimitada de energia e
de recursos a serem utilizados, que a sua regeneração é possível
de imediato e que os efeitos negativos das manipulações da ordem
natural podem se facilmente absorvidas” (106).
Este paradigma tecnológico origina as
muitas dificuldades do mundo atual. E condiciona a vida das pessoas e
o funcionamento da sociedade. “Os efeitos da aplicação desse
modelo a toda a sociedade, humana e social, constata-se na degradação
do meio ambiente, mas isto é apenas um sinal do reducionismo que
afeta a vida humana e a sociedade em todas as suas dimensões. É
preciso reconhecer que os produtos da técnica não são neutros,
porque criam uma trama que acaba condicionando os estilos de vida e
orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de
determinados grupos de poder. Certas opções, que parecem puramente
instrumentais, na realidade são opões sobre o tipo de vida social
que se pretende desenvolver” (107).
“O paradigma tecnológico tende a
exercer o seu domínio também sobre a economia e a política. A
economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do
lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas
para o ser humano. A finança sufoca a economia real. Não se
apreendeu a lição da crise financeira mundial e, muito lentamente,
apreende-se a lição do deterioramento ambiental”. Em muitos
círculos afirma-se que a economia atual e a tecnologia resolverão
todos os problemas ambientais. O mesmo se diz a respeito do mercado
que tem condições de resolver o problema da fome e da miséria do
mundo. Na realidade o mercado “por si mesmo, não garante o
desenvolvimento humano integral nem a inclusão social. Entretanto
temos um superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta,
de modo inadmissíveis, com perduráveis situações de miséria
desumanizadora, mas não se criam, de forma suficiente rápida,
instituições econômicas e programas sociais que permitam aos mais
pobres terem regularmente acesso aos recursos básicos”. E o
documento aponta as raízes mais profundas dos desequilíbrios
atuais: “estes tem a ver com a orientação, os fins, o sentido e o
contexto social do crescimento tecnológico e econômico” (EG 109).
Outra limitação do paradigma
tecnológico é a sua especialização, pois a “fragmentação do
saber realiza a sua função no momento de obter aplicações
concretas, mas frequentemente leva a perder o sentido da totalidade,
das relações que existem entre as coisas, do horizonte alargado: um
sentido que se torna irrelevante. Isto impede de individuar caminhos
adequados para resolver os problemas complexos do mundo atual,
sobretudo os do meio ambiente e dos pobres, que não se podem
enfrentar a partir de uma única perspectiva nem de um único tipo de
interesses”. Daí a necessidade da ciência contar com outras áreas
de saber como a filosofia e a ética social. (EG 110).
Isso se aplica à solução dos problemas
ambientais. “Buscar apenas um remédio técnico para cada problema
ambiental que aparece, é isolar coisas que, na realidade, estão
interligadas e esconder os problemas verdadeiros e mais profundos do
sistema mundial” (EG 111).
O documento afirma que é possível
construir um olhar mais amplo através da liberdade humana e, desse
modo, limitar a técnica e “orientá-la e coloca-la ao serviço de
outro tipo de progresso, mais saudável, mais humano, mais social,
mais integral”. Isto já acontece: “quando comunidades de
pequenos agricultores optam por sistemas de produção menos
poluentes, defendendo um modelo não consumista de vida, alegria e
convivência”. “Ou quando a técnica tem em vista
prioritariamente resolver os problemas dos outros, com o compromisso
de os ajudar a viver com mais dignidade e menos sofrimento”. (EG
112).
“Na raiz se diagnostica na época
moderna um excesso de antropocentrismo (EG 116): o ser humano não
reconhece mais sua correta posição em relação ao mundo e assume
uma posição autoreferencial, centrada exclusivamente em si mesmo e
no próprio poder. Deriva então uma lógica do “descartável”
que justifica todo tipo de descarte, ambiental e humano que seja, que
trata o outro e a natureza como um simples objeto e conduz a uma
miríade de formas de dominação. É a lógica que leva a explorar
crianças, a abandonar os idosos, a reduzir os outros à escravidão,
a superestimar a capacidade do mercado de se autorregular, a praticar
o tráfico de seres humanos, o comércio de peles de animais em risco
de extinção e de diamantes ensanguentados’. É a mesma lógica de
muitas máfias, dos traficantes de órgãos, do tráfico de drogas e
do descarte de crianças porque não correspondem ao desejo de seus
pais (EG 123).
Nesta luz, a encíclica aborda duas
questões cruciais para o mundo de hoje.
Antes de tudo, o trabalho: “em qualquer
abordagem da ecologia integral que não exclua o ser humano, é
indispensável incluir o valor do trabalho” (EG 124), bem como
“renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita
imediata é um péssimo negócio para a sociedade” (EG 128).
