20/03/2011

CONTEXTUALIZAÇÃO DA CRISE DE VALORES

Professor Laurício Neumann[1]


       1. Sócio – econômico - político

       O Brasil passa hoje por uma das suas piores crises de identidade de toda a sua história. Esta crise revela uma profunda quebra de valores sobre o valor da vida e da pessoa humana, os valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais da pessoa. Esta crise revela também uma distorção do conceito da vida, da pessoa, da sociedade e da organização da vida em sociedade.

       A nível mundial, esta crise de identidade ou crise de valores fundamentais se revela pela cultura do terrorismo, do ódio, da vingança, do fanatismo religioso, do medo; se revela pela indústria e o tráfico de armas, associada  a indústria e o tráfico de drogas; se revela pelas situações dramáticas de atentados, chacinas, seqüestros, torturas, assassinatos; se revela pelo abuso, a prepotência e a corrupção do poder público e do poder econômico. Revela-se pelas perigosas interações dos Estados Unidos em dominar a saúde, a educação, as fontes energéticas, a biodiversidade e o patenteamento da vida. É a cultura da morte. A população mundial assiste a tudo isso estarrecida, mas, na maioria das vezes, impotente ou indiferente. É a cultura da omissão.

       Em nome da globalização e da mundialização vivemos a unificação do planeta e a mundialização  da informatização, da comunicação, do conhecimento, da economia, do transporte, da cultura, das pesquisas científicas, dos costumes  e dos valores. Paradoxalmente, vivemos a imposição de um projeto como modelo de globalização neoliberal através das potências capitalistas (G7), mais precisamente dos Estados Unidos, que ameaça culturas, ameaça povos inteiros e promove a discriminação, a exclusão e a dependência. É um projeto que coloca em risco a “Aldeia Global”, anunciada por McLuhan. Este modelo neoliberal contamina e compromete nações inteiras pela sua voracidade e pelo seu espírito dominador e explorador. É um “sistema que, apoiado numa concepção economicista de homem, considera o lucro e as leis do mercado como parâmetros absolutos em detrimento da dignidade e do respeito da pessoa e do povo” (Papa João Paulo II, na Eclesia in América, nº 56).

       Em nome do lucro a qualquer preço, este modelo se coloca acima dos direitos humanos, acima do respeito à vida, da integridade do ecossistema e impõe uma visão  instrumental fragmentária, individualista, oportunista, utilitarista e interesseira da realidade e dos bens, transformando até mesmo a vida das pessoas em mercadoria.

2. Histórica

      Toda a história das civilizações é marcada por grandes transformações ou revoluções. A diferença é que na modernidade estas transformações tornaram-se radicais. Por serem radicais, assumiram proporções antes nunca vividas pelo ser humano.

       Primitivamente a história nos mostra o ser humano como alguém que dependia da benevolência da natureza para sobreviver: coletava frutas, caçava e pescava. Por isso era chamado de nômade, porque migrava para novas regiões em busca da fartura de alimentos que a natureza gratuita e generosamente oferecia.

       Com a descoberta da roda, do arado e da enxada se operou a primeira grande revolução tecnológica na vida do ser humano. É a Revolução Agrícola, na qual o ser humano se fixa na terra, progressivamente se impõe às leis e às forças da natureza, planta e produz o sustento para a sua vida. Aos poucos, o ser humano se descobre capaz de fazer, criar e produzir sem depender diretamente da natureza e dos outros. Descobre-se senhor, com poderes de controlar as forças da natureza e de impor, aos poucos, a sua vontade à vontade do outro e da própria natureza. Descobre-se também livre em decidir pela sua vida, sem depender ou prestar contas a ninguém. Portanto, declara a sua autonomia sobre a natureza e sobre os outros. Tudo isso, à primeira vista, parece positivo, na medida em que as revoluções tecnológicas ajudaram o ser humano a conhecer-se melhor, diferente de todos os povos em todos os tempos. É positivo também na medida em que as revoluções tecnológicas possibilitaram uma nova compreensão do relacionamento do ser humano consigo, com o outro, com o cosmos, com a natureza e com o transcendente. As revoluções tecnológicas, por sua vez, facilitaram também o trabalho, influenciaram no conforto e bem estar das pessoas e aumentaram a produtividade.

       Estas revoluções tecnológicas, porém, tem também o lado negativo, na medida em que o se humano não assume os riscos e as conseqüências de suas descobertas, invenções e criações. São negativas também na medida em que o ser humano usa a sua capacidade racional e a sua liberdade para agredir e destruir a natureza, esmagar ou excluir o outro, apropriar-se de bens que são um direito universal.

