A conjuntura desta semana retoma, como ponto de partida, aquela feita há duas semanas e na qual tratamos a temática da economia e da sustentabilidade. Referenciados no artigo do economista e professor da USP José Eli da Veiga, apontávamos para os limites do atual modo de organização, produção e consumo e para a urgência de desenvolver uma economia que seja capaz de “reconhecer os sérios limites naturais à expansão das atividades econômicas e rompa com a lógica social do consumismo”, como destacava Eli da Veiga.
A sequência desta análise toma como material para a reflexão aquele sugerido pela revista IHU On-line desta semana e cujo tema de capa é a urgência de uma ecoeconomia. A revista traz as contribuições de Paulo Durval Branco, Serge Latouche, Ladislau Dowbor, Henrique Cortez, entre outros.
As entrevistas da Revista tem o mérito de prosseguir com a discussão sobre os limites do atual modelo de desenvolvimento econômico e a urgência de desenvolver uma economia assentada em outras bases. Um consenso vai se firmando, resumido por Henrique Cortez nos seguintes termos: “Vivemos em um planeta finito e com recursos naturais igualmente finitos. No entanto, o nosso modelo econômico é baseado em produção e consumo infinitos. É evidente que este modelo não funciona por muito tempo.”
Ao mesmo tempo, a principal limitação do cenário atual consiste nisso: no “fato de estarmos regidos pela lógica dominante da possibilidade de crescimento infinito. Toda a nossa economia, todo nosso modelo mental e, consequentemente, todas as nossas criações no plano social e econômico se baseiam em uma possibilidade que não existe, que é a de o crescimento reger todo o nosso caminhar”, como afirma Paulo Durval Branco.
O conjunto das entrevistas aponta para um elemento não destacado na conjuntura anteriormente citada. Para muitos, mais do que centrar a conversa sobre os modelos macroeconômicos – uma reflexão tida como etérea – trata-se de redirecionar os torpedos para a problemática da distribuição do consumo. Parte-se do pressuposto de que vivemos numa sociedade da abundância, em que não faltam os recursos necessários para a sobrevivência digna de todos os 7,6 bilhões de habitantes que habitam no Planeta.
De fato, não se pode escamotear o grave problema da concentração de renda, riqueza e consumo, agravado pela globalização neoliberal, assinalado também já em conjunturas anteriores do ano passado. Serge Latouche afirma categoricamente para a impossibilidade de “a torta, isto é, o produto interno bruto, continuar a crescer”. Em tal contexto, “a única possibilidade para escapar ao pauperismo, tanto no Norte como no Sul, é a retomada dos elementos fundamentais do socialismo, mas sem esquecer, desta vez, a natureza: repartir o bolo de maneira equitativa”. Ou seja, o simples crescimento econômico não é capaz de eliminar a fome e a pobreza em lugar nenhum. Por isso, faz-se necessário continuar a apostar em práticas e políticas capazes de realizar uma redistribuição mais equitativa e justa das riquezas socialmente produzidas. Com justiça, a problemática da distribuição posta-se como um problema ético dos mais graves.
Entretanto, é preciso estar atento a outro aspecto dessa discussão. A distribuição mais eqüitativa – um sonho e um desejo de todos os que estão empenhados em um mundo diferente –, por si só, não elimina o problema de fundo. Nos últimos anos, de maneira sempre mais clara, impôs-se a realidade da insuficiência planetária para dar conta do consumo atualmente existente. A chamada “pegada ecológica”, que mede o “peso” ambiental de nosso modo de vida, está acima da capacidade regenerativa da bioesfera.
Como aponta Ladislau Dowbor, isso se dá porque a natureza e os seres humanos trabalham com lógicas diferentes e irreconciliáveis. Enquanto a natureza funciona em sistema circular, o sistema econômico vigente é linear. “Pegamos recursos naturais, transformando-os em uma indústria, consumimos, e jogamos no lixo sob a forma de plástico. Com isso, estamos acabando com o petróleo no planeta. E não estamos recolocando de volta as bases energéticas utilizadas. O petróleo se acumulou durante centenas de milhões de anos, e nós teremos acabado com ele em 200 anos. A conta que fazemos deste processo é o PIB, o Produto Interno Bruto”, explica Dowbor.
1.2) Decrescimento ou barbárie!