A segunda diz respeito aos limites do
progresso científico, com clara referência aos organismos
geneticamente modificados (EG 132-136), que são “uma questão de
caráter complexo” (EG 135). Embora “nalgumas regiões, a sua
utilização ter produzido um crescimento econômico que contribui
para resolver determinados problemas, há dificuldades importantes
que não devem ser minimizadas”. O papa Francisco pensa em
particular nos pequenos produtores e trabalhadores rurais, na
biodiversidade, na rede de ecossistemas. É, portanto, preciso
assegurar “um debate científico e social que seja responsável e
amplo, capaz de considerar toda a informação disponível e chamar
as coisas pelo seu nome” a partir de “linhas de pesquisas
autônomas e interdisciplinares que possam trazer nova luz” (EG
135). Os últimos quatro parágrafos foram retirados do IHU,
quinta-feira, 10 de dezembro de 2015.
Questões:
1.- Qual a atitude
de Francisco para com a tecnologia? O que ele quer dizer por
paradigma tecnocrático (101, 106-114)?
2.- Como Francisco sustenta que “os produtos da técnica não são neutros” (107, 114), que o “paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e a política” (109)?
3.- Francisco diz: “[somos demasiadamente lentos em criar] instituições econômicas e programas sociais que permitam aos mais pobres terem regularmente acesso aos recursos básicos” (109). O que ele quer dizer aqui? Por que isso acontece?
4.- Francisco afirma que “o mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social” (109). Por que ele diz isso? Você concorda?
5.- Francisco sustenta: “Buscar apenas um remédio técnico para cada problema ambiental que aparece, é isolar coisas que, na realidade, estão interligadas e esconder os problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial” (111). Quais são os verdadeiros e mais profundos problemas do sistema global que Francisco tem em mente?
6.- Francisco convida a um olhar ampliado (112), a uma “corajosa revolução cultural” (114). Como seria isso na realidade?
7.- O que Francisco quer dizer por “antropocentrismo moderno” (115)?
8.- Para Francisco, “a crise ecológica é uma expressão ou uma manifestação externa da crise ética, cultural e espiritual da modernidade” (119). O que ele quer dizer por “relativismo prático” (122) e “cultura do relativismo” (123)?
9.- Por que Francisco sustenta que qualquer abordagem da ecologia integral deve também defender o trabalho, o emprego (124)?
10.- O que Francisco vê como aspectos positivos e negativos das tecnologias biológicas? (130-136)?
2.- Como Francisco sustenta que “os produtos da técnica não são neutros” (107, 114), que o “paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e a política” (109)?
3.- Francisco diz: “[somos demasiadamente lentos em criar] instituições econômicas e programas sociais que permitam aos mais pobres terem regularmente acesso aos recursos básicos” (109). O que ele quer dizer aqui? Por que isso acontece?
4.- Francisco afirma que “o mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social” (109). Por que ele diz isso? Você concorda?
5.- Francisco sustenta: “Buscar apenas um remédio técnico para cada problema ambiental que aparece, é isolar coisas que, na realidade, estão interligadas e esconder os problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial” (111). Quais são os verdadeiros e mais profundos problemas do sistema global que Francisco tem em mente?
6.- Francisco convida a um olhar ampliado (112), a uma “corajosa revolução cultural” (114). Como seria isso na realidade?
7.- O que Francisco quer dizer por “antropocentrismo moderno” (115)?
8.- Para Francisco, “a crise ecológica é uma expressão ou uma manifestação externa da crise ética, cultural e espiritual da modernidade” (119). O que ele quer dizer por “relativismo prático” (122) e “cultura do relativismo” (123)?
9.- Por que Francisco sustenta que qualquer abordagem da ecologia integral deve também defender o trabalho, o emprego (124)?
10.- O que Francisco vê como aspectos positivos e negativos das tecnologias biológicas? (130-136)?
O PRINCÍPIO DO BEM COMUM
1. Significado
O ser humano organizou a vida
em sociedade porque por si mesmo não consegue criar todas as
condições para realizar sua vida segundo as exigências de sua
dignidade. Por isso, a razão de ser do Estado, que coordena a vida
da sociedade, é criar todas as condições socais para que toda e
qualquer pessoa que dela participa possa desenvolver plenamente a sua
dignidade (PT 53).
