Professor Laurício Neumann[1]
1. Sócio – econômico - político
O Brasil passa hoje por uma
das suas piores crises de identidade de toda a sua história. Esta crise revela
uma profunda quebra de valores sobre o valor da vida e da pessoa humana, os
valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais da pessoa. Esta crise
revela também uma distorção do conceito da vida, da pessoa, da sociedade e da
organização da vida em sociedade.
A nível mundial, esta crise
de identidade ou crise de valores fundamentais se revela pela cultura do
terrorismo, do ódio, da vingança, do fanatismo religioso, do medo; se revela
pela indústria e o tráfico de armas, associada
a indústria e o tráfico de drogas; se revela pelas situações dramáticas
de atentados, chacinas, seqüestros, torturas, assassinatos; se revela pelo
abuso, a prepotência e a corrupção do poder público e do poder econômico. Revela-se
pela perigosa intenção dos Estados Unidos e outros países em dominar a saúde, a
educação, as fontes energéticas, a biodiversidade e o patenteamento da vida. É
a cultura da morte. A população mundial assiste a tudo isso estarrecida, mas,
na maioria das vezes, impotente ou indiferente. É a cultura da fatalidade ou
da omissão.
Em nome da globalização e da
mundialização vivemos a unificação do planeta e a mundialização da informatização, da comunicação, do
conhecimento, da economia, do transporte, da cultura, das pesquisas
científicas, dos costumes e dos valores.
Paradoxalmente, vivemos a imposição de um projeto como modelo de globalização
neoliberal através das potências capitalistas (G7), mais precisamente dos
Estados Unidos, que ameaça culturas, ameaça povos inteiros e promove a
discriminação, a exclusão e a dependência. É um projeto que coloca em risco a
“Aldeia Global”, anunciada por McLuhan. Este modelo neoliberal contamina e
compromete nações inteiras pela sua voracidade e pelo seu espírito dominador e
explorador. É um “sistema que, apoiado numa concepção economicista de homem,
considera o lucro e as leis do mercado como parâmetros absolutos em detrimento
da dignidade e do respeito da pessoa e do povo” (Papa João Paulo II, na Eclesia
in América, nº 56).
Em nome do lucro a qualquer
preço, este modelo se coloca acima dos direitos humanos, acima do respeito à
vida, da integridade do ecossistema e impõe uma visão instrumental fragmentária, individualista,
oportunista, utilitarista e interesseira da realidade e dos bens, transformando
até mesmo a vida das pessoas em mercadoria.
2. Histórica
Toda a história das civilizações é
marcada por grandes transformações ou Revoluções. A diferença
é que na modernidade estas transformações tornaram-se radicais. Por serem
radicais, assumiram proporções antes nunca vividas pelo ser humano.
Primitivamente a história
nos mostra o ser humano como alguém que dependia da benevolência da natureza
para sobreviver: coletava frutas, caçava e pescava. Por isso era chamado de
nômade, porque migrava para novas regiões em busca da fartura de alimentos que
a natureza gratuita e generosamente oferecia.
Com a descoberta da roda, do
arado e da enxada se operou a primeira grande
revolução tecnológica na vida do ser humano. É a Revolução
Agrícola, na qual o ser humano se fixa na terra,
progressivamente se impõe às leis e às forças da natureza, planta e produz o
sustento para a sua vida. Aos poucos, o ser humano se descobre capaz de fazer,
criar e produzir sem depender diretamente da natureza e dos outros. Descobre-se
senhor, com poderes de controlar as forças da natureza e de impor, aos poucos,
a sua vontade a vontade do outro e da própria natureza. Descobre-se também
livre em decidir pela sua vida, sem depender ou prestar contas a ninguém.
Portanto, declara a sua autonomia sobre a natureza e sobre os outros. Tudo
isso, à primeira vista, parece positivo, na medida em que as revoluções
tecnológicas ajudaram o ser humano a conhecer-se melhor, diferente de todos os
povos em todos os tempos. É positivo também na medida em que as revoluções tecnológicas
possibilitaram uma nova compreensão do relacionamento do ser humano consigo,
com o outro, com o cosmos, com a natureza e com o transcendente. As revoluções
tecnológicas, por sua vez, facilitaram também o trabalho, influenciaram no
conforto e bem estar das pessoas e aumentaram a produtividade.