Com outras palavras, mesmo distribuído, o consumo é demasiado alto para um único Planeta dar conta. Com isso estamos querendo chamar a atenção para o fato de que há um imperativo de mexer realmente na lógica econômica vigente. Sem isso não há saída. É nesse sentido que, novamente, apontam vários dos entrevistados pela Revista. Latouche prossegue propondo o que ele chama de “decrescimento”, o que não é “crescimento negativo”. O termo esconde uma realidade muito mais complexa do que o termo possa, à primeira vista, oferecer.
“O projeto de uma sociedade de decrescimento é radicalmente diferente do crescimento negativo, aquele que agora já conhecemos”, insiste Latouche. E prossegue: “O decrescimento só é viável numa ‘sociedade de decrescimento’, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra lógica. A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou barbárie!”. A sociedade de decrescimento não se confunde com o capitalismo reformado ou esverdeado. “Uma economia capitalista ainda poderia funcionar com uma grande escassez dos recursos naturais, um desregramento climático, o desmoronamento da biodiversidade etc. É a parte de verdade dos defensores do desenvolvimento sustentável, do crescimento verde e do capitalismo do imaterial. As empresas (pelo menos algumas) podem continuar a crescer, a ver sua cifra de negócios aumentar, bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as guerras exterminariam nove décimos da humanidade. Os recursos, sempre mais raros, aumentariam mais que proporcionalmente de valor”, cutuca Latouche.
Segundo Dowbor, “temos uma economia que é destrutiva em termos ambientais e é injusta em termos sociais”. Na mesma direção vai Henrique Cortez: “Na realidade, precisamos construir uma nova sociedade, com um novo modelo econômico. Voltando ao tema central, não teremos um futuro minimamente aceitável sem uma profunda revisão dos conceitos, fundamentos e modelo da economia. E não faremos esta revisão sem uma clara compreensão de nossa responsabilidade em termos de cidadania planetária”. E finaliza dizendo que está em questão “o que realmente deve ser entendido como desenvolvimento, como deve ser medido e incentivado”.
Segundo Paulo Durval Branco, a economia ecológica se apresenta como alternativa “porque ela parte de premissas corretas. Uma delas é a impossibilidade do crescimento como um retorno exclusivo do processo econômico. Então, a ecoeconomia supõe o sistema econômico como parte de um sistema maior, que é a biosfera”.
Assim, uma possível leitura desse rico material consiste em perceber que a questão de fundo é a busca de um modo alternativo de economia, capaz de integrar os limites da natureza e a lógica social do consumismo. E isso porque até o chamado “consumo ético” deve ser problematizado, com sugere Henrique Cortez.
De forma enfática e até inusitada, Cortez afirma que “o que hoje se convenciona chamar de consumo ético deve ser encarado como conservador em relação à manutenção do modelo consumista. Assim posso consumir irrestritamente, porque me justifico através do consumo ético. É uma forma de ‘indulgência’ ao ‘pecado’ do consumo. O consumo ético só será transformador se ele questionar o modelo consumista, assumindo sua dimensão coletiva e política em relação ao modelo econômico, às formas de produção e ao sistema político de sustentação. É necessário questionar a quem serve este modelo e a quem beneficia”.
Cortez chama a atenção para uma nova compreensão do ato de consumo, de modo geral sempre mais relacionado à liberdade pessoal e menos referenciado econômica e politicamente. “Comumente, associamos o consumo ético a um ato individual de consciência, uma opção pessoal, mas ele também deve ser considerado em suas dimensões econômicas e políticas”. Em outro momento da entrevista, Cortez reforça essa ideia: “O consumo é um ato político e econômico e, neste sentido, deve ser ético, responsável e sustentável. O consumo só é ético se for sustentável e isto só ocorrerá com uma gigantesca redução do consumo global”.
Paralelamente à emergência da problemática ambiental, foi se cristalizando também a ideia da reciclagem, como forma de remediar os impactos ambientais. Produz-se, consome-se, mas se recicla. Dessa maneira, não se questiona ou mesmo se interrompe a lógica subjacente, que é o que Cortez tenta fazer. Por isso, Latouche dirá que o “melhor lixo é aquele não produzido”.
Pelo acento posto no consumidor, joga-se toda a responsabilidade pelo consumo sobre este e não se questiona o resto. Atribui-se, ideologicamente ou não, a responsabilidade ao consumo e não à produção e à lógica produtiva subjacente.