A compreensão de bem comum
mais difundida na Igreja é do papa João XXIII contida na Encíclica
Mater et Magister: "O bem comum consiste no conjunto de todas as
condições de vida social que consistam e favoreçam o
desenvolvimento integral da pessoa humana". Em outras palavras,
é o conjunto de condições concretas que permite a todos atingir
níveis de vida de acordo com a sua dignidade. Ele é superior ao bem
privado, mas inseparável do bem da pessoa. O bem comum nacional é a
responsabilidade e a própria razão de ser do Estado que só pode
aquilo que promove o bem de todos sem discriminação.
2. Alcance.
Mesmo sendo responsabilidade
primeira de o Estado promover o bem comum, não significa que todos
os cidadãos, em nível pessoal e em nível de grupos organizados,
tem sua cota de responsabilidade. "todos os cidadãos e todos os
grupos intermediários devem contribuir para o bem comum. Disto se
segue, antes de mais nada, que devem ajustar os próprios interesses
às necessidades dos outros, empregando bens e serviços na direção
indicada pelos governantes, dentro das normas da justiça e na devida
forma e limites de competência. Quer isto dizer que os respectivos
atos da autoridade civil não devem ser formalmente corretos, mas
também de conteúdo tal que representa o bem comum, ou a ele possam
encaminhar" (PT 53).
3. Fundamento.
O princípio do bem comum se
fundamenta na dignidade da pessoa humana. Ela é o princípio, o meio
e o fim de toda organização social (GS ). Em vista disso, o estado
tem o dever de proporcionar e realizar o bem comum.
A dignidade de todo ser humano
está fundamentada na fé cristã: " Criados à imagem e
semelhança com Deus único, dotados de uma mesma alma racional,
todos os homens tem a mesma natureza e a mesma origem. Resgatados
pelo sangue de Cristo, todos são convidados a participar na mesma
felicidade divina; todos, gozam, portanto, de igual dignidade"
(CIC 1934).
"A igualdade entre os
homens diz essencialmente respeito à sua dignidade pessoal e aos
direitos que daí decorres. Qualquer forma de discriminação nos
direitos fundamentais da pessoa, seja ela social ou cultural, ou que
se fundamenta no sexo, raça, cor, condição social, língua ou
religião deve se superada e eliminada, porque contraria o plano de
Deus (GS 29, 2)
Do conceito cristão da
dignidade humana advém os direitos fundamentais do ser humano. Sua
realização acontece, principalmente, através da concretização do
bem comum.
4. Aplicação prática do
bem comum.
Para compreender melhor o
alcance do bem comum destacamos quatro aspectos fundamentais. Três
estão presentes no Catecismo da Igreja Católica. O outros é
destacado pela CNBB.
a) Respeitar a pessoa na
realização de sua vocação integral.
"Em nome do bem comum os
poderes públicos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais
e inalienáveis da pessoa humana. A sociedade é obrigada a permitir
que cada um de seus membros realize sua vocação. Em particular, o
bem comum consiste nas condições para exercer as liberdades
naturais indispensáveis ao desabrochar da vocação humana. 'Tais
são os direitos de agir segundo a norma reta da consciência, o
direito à proteção da vida particular e à justa liberdade, também
em matéria religiosa". CIC 1907
b) Garantir a realização
dos direitos fundamentais do ser humano
"O desenvolvimento é o
resumo de todos os deveres sociais. É claro, cabe a autoridade
servir de árbitro, em nome do bem comum, entre os diversos interesse
particulares. Mas ela deve tornar acessível a cada um aquilo de que
precisa para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento,
vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura, informação
conveniente, direito de fundar um lar, etc". CIC 1908.
c) Promove a paz na
sociedade.
"... uma ordem justa,
duradoura e segura. Supõe, portanto, que a autoridade assegure, por
meios honestos, a segurança da sociedade e a de seus membros,
fundamentando o direito à legítima defesa pessoal e coletiva"(
CIC 1909).
d) Priorizar os pobres nas
políticas públicas.
"A sociedade inteira deve
ser solidária com todos os homens, solidária, em primeiro lugar com
o homem que tem mais necessidade de auxílio, o pobre. A opção
pelos pobres é uma opção cristã; é também uma opção da
sociedade que se preocupa com o verdadeiro bem comum" CNBB 38,
94.
Diante do mundo globalizado
onde as interdependências entre as nações é cada vez maior se faz
necessário pensar e promover o bem comum em nível internacional.
Nessa linha caminha a reflexão da Igreja. O bem comum mundial é o
bem da comunidade das nações reza a Encíclica Centesimus Annos.
(CA, 52). Sua aplicação deve ser confiada a uma autoridade
supranacional e cujos sujeitos são os diversos países do mundo. Sua
concretização ainda está sob a tutela da ONU. Se faz necessário
uma evolução: organização de instituições internacionais que
promovam o bem de todas as nações, priorizando as menos
favorecidas. "As dependências humanas se intensificam.