Estas revoluções
tecnológicas, porém, tem também o lado negativo, na medida em que o se
humano não assume os riscos e as conseqüências de suas descobertas, invenções e
criações. São negativas também na medida em que o ser humano usa a sua
capacidade racional e a sua liberdade para agredir e destruir a natureza,
esmagar ou excluir o outro, apropriar-se de bens que são um direito universal.
Estes aspectos positivos e
negativos da presença do ser humano sobre o cosmos e sobre a vida do próximo
ficaram mais visíveis a partir da segunda grande
revolução tecnológica, a Revolução Industrial, que marca
definitivamente o início da Modernidade. A
descoberta da máquina e o conseqüente processo industrial operaram uma profunda
alteração nas relações sociais e na vida das pessoas.
Na Revolução Tecnológica
Agrícola cada um era dono dos meios de produção: enxada, arado, carroça,
etc. Já na Revolução Tecnológica Industrial poucos se tornaram os donos
dos meios de produção: máquinas, fábricas, indústrias, terra, etc. A grande
revolução que se operou é que o agricultor e o filho do agricultor deixaram de serem
donos dos seus meios de produção (enxada, arado, carroça, terra), deixaram de
trabalhar para si e passaram a trabalhar para o dono da fábrica. Deste modo,
passamos a ter muita gente trabalhando de baixo do mesmo teto (fábrica,
empresa), coletivamente, porém sem o direito de desfrutar do resultado do seu
trabalho. O resultado do trabalho de todos, fica para o dono da máquina ou da
fábrica, que, em troca, paga um aluguel pela força de trabalho, chamado de salário.
Em outras palavras, isso quer dizer, que os agricultores, além de expropriados
dos seus bens e arrancados do seu meio, foram também explorados, na
medida em que deixaram de trabalhar para si e passaram a trabalhar para o dono
da fábrica. Com esta lógica, poucos enriqueceram e muitos empobreceram. Ou, o
que é pior, passamos a ter “cada vez menos ricos mais ricos às custas de cada
vez mais pobres mais pobres (Puebla, 1978)”.
As mudanças operadas na vida
das pessoas ou na vida dos novos trabalhadores industriais assalariados e nas
relações sociais são incalculáveis. Além de expropriados e explorados, os novos
trabalhadores da era industrial tiveram que organizar toda a sua vida em função
da jornada de trabalho e do salário estabelecido pelo patrão por esta
jornada. Ou seja, o trabalhador foi tão
desaculturado, que “ele já não se pertence mais, ele pertence vinte e quatro
horas do dia ao patrão ou ao dono da fábrica”. Isso significa dizer que o
trabalhador industrial, além de deixar de ser dono de seus bens, deixou também
de ser dono de sua vida e passou a ser à vontade de seu novo dono. É este novo
dono (seu patrão), que através do salário define horários, lazer, escolaridade
e educação dos filhos do trabalhador. Define também onde e como o trabalhador
vai morar, como vai mobiliar sua casa, como vai vestir seus filhos, o que vai
comer, etc. O trabalhador e sua família constróem e reconstroem sua vida sempre
segundo a vontade de seus donos. Por isso vivemos numa sociedade dominante,
inclusive culturalmente. Deste modo, o trabalhador acabou se transformando em
mais uma mercadoria. Mercadoria de compra, de troca e de uso. E quando
não serve mais, é descartado, jogado fora.
Além de mexer com a cultura
das pessoas, a modernidade industrial mexeu também com os valores fundamentais
das pessoas, como a liberdade, a justiça, o respeito e a honestidade. Hoje, ser
livre significa estar à disposição do patrão e submeter-se ao mercado. Sem
raízes culturais, despojado dos meios de produção e explorado o trabalhador
industrial fica sem saída. Sobra agarrar-se ao emprego e submeter-se às
exigências do patrão, já que os direitos humanos e os direitos constitucionais
também se tornaram vulneráveis e negociáveis. Quando perde o emprego, não tem
como voltar, não tem para onde ir, não tem como sobreviver. Por isso aceita
negociar a própria dignidade humana.
Na modernidade quem
tem poder de influência sobre as pessoas já não é a moral, a religião, a
Igreja, ou o dono da terra, mas o dono da ciência e da técnica, o dono das
máquinas e das fábricas, além dos donos dos meios de comunicação de massa, pois
estes donos são também os donos do emprego, do qual depende a sobrevivência da
absoluta maioria das pessoas na modernidade.
