Professor
Laurício Neumann[1]
A crise financeira que abalou os
Estados Unidos, a partir de outubro de 2008, e que se alastrou por todo o
mundo, nos incita a refletir sobre os rumos do capitalismo e sobre a maneira
como a economia é conduzida internacionalmente. Da mesma forma, uma das
preocupações dos brasileiros hoje é entender de que forma nosso país será
atingido por esta crise, quanto tempo ela vai durar e qual o preço que cada um
vai ter que pagar.
A crise trouxe para o cenário várias
questões de discussão como: a autoregulação do mercado; a utopia do livre mercado;
o fim do neoliberalismo; a lógica especulativa do mercado desregulado; as
lições de Keynes e Marx, para entender as cíclicas crises do capitalismo
mundial; o capitalismo como sistema que se alimenta e sobrevive às custas das
crises; e as perspectivas da construção de uma nova sociedade.
Enquanto a era do pensamento único dá
sinais de esgotamento, Karl Mar (1818 – 1883) e John Maynard Keynes (1883 –
1964), que, até pouco tempo, eram alijados do debate econômico, hegemonizado
pelo discurso do mercado livre, sem controle, quanto menos regulado melhor,
voltam ao cenário da discussão para contribuir, com suas idéias, na compreensão
da crise financeira americana, com suas repercussões mundiais.
Antonio Prado, economista e professor licenciado no Departamento
de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), explica
que a crise financeira aconteceu porque “os
bancos de investimento não tinham supervisão e, portanto, fizeram operações
extremamente arriscadas, alavancando operações muito acima do seu capital. E,
ao quebrarem, colocaram todo o sistema financeiro e a economia real numa
situação de risco de colapso”. Quanto a discussão da utilização de dinheiro
público para recuperar instituições privadas, como bancos, Prado sustenta que
“não há outra saída neste momento. É preciso resgatar o sistema financeiro
dessa situação de pré-colapso, rever as regulações e punir os responsáveis”.
Carlos Lessa, economista e
ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), considerando os altos e baixos do cenário econômico
norte-americano, que deixou o mundo em alerta, se pergunta: “Será que o
capitalismo chegou ao fim?”. Ele responde: “Não”, pois o capitalismo tem
“recursos para minimizar a crise”. Porém, com tanta turbulência, aponta Lessa,
o capitalismo vai “negar a sua ideologia de livre mercado, porque sofrerá uma
intervenção do Estado para superar essa crise”. Ainda não há como medir os estragos
dessa tensão, mas uma coisa é certa: “O Brasil já foi atingido”, garante Lessa,
que justifica: “A bolsa de valores caiu violentamente, o real se desvalorizou,
a taxa de câmbio subiu, e as empresas brasileiras que têm empréstimos no
exterior estão com muitas dificuldades de renová-los”.
José Guilherme Vieira, economista e
professor nas Faculdades Integradas Santa Cruz, de Curitiba, ao refletir sobre
a crise financeira internacional, é taxativo: “Eu não recomendaria para ninguém
se endividar agora. Daí para frente é tudo previsível: esfriamento da
construção civil, desemprego, queda no setor de serviços, mais empresas em
dificuldade, inadimplência, quebras, mais desemprego”. Vieira se considera um
keynesiano ao defender a presença e a intervenção do Estado para “regular não
só o sistema financeiro como também para defender a concorrência”. Além da
regulamentação da economia por parte do Estado, a distribuição de renda também
era uma variável chave no esquema de Keynes: “Para a economia, portanto, um programa
como o Bolsa Família é extremamente positivo no seu esquema teórico”, lembra o
economista. No Brasil, o que pode acontecer, segundo o economista, é uma
aceleração, por parte do governo, das obras do PAC para compensar o
desaquecimento, sobretudo porque em 2010 tem eleição presidencial.
Luiz Antônio de Oliveira Lima,
advogado, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) nos traz o
seguinte questionamento: “Se o Estado pode investir bilhões de dólares para
salvar grandes instituições que assumiram riscos insensatos, por que não pode
intervir para salvar milhões de americanos do risco eminente de perder suas
moradias pela execução de hipotecas?” Na opinião dele, “Ressuscitar os
ensinamentos keynesianos é, neste momento, a melhor alternativa para tentar
conter a avalanche que se estende sob a economia mundial”. Por isso, ele propõe
a retomada do modelo econômico proposto por Keynes, como uma “forma de se
neutralizar o efeito da crise financeira sobre a economia real”.
Fernando Ferrari Filho, economista e
professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sustenta que a “mão invisível” do mercado não funciona sem a “mão
visível” do Estado. Em outras palavras, “a reestruturação do sistema
monetário internacional precisa ser arquitetada de forma tal que o referido
sistema não fique à mercê do livre mercado e, principalmente, da hegemonia
econômico-financeira de determinado país”.
