O futuro da autonomia e
a construção de uma sociedade de indivíduos. Uma leitura sociológica, pelo professor Dr. Robert Castel,
EHESS, Paris.
Professor Laurício
Neumann
Castel
refletiu sobre as condições sociais que asseguram a independência ou a autonomia
do indivíduo. Para ele, a falta de condições sociais objetivas reduz os indivíduos
à condição de pobres, escravos, explorados, excluídos etc, ou seja,
dependentes, gerando sérios conflitos entre a maioria dos indivíduos que dispõe
somente da força de trabalho como fator de pressão social.
Segundo
Castel, o indivíduo moderno surgiu no século 18, na Revolução Francesa, com a
Declaração Universal dos Direitos do indivíduo. O indivíduo começou a ser visto
como indivíduo e não somente como membro do grupo. A propriedade privada, por
sua vez, conferia independência individual e social ao indivíduo. Graças à
propriedade, o indivíduo podia tornar-se mestre de si para conduzir a sua vida
sem depender de ninguém.
Ser
proprietário era algo sagrado, pois a propriedade conferia o direito do
indivíduo de ser cidadão. Quem não tinha propriedade era desconsiderado e não
podia sequer votar. Até mesmo os pequenos proprietários eram desconsiderados.
Os trabalhadores eram chamados de proletários e considerados bárbaros,
perigosos, sem valor social, por isso, desprezados. Ser proprietário era ter
seguridade. Não ser proprietário era cair na dependência, principalmente quando
ficasse doente, velho ou não conseguisse mais trabalhar.
A
propriedade social, através das leis sociais, na avaliação de Castel, passou a
cuidar dos não proprietários. Trata-se da cidadania social e do compromisso
social do capitalismo moderno com o trabalhador, enquanto força de trabalho que
produz a riqueza, conferindo-lhe o direito ao salário mínimo, acesso à
educação, assistência à saúde, aposentadoria etc.
Na
década de 1970, houve uma crise, na passagem do capitalismo industrial para um
capitalismo mais agressivo, concorrente e global. Neste período, aconteceu a
inserção do indivíduo no coletivo social, pelas políticas sociais do Estado e
pelas garantias sociais conferidas pela legislação social, fruto da negociação
e da barganha coletiva da força de trabalho.
Na
década de 1980 em diante, segundo análise de Castel, assistimos a
descoletivização do trabalho, o que obrigou cada indivíduo a assumir o papel de
gerenciamento de sua carreira. A relação capital e trabalho passou a ser mais
individual e menos coletiva. Isso, na opinião do sociólogo, é inerente ao
capitalismo neoliberal, que deseja libertar-se das pressões coletivas do trabalho, para tratar cada caso
de forma isolada. Isso desestabilizou o mundo do trabalho, na medida em que não
há mais seguridade, nem mesmo emprego para todos.
O
Brasil, na análise de Castel, possui uma belíssima constituição, que prevê e
assegura os direitos sociais do indivíduo e a função social do capital. Isso é
importante, porque o exercício da cidadania do indivíduo requer direitos
sociais e legais, requer políticas sociais e condições sociais, sem o que o
indivíduo não sobrevive.
O futuro da autonomia e
a construção de uma sociedade de indivíduos. Uma leitura psicanalítica, pelo professor Dr. Benilton Bezerra
Jr., IMS, UERJ.
Professor Laurício
Neumann
Numa
visão, o indivíduo é hoje a medida de todas as coisas na modernidade. Isso
trouxe, segundo Bezerra, uma série de benefícios, na medida em que cada um se
constrói, se define como sujeito e ator do que pretende fazer de sua vida. “Não
somos livres por encomenda, mas culturalmente, ao assumir-nos como indivíduos”,
afirma o psicanalista. Assim, podemos escolher em ser cristão, ateu ou
protestante, esquerda, direita, consumidor disso ou daquilo, sem depender de
mestres, ordens, normas ou leis.
Numa
outra visão, a autonomia do indivíduo está atrelada ao mercado da sociedade
capitalista neoliberal, que define o perfil do ser indivíduo autônomo, enquanto
decide e escolhe, orienta e dirige o que
cada indivíduo vai fazer da sua autonomia. Desse modo, já não é mais o
indivíduo que decide o que vai comer, o que vai vestir, onde e como vai morar,
que ambientes vai freqüentar etc. Cumprindo a orientação do mercado, o
indivíduo se considera livre.