       Estes aspectos positivos e negativos da presença do ser humano sobre o cosmos e sobre a vida do próximo ficaram mais visíveis a partir da segunda grande revolução tecnológica, a Revolução Industrial, que marca definitivamente o início da Modernidade. A descoberta da máquina e o conseqüente processo industrial operaram uma profunda alteração nas relações sociais e na vida das pessoas.

       Na Revolução Tecnológica Agrícola cada um era dono dos meios de produção: enxada, arado, carroça, etc. Já na Revolução Tecnológica Industrial poucos se tornaram os donos dos meios de produção: máquinas, fábricas, indústrias, terra, etc. A grande revolução que se operou é que o agricultor e o filho do agricultor deixaram de ser donos dos seus meios de produção (enxada, arado, carroça, terra), deixaram de trabalhar para si e passaram a trabalhar para o dono da fábrica. Deste modo, passamos a ter muita gente trabalhando de baixo do mesmo teto (fábrica, empresa), coletivamente, porém sem o direito de desfrutar do resultado do seu trabalho. O resultado do trabalho de todos, fica para o dono da máquina ou da fábrica, que, em troca, paga um aluguel pela força de trabalho, chamado de salário. Em outras palavras, isso quer dizer, que os agricultores, além de expropriados dos seus bens e arrancados do seu meio, foram também explorados, na medida em que deixaram de trabalhar para si e passaram a trabalhar para o dono da fábrica. Com esta lógica, poucos enriqueceram e muitos empobreceram. Ou, o que é pior, passamos a ter “cada vez menos ricos mais ricos às custas de cada vez mais pobres mais pobres (Puebla, 1978)”.

       As mudanças operadas na vida das pessoas ou na vida dos novos trabalhadores industriais assalariados e nas relações sociais são incalculáveis. Além de expropriados e explorados, os novos trabalhadores da era industrial tiveram que organizar toda a sua vida em função da jornada de trabalho e do salário estabelecido pelo patrão por esta jornada.  Ou seja, o trabalhador foi tão desaculturado, que “ele já não se pertence mais, ele pertence vinte e quatro horas do dia ao patrão ou ao dono da fábrica”. Isso significa dizer que o trabalhador industrial, além de deixar de ser dono de seus bens, deixou também de ser dono de sua vida e passou a ser à vontade de seu novo dono. É este novo dono (seu patrão), que através do salário define horários, lazer, escolaridade e educação dos filhos do trabalhador. Define também onde e como o trabalhador vai morar, como vai mobiliar sua casa, como vai vestir seus filhos, o que vai comer, etc. O trabalhador e sua família constróem e reconstroem sua vida sempre segundo a vontade de seus donos. Por isso vivemos numa sociedade dominante, inclusive culturalmente. Deste modo, o trabalhador acabou se transformando em mais uma mercadoria. Mercadoria de compra, de troca e de uso. E quando não serve mais, é descartado, jogado fora.

       Além de mexer com a cultura das pessoas, a modernidade industrial mexeu também com os valores fundamentais das pessoas, como a liberdade, a justiça, o respeito e a honestidade. Hoje, ser livre significa estar à disposição do patrão e submeter-se ao mercado. Sem raízes culturais, despojado dos meios de produção e explorado o trabalhador industrial fica sem saída. Sobra agarrar-se ao emprego e submeter-se às exigências do patrão, já que os direitos humanos e os direitos constitucionais também se tornaram vulneráveis e negociáveis. Quando perde o emprego, não tem como voltar, não tem para onde ir, não tem como sobreviver. Por isso aceita negociar a própria dignidade humana.

       Na modernidade quem tem poder de influência sobre as pessoas já não é a moral, a religião, a Igreja, ou o dono da terra, mas o dono da ciência e da técnica, o dono das máquinas e das fábricas, além dos donos dos meios de comunicação de massa, pois estes donos são também os donos do emprego, do qual depende a sobrevivência da absoluta maioria das pessoas na modernidade.

       Como a ordem do mercado é a qualidade total, a reengenharia e a livre concorrência, a tendência dos patrões é modernizar as fábricas, para isso visitam feiras internacionais em busca de tecnologias que aumentam a produção, reduzem os custos e melhoram a qualidade. Tecnologias que visam substituir cada vez mais trabalhadores pela máquina. Pois a máquina não requer férias, trabalha dia e noite, não tem licença gestante, não fica doente, não vai ao médico, não tem Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, não tem leis trabalhistas e não tem sindicato. Além disso, não reclama, não protesta, não reivindica, não faz greve. É o fim da utopia do emprego para todos.