Como a ordem do mercado é
a qualidade total, a reengenharia e a livre concorrência, a tendência dos
patrões é modernizar as fábricas, para isso visitam feiras internacionais em
busca de tecnologias que aumentam a produção, reduzem os custos e melhoram a
qualidade. Tecnologias que visam substituir cada vez mais trabalhadores pela
máquina. Pois a máquina não requer férias, trabalha dia e noite, não tem
licença gestante, não fica doente, não vai ao médico, não tem Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço, não tem leis trabalhistas e não tem sindicato. Além
disso, não reclama, não protesta, não reivindica, não faz greve. É o fim da
utopia do emprego para todos.
Podemos afirmar que as duas
primeiras revoluções tecnológicas foram materiais. Pois, na revolução tecnológica agrícola tinha poder quem tinha muita terra.
Já na revolução tecnológica industrial passou a ter poder quem tinha muitas ou
grandes fábricas.
Já a terceira revolução tecnológica
é imaterial. É a Revolução
Tecnológica da Informática. Esta revolução está sendo tão profunda e radical que marca uma nova era
da história: a Pós-modernidade. Além do computador,
com a capacidade de armazenar dados e informações, surge a Internet, com
a informação on-line. Começamos a viver a era da informática a
serviço da ciência e da produção. As mudanças rápidas e profundas são visíveis
em todas as áreas de conhecimento, principalmente na comunicação, na medicina,
na genética e na produção.
Neste tempo pós-moderno
da Revolução Tecnológica da Informática tem poder não mais o dono da
terra, nem o dono da fábrica, mas o dono da Microsoft e da Macrosoft.
A primeira característica
desta Revolução Tecnológica da Informática são as marcas. Os
donos do mercado, através dos modernos veículos de comunicação, e a informática
a serviço destes veículos, fazem o consumidor comprar e consumir marcas e não
produtos. Marcas associadas ao desejo, ao prazer, ao poder. A todo produto é
agregada uma marca. À marca é agregado um estilo de vida, um jeito de ser, um
padrão de valores. Desde o tênis, a camiseta, a bermuda que usamos, o colégio
ou a universidade onde estudamos, até o restaurante, o clube e a academia que frequentamos
e o carro que dirigimos, revelam prazer, status e poder pelo valor atribuído às
marcas.
A segunda característica
desta Revolução Tecnológica da Informática são as franquias. Além
de vender marcas, os donos do mercado vendem franquias. As franquias são a
venda de marcas em rede, sempre padronizadas no mundo inteiro, controladas via
Internet e que comercializam produtos descartáveis.
A terceira característica da
Revolução Tecnológica da Informática é o acesso fácil e o intercâmbio
fácil e permanente do consumidor com o produtor e vice versa.
Deste modo, o consumidor sempre se mantém atualizado sobre as modas e suas
tendências e os donos do mercado se mantém atualizados quanto às expectativas
do consumidor.
A quarta revolução tecnológica é a Revolução da Biogenética. Esta revolução tecnológica é a combinação da genética com a
informática, que permite usar as informações armazenadas no computador sobre
animais e vegetais, para programar seres com novas características, criar novas
espécies, exterminar espécies existentes, inclusive exterminar com a espécie
humana. A era pós-moderna marca o controle definitivo da ciência e do homem
sobre a vida. Este será o fim da história ou o fim da espécie humana? Será
a pós-modernidade ou a pós-humanidade? O que nos espera? Um ser (ou espécie),
físico, biológica e moralmente melhor? Há cientistas que acreditam nisso. E nós
acreditamos em que? O surgimento de novas religiões, seitas e filosofias de
vida serão um novo sinal dos tempos que pode significar a volta do ser humano
para Deus e para o próximo? O que fizemos para acontecer aquilo que
acreditamos?
3. Humano-cristãos ou éticos
Estes são os novos sinais
dos tempos, sinais concretos e muito próximos, que mexem cada vez mais com a
vida de cada um de nós. O que estes sinais, à luz dos direitos humanos, à luz
da ética cristã, têm a ver com cada um de nós como cristãos, profissionais,
cidadãos e, sobretudo, como pessoas humanas?