Estende-se aos poucos à terra inteira. A unidade da família humana,
reunindo seres que gozam de uma dignidade natural igual, implica um
bem comum universal. Este exige uma organização da comunidade das
nações capaz de 'atender às várias necessidades dos homens, tanto
no campo da vida social (alimentação, saúde, educação...) quanto
em certas condições particulares que podem surgir cá ou lá, tais
como a necessidade (...) de acudir aos sofrimentos dos refugiados
(...) bem como de ajudar os emigrantes e suas famílias'". CIC
1911.
PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE.
1. Significado.
"Em virtude...(da
solidariedade)... o homem deve contribuir, com seus semelhantes, para
o bem comum da sociedade, em todos os seus níveis. Sob este ângulo,
a doutrina da Igreja opõe-se a todas as formas de individualismo
social ou político" (LC 73, 3).
A solidariedade, segundo o
ESI, não deve ser entendida como "um sentimento de compaixão
vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas
pessoas, próximas ou distantes. Pelo contrário, é a determinação
firme de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de
cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por
todos"(SRS 38, 6).
O princípio de solidariedade
pode ainda ser definido como "... o princípio segundo o qual
cada um cresce em valor e dignidade na medida em que investe suas
capacidades e seu dinamismo na promoção do outro. Analiticamente
este princípio vale para todas as relações concretas: entre homem
e mulher, os pais e os filhos, os grupos sociais, os níveis e
setores de poder, o capital e o trabalho, o mundo desenvolvido e
subdesenvolvido". (Communio, 144).
2. Alcance.
O Princípio de solidariedade
é uma via de duas mãos. Ele é que direciona a relação entre a
pessoa e a sociedade. Essa relação acontece pelo fato da pessoa ser
essencialmente um ser social. Sua "vida social não é algo
acrescentado ao próprio ser humano". Ele "por sua própria
natureza, necessita absolutamente de vida social" (GS 25). Isto
pelo fato da necessidade do "aperfeiçoamento da pessoa humana e
o desenvolvimento da própria sociedade" (GS 25).
Outro dado importante para
entender a relação entre pessoa e sociedade, segundo o ESI, é o
fato da pessoa ser o ponto de partida e a razão de ser de toda e
qualquer organização social. Para entender melhor essa afirmação
é necessário distinguir entre o social pessoal e o social real. "O
social real é a coisificação das relações, que são as
instituições, as leis, as estruturas. O social - pessoal são as
próprias relações entre as pessoas, por isso esse social é sempre
pessoal e o pessoal é sempre social. Com essa distinção entende-se
o que a GS, no nº 26, diz:
'Portanto, a ordem social e o
seu progresso devem ordenar-se incessantemente ao bem das pessoas,
pois a organização das coisas (social real) deve subordinar-se à
ordem das pessoas (social pessoal) e não o contrário. O próprio
Senhor o insinua ao dizer que o sábado foi feito para o homem e não
o homem par o sábado'. (ESI e Ideologia, p. 25).
A realização da
solidariedade tendo como ponto de partida a pessoa humana, segundo a
DGAE, acontece em três níveis: a)
Iniciativas e práticas solidárias
- é o nível do socorro às necessidade imediatas e urgentes do
povo, cujo modelo é o bem pastor, que socorre o ferido com os
próprios recursos, sem perguntar quem é;
b) Reivindicações de Políticas Públicas
- assistência médica, emprego, educação, habitação...; c)
Participação política
- lutar por um modelo de sociedade mais justa e solidária (156 -
175).
Da parte da sociedade, a
realização da solidariedade, acontece através de Políticas
Públicas e através de leis, instituições e estruturas a serviço
dos excluídos da sociedade.
3. Fundamento - a Trindade
O modelo de unidade do gênero
humano na qual se inspira, em última instância, a solidariedade é
a Trindade. "Este supremo modelo de unidade, reflexo da vida
íntima com Deus, uno em três Pessoas, é o que nós cristãos
designamos com a palavra 'comunhão'. Esta comunhão, especificamente
cristã, ciosamente preservada, alargada e enriquecida com o auxílio
do Senhor, é a alma da vocação a Igreja para ser 'sacramento' no
sentido já indicado"(SRSD, 40,3). Esta é a tarefa da
solidariedade: realizar o desígnio divino de comunhão no plano
individual, da sociedade nacional e internacional (SRS, 40, 4).