       Podemos afirmar que as duas primeiras revoluções tecnológicas foram materiais. Pois, na revolução tecnológica agrícola tinha poder quem tinha muita terra. Já na revolução tecnológica industrial passou a ter poder quem tinha muitas ou grandes fábricas.

       Já a terceira revolução tecnológica é imaterial. É a Revolução Tecnológica da Informática. Esta revolução está sendo tão profunda e radical que marca uma nova era da história: a Pós-modernidade. Além do computador, com a capacidade de armazenar dados e informações, surge a Internet, com a informação on-line. Começamos a viver a era da informática a serviço da ciência e da produção. As mudanças rápidas e profundas são visíveis em todas as áreas de conhecimento, principalmente na comunicação, na medicina, na genética e na produção.

       Neste tempo pós-moderno da Revolução Tecnológica da Informática tem poder não mais o dono da terra, nem o dono da fábrica, mas o dono da Microsoft e da Macrosoft.

       A primeira característica desta Revolução Tecnológica da Informática são as marcas. Os donos do mercado, através dos modernos veículos de comunicação, e a informática a serviço destes veículos, fazem o consumidor comprar e consumir marcas e não produtos. Marcas associadas ao desejo, ao prazer, ao poder. A todo produto é agregada uma marca. À marca é agregado um estilo de vida, um jeito de ser, um padrão de valores. Desde o tênis, a camiseta, a bermuda que usamos, o colégio ou a universidade onde estudamos, até o restaurante, o clube e a academia que freqüentamos e o carro que dirigimos, revelam prazer, status e poder pelo valor atribuído às marcas.

       A segunda característica desta Revolução Tecnológica da Informática são as franquias. Além de vender marcas, os donos do mercado vendem franquias. As franquias são a venda de marcas em rede, sempre padronizadas no mundo inteiro, controladas via Internet e que comercializam produtos descartáveis.
       A terceira característica da Revolução Tecnológica da Informática é o acesso fácil e o intercâmbio fácil e permanente do consumidor com o produtor e vice versa. Deste modo, o consumidor sempre se mantém atualizado sobre as modas e suas tendências e os donos do mercado se mantém atualizados quanto às expectativas do consumidor.

        A quarta revolução tecnológica é a Revolução da Biogenética. Esta revolução tecnológica é a combinação da genética com a informática, que permite usar as informações armazenadas no computador sobre animais e vegetais, para programar seres com novas características, criar novas espécies, exterminar espécies existentes, inclusive exterminar com a espécie humana. A era pós-moderna marca o controle definitivo da ciência e do homem sobre a vida. Este será o fim da história ou o fim da espécie humana? Será a pós-modernidade ou a pós-humanidade? O que nos espera? Um ser (ou espécie), físico, biológica e moralmente melhor? Há cientistas que acreditam nisso. E nós acreditamos em que? O surgimento de novas religiões, seitas e filosofias de vida serão um novo sinal dos tempos que pode significar a volta do ser humano para Deus e para o próximo? O que fizemos para acontecer aquilo que acreditamos?

       3. Humano-cristãos ou éticos

       Estes são os novos sinais dos tempos, sinais concretos e muito próximos, que mexem cada vez mais com a vida de cada um de nós. O que estes sinais, à luz dos direitos humanos, à luz da ética cristã, tem a ver com cada um de nós como cristãos, profissionais, cidadãos e, sobretudo, como pessoas humanas?

       As quatro revoluções tecnológicas revelam uma pessoa ou um indivíduo pós-moderno contraditório. Numa ótica, nos deparamos frente a um ser humano livre e capaz, que acredita na sua capacidade de criar, projetar, inventar e transformar. A prova disso é o avanço vertiginoso registrado em todas as áreas do conhecimento que encurta distâncias, aproxima as pessoas, prolonga a vida, controla epidemias, facilita o trabalho, cria conforto, lazer, praticidade, etc. Numa outra ótica, as revoluções tecnológicas revelam o rosto de um ser humano absoluto, um ser humano como centro e medida de todas as coisas. Revela também o rosto de um ser humano sem limites, além de individualista, materialista, imediatista e consumista inconseqüente. As conseqüências são desastrosas na medida em que este ser humano rompe com Deus e se proclama absoluto; rompe com a natureza sem medir as conseqüências das suas ações de intervenção e destruição; rompe com a subjetividade do próximo, na medida em que este é visto como um concorrente, portanto, um estorvo para o enriquecimento fácil; rompe consigo próprio, na medida em que não quer encontrar tempo para interiorizar-se, repensar seu projeto de vida, repensar seus valores, repensar seu conceito de vida, de pessoa, de sociedade e de organização da sociedade.