As quatro Revoluções Tecnológicas, sejam
elas materiais ou imateriais, revelam uma pessoa ou um indivíduo pós-moderno
contraditório. Numa ótica, nos deparamos frente a
um ser humano livre e capaz, que acredita na sua capacidade de criar, projetar,
inventar e transformar. A prova disso é o avanço vertiginoso registrado em
todas as áreas do conhecimento que encurta distâncias, aproxima as pessoas,
prolonga a vida, controla epidemias, facilita o trabalho, cria conforto, lazer,
praticidade, etc. Numa outra ótica, as revoluções tecnológicas revelam o rosto
de um ser humano absoluto, um ser humano como centro e medida de
todas as coisas. Revela também o rosto de um ser humano sem limites, além
de individualista, materialista, imediatista e consumista inconseqüente. As
conseqüências são desastrosas na medida em que este ser humano rompe com Deus e
se proclama absoluto; rompe com a natureza sem medir as conseqüências das suas
ações de intervenção e destruição; rompe com a subjetividade do próximo, na
medida em que este é visto como um concorrente, portanto, um estorvo para o enriquecimento
fácil; rompe consigo próprio, na medida em que não quer encontrar tempo para
interiorizar-se, repensar seu projeto de vida, repensar seus valores, repensar
seu conceito de vida, de pessoa, de sociedade e de organização da sociedade.
As quatro revoluções
tecnológicas revelam ainda outras dimensões do ser humano pós-moderno, como o
rompimento com a autoridade formal, que deixou de ser a bíblia, Deus, a Igreja,
o Papa, os pais e passou a ser o indivíduo. A pós-modernidade, portanto,
é a afirmação do indivíduo e da consciência do indivíduo livre.
Além disso, as quatro
revoluções tecnológicas revelam as dimensões do desejo e do prazer.
O indivíduo pós-moderno aceita fazer o que gosta. O que não gosta é deixado de
lado. Este desejo é provocado e alimentado pelo mercado e estimulado pelos
meios de comunicação de massa, principalmente a televisão e a internet. O
desejo, porém, está intimamente associado ao prazer. Por isso, o indivíduo
pós-moderno deseja possuir, comprar, consumir e desfrutar aquilo que dá prazer,
aquilo que faz sentir-se bem. Por isso, felicidade deixou de ser um
projeto de vida para transformar-se em momentos de prazer. E para que estes
momentos de prazer sejam freqüentes e intensos é preciso romper com diversos
valores religiosos e morais, como a fidelidade e o respeito. A ordem
estabelecida é esta: “É proibido proibir”. Como conseqüência, a
autonomia dos indivíduos se transforma em individualismo, e os indivíduos se
transformam em mercadoria, assim como a religião, Deus, a natureza, a água, a
mata, o ar, etc. Tudo é transformado em mercadoria de compra, troca e uso.
Quando não serve mais, quando não dá mais prazer ou lucro descarta, joga fora.
Nesta sociedade pós-moderna,
fundamentada na autonomia da consciência e na liberdade dos indivíduos de
viverem sua vida sem autoridade e sem moralistas que definem regras e normas e impõem
limites, o refúgio torna-se o direito. Por isso, quando o indivíduo se
sente lesado na sua liberdade individual, imediatamente busca seus direitos na
justiça. Como a justiça está calcada mais na lei do que na ética, esta também
está bastante desacreditada, além de viciada pela impunidade. Como o indivíduo
já não consegue ter a justiça do direito do seu lado ou não tem condições de alimentar
financeiramente os infinitos labirintos da burocracia jurídica, ele prefere
viver no chamado pecado, na contraversão, no vício, pois tudo isso também dá
muito prazer e, além disso, alimenta a voracidade de lucros do mercado.
Qual o papel
exercido pelas escolas, (também a Escola de
Formação Fé, Política e Trabalho), universidades,
igrejas, comunidades, sindicatos, movimentos sociais, partidos políticos etc., diante deste quadro, ao longo da modernidade e da pós-modernidade?
