18/03/2012

Para entender a crise mundial do capitalismo



Professor Laurício Neumann[1]

A crise financeira que abalou os Estados Unidos, a partir de outubro de 2008, e que se alastrou por todo o mundo, nos incita a refletir sobre os rumos do capitalismo e sobre a maneira como a economia é conduzida internacionalmente. Da mesma forma, uma das preocupações dos brasileiros hoje é entender de que forma nosso país será atingido por esta crise, quanto tempo ela vai durar e qual o preço que cada um vai ter que pagar.
A crise trouxe para o cenário várias questões de discussão como: a autoregulação do mercado; a utopia do livre mercado; o fim do neoliberalismo; a lógica especulativa do mercado desregulado; as lições de Keynes e Marx, para entender as cíclicas crises do capitalismo mundial; o capitalismo como sistema que se alimenta e sobrevive às custas das crises; e as perspectivas da construção de uma nova sociedade.
Enquanto a era do pensamento único dá sinais de esgotamento, Karl Mar (1818 – 1883) e John Maynard Keynes (1883 – 1964), que, até pouco tempo, eram alijados do debate econômico, hegemonizado pelo discurso do mercado livre, sem controle, quanto menos regulado melhor, voltam ao cenário da discussão para contribuir, com suas idéias, na compreensão da crise financeira americana, com suas repercussões mundiais.
Antonio Prado, economista e professor licenciado no Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), explica que a crise financeira aconteceu porque “os bancos de investimento não tinham supervisão e, portanto, fizeram operações extremamente arriscadas, alavancando operações muito acima do seu capital. E, ao quebrarem, colocaram todo o sistema financeiro e a economia real numa situação de risco de colapso”. Quanto a discussão da utilização de dinheiro público para recuperar instituições privadas, como bancos, Prado sustenta que “não há outra saída neste momento. É preciso resgatar o sistema financeiro dessa situação de pré-colapso, rever as regulações e punir os responsáveis”.
Carlos Lessa, economista e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), considerando os altos e baixos do cenário econômico norte-americano, que deixou o mundo em alerta, se pergunta: “Será que o capitalismo chegou ao fim?”. Ele responde: “Não”, pois o capitalismo tem “recursos para minimizar a crise”. Porém, com tanta turbulência, aponta Lessa, o capitalismo vai “negar a sua ideologia de livre mercado, porque sofrerá uma intervenção do Estado para superar essa crise”. Ainda não há como medir os estragos dessa tensão, mas uma coisa é certa: “O Brasil já foi atingido”, garante Lessa, que justifica: “A bolsa de valores caiu violentamente, o real se desvalorizou, a taxa de câmbio subiu, e as empresas brasileiras que têm empréstimos no exterior estão com muitas dificuldades de renová-los”.
José Guilherme Vieira, economista e professor nas Faculdades Integradas Santa Cruz, de Curitiba, ao refletir sobre a crise financeira internacional, é taxativo: “Eu não recomendaria para ninguém se endividar agora. Daí para frente é tudo previsível: esfriamento da construção civil, desemprego, queda no setor de serviços, mais empresas em dificuldade, inadimplência, quebras, mais desemprego”. Vieira se considera um keynesiano ao defender a presença e a intervenção do Estado para “regular não só o sistema financeiro como também para defender a concorrência”. Além da regulamentação da economia por parte do Estado, a distribuição de renda também era uma variável chave no esquema de Keynes: “Para a economia, portanto, um programa como o Bolsa Família é extremamente positivo no seu esquema teórico”, lembra o economista. No Brasil, o que pode acontecer, segundo o economista, é uma aceleração, por parte do governo, das obras do PAC para compensar o desaquecimento, sobretudo porque em 2010 tem eleição presidencial.
Luiz Antônio de Oliveira Lima, advogado, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) nos traz o seguinte questionamento: “Se o Estado pode investir bilhões de dólares para salvar grandes instituições que assumiram riscos insensatos, por que não pode intervir para salvar milhões de americanos do risco eminente de perder suas moradias pela execução de hipotecas?” Na opinião dele, “Ressuscitar os ensinamentos keynesianos é, neste momento, a melhor alternativa para tentar conter a avalanche que se estende sob a economia mundial”. Por isso, ele propõe a retomada do modelo econômico proposto por Keynes, como uma “forma de se neutralizar o efeito da crise financeira sobre a economia real”.
Fernando Ferrari Filho, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sustenta que a “mão invisível” do mercado não funciona sem a “mão visível” do Estado. Em outras palavras, “a reestruturação do sistema monetário internacional precisa ser arquitetada de forma tal que o referido sistema não fique à mercê do livre mercado e, principalmente, da hegemonia econômico-financeira de determinado país”.