Leda Paulani, economista, professora
da Universidade de São Paulo (USP), e presidente da Sociedade Brasileira de
Economia Política, afirma que Keynes lhe ensinou que a teoria do livre mercado
não funciona: “Quanto mais deixado a si mesmo, quanto menos regulado, tanto
mais forte desponta sua tendência de se enroscar em suas próprias pernas,
gerando crises como essa de agora”. Seguidora das idéias de Karl Marx, a
economista da USP explica que para Marx o “livre mercado esconde por trás de
sua aparência de liberdade, igualdade e equilíbrio o contrário disso. Ele põe a
aparência de liberdade porque todos são juridicamente iguais, proprietários de
mercadorias, e parecem livres para vender suas mercadorias a quem quiserem e se
quiserem e para comprar o que quiserem, de quem quiserem e se quiserem. Ele põe
a igualdade porque quando mostra que algo, uma bolsa, por exemplo, é igual a R$
25,00, a venda da bolsa parece uma transação justa, em que se trocou valor de
um tipo por valor de outro tipo. A aparência de equilíbrio vem da reiteração
das transações mercantis (com suas trocas iguais) no dia-a-dia dos mercados,
num movimento que parece poder repetir-se indefinidamente. Quando surgem crises
da dimensão da que agora vivemos, elas não combinam com essa aparência idílica
e denunciam a complexidade e as relações contraditórias que constituem o
sistema capitalista”.
Luiz Gonzaga Belluzzo, advogado,
economista, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), e editor da revista Carta
Capital, também sustenta a posição de que o livre mercado é uma utopia,
pois “a história do capitalismo confirma isso”. E acrescenta: “Não há mesmo
alternativa quando uma crise financeira sistêmica se desenvolve. Se não se
decidir pela intervenção decisiva dos mercados, a crise pode avançar a um ponto
que destrói completamente a capacidade de decisão dos indivíduos. A menos que a
intervenção seja de tal ordem potente e abrangente, como, por exemplo, a
estatização do sistema bancário”. Na prática, o economista se mostra bastante
cético em relação às mudanças que se fazem necessárias, pois o “ambiente mental
e ideológico que hoje prevalece é um obstáculo a uma mudança mais profunda. Não
há nenhuma evidência de que as reformas necessárias serão implementadas
facilmente”.
Álvaro Bianchi, cientista social,
professor da Unicamp e diretor do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) acredita
que o único conselho que capitalistas e liberais podem encontrar em O capital, de Marx, é que “deixem de ser
capitalistas e liberais”. “A obra de Marx, e principalmente O capital, tem por objeto as
contradições da sociedade capitalista e os limites postos ao capitalismo por
essas contradições. São estas contradições econômicas, sociais e políticas as
que provocam suas crises”, afirma Bianchi. Ele lembra que “Marx nunca achou que
o capitalismo encontraria calma e pacificamente seu fim dando lugar a uma forma
de sociabilidade que conseguisse expurgar as crises. Mas as recorrentes crises
do capitalismo revelam as tendências autodestrutivas do próprio capitalismo. A
escala dessa autodestruição não pode ser subestimada”.
Marcelo Carcanholo, economista,
professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Núcleo
Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Marx e marxismo (NIEP-UFF), também
reflete sobre as especulações econômicas em torno da atual turbulência
internacional, como também sobre as possíveis mudanças no capitalismo. “O que
ocorrerá daqui para frente? O socialismo, rumo a uma sociedade
comunista?”, pergunta Carcanholo. Com
pouca esperança, o economista responde que não existem garantias de mudança.
Para ele, uma transformação no modelo econômico capitalista só vai ocorrer “se
os seres humanos se propuserem a isso, e se, de fato, esse projeto for
historicamente exeqüível”. Como estudioso de Marx e pesquisador do marxismo,
Carcanholo, busca entender e explicar a crise financeira mundial a partir das
lições de Marx: “A obra de Marx – em especial, O capital, que trata das leis gerais de funcionamento do modo de
produção capitalista – não tem como objetivo construir uma instrumentalização
político-econômica para resolver os momentos de crise da economia capitalista.
Ao contrário, o que se pretende é mostrar como o processo de acumulação de
capital, e mais especificamente suas leis (de tendência) gerais, pressupõe as
crises econômicas, manifestem-se estas da forma que for”. Em outras palavras,
explica o professor: “as crises não são anomalias do sistema, mas partes
integrantes de sua lógica”.