Além disso, o ser humano é
criado à imagem e semelhança de um Deus trino. Por isso, ele é na
sua essência um ser solidário. "O homem é uma pessoa, em
igual medida o homem e a mulher; de fato, os dois foram criados à
imagem e semelhança do Deus pessoal (...). Podemos compreender ainda
mais plenamente no que consiste o caráter pessoal do ser humano,
graças ao qual ambos - homem e mulher - são semelhantes a Deus. Na
'unidade dos dois', o homem e a mulher são chamados, desde o início,
não só a existir 'um do lado do outro' ou 'juntos', mas também a
existir reciprocamente 'um par o outro' (Mulieris dignitatem, 6-7).
Essa ralação de reciprocidade entre homem e mulher se estende a
toda e qualquer relação entre as pessoas: desde as relações do
social pessoal até as relações do social real.
Tendo como fundamento a
Trindade e a própria ação redentora de Jesus Cristo a
solidariedade tem dimensões bem específicas cristãs . "À luz
da fé, a solidariedade tende a superar-se a si mesma, a revestir-se
das dimensões especificamente cristãs da gratuidade total, do
perdão e da reconciliação. O próximo, então, não é só um ser
humano com seus direitos e sua igualdade fundamental em relação a
todos os demais; mas, torna-se a imagem viva de Deus Pai, resgatada
pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objeto da ação permanente do
Espírito Santo. Por isso, ele deve ser amado, ainda que seja
inimigo, com o mesmo amor que o ama o Senhor; e é preciso estamos
dispostos ao sacrifício por ele, mesmo aso sacrifício supremo: 'dar
a vida pelos irmãos' (1 Jo 3, 16)[SRS, 40, 2].
4. Exigências práticas da
solidariedade.
a) Criar a consciência da
partilha.
"A prática da
solidariedade no interior de cada sociedade é validada quando os
seus membros se reconhecem uns aos outros como pessoas. Aqueles que
contam mais, dispondo de uma parte melhor dos bens e de serviços
comuns, hão de sentir-se responsáveis pelos mais fracos e estar
dispostos a compartilhar com eles o que possuem. Por outro, lado, os
mais fracos, na mesma linha de solidariedade, não devem adotar uma
atitude meramente passiva ou destrutiva de tecido social; mas, embora
defendendo os seus direitos legítimos, fazer o que lhes compete para
o bem de todos. Os grupos intermediários, por sua vez, não deveriam
insistir egoisticamente nos seus próprios interesses, mas respeitar
os interesses dos outros" (SRS, 39).
b) Promover a solidariedade
entre os pobres.
"Sinais positivos no
mundo contemporâneo são, ainda, a maior consciência de maior
solidariedade dos pobres entre si, as suas intervenções de apoio
recíproco e as manifestações públicas no cenário social sem
recorrer à violência, mas tornando-se presentes as próprias
necessidades e os próprios direitos perante a ineficácia e a
corrupção dos poderes públicos. Em virtude do deu peculiar
compromisso evangélico, a Igreja se sente chamada a estar do lado
das multidões pobres, a discernir a justiça de suas solicitações
e a contribuir para satisfazer , sem perder de vista o bem dos grupos
no quadro do bem comum" (SRS, 39, 3).
c) Lutar pela solidariedade
internacional
O princípio da solidariedade
se aplica também nas relações internacionais. Tudo deve estar a
serviço de todos, privilegiando os mais pobres. "O mesmo
critério aplica-se, por analogia, nas relações internacionais. A
interdependência deve transforma-se em solidariedade, fundada sobre
o princípio de que todos os bens da criação são destinados a
todos: aquilo que a indústria humana produz, com a transformação
das matérias primas e com a contribuição do trabalho, deve servir
igualmente para o bem de todos (SRS, 39,4).
d) Solidariedade como
condição da paz e desenvolvimento.
Sem justiça social a paz fica
cada vez mais distante. A prática da solidariedade é uma forma de
viver a justiça social. Nesse caso, a solidariedade é entendida no
sentido de colocar os bens, os serviços, as qualidades das pessoas
em favor da promoção humana de todos e de cada um. Por isso, "...
a solidariedade que nós propomos é o caminho para a paz e, ao mesmo
tempo, para o desenvolvimento.. Com efeito, a paz do mundo é
inconcebível se não se chegar, por parte dos responsáveis, ao
reconhecimento de que a interdependência exige por si mesmo a
superação da política dos blocos, a renúncia de todas as forma de
imperialismo econômico, militar ou político, e a transformação da
recíproca desconfiança em colaboração. Esta última,
precisamente, é o procedimento próprio da solidariedade entre os
indivíduos e entre as nações" (SRS 39, 8).
1)Significado.
A participação é outro
princípio social que orienta a reflexão e o comportamento social de
todos os membros da Igreja. Ele é definido como " o
envolvimento voluntário e generoso da pessoa nas relações sociais.