Leda Paulani, economista, professora da Universidade de São Paulo (USP), e presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política, afirma que Keynes lhe ensinou que a teoria do livre mercado não funciona: “Quanto mais deixado a si mesmo, quanto menos regulado, tanto mais forte desponta sua tendência de se enroscar em suas próprias pernas, gerando crises como essa de agora”. Seguidora das idéias de Karl Marx, a economista da USP explica que para Marx o “livre mercado esconde por trás de sua aparência de liberdade, igualdade e equilíbrio o contrário disso. Ele põe a aparência de liberdade porque todos são juridicamente iguais, proprietários de mercadorias, e parecem livres para vender suas mercadorias a quem quiserem e se quiserem e para comprar o que quiserem, de quem quiserem e se quiserem. Ele põe a igualdade porque quando mostra que algo, uma bolsa, por exemplo, é igual a R$ 25,00, a venda da bolsa parece uma transação justa, em que se trocou valor de um tipo por valor de outro tipo. A aparência de equilíbrio vem da reiteração das transações mercantis (com suas trocas iguais) no dia-a-dia dos mercados, num movimento que parece poder repetir-se indefinidamente. Quando surgem crises da dimensão da que agora vivemos, elas não combinam com essa aparência idílica e denunciam a complexidade e as relações contraditórias que constituem o sistema capitalista”.
Luiz Gonzaga Belluzzo, advogado, economista, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e editor da revista Carta Capital, também sustenta a posição de que o livre mercado é uma utopia, pois “a história do capitalismo confirma isso”. E acrescenta: “Não há mesmo alternativa quando uma crise financeira sistêmica se desenvolve. Se não se decidir pela intervenção decisiva dos mercados, a crise pode avançar a um ponto que destrói completamente a capacidade de decisão dos indivíduos. A menos que a intervenção seja de tal ordem potente e abrangente, como, por exemplo, a estatização do sistema bancário”. Na prática, o economista se mostra bastante cético em relação às mudanças que se fazem necessárias, pois o “ambiente mental e ideológico que hoje prevalece é um obstáculo a uma mudança mais profunda. Não há nenhuma evidência de que as reformas necessárias serão implementadas facilmente”.
Álvaro Bianchi, cientista social, professor da Unicamp e diretor do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) acredita que o único conselho que capitalistas e liberais podem encontrar em O capital, de Marx, é que “deixem de ser capitalistas e liberais”. “A obra de Marx, e principalmente O capital, tem por objeto as contradições da sociedade capitalista e os limites postos ao capitalismo por essas contradições. São estas contradições econômicas, sociais e políticas as que provocam suas crises”, afirma Bianchi. Ele lembra que “Marx nunca achou que o capitalismo encontraria calma e pacificamente seu fim dando lugar a uma forma de sociabilidade que conseguisse expurgar as crises. Mas as recorrentes crises do capitalismo revelam as tendências autodestrutivas do próprio capitalismo. A escala dessa autodestruição não pode ser subestimada”.
Marcelo Carcanholo, economista, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Marx e marxismo (NIEP-UFF), também reflete sobre as especulações econômicas em torno da atual turbulência internacional, como também sobre as possíveis mudanças no capitalismo. “O que ocorrerá daqui para frente? O socialismo, rumo a uma sociedade comunista?”,  pergunta Carcanholo. Com pouca esperança, o economista responde que não existem garantias de mudança. Para ele, uma transformação no modelo econômico capitalista só vai ocorrer “se os seres humanos se propuserem a isso, e se, de fato, esse projeto for historicamente exeqüível”. Como estudioso de Marx e pesquisador do marxismo, Carcanholo, busca entender e explicar a crise financeira mundial a partir das lições de Marx: “A obra de Marx – em especial, O capital, que trata das leis gerais de funcionamento do modo de produção capitalista – não tem como objetivo construir uma instrumentalização político-econômica para resolver os momentos de crise da economia capitalista. Ao contrário, o que se pretende é mostrar como o processo de acumulação de capital, e mais especificamente suas leis (de tendência) gerais, pressupõe as crises econômicas, manifestem-se estas da forma que for”. Em outras palavras, explica o professor: “as crises não são anomalias do sistema, mas partes integrantes de sua lógica”.
