19/11/2011

É possível o encontro entre ecologia e justiça social?

“Por um futuro equânime. Conflitos em torno dos recursos e justiça global”, o último relatório do Wuppertal Institut, organizado por Wolgang Sachs e Tilman Santarius é comentado por Mario Pianta em artigo no jornal italiano Il Manifesto, 22-08-2007.


O último relatório do Wuppertal InstitutPor um futuro equânime. Conflitos em torno dos recursos e justiça global, de Wolgang Sachs e Tilman Santarius – levanta uma questão relevante sobre o estado de saúde do planeta: é possível o encontro entre ecologia e justiça social?


O relatório trabalha na definição de estratégias ambientalistas e responde positivamente ao quesito, na condição, todavia, que a sustentabilidade ecológica do desenvolvimento econômico e a justiça social se encontrem em nível global. Além disso, igualdade, suficiência, compatibilidade e eficiência devem ser os pontos cardeais de uma ação política que conecte a dimensão local à global.


Os autores ilustram as grandes desigualdades da economia e do ambiente e analisa a violência dos mecanismos de apropriação de recursos e riquezas – á água, o petróleo, o comércio, as patentes. Por exemplo, o consumo de energias primárias e as emissões de carbono dos países ricos (que representam em torno de um décimo da população mundial) são pouco menos da metade dos totais do planeta. Conseqüentemente, os cidadãos dos países ricos “ocupam” um espaço ambiental quase oito vezes superior àquele de quem vive nos países mais pobres.


Além disso, a Terra é desfrutada muito mais de quanto seja compatível do ponto de vista ambiental (a estimativa deste “desfrute” fala de 20% de quanto o planeta pode suportar): como atingir o objetivo de um “justo bem-estar” para todos os habitantes do planeta.


O ponto de partida pode ser assim resumido: em nível planetário todo ser vivo é parte da biosfera, todavia, os direitos dos humanos não são absolutos, ou seja, não podem afirmar-se contra a natureza, destruindo outras espécies vivas, ou mudar o clima. Além disso, é necessária uma justiça entre as gerações: os viventes de hoje não podem destruir as condições ambientais para quem viverá amanhã.


Enfim, entre as pessoas pesam diferenças de poder, de renda, de acesso aos recursos: aqueles que se beneficiam das vantagens do desfrute do ambiente não são de fato os mesmos que sofrem desvantagens, e esta divisão influencia o ritmo da degradação ambiental. Perguntas ingênuas como: “a quem pertencem as jazidas de petróleo, os rios, as florestas, a atmosfera?” tornam-se fundamentais para assegurar um futuro. E requerem respostas novas.


A ética e uma necessária inversão de tendência se encerra em quatro princípios: “garantir o direito à existência, redimensionar a requisição de recursos, estruturar as trocas de modo equânime, compensar as desvantagens”. No plano político, o caminho indicado é uma sociedade (e de uma democracia) cosmopolita, na qual todos os cidadãos do mundo tenham iguais direitos e deveres ante o planeta. No plano econômico trata-se de abandonar a idéia de que somente o crescimento torna possível a justiça, visto que é precisamente o crescimento que destrói o ambiente. O objetivo a conseguir é um bem-estar baseado sobre a “suficiência econômica”, isto é, sobre o reequilíbrio no consumo de bens naturais entre as nações e as pessoas que hoje são ricas ou pobres.


O ambicioso tema de uma nova política. Não se trata de discutir o quanto sejam convincentes alguns conceitos ou aspectos singulares das argumentações, mas de verificar se questões aparentemente tão longínquas como a ecologia e a redistribuição da riqueza possam realmente entrelaçar-se e pôr-se como fundamento de uma política pós-nacional.


É recordado que até agora foi a autoridade do Estado nacional que governava tanto os processos de redistribuição quanto as questões ambientais. Uma sociedade cosmopolita para dar vida a sujeitos institucionais supranacionais capazes de exercitar poderes sobre o ambiente e justiça, não basta. De fato, alguns passos importantes ocorreram através dos acordos entre estados em campo ambiental, a questão da redistribuição das riquezas é mantida rigorosamente fechada, sem nenhuma sede institucional que tenham legitimidade e poderes para enfrentar o problema da injustiça em escala planetária.


De imediato, o caminho de saída é construir “pactos de justiça e de ecologia” entre governos, nas quais a tutela dos direitos e da natureza venham antes do comércio e dos lucros. O “comércio justo”, por exemplo, é apresentado como um modelo de atividades econômicas que dêem conta das considerações de justiça e ecologia. Um outro exemplo é o reconhecimento do débito ecológico que os países ricos têm para com os países pobres, e a necessidade conexa de reparações.

Philippe Descola -  O fato é que os homens não estão sozinhos no palco da humanidade. E o resto, aquilo que normalmente se chama de natureza ou meio ambiente, não é propriedade nossa, nem uma projeção nossa, muito menos um simples recurso à disposição do desenvolvimento. As outras criaturas, animais, plantas, minerais, também são coinquilinos do mundo. Não são coisas ou formas de vida...  A nossa ideia de natureza é relativamente recente, a partir do século XVII, quando o mundo foi dividido em duas partes: de um lado, o universo das convenções e das regras, ou seja, a cultura. De outro, o mundo dos fenômenos e das leis da natureza. Desse modo, o ser vivo é cortado em dois e separados de uma parte de si mesmo. Essa foi a concepção que legitimou a dominação e a exploração do ser humano, assim como da natureza? Essa oposição entre cultura e natureza, entre ser humano e as outras criaturas, não é nem universal. A Constituição do Equador, que protege os direitos da natureza, em que a natureza aparece como uma espécie de pessoa viva. Justamente como a Pachamama, a mãe terra das religiões mesoamericanas. Não por acaso, uma cúpula latino-americana reconheceram que os ecossistemas enquanto tais têm direitos.