É necessário que todos participem, cada um conforme o lugar que
ocupa e o papel que desempenha, na promoção do bem comum. Este
dever é inerente à dignidade da pessoa humana". CIC 1913.
2) Alcance.
O ser humano, hoje mais do que
nunca, possui duas aspirações fundamentais: à igualdade e à
participação (OA, 22). Em vista disso, ele procura promover um tipo
de sociedade democrática. A experiência da democracia demonstra
duas coisas importantes: a diversidade de modelos democráticos; a
imperfeição contidas em todos eles. Por isso, a busca permanece
aberta, entre as tendências ideológicas e pragmáticas (OA 24, 1).
O cristão tem o dever de participar também ele nesta busca
diligente, na organização e na vida da sociedade política. Ser
social, o homem constrói o seu destino numa série de grupos
particulares que exigem, com seu complemento e como condição
necessária para o próprio desenvolvimento, uma sociedade a mais
ampla, de características universais, a sociedade política. Toda a
atividade privada deve enquadrar-se nesta sociedade ampliada e toma,
por si mesmo, a dimensão do bem comum" (OA, 24).
A participação é um
componente essencial na construção de uma sociedade mais justa e
solidária. "A sua força está no fato de que assegura a
realização da justiça social. A participação justa,
proporcionada e responsável de todos os membros e setores da
sociedade no desenvolvimento da vida socioeconômica, política e
cultural é o caminho seguro para alcançar uma nova convivência
humana" (DSI. Formação Sacerdotal p. 53).
3) Fundamento.
O fundamento do princípio da
participação está arraigado na dignidade e na liberdade do ser
humano (OA 24; PT 73). O ser humano, como imagem e semelhança de
Deus, recebeu de seu criador o encargo de conduzir o seu destino e o
destino de seus semelhantes segundo o Projeto de Deus. Para tal
tarefa, Deus dotou o ser humano com inteligência, liberdade,
vontade, consciência, sabedoria. São todas qualidades divinas
constitutivas de todo e qualquer ser humano. O desenvolvimento da
dignidade humana e de sua liberdade acontecem na medida em que
contribui como os outros seres humanos para construir um mundo digno,
justo e solidário para todos.
4) Exigências práticas da
participação.
a) Necessidade de uma
educação adequada para poder participar de forma qualificada.
A participação cristã na
vida política para ser qualificada e ser cristã exige uma educação
adequada para a vida em sociedade. Essa educação inclui informação
sobre os direitos de cada um e o reconhecimento dos deveres de cada
um em relação aos outros. É bom salientar que o sentido e a
prática do dever sofrem o condicionamento do domínio de si mesmo, a
aceitação das responsabilidades e das limitações impostas ao
exercício da liberdade do indivíduo ou do grupo (OA 24, 2).
b) Distinguir participação
política x ideologia.
A participação política que
se expressa na ação política trata-se de uma ação e não de uma
ideologia. Ela tem como "base de sustentação um esquema de
sociedade, coerente nos meios concretos que escolhe e na sua
inspiração, a qual deve alimentar-se numa concepção plena da
vocação do homem e das suas diferentes expressões sociais. Não
compete nem ao Estado, nem sequer aos partidos políticos que
estivessem fechados sobre si mesmo, procurar impor uma ideologia, por
meios que viessem a redundar em ditadura dos espíritos, a pior de
todas. É sim aos grupos culturais e religiosos - salvaguardando a
liberdade de adesões
que eles pressupõem - que
assiste o direito de, pelas suas vias próprias e de maneira
desinteressada, desenvolverem no corpo social essas convicções
supremas, acerca da natureza, da origem e do fim do homem e da
sociedade" (OA 25, 1). Nesse sentido vale lembrar o que diz o
documento Dignitates Humanae: "A verdade não se impõe de outro
modo senão pela sua própria força da verdade, que penetra nos
espíritos, ao mesmo tempo suave e fortemente".
c) As dificuldades de uma
participação mais eficaz.
"Hoje o âmbito da
participação é mais vasto; ele estende-se também ao campo social
e político, em que igualmente tem que ser instituída e
intensificada uma compartilha razoável nas responsabilidades e nas
decisões": (OA 47, 2).
Em seguida o documento coloca
a difícil tarefa de participar das decisões pelos seguintes
motivos: as alternativas propostas às decisões são cada vez mais
complexas; as considerações a ter em conta são múltiplas e a
precisão das consequências é aleatória, apesar do esforço das
ciências novas de iluminar a liberdades nesses momentos importantes.