Paulo Nakatani,
economista, presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), membro do conselho editorial da Revista de Economia Critica, e professor
da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), de forma categórica sustenta
que “Os escritos de Marx nos permitem entender que o desenvolvimento
capitalista é o caminho para a destruição da própria
humanidade”. Referindo-se aos defensores do livre mercado, que defendem
que no capitalismo não pode haver crise, a não ser por fatores externos
Nakatani responde que para “os neoliberais a “culpa” é sempre dos outros, nunca
do capital”. “São estes economistas, naturalmente junto com políticos no poder,
escolas, meios de comunicação etc. que capitanearam as idéias, proposições e
políticas econômicas chamadas de neoliberais que nos conduziram à situação
atual. Eles estão incrustados em todos os níveis e esferas da economia e do
Estado, defendendo essas idéias, sugerindo as atuais medidas de intervenção e
agravando ainda mais a crise do capital”, explica Nakatani.
Para Claus Magno Germer, agrônomo, economista
e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o atual momento de crise
representa apenas uma certeza: “a continuidade da barbárie capitalista”, pois,
para ele, “As crises não constituem anomalias do capitalismo, mas são uma das
suas características mais fundamentais”. Seguindo a orientação marxista, ele
lembra que Karl Marx, já advertia: “As crises financeiras não podem ser
evitadas, embora possam ser atenuadas, ou acentuadas, em certa medida, pelo
Estado”. Segundo Klaus Magno, a crise financeira em curso é prova concreta dos
ensinamentos de Marx, a respeito da impossibilidade de reverter quadros como o
apresentado no decorrer dos últimos meses. Mesmo com a adoção de inúmeras
medidas para conter colapsos financeiros, “as crises sucedem-se porque fazem
parte da natureza do capitalismo, e são por esta razão inevitáveis”, explica o
economista.
André Filipe
Zago de Azevedo, economista e coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Economia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), prevê “um menor
ritmo de crescimento econômico, especialmente das economias desenvolvidas” e “o
aumento da inflação devido ao incremento dos preços das commodities agrícolas e
minerais, impulsionados pela manutenção de elevadas taxas de crescimento nos
países asiáticos”. Na sua avaliação, o economista faz a seguinte projeção:
“embora o mercado financeiro tenha sido alvo de inseguranças e turbulências,
não há motivos para pânico”. Segundo ele, a desaceleração das grandes economias
“pode contribuir para aliviar o segundo problema”, ou seja, “o aumento de
preços das commodities, reduzindo a pressão da demanda sobre alimentos e
petróleo”.
Gilberto Dupas, membro da Comissão de
Ética da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e do Conselho
Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CONAES), afirma que a crise
internacional afeta o Brasil de duas formas: “Primeiro,
pela capacidade do Brasil de manter níveis de exportação da mesma magnitude em
dólar que mantinha anteriormente, em função da queda da economia mundial. E, em
segundo lugar, é preciso reconhecer que os efeitos desta queda da economia mundial
caem sobre a própria renda interna, considerando que, se o país vier a crescer
menos em 2009 (já se fala em números da ordem de 2 a 3%) evidentemente a
expansão da renda deve acompanhar essa diminuição do crescimento”. Esses
dois fatores, esclarece Dupas, afetam a renda e a demanda do país e dos
brasileiros pois, “uma diminuição da demanda externa de commodities, o que
afeta nossos volumes de exportação e, ao mesmo tempo, uma diminuição do
crescimento da demanda interna em função de um menor crescimento do próprio país”.
Roberto Camps Moraes,
economista e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos),
discorda de que a crise financeira atual seja produto da aplicação de
princípios liberais. Ele defende que a
crise atual não pode ser atribuída ao capitalismo e às idéias econômicas
liberais. “Esta idéia é completamente falsa”, afirma ele. Em sua argumentação,
Moraes explica que “a teoria moderna da política monetária, aquela em que se
baseiam os grandes bancos centrais do mundo, e que nada tem que ver com as
falhas regulatórias que foram responsáveis pela crise atual deve uma grande
parte a alguns princípios básicos que foram defendidos por Milton Friedman nas
décadas de 1950 a
1970 do século passado”.
Em janeiro de 2009, os chefes de Estado das
potências capitalistas, reunidos no Fórum
Econômico de Davos, Suíça, admitiram que estavam enganados em relação a
autoregulação do mercado e admitiram também a necessidade de reformular o
capitalismo. Enquanto isso, no Fórum
Social Mundial, no Brasil, também em janeiro de 2009, Boaventura de Sousa
Santos, sociólogo e professor da Universidade de Coimbra, levantou o seguinte
questionamento: “Se nós não dermos a solução, ela virá de Davos, com mais
capitalismo e menos direitos. São eles que estão a pensar uma solução. Nós nos
reunimos (no Fórum Social Mundial) desde 2001 e não fomos nós que derrotamos o
neoliberalismo, ele cometeu suicídio. Eles estão lá (em Davos) pensando o que
vai ser o capitalismo depois da crise. E nós, o que estamos fazendo?”
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