Para iluminar este aspecto vale recuperar uma reflexão feita por Robert Tomás, professor de Economia Aplicada da Universidade Autônoma de Barcelona e reproduzida no Boletim CEPAT Informa n. 101, de setembro de 2003, p. 5-7. Em artigo intitulado ‘A cultura do desperdício’, o professor adianta que o problema do desperdício em se apresenta sob as vertentes econômica e ecológica. Mas o mais relevante da sua reflexão, no âmbito desta análise, consiste na falácia de que o problema ecológico seria solucionado pela eficiência técnica e pela ênfase na conduta responsável do consumidor.
Sobre a ênfase na conduta do consumidor, escreve: “Supõe-se que é preciso procurar que os consumidores estejam conscientes da irracionalidade de seu modo de vida e adotem uma conduta presidida pela austeridade, pela eficiência e pela consciência cívica e ecológica. Assim, é preciso convencer os cidadãos” para que reorientem seu consumo (...) “Da pressão do consumidor se há de derivar que as empresas compitam entre si para oferecer os melhores produtos do ponto de vista da eficiência energética e do impacto ambiental. Assim, de forma paulatina, se irá eliminando o esbanjamento e a sociedade se fará mais racional, austera e eficiente”.
Mas, o verdadeiro problema deste tipo de argumentação, alerta Robert Tomás, está na “assunção ilusória da capacidade do consumidor para determinar as decisões produtivas das empresas. Basta fixar-se nos poderosos condicionantes a que está submetido o consumo para dar-se conta do irreal desta proposta. É preciso dar um passo a mais e examinar o significado do consumo no contexto das pautas culturais de nossa modernidade”.
1.3) Crise ecológica. O Brasil está perdendo o bonde da história
“Uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas futuras”. Dessa forma, o ambientalista Lester Brown define o conceito de sustentabilidade tão em voga nos últimos tempos. Nesse contexto, e tomando como referência o debate exposto anteriormente, o caso brasileiro se manifesta como uma tragédia anunciada.
O Brasil não apenas está preso ao mantra do crescimento econômico, como vem optando por um crescimento predatório que inevitavelmente comprometerá a vida das gerações futuras. A cegueira, a cobiça e a avidez dos interesses econômicos estão comprometendo aquilo que é o diferencial para a qualidade da bios planetária: a biodiversidade.
O Brasil vem sistematicamente arrasando os seus biomas – amazônia, cerrado, caatinga, pantanal, mata atlântica, pampa – em nome do crescimento econômico. O país está perdendo o bonde da história e não percebe, ou não quer perceber, que é um dos poucos países que poderia oferecer uma alternativa à crise civilizacional, ancorada, sobretudo na crise climática.
“Hoje, estamos num sistema em decadência e, novamente, não se tem uma visão estratégica de futuro, com sustentabilidade”, lamenta a ex-ministra Marina Silva, comentando as entrevistas do presidente Lula e do ex-presidente Fernando Henrique a uma revista semanal sobre as perspectivas do Brasil para 2020. Segundo a ex-ministra, os dois não falaram nada do meio ambiente. “Não reconhecem no Brasil, mais do que em qualquer outro país, o território propício ao surgimento de um modelo de desenvolvimento capaz de fazer a fusão concreta da justiça social sempre procurada, da dinâmica econômica e da dinâmica ambiental”, afirma a ex-ministra.
Definitivamente nunca a humanidade se deparou de forma tão real com o risco de extinção da espécie humana, porém, ao mesmo tempo, e apesar dos sinais evidentes e reiterados, não há interrupção na lógica predatória de exploração dos recursos naturais. Ao contrário, a sensação que se tem é que diante de recursos ameaçados aumenta a ambição desmedida.
1.3.1) O pacote anti-ambiental. A ofensiva dos grupos econômicos
O caso brasileiro é emblemático. Assiste-se a uma ofensiva sem precedentes de grandes grupos econômicos, capitaneados pelo agronegócio, sobre os recursos naturais. “Seja por intermédio de suas bancadas na Câmara e no Senado ou através de suas entidades de classe, os setores ligados ao agronegócio e às obras de infra-estrutura estão mobilizados de Norte a Sul para reverter pontos da legislação ambiental por eles considerados como um entrave ao desenvolvimento produtivo do país”, afirma Maurício Thuswohl.