Adequar-se aos novos tempos e preparar os novos profissionais das diferentes
áreas, segundo o mercado? Estes profissionais entram no mercado de trabalho com
que valores, expectativas, sonhos e utopias? As utopias do céu na terra, do
emprego para todos, do enriquecimento pelo trabalho, etc. estão se dissolvendo
como fumaça, inclusive nos países ricos. Então, como ser uma pessoa cristã e
como ser uma escola, uma universidade, comunidade etc., orientada por
princípios cristãos, entrando no mercado, isto é, vendendo a alma para o
mercado? E não entrando no mercado, ou seja, dando as costas ao mercado, tem
como sobreviver? Como, então, conciliar os princípios cristãos de justiça,
igualdade etc., com os interesses do mercado, que define metas e quer
produtividade a qualquer custo? Se os interesses do mercado conflituam com os
princípios cristãos da escola, universidade, comunidade, etc., cabe a esta fechar
as portas, dar as costas como se nada estivesse acontecendo, omitir-se, ou
continuar afirmando coisas como: “Isso
passa; Isso é cíclico; Sempre foi assim; Não somos nós que vamos consertar o
mundo; A ciência vai dar um jeito nisso tudo etc.”, ou a saída é entrar no
mercado para transformá-lo? Você acredita que isso seja possível? Como? Não é
mais cômodo cada um continuar na sua, tentando tirar o máximo de vantagem da
situação e que o resto se exploda, desde que não atinja a minha cabeça?
Este é o nosso grande
desafio na Escola de Formação Fé, Política e Trabalho: como ser cristão ou ético nesta realidade? Como o cristão orientado por
princípios éticos de justiça, igualdade, respeito, honestidade etc., vai
conviver ou justificar toda uma estrutura (realidade) de expropriação, exploração,
dominação, corrupção, impunidade etc.? Como justificar o fato de tudo ser
submetido às ordens do mercado e tudo ser transformado em mercadoria, inclusive
as pessoas? Urge repensar a educação como um todo, principalmente na sua
proposta de valores humanos, além da capacitação profissional. Esta proposta
educacional deve iluminar os novos tempos da pós-modernidade, principalmente
iluminar o debate em torno de temas que são problemas mundiais como:
sustentabilidade do planeta, a preservação da vida, o desenvolvimento sem agressão
ao meio ambiente, a biodiversidade, a clonagem, os transgênicos, entre outros temas.
Como estas questões de fundo
são abordadas nos programas das diferentes disciplinas das nossas escolas ou no
currículo dos diferentes cursos das universidade? Qual o rumo destas
discussões? Quais os encaminhamentos, fruto destas discussões? Como estas
questões de fundo são tratadas nos projetos de pesquisas das universidades, nos
simpósios, seminários e cursos de extensão? Como estas questões de fundo são
tratadas nas reuniões com os funcionários e gestores das empresas ou nos
sindicatos, partidos políticos e religiões? Qual o nível de coerência entre as
propostas, as conclusões e a prática diária? Existe algum comprometimento
diferente de professores, alunos, funcionários, gestores, líderes comunitários
etc., em relação a estas questões de fundo?
Enquanto continuamos
convencidos de que tudo deve ser submetido às ordens do mercado e de que tudo é
mercadoria, inclusive as pessoas, então fica difícil enxergar uma saída ou
traçar um plano de mudanças. Pois, enquanto tudo for submetido às ordens do
mercado e considerado mercadoria, não há gratuidade (= fazer alguma coisa pelo outro
sem esperar nada em troca) e sem gratuidade é impossível ser humano. A gratuidade
é a opção fundamental pelo outro, como centro de tudo, inclusive de sua própria
vida. Pois, é a alteridade que constitui a subjetividade.
Isso significa dizer que é o outro que permite eu ser. Por isso, o outro existe em mim, como eu existo no outro.
O que vimos na
pós-modernidade é a negação da alteridade (negação do outro), para justificar a afirmação
do indivíduo e do mercado descartável, como deuses absolutos. Desde cedo, na
família, na escola e através de veículos de comunicação, principalmente na
televisão e nas revistas em quadrinhos, ensinamos as crianças a negar o outro,
desenvolvendo a cultura do “eu” e não do “nós”. Por isso, somos
individualistas. E quanto mais negamos a subjetividade do outro, mais
individualistas nos tornamos. Negar a alteridade significa negar o outro em mim. Significa
arrancar o outro de dentro de mim. A partir desse momento o outro deixa de ser
sujeito para mim e passa a ser objeto. Negar a subjetividade do outro, para
transformá-lo em objeto, é negar a minha própria subjetividade, para
transformar-me também em
objeto. A partir desse momento a relação passa a ser uma
relação de objetos (eu objeto com o outro objeto) e não mais de sujeitos (eu
sujeito com outro sujeito).