Mesmo diante dessas limitações, o documento prega uma 'difusão
maior na comparticipação, no elaborar das decisões, na sua eleição
e no pô-las em prática'. E o documento propõe, diante de uma
tecnocracia crescente, a criação de formas de democracia moderna,
'que não somente proporcione a cada homem a possibilidade de
informar-se e de exprimir-se, mas também que o leve a comprometer-se
numa responsabilidade comum' (OA 47, 2). Tudo isso tem como objetivo
transformar os grupos humanos, pouco a pouco, em comunidades de
comparticipação e de vida. Deste modo se chegará a um sentido mais
profundo de liberdade: 'comprometer-se e prodigalizar-se, para chegar
a construir as solidariedades ativas e vividas. Mas para o cristão é
ao perder-se em Deus que o liberta, que o homem encontra uma
verdadeira liberdade, renovada na morte e ressurreição do Senhor'
(OA 47, 3).
d) Implicações prática
da participação: assumir a responsabilidade com a comunidade e a
sociedade.
O primeiro passo é assumir as
próprias responsabilidades com a comunidade e a sociedade através
da participação democrática. Não deixar-se guiar pelo
individualismo e corporativismo. Isso acontece através:
- principalmente na
corresponsabilidade da gestão dos bens público (escolas, postos de
saúde, orçamento municipal). Isso acontece pela participação nos
conselhos paritários (da saúde, da assistência social, da criança
e adolescente...). Acompanhar, apoiar, fiscalizar as Câmeras
Municipais, as Assembleias Legislativas, o Congresso Nacional, o
Poder Executivo e Judiciário para saber onde são gastos os recursos
públicos. Assim o Estado estará a serviço dos interesses da
população e não de poucos privilegiados.
- do cuidado na escolha dos
representantes do povo; avaliar o desempenho dos partidos e
acompanhar a atuação dos eleitos.
- da promoção da formação
política e do estudo dos programas dos partidos. E de outras
iniciativas (cartilhas, palestras, debates e escolas de fé e
política).
- do ncentivo da participação
nos partidos, nos sindicatos e nos movimentos sociais.
- da intensificação da ação
social em parceria com os poderes públicos, outras Igrejas e com as
ONGs(Organizações Não Governamentais).
PRINCÍPIO DA
SUBSIDIARIEDADE.
1)Significado
O sentido da palavra
subsidiaridade vem do latim subsidium que significa 'auxílio
proveniente da reserva´. A palavra tem o sentido de uma ajuda: "um
auxílio útil, muito útil, mas não necessário (A Doutrina Social
da Igreja, S. Paulo, 1969, p. 280, nota 6).
Com o princípio da
subsidiaridade, o ESI "define os limites da competência da
sociedade, com relação à pessoa. Por essa razão, há quem
sintonize o princípio de subsidiarirdade com 'fórmula de
competência' ou, simplesmente, com princípio de competência. Desse
modo ficam assim garantidos os direitos e a autonomia das pessoas. O
modo de atendimento e a limitação das competências, na ajuda
(subsidium), diz respeito ao princípio de subsidiariedade"(Unisinos,
98).
A definição clássica do
princípio de subsidiariedade vem de Pio XI, na Quadragesimo anno:
"Permanece fixo e inamovível, na filosofia social, , aquele
importantíssimo princípio (...). Assim como é injustiça subtrair
aos homens, individualmente considerados, o que, por sua própria
iniciativa e forças, logram realizar, e delegá-lo à sociedade,
assim também é injusto e, ao mesmo tempo, gravemente danoso e
perturbador da reta ordem delegar a uma sociedade maior e mais alta o
que pode ser conseguido e realizado por comunidades menores e
inferiores, já que toda e qualquer atividade social, por sua
natureza e definição, deve proporcionar auxílio aos membros do
corpo social, nunca, porém, destruí-los e absorvê-los" (QA
46).
2) Alcance
"Como complemento da
solidariedade deve considerar-se a subsidiaridade, que protege a
pessoa humana, as comunidades locais e os 'corpos intermédios' do
perigo de perder sua legítima autonomia. A Igreja está atenta à
aplicação deste princípio por causa da própria dignidade da
pessoa, do respeito do que há nela de mais humano na organização
da vida social e da salvaguarda dos direitos dos povos nas relações
entre sociedades particulares e a sociedade universal" (A
Doutrina Social da Igreja na Formação Sacerdotal, Vozes 38.).
Através do princípio da subsidiariedade se garante a autonomia e a
liberdade das organizações civis frente ao poder das instâncias
governamentais superiores.
O princípio da subsidiaridade
diz respeito à relação ente pessoa e sociedade, em geral, entre
pessoa e instituição, mas também à relação entre comunidades e
Estado. Organizações sociais menores tem o dever de administrar-se
autonomamente, tanto quanto lhes é possível. E sabem fazê-lo,
porque conhecem melhor do que os governos distantes a sua própria
realidade. O estado deve simplesmente ser olhado como instituição
subsidiária. Estatizar tudo eqüivale a instituir burocracia
emperante e vícios de corrupção, como os conhecemos, à sociedade,
na história (Unisionos, p. 102.