Segundo ele, os ruralistas iniciaram a maior ofensiva contra leis ambientais jamais vista na história brasileira. “Ao que tudo indica, diz Maurício Thuswohl, os últimos 18 meses do governo Lula serão marcados por uma forte ofensiva ruralista contra os avanços conquistados pelo Brasil em sua política ambiental”.
Algo semelhante, afirma a senadora Marina Silva: “A atual temporada de caça à proteção ambiental não arrefece”, constata a ex-ministra acerca do lobby permanente, incessante e vigoroso dos ruralistas para o desmanche da legislação ambiental que obstaculiza os seus interesses exploratórios.
Marcio Santilli do Instituto Sócio Ambiental (ISA), enxerga um verdadeiro complô contra a legislação ambiental. Segundo ele, “os ruralistas querem se livrar da reserva legal, que exige a manutenção de cobertura florestal em parte das propriedades rurais; empreiteiras querem fragilizar o licenciamento de obras e pagar o mínimo como compensação ambiental; grileiros querem legalizar a ocupação privada de terras públicas; e todos eles fizeram um pacto sinistro, para reunir os votos de parlamentares que lhes devem favores em torno de uma agenda negativa comum”.
Nunca tantos projetos que afetam o ambiente tramitaram no Congresso brasileiro como agora. No pacotão anti-ambiental, que Santilli classifica de pacto sinistro, encontram-se, entre outras, as seguintes iniciativas: Medida Provisória 452; Medida Provisório 458 – conhecida também como MP da Grilagem; alteração do Código Floresta; asfaltamento da BR-319 (Manaus-Porto Velho).
Para Nilo D'Ávila, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, iniciativas como a MP 452, a MP 458 e as propostas de alteração no Código Florestal vão na contramão das metas de redução de desmatamentos assumidas internacionalmente pelo governo brasileiro no Plano Nacional de Mudanças Climáticas: “o governo tem um discurso mais verde para uso externo e outro, bem mais sombrio, para ser usado dentro do país”.
Todas as iniciativas têm em comum o ataque às poucas conquistas ambientais inscritas na constituição brasileira. A MP 452, acabava com a necessidade de licenciamento ambiental para intervenções de reparo, melhoria e duplicação em rodovias federais, inclusive as que cortam a Amazônia. A MP chegou a ser aprovada na Câmara, mas foi obstruída no Senado por falta de quorum. A iniciativa, um projeto de lei de José Guimarães (PT-CE), passou na Câmara graças ao apoio da base governista.
Por outro lado, a MP 458, aprovada na Câmara, permite legalizar milhares de posses de terras públicas com até 1.500 hectares (15 km2) nos Estados amazônicos. Com os adendos, chancela o festival de grilagem na região e abre portas para mais concentração agrária. Segundo a ex-ministra Marina Silva, a MP coloca a Amazônia em risco: “É a consagração da política nefasta do fato consumado. Avança-se sobre áreas públicas na certeza de que mais dia menos dia tudo será legalizado. É um convite a surtos futuros de grilagem, na expectativa de mais uma regularização que, como essa, beneficiará os grandes em nome dos pequenos e da questão social”, diz ela.
Para o especialista em ocupação humana e conflitos agrários na Amazônia e professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, a MP 458 só serve aos interesses de grileiros e funcionários do Incra. Os ambientalistas acusam o senador José Sarney de ter indicado a senadora Kátia Abreu (DEM/TO), da tropa de choque ruralista, como relatora da Medida Provisória 458 no Senado. Segundo os ambientalistas a decisão equivale a raposa tomar conta do galinheiro.
Na esteira de ataque à legislação ambiental, encontra-se ainda a guerra contra o Código Florestal. A bancada ruralista protesta contra a exigência de cumprimento do Código Florestal e quer alterá-lo por considerá-lo rigoroso. Henrique Cortez, coordenador do EcoDebate, lembra que a aprovação do código é de 1965. Segundo ele, “em 1965 a expansão da fronteira agropecuária praticamente não atingia o Cerrado e a Amazônia. De 1965 para cá quem desmatou além do permitido sabia que estava desmatando ilegalmente e o fez deliberadamente. Não é uma vítima inocente de uma lei injusta aprovada ‘ontem’”, afirma. O ambientalista comenta que “a Constituição brasileira ou de qualquer lugar do mundo não garante direitos adquiridos pela ilegalidade. A ninguém é facultado o direito de cumprir ou não a lei. Ilegalidade não se relativiza”.