Paulo Nakatani, economista, presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), membro do conselho editorial da Revista de Economia Critica, e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), de forma categórica sustenta que “Os escritos de Marx nos permitem entender que o desenvolvimento capitalista é o caminho para a destruição da própria humanidade”. Referindo-se aos defensores do livre mercado, que defendem que no capitalismo não pode haver crise, a não ser por fatores externos Nakatani responde que para “os neoliberais a “culpa” é sempre dos outros, nunca do capital”. “São estes economistas, naturalmente junto com políticos no poder, escolas, meios de comunicação etc. que capitanearam as idéias, proposições e políticas econômicas chamadas de neoliberais que nos conduziram à situação atual. Eles estão incrustados em todos os níveis e esferas da economia e do Estado, defendendo essas idéias, sugerindo as atuais medidas de intervenção e agravando ainda mais a crise do capital”, explica Nakatani.
 Para Claus Magno Germer, agrônomo, economista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o atual momento de crise representa apenas uma certeza: “a continuidade da barbárie capitalista”, pois, para ele, “As crises não constituem anomalias do capitalismo, mas são uma das suas características mais fundamentais”. Seguindo a orientação marxista, ele lembra que Karl Marx, já advertia: “As crises financeiras não podem ser evitadas, embora possam ser atenuadas, ou acentuadas, em certa medida, pelo Estado”. Segundo Klaus Magno, a crise financeira em curso é prova concreta dos ensinamentos de Marx, a respeito da impossibilidade de reverter quadros como o apresentado no decorrer dos últimos meses. Mesmo com a adoção de inúmeras medidas para conter colapsos financeiros, “as crises sucedem-se porque fazem parte da natureza do capitalismo, e são por esta razão inevitáveis”, explica o economista.
André Filipe Zago de Azevedo, economista e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), prevê “um menor ritmo de crescimento econômico, especialmente das economias desenvolvidas” e “o aumento da inflação devido ao incremento dos preços das commodities agrícolas e minerais, impulsionados pela manutenção de elevadas taxas de crescimento nos países asiáticos”. Na sua avaliação, o economista faz a seguinte projeção: “embora o mercado financeiro tenha sido alvo de inseguranças e turbulências, não há motivos para pânico”. Segundo ele, a desaceleração das grandes economias “pode contribuir para aliviar o segundo problema”, ou seja, “o aumento de preços das commodities, reduzindo a pressão da demanda sobre alimentos e petróleo”.
Gilberto Dupas, membro da Comissão de Ética da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CONAES), afirma que a crise internacional afeta o Brasil de duas formas: “Primeiro, pela capacidade do Brasil de manter níveis de exportação da mesma magnitude em dólar que mantinha anteriormente, em função da queda da economia mundial. E, em segundo lugar, é preciso reconhecer que os efeitos desta queda da economia mundial caem sobre a própria renda interna, considerando que, se o país vier a crescer menos em 2009 (já se fala em números da ordem de 2 a 3%) evidentemente a expansão da renda deve acompanhar essa diminuição do crescimento”. Esses dois fatores, esclarece Dupas, afetam a renda e a demanda do país e dos brasileiros pois, “uma diminuição da demanda externa de commodities, o que afeta nossos volumes de exportação e, ao mesmo tempo, uma diminuição do crescimento da demanda interna em função de um menor crescimento do próprio país”.   
Roberto Camps Moraes, economista e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), discorda de que a crise financeira atual seja produto da aplicação de princípios liberais. Ele defende que a crise atual não pode ser atribuída ao capitalismo e às idéias econômicas liberais. “Esta idéia é completamente falsa”, afirma ele. Em sua argumentação, Moraes explica que “a teoria moderna da política monetária, aquela em que se baseiam os grandes bancos centrais do mundo, e que nada tem que ver com as falhas regulatórias que foram responsáveis pela crise atual deve uma grande parte a alguns princípios básicos que foram defendidos por Milton Friedman nas décadas de 1950 a 1970 do século passado”.
 Em janeiro de 2009, os chefes de Estado das potências capitalistas, reunidos no Fórum Econômico de Davos, Suíça, admitiram que estavam enganados em relação a autoregulação do mercado e admitiram também a necessidade de reformular o capitalismo. Enquanto isso, no Fórum Social Mundial, no Brasil, também em janeiro de 2009, Boaventura de Sousa Santos, sociólogo e professor da Universidade de Coimbra, levantou o seguinte questionamento: “Se nós não dermos a solução, ela virá de Davos, com mais capitalismo e menos direitos. São eles que estão a pensar uma solução. Nós nos reunimos (no Fórum Social Mundial) desde 2001 e não fomos nós que derrotamos o neoliberalismo, ele cometeu suicídio. Eles estão lá (em Davos) pensando o que vai ser o capitalismo depois da crise. E nós, o que estamos fazendo?”



[1] Laurício Neumann é mestre e doutor em Educação.

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