Desigualdade e espiritualidade:  possível o encontro entre ecologia e justiça social?
Pedro Hespanha é doutor em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

IHU – Na sua pesquisa, o senhor estuda as velhas e novas solidariedades. Como elas se diferenciam?
Pedro Hespanha – As velhas solidariedades eram aquelas que se baseavam muito na proximidade. Os vínculos se davam nas residências, nas vizinhanças, na família, no trabalho.

IHU– As novas solidariedades e globalização desenfreada que nos encaminha para um individualismo?
Pedro Hespanha – Esse individualismo gerado pelas novas solidariedades é uma espécie de luta pela vida, em que cada um procura as soluções para seu caso, imigrando, mudando de local, contando com outros grupos. Eu penso que essas mudanças estão sendo acompanhadas do aparecimento de novas formas de solidariedade e essas são mais difíceis de compreender porque são menos convencionais, porque nós nos habituamos a pensar a solidariedade nesses termos da velha solidariedade. As novas solidariedades são praticamente invisíveis, ou seja, dá trabalho identificá-las. Essas novas solidariedades, por não terem vínculos “face a face”, fazem com que as pessoas participantes já tenham uma trajetória, um percurso de origem bastante diferenciado, etc.

IHU On-Line – E como se constituem essas novas solidariedades?
Pedro Hespanha – Muitas solidariedades são baseadas em fenômenos novos, como a preocupação com o desgaste ambiental e toda modificação do meio ambiente. Esses problemas suscitaram a aproximação, a partilha de interesses, a mobilização e uma solidariedade nova. Entram aí, então, as relações internéticas, as relações dos imigrantes que não se fecham, pelo contrário, são obrigados a se abrirem a outras comunidades étnicas etc. Essa nova situação não se focaliza apenas em individualismos exacerbados, pois também dá lugar a outras novas construções solidárias, mas esse mundo globalizado é, de fato, de grande exclusão. Há muita gente, muitos grupos sociais, muitas regiões que são deixadas para trás e, portanto, a globalização econômica cria risco social. Mas isso criou também novas solidariedades em escala global, como as ONG’s, a contra globalização que passa por um solidariedade de Norte a Sul contra a globalização capitalista. Essa última suscitou o aparecimento de emergência de forma de globalização anti-hegemônicas e o Brasil é um bom exemplo, porque foi aqui que se iniciou essas iniciativas de participação com o Fórum Social Mundial.
Essas novas solidariedades são invisíveis e nós não temos o olhar preparado para assistir essas novas formas, estamos preparados para as formas de solidariedades muito mais entre pessoas com alguma homogeneidade em termos culturais, sociais e étnicos.

IHU – Qual é o papel do Estado em relação as novas solidariedades e a maior relevância?
Pedro Hespanha – O Estado, em alguns casos, paradoxalmente converteu-se numa espécie de inimigo da sociedade civil, e, em outros casos não, pois através de políticas sociais o Estado contribuiu para satisfazer um conjunto de necessidades que sociedade civil teria que satisfazer. Em geral, a sociedade civil queixa-se da ineficácia das políticas sociais, pois não são realmente eficazes, perdem suas motivações ao longo de suas aplicação. Muitas vezes, as políticas sociais são apenas um pretexto de solidariedade do Estado. Ainda assim, acho que o Estado deve ter muito cuidado com os mínimos sociais, é preciso que o Estado tenha recursos e meios para garantir que haja padrões mínimos de cidadania, sobretudo neste contexto da globalização em que a população está sendo deixada para trás, a pobreza e a exclusão ainda não desapareceram nos países mais ricos e, portanto, dos mais pobres menos ainda. Há uma espécie de terceiro mundo no interior dos países de primeiro mundo. A Inglaterra tem taxas de pobreza extremamente elevadas, os Estados Unidos também. São países ricos de grande fortalecimento econômico e que, simultaneamente, têm desigualdades sociais.

IHU – há comercialização da pobreza do 1º mundo dentro dos países do 3º mundo? ... hip hop...
Pedro Hespanha – O sistema econômico e de marketing estão sempre valorizando o que é exótico e diferente e, portanto, convertem padrões de cultura marginal em moda. Embora a música esteja hoje bastante valorizada, não significa que essas comunidades de onde surgiram essas formas culturais estejam emancipadas, pelo contrário, parecem que hoje há uma busca pelo exótico e pelo diferente.
As novas solidariedades precisam superar as novas desigualdades, pois as desigualdades tradicionais eram baseadas na riqueza. Há outras desigualdades que são igualmente preocupantes, já existiam, mas se tornaram populares só agora, como a desigualdade de gênero. As desigualdades de acesso a recursos ambientais também são muito importantes. Hoje temos consciência de que o modo de vida que algumas populações têm não é mais possível porque o planeta já não tem condições de agüentar. Há um conjunto de novas circunstâncias que criam novas desigualdades, ou seja, para cada novo tipo de desigualdades é preciso inventar novos tipos de solidariedades.

IHU– a sociedade brasileira com diferentes culturas, multicultural, convive com um apartheid?
Pedro Hespanha – É uma pergunta muito complexa. A primeira coisa que um estrangeiro tem acerca do Brasil é a percepção de certa multiplicidade cultural. Minha percepção é que ainda existe um modelo de multiplicidade cultural. Existe um esforço, uma discussão acerca deste fato no Brasil muito intensa, que perpassa a academia, e isso é interessante e também cria novas solidariedades.

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