Os ataques, e desrespeito sistemático à legislação ambiental, estão por detrás da lenta, mas vigorosa destruição da biodiversidade brasileira. Quatro décadas é o tempo que resta de vida para a Mata Atlântica — a floresta que, em 1500, recobria todo o litoral brasileiro e da qual, hoje, restam 7,9% — se o atual ritmo de destruição for mantido. É o que revela o estudo realizado pelo Atlas dos Remanescentes Florestais divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O Estudo mostra que, a despeito de campanhas e alertas, o desmatamento persiste inabalável, no ritmo de 34 mil hectares ao ano desde 2000. Nessa velocidade, a floresta tem data para acabar: 2050.
Ainda mais grave. O Greenpeace acusou o governo brasileiro de financiar e lucrar com o desmatamento da Amazônia. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), segundo a Ong ambientalista é sócio de empresas frigoríficas que têm como fornecedores fazendas que derrubaram floresta recentemente. Entre 2007 e 2009, as cinco maiores empresas do setor, responsáveis por mais da metade das exportações brasileiras de carne, receberam US$ 2,6 bilhões do BNDES em troca de ações, aponta o Greenpeace em relatório divulgado, no qual investiga a cadeia de custódia da carne amazônica.
Acerca da Amazônia, a ativista ambiental indiana Vandana Shiva em entrevista ao jornal La Repubblica, com tradução postada no sítio do IHU, afirma que “a Amazônia não é só uma floresta. Não é só do Brasil. É, antes de tudo, o maior depósito de biodiversidade do mundo, a contribuição mais importante para a estabilidade climática e hidrogeológica que restou na terra. Por isso, é uma questão mundial. E posso dizer, por ter visto com os meus próprios olhos, que a destruição que está ocorrendo ali e a luta ímpar dos índios contra as empresas que querem madeira e matérias-primas e a quem não importa nada deles é uma questão global, e como tal deve ser tratada. Pelos governos em primeiro lugar”.
Vandana Shiva defende que uma atitude radical em relação à Amazônia. Segundo ela, “deveriam, sobretudo, se esquecer da palavra lucro quando se fala sobre essa área do mundo. Os únicos investimentos na Amazônia deveriam ser dirigidos para se garantir a sua sobrevivência e proteção. Só isso deveria ser considerado um ganho, em termos de estabilidade. O que eu espero concretamente é a formação de uma aliança global entre os países em nome da conservação da Amazônia”.
1.4) País repete erros em nome do desenvolvimento - A urgência da ecologia da ação: Governo e sociedade comungam do mesmo modelo de desenvolvimento
Como vimos, tanto o governo federal como o grosso do movimento sindical e social rodam sobre um hardware preso à matriz econômica e desenvolvimentista tributária da revolução industrial. Disso resulta uma economia política contraditória, como também observado.
Entretanto, essa maneira de ver e compreender o mundo apresenta outras contradições, sobre as quais queremos refletir agora. Entramos no século XXI e com ele nos defrontamos com novas questões, cujo enfrentamento diz respeito ao futuro da vida (humana) no Planeta Terra. A questão ambiental e climática traz desafios que devem ser enfrentados em base a um novo paradigma de desenvolvimento. E essa não deve ser uma questão marginal ao debate atual que se dá hoje, sob pena de não estar à altura dos desafios.
O sociólogo francês Alain Touraine, detecta, em suas análises, uma mudança de paradigma. Essa mudança estaria se processando na medida em que saímos de um paradigma econômico e social e entramos em outro, de cunho cultural. Diz ele:
“Durante três séculos, digamos, falamos do social em termos políticos, da paz, da guerra, porque o problema era a criação do Estado. Depois tivemos enfoques econômico-social: luta de classes, sindicatos, exploração, luta social, riqueza, estratificação social. Então, do meu ponto de vista, isso desaparece e é o que chamo de o fim do social. Passamos, sem nos darmos conta, de um discurso, de uma linguagem social, a uma linguagem cultural. Falava-se de trabalho, de capital, agora se fala de ecologia, de mulheres, de gênero, de sexo, de minorais. Todos estes temas têm algo em comum: são culturais. A explicação mais simples é que passamos de uma sociedade industrial, na qual a sociedade de massas existia somente no nível da produção, a uma sociedade na qual há massificação no consumo, na comunicação, em todas as partes”, diz Touraine, em entrevista publicada no Boletim CEPAT Informa n. 117, jan. 2007, p. 27-31).