3) Fundamento.
O fundamento do princípio de
subsidiariedade tem como base o respeito pela dignidade e liberdade
da pessoa humana. Esse princípio protege o ser humano dos abusos do
poder do Estado. E, ao mesmo tempo, permite o uso da liberdade
pessoal e grupal para encaminhar soluções de problemas que atingem
a pessoa, a comunidade ou o grupo de pessoas organizadas. "O
princípio de subsidiariedade protege a maneira de ser e de viver dos
indivíduos e dos grupos menores contra as investidas de grupos
sociais maiores, criando assim, neste sentido, certa muralha
protetora da autonomia" (DSI, Loyola, p. 36).
No Êxodo, o sogro de Moisés
o aconselha a usar o princípio de subsidiariedade: "Certamente
desfalecerias... Escolhe do meio do povo homens capazes...
Estabelece-os como chefes de mil, de cem e de dez... Assim será mais
leve para ti; e eles levarão a carga contigo (Êx 18, 18-22).
O próprio Jesus faz uso desse
princípio ao escolher os doze apóstolos para enviá-los em missão
(Mt 10 ss). E ao enviar 72 discípulos, dois a dois, nos lugares onde
ele não poderia ir (Lc 10 ss)..
4. Aplicação prática da
subsidiareidade.
a) Responsabilidade das
pessoas e dos grupos sociais.
Tanto a pessoa
como os grupos sociais tem sua parcela de responsabilidade na
construção de uma sociedade justa e solidária através de seus
direitos e deveres. Nesse caso, o Estado tem a missão de estimular a
ação das pessoas e dos grupos sociais. E, se no caso, precisar o
Estado tem o papel de ajudar, complementar e estimular a atividade
pessoal e grupal.
b) Responsabilidade do
Estado.
O Estado não tem o direito de
suprimir ou absorver o que compete à pessoa individualmente ou no
seu grupo. Seria o totalitarismo do Estado. Sua função é garantir
o bem comum. E administrar o bem comum. Assim sendo o Estado
cumpriria o seu principal papel: garantir condições de vida digna
para todos. Nesse caso, quanto maior for aplicado o princípio de
subsidiaridade, tanto melhor há de ser para o próprio Estado. Ele
se desliga de tarefas particulares para cumprir melhor sua tarefa
genérica (Unisinos, p. 99).
c) Justa relação entre a
pessoa e grupos sociais e o Estado.
A autonomia da pessoa e dos
grupos não é plena e total porque o Estado, a organização social
superior tem o dever de intervir subsidiariamente quando os
indivíduos ou as sociedades menores, com culpa ou sem culpa, não
conseguem efetuar as incumbências que lhes cabe, ou, quando se trata
de tarefas somente realizáveis, pelo Estado. Aos representantes
maiores de uma unidade política, incumbe promover os organismos que,
direta ou indiretamente, as integram: Estados, os municípios, as
instituições de ensino de todos os níveis, os sindicatos, as
associações, as sociedades industriais e comerciais. Esta dimensão
pode ser ampliada na relação entre as nações enquanto soberanas
devem prestar auxílio mútuo dando preferência as que se encontram
em via de desenvolvimento (GS 86) (Unisinos, p, 100-101).
3. Prevenção contra a
falsa concepção de poder.
“Por outro lado, preveniu o
apóstolo contra uma falsa concepção de poder ao adverti-los:
‘Sabeis que aqueles que vemos governar as nações as dominam, e os
seus grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim: ao
contrário, aquele que dentre vós quiser ser o primeiro entre vós,
seja o servo de todos. Para Jesus o poder legítimo se caracteriza
pelo serviço e não pela dominação. Se é o serviço que deve
caracterizar o poder político, ele se estende a todos os homens, sem
acepção de pessoas: privilegia, porém, os pequenos, os pobres, os
oprimidos. O critério decisivo para julgar o comportamento das
pessoas – e a forteriori dos que detêm o poder – é atender às
reais necessidades das pessoas: dos famintos, dos sedentos, dos sem
teto, dos sem terra, dos sem poder... Só corresponde à evangélica
concepção do poder aquele que é exercido em benefício do povo que
se torna, assim, mediação do poder que vem de Deus. ’É por isso
que a Igreja (...) proclama que é para o bem da sociedade e para a
salvaguarda de sua soberania que o poder é necessário; só isso o
justifica” CNBB 40, 206.
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