       As quatro revoluções tecnológicas revelam ainda outras dimensões do ser humano pós-moderno, como o rompimento com a autoridade formal, que deixou de ser a bíblia, Deus, a Igreja, o Papa, os pais e passou a ser o indivíduo. A pós-modernidade, portanto, é a afirmação do indivíduo e da consciência do indivíduo livre.

       Além disso, as quatro revoluções tecnológicas revelam as dimensões do desejo e do prazer. O indivíduo pós-moderno aceita fazer o que gosta. O que não gosta é deixado de lado. Este desejo é provocado e alimentado pelo mercado e estimulado pelos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão. O desejo, porém, está intimamente associado ao prazer. Por isso, o indivíduo pós-moderno deseja possuir, comprar, consumir e desfrutar aquilo que dá prazer, aquilo que faz sentir-se bem. Por isso, felicidade deixou de ser um projeto de vida para transformar-se em momentos de prazer. E para que estes momentos de prazer sejam freqüentes e intensos é preciso romper com diversos valores religiosos e morais, como a fidelidade e o respeito. A ordem estabelecida é esta: “É proibido proibir”. Como conseqüência, a autonomia dos indivíduos se transforma em individualismo, e os indivíduos se transformam em mercadoria, assim como a religião, Deus, a natureza, a água, a mata, o ar, etc. Tudo é transformado em mercadoria de compra, troca e uso. Quando não serve mais, quando não dá mais prazer descarta, joga fora.

       Nesta sociedade pós-moderna, fundamentada na autonomia da consciência e na liberdade dos indivíduos de viverem sua vida sem autoridade e sem moralistas que definem regras e normas e impõe limites, o refúgio torna-se o direito. Por isso, quando o indivíduo se sente lesado na sua liberdade individual, imediatamente busca seus direitos na justiça. Como a justiça está calcada mais na lei do que na ética, esta também está bastante desacreditada, além de viciada pela impunidade. Como o indivíduo já não consegue ter a justiça do direito do seu lado ou não tem condições de alimentar financeiramente os infinitos labirintos da burocracia jurídica, ele prefere viver no chamado pecado, na contraversão, no vício, pois tudo isso também dá muito prazer e, além disso, alimenta a voracidade de lucros do mercado.

       Qual o papel exercido pelas escolas e as universidades, inclusive religiosas, ao longo da modernidade e da pós-modernidade? Adequar-se aos novos tempos e preparar os novos profissionais das diferentes áreas, segundo o mercado? Estes profissionais entram no mercado de trabalho com que valores, expectativas, sonhos e utopias? As utopias do céu na terra, do emprego para todos, do enriquecimento pelo trabalho, etc. estão se dissolvendo como fumaça. Como ser cristão e como ser uma universidade orientada  por princípios cristãos, entrando no mercado? Dando as costas ao mercado, tem como sobreviver? Como conciliar os princípios cristãos da universidade com os interesses do mercado? Se os interesses do mercado conflituam com os princípios cristãos da universidade,  cabe a esta retirar-se, omitir-se ou cabe a universidade, pela sua própria razão de ser universidade, mais ainda orientada por princípios cristãos, entrar no mercado, transformar o mercado?

        Este é o nosso grande desafio: como ser cristão ou ético nesta realidade? Como o cristão e a universidade orientada por princípios éticos justificam a expropriação e a exploração do ser humano? Como justificam o fato de tudo ser submetido às ordens do mercado e tudo ser transformado em mercadoria, inclusive as pessoas? Urge repensar a educação como um todo, principalmente na sua proposta de valores humanos, além da capacitação profissional. Esta proposta educacional deve iluminar os novos tempos da pós-modernidade, principalmente iluminar o debate em torno de temas que são problemas mundiais como: sustentabilidade do planeta, a preservação da vida, o desenvolvimento sem agressão ao meio ambiente, a biodiversidade, a clonagem, os transgênicos, entre outros temas.

       Como estas questões de fundo são abordadas no currículo de diferentes cursos da universidade? Qual o rumo destas discussões? Quais os encaminhamentos, fruto destas discussões? Como estas questões de fundo são tratadas nos projetos de pesquisas da universidade, nos simpósios, seminários e cursos de extensão? Como estas questões de fundo são tratadas nas reuniões com os funcionários e gestores da universidade? Qual o nível de coerência entre as propostas, as conclusões e a prática diária? Existe algum comprometimento diferente dos professores, alunos, funcionários e gestores da universidade em relação a estas questões de fundo?