As categorias “sociais”, com as quais se analisava a realidade, perdem centralidade para as categorias de ordem cultural. É a essa passagem, que Touraine vai chamar de “fim do social”, que ele mesmo qualifica de “fascinante e inquietante”. Esse movimento representa a passagem do paradigma econômico e social ao paradigma cultural. Ou seja, doravante, mesmo os fatos econômicos e sociais serão analisados com categorias culturais. A realidade será vista em chave cultural, e não mais exclusivamente em chave econômica e social.
Edgar Morin, também sociólogo francês, por sua vez, também detecta uma passagem que ele classifica como um deslocamento do paradigma analítico ao paradigma da complexidade. Para Morin, trata-se de ultrapassar a visão simplista da realidade de lado, para apreender o real na sua complexidade. Não mais separar, próprio do método cartesiano, mas unir, “religar”. Superar as dicotomias da modernidade é também o ensejo de Touraine.
Essa reflexão, aparentemente desconexa da nossa análise, é de vital importância para compreender a visão de mundo do Presidente Lula e do movimento sindical e social. Diante dos novos desafios, Morin invoca a necessidade da “ecologia da ação”. “Desde o momento em que um indivíduo empreende uma ação, qualquer que seja ela, esta começa a escapar de suas intenções. Ela entra num universo de interações e finalmente o meio ambiente apossa-se dela num sentido que pode se tornar contrário ao da intenção inicial. Com freqüência a ação retorna em bumerangue sobre nossa cabeça”, escreve Morin no livro Introdução ao pensamento complexo (Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 80-1).
Em outro momento, Morin explicita o princípio da ecologia da ação com outras palavras: “Uma ação não depende somente da vontade daquele que a pratica, depende também dos contextos em que ela se insere, das condições sociais, biológicas, culturais, políticas que podem ajudar o sentido daquilo que é a nossa intenção. Dessa forma, as ações podem ser praticadas para se realizar um fim específico, mas podem provocar efeitos contrários aos fins que pretendíamos.”
A emergência da preocupação ecológica está apontando para a necessidade de uma compreensão complexa da ação e da realidade, que deve ser encarada de forma trans e/ou interdisciplinar.
As decisões econômico-políticas tomadas em base à ecologia da ação são instadas a conjugar simultaneamente as dimensões econômicas, sociais e ambientais. No entanto, como viemos analisando constantemente, muitas das ações implementadas pelo Governo Lula são contraditórias justamente pela falta de transdisciplinalidade. Ou seja, Lula faz política com a “cabeça do peão de fábrica”, isto é, no paradigma industrial e desenvolvimentista no qual cresceu e amadureceu politicamente. Esse é também o problema das forças de esquerda brasileiras, em sua grande maioria.
Em razão disso, já não é mais desejável trabalhar em termos de linearidade (primeiro enfrentamos a crise econômica e depois a ambiental, por exemplo), mas de circularidade (tudo está ligado a tudo). Assim, hoje não é mais possível fazer hidrelétricas, construir casas, fazer agricultura, tratar os indígenas, implementar um PAC como há trinta anos. Porque no novo paradigma, o meio ambiente não pode mais estar subordinado ao desenvolvimento econômico, simplesmente porque não pode mais ser um elemento marginal e dispensável do processo de desenvolvimento.
A síntese do "desenvolvimentismo" é o PAC, lançado pelo governo federal em janeiro de 2007, representa um conjunto de grandes obras de infra-estrutura para alavancar o crescimento econômico do país. O PAC sempre manifestou um silêncio absoluto sobre a questão ambiental.
Característico desta mentalidade de que a questão ambiental se interpõe como obstáculo ao desenvolvimento é a menção de Lula às “pererecas”, agora, mas também aos bagres, aproximadamente dois anos atrás.
Essa mesma lógica, de que o desenvolvimento se faz contra a preservação do meio ambiente, está presente em outras políticas desse governo: na política energética, na transposição do Rio São Francisco, no incentivo ao agronegócio da monocultura da cana-de-açúcar e do eucalipto. Esta mesma lógica está por trás do desmatamento e no tratamento da questão indígena. Ela também emerge com agressividade no tratamento dado à reforma do Código Florestal, onde os interesses dos ruralistas se evidenciam com toda a força.
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