Na verdade, negamos a
subjetividade do outro e não o outro em si, pois este interessa enquanto
podemos transformá-lo em mercadoria e dele tirar proveito. E quando dele já não
conseguimos mais tirar proveito o descartamos, o jogamos fora, o excluímos. Por
isso, os milhões de brasileiros pobres da modernidade foram transformados em
milhões de brasileiros pobres excluídos da pós-modernidade. “Não existem pobres, existem empobrecidos”,
diria Leonardo Boff
Como vimos, ao longo do
texto, estas questões de fundo são questões profundamente éticas, que exigem de
todos os envolvidos maior conhecimento, clareza, mudança de mentalidade,
convicção e compromisso coerente. Por parte da Escoa de Formação Fe, Política
e Trabalho exige clareza e convicção sobre o perfil
profissional e humano mais engajado e comprometido dos seus alunos com a sua
comunidade. Exige também clareza e convicção sobre os valores que desejamos
imprimir na formação dessas novas lideranças. Uma escola como a Escola de
Formação Fé, Política e Trabalho, orientada por
princípios cristãos, precisa ter a ousadia e coragem de somar forças para que a
formação humana seja colocada na base do conhecimento científico, visando à
preparação de lideranças competentes, cidadãos engajados e pessoas
verdadeiramente humanas, isto é éticas, portanto, comprometidas com os ideais
de justiça social e de solidariedade.
4.
Referências Bibliográficas
1.AQUINO, Marcelo. Palestra: Alteridade
e Solidariedade. Ciclo de Estudos Para uma Ética Solidária. CECREI, São
Leopoldo, 2001.
2.ÁVILA, Fernando Bastos. Palestra: Economia
Solidária sob a ótica do Ensino Social Cristão. I Seminário Internacional
de Ensino Social Cristão, UNISINOS, São Leopoldo, 1999.
3.BASBAUM. Leôncio. Alienação e
Humanismo. São Paulo : Global, 1986.
4.BOFF, Leonardo. Fundamentalismo:
A Globalização e o Futuro da Humanidade. Rio de Janeiro : Sextante, 2002.
5.CAFIERO, Carlo. O Capitalismo.
Uma Leitura Popular. São Paulo : Pólis, 1984.
6.FOLLMANN, José Ivo. Palestra: A Universidade e o
Contexto Social. Seminário; Novos papéis da Universidade na Sociedade
Brasileira. UNISINOS, São Leopoldo, 1999.
7.IANNI, Octavio. A Era do
Globalismo. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1997.
8.MADELIN, Henri. Palestra: A Crise
Civilizacional: Desafios e Perspectivas. Simpósio Internacional do Ensino
Social da Igreja e a Globalização: limites e possibilidades, UNISINOS, São
Leopoldo, 2001.
9.NEUTZLING, Inácio. Palestra: Formas
de Religiosidade na Pós-Modernidade. Ciclo de Estudos sobre Religião e
Pós-Modernidade, CECREI, São Leopoldo, 2002.
10.OLIVEIRA, Ismar de. Palestra: Qual
a Escola para o Novo Milênio? 2º Congresso Inaciano de Educação. Itaici,
São Paulo, 1997.
QUESTÕES PARA
REFEXÃO E DISCUSSÃO
1.
Comentar a cultura da omissão frente aos grandes
desafios da pós-modernidade
2.
Comentar os aspectos positivos e negativos da
Revolução Agrícola
3.
Comentar os aspectos positivos e negativos da
Revolução Industrial
4.
Comentar os aspectos positivos e negativos da
Revolução Tecnológica da Informática
5.
Comentar os aspectos positivos e negativos da Revolução
da Biogenética
6.
Você concorda que é possível afirmar que as quatro
Revoluções Tecnológicas revelam uma pessoa ou um indivíduo pós-moderno
contraditório?
7.
Qual o papel exercido pelas escolas (também escola de
Formação Fé, política e Trabalho), universidades, igrejas, comunidades,
sindicatos, movimentos sociais, partidos políticos etc., frente a essa
realidade?
[1] Laurício
Neumann é mestre e doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (Unisinos).
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