       Enquanto continuamos convencidos de que tudo deve ser submetido às ordens do mercado e de que tudo é mercadoria, inclusive as pessoas, então fica difícil enxergar uma saída ou traçar um plano de mudanças. Pois, enquanto tudo for submetido às ordens do mercado e considerado mercadoria, não há gratuidade e sem gratuidade é impossível ser humano. A gratuidade é a opção fundamental pelo outro, como centro de tudo, inclusive de sua própria vida. Pois, é a alteridade que constitui a subjetividade. Isso significa dizer que é o outro que permite eu ser. Por isso, o outro existe em mim, como eu existo no outro.

       O que vimos na pós-modernidade é a negação da alteridade, para justificar a afirmação do indivíduo e do mercado descartável. Desde cedo, na família, na escola e através de veículos de comunicação, principalmente a televisão e as revistas em quadrinhos, ensinamos as crianças a negar o outro, desenvolvendo a cultura do “eu” e não do “nós”. Por isso, somos individualistas. E quanto mais negamos a subjetividade do outro, mais individualistas nos tornamos. Negar a alteridade significa negar o outro em mim. Significa arrancar o outro de dentro de mim. A partir desse momento o outro deixa de ser sujeito para mim e passa a ser objeto. Negar a subjetividade do outro, para transformá-lo em objeto, é negar a minha própria subjetividade, para transformar-me também em objeto. A partir desse momento a relação passa a ser uma relação de objetos (eu objeto com o outro objeto) e não mais de sujeitos (eu sujeito com outro sujeito).

       Na verdade, negamos a subjetividade do outro e não o outro em si, pois este interessa enquanto podemos transformá-lo em mercadoria e dele tirar proveito. E quando dele já não conseguimos mais tirar proveito o descartamos, o jogamos fora, o excluímos. Por isso, os milhões de brasileiros pobres da modernidade foram transformados em milhões de brasileiros pobres excluídos da pós-modernidade.

       Como vimos, ao longo do texto, estas questões de fundo são questões profundamente éticas, que exigem de todos os envolvidos maior clareza, mudança de mentalidade, convicção e compromisso coerente. Por parte da universidade, exige clareza e convicção sobre a universidade que desejamos e sobre os valores que desejamos imprimir na preparação dos novos profissionais. Uma universidade orientada por princípios cristãos precisa ter a ousadia e coragem de somar forças para que a formação humana seja colocada na base do conhecimento científico, visando à preparação de profissionais competentes, cidadãos, éticos, cristãos e por isso comprometidos com os ideais de justiça social e de solidariedade.

      4. Referências Bibliográficas

1.AQUINO, Marcelo. Palestra: Alteridade e Solidariedade. Ciclo de Estudos Para uma Ética Solidária. CECREI, São Leopoldo, 2001.
2.ÁVILA, Fernando Bastos. Palestra: Economia Solidária sob a ótica do Ensino Social Cristão. I Seminário Internacional de Ensino Social Cristão, UNISINOS, São Leopoldo, 1999.
3.BASBAUM. Leôncio. Alienação e Humanismo. São Paulo : Global, 1986.
4.BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: A Globalização e o Futuro da Humanidade. Rio de Janeiro : Sextante, 2002.
5.CAFIERO, Carlo. O Capitalismo. Uma Leitura Popular. São Paulo : Pólis, 1984.
6.FOLLMANN, José Ivo. Palestra: A Universidade e o Contexto Social. Seminário; Novos papéis da Universidade na Sociedade Brasileira. UNISINOS, São Leopoldo, 1999.
7.IANNI, Octavio. A Era do Globalismo. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1997.
8.MADELIN, Henri. Palestra: A Crise Civilizacional: Desafios e Perspectivas. Simpósio Internacional do Ensino Social da Igreja e a Globalização: limites e possibilidades, UNISINOS, São Leopoldo, 2001.
9.NEUTZLING, Inácio. Palestra: Formas de Religiosidade na Pós-Modernidade. Ciclo de Estudos sobre Religião e Pós-Modernidade, CECREI, São Leopoldo, 2002.
10.OLIVEIRA, Ismar de. Palestra: Qual a Escola para o Novo Milênio? 2º Congresso Inaciano de Educação. Itaici, São Paulo, 1997.


[1] Laurício Neumann é mestre e doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Nenhum comentário:

Postar um comentário