Na
avaliação de Bezzera, a sociedade perdeu o ser sujeito em relação à alteridade;
“Este valor que mede a minha relação com o outro, estamos perdendo”. Com isso,
perdemos valores, utopias, ideais de qualidade de vida e de significado de
inserção e interação social. Isso confirma que um modelo de sociedade sai de
cena enquanto rapidamente outro modelo de relação entra em cena. Este novo
modelo de relação consiste em cada indivíduo ser bem sucedido, ter boas
aparências e acesso ao consumo de coisas que dão satisfação e gozo. O
imediatismo do gozo é inerente a esta nova sociedade. Viver intensamente o bem
sucedido aqui e agora, sem grandes preocupações de investimento no futuro ou
numa sociedade do futuro. “Votamos em alguém que tem um projeto para agora e
não para o Brasil do amanha”, exemplifica Bezerra. É inerente também a esta
nova sociedade, a necessidade subjetiva e objetiva de o indivíduo mostrar-se
diferente: musculoso, tatuado, marcado etc, por características externas e não
internas, apresentadas por modelos da sociedade de consumo. “O resultado é a
depressão”, alerta o psicanalista. Numa sociedade de sujeitos, fundamentada na
relação, situações de conflito são resolvidas pela conversa, já numa sociedade
de indivíduos, as mesmas situações de conflito são chamadas de depressão,
portanto, tratadas por uma intervenção que vem de fora chamada de remédio
intidepressivo.
O futuro da autonomia e
os tempos hipermodernos. Uma leitura filosófica, pelo professor Dr. Gilles Lipovetsky,
Université de Grenoble, França.
Professor Laurício
Neumann
A
partir de 1980, falamos em individualismo e vazio pós-moderno. Para Lipovetsky
a expressão pós-moderno é errônea e
imprecisa. O que assistimos hoje, segundo o filósofo francês, é uma nova
modernidade, que ele chama de sociedade do indivíduo hipermoderno. A
modernidade, segundo ele, foi a primeira fase (ou revolução) do individualismo,
enquanto a hipermodernidade está sendo a segunda fase (ou revolução) do
individualismo, marcada pela
desregulamentação geral, pelo desaparecimento de antigos freios morais e
sociais, pela explosão dos indivíduos com normas próprias, sem nenhuma
ingerência de cima ou de fora. Cada indivíduo estabelece seus valores, suas
normas e seus critérios. Nem a religião, nem a moral impõem comportamentos. O
indivíduo constrói a sua religião e a sua moral. É a emancipação definitiva do
indivíduo.
Tudo
isso, segundo Gilles, afeta seriamente os espaços de interação social,
principalmente a família, na medida em que homens e mulheres
desinstitucionalizaram a família e passaram a fazer o que bem entendem. O mesmo
acontece com a política, os sindicatos, a moda, o lazer etc. Em tudo assistimos
a desagregação do social ou do coletivo.
Este
modelo hipermoderno é tomado pelo mundo do consumo. Na primeira fase (ou
revolução) moderna o consumo tinha normas e seguia padrões controlados, explica
o filósofo. Cada grupo tinha um modelo de consumo próprio, com normas, hábitos,
atitudes, comportamentos próprios, incorporados pelos indivíduos do grupo,
diferentes dos outros grupos. Hoje, na hipermodernidade ou segunda fase do
individualismo moderno, as normas e os hábitos dos indivíduos em relação ao
grupo, estão desaparecendo. Hoje, cada indivíduo se sobrepõe aos outros indivíduos do grupo
pelas marcas, modelos, modas etc. que fazem a diferença. Neste contexto, o
consumidor faz gastos de um lado e economia do outro lado. Quer dizer, o
indivíduo não é mais homogêneo, com isso o consumo tornou-se
hiperindividualista. “Ontem os ricos tinham acesso a determinados produtos,
enquanto os pobres diziam: “Isso não é para nós”. Os pobres hoje dizem: “Por
que não podemos comprar também?”. Com isso as classes não desapareceram, mas os
indivíduos desregulamentaram as classes”, exemplifica e esclarece Gilles.
“Vivemos numa era de liberdade tal que o individualismo é incapaz de exercer um
controle sobre si mesmo”, conclui o filósofo.
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