Entrevista especial com Elmar Altvater
Elmar
Altvater
é professor de Ciência Política na Universidade Livre de Berlim. É
autor de diversos livros e artigos nos quais estuda a evolução do
capitalismo, a teoria do Estado, a política de desenvolvimento, a
crise do endividamento e as relações entre economia e ecologia.
Entre suas obras publicadas em português, citamos O
preço da riqueza. Pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial
(São Paulo: Unesp, 1995).
Confira
a entrevista.
IHU
On-Line - Nesse momento de crise global da economia capitalista,
quais são as possibilidades e os limites de se pensar uma economia
que leve em conta a sustentabilidade da terra?
Elmar
Altvater - Na mais grave crise econômica
da forma de produção capitalista desde sua origem, coloca-se de
maneira dramática a alternativa entre a salvação do capitalismo e
a passagem a uma forma de economia ecológica, ou seja, sustentável.
É de se temer que na crise sejam escolhidas pelos governos, mas
também por movimentos sociais, estratégias de salvação do
capitalismo. Na Alemanha, com uma absurda subvenção ao sucateamento
de automóveis (“Prêmio pelo desmantelamento” [Abwrackprämie]),
a manutenção da sociedade automobilística é prorrogada em direção
ao futuro, quando, já devido ao “Peakoil” (pico do petróleo) e
ao ameaçador colapso climático, ela não tem mais futuro e deve ser
abandonada. Em outras nações podem ser encontrados exemplos
semelhantes, que explicitam uma só coisa: precisamente na situação
de crise é difícil forjar coalizões políticas para uma
alternativa duradoura.
IHU
On-Line - Pensando em uma economia mais ecológica, quais seriam seus
princípios e qual seria sua função na sociedade?
Elmar
Altvater - A longo prazo, a economia
deve ser ecológica, ou seja, deve levar em conta as condições
naturais de todas as transformações de matéria e energia. Caso
contrário, a economia capitalista destruirá suas próprias bases.
Isto já está acontecendo, porque o rasto ecológico é muito maior
do que deveria ser, em vista dos limitados recursos e da capacidade
produtiva do Planeta Terra. O princípio ecológico da
sustentabilidade deve orientar-se segundo o fluxo de energia e a
capacidade de absorção das esferas terrestres para materiais
nocivos. Expresso fisicamente, o aumento de entropia deve ser mantido
em zero.
IHU
On-Line - É possível calcular o custo dos desgastes ambientais
provocados pela economia clássica?
Elmar
Altvater - Há muitos esforços para
calcular os custos dos prejuízos ambientais. O resultado é
geralmente assustador. Entrementes, se pode partir do fato de que os
custos do acréscimo do produto social são 100 mais do que 100. Em
outras palavras: o crescimento não nos torna mais ricos, mas sim
mais pobres. Esta é possivelmente a razão para o aumento da pobreza
no mundo, embora, nos objetivos de desenvolvimento do milênio,
esteja planejada uma redução da pobreza em 50%. Em todo o caso,
cálculos monetários dos prejuízos ambientais são mais do que
problemáticos. Porque se pressupõe que a natureza possa ser
expressa em valores monetários. Isso, por sua vez, exige
propriamente um mercado no qual são constituídos preços, e no
mercado só podem ser negociadas mercadorias, nas quais existem
direitos de propriedade. Uma condição para o cálculo monetário é,
por conseguinte: a natureza deve ser transformada em valor, para
poder ser calculada monetariamente. Porém, qual é o valor de um
peixe-boi, qual é a perda em valores monetários quando uma espécie
é extinta? Quem calcularia os custos da perda do Dodô, uma ave de
locomoção terrestre que, por ter sido tão lenta, foi abatida no
século 18 até seu último exemplar? A avaliação monetária de
danos ecológicos não tem nenhum sentido; no melhor dos casos, ela
teria um valor pedagógico, de alarme.
IHU
On-Line - Que relações podemos estabelecer entre o modo de vida
urbano e o consumo desenfreado e não sustentável?
Elmar
Altvater - Cidades já existem desde a
revolução neolítica na história da humanidade. Elas são os
lugares da comunicação, da formação, da ciência, mas também da
dominação concentrada e da exploração da terra. Na modernidade,
as cidades são expressão do deslocamento da vida econômica da
sociedade e da natureza. Pressuposto para isto é a mobilidade
moderna com o automóvel, cujo combustível é extraído de
portadores fósseis de energia. As cidades modernas são construídas
para os automóveis, com autoestradas urbanas e parques de
estacionamento, shoppings, os artefatos da superação de distâncias
entre locais de moradia, trabalho, recreação, tempo livre etc. Isto
só pode ser modificado se for estabelecido outro conceito não-fóssil
de mobilidade.
IHU
On-Line - Como o senhor relaciona a questão da criação de
necessidades, o consumo, o desperdício e o caos climático,
considerando a contrariedade e o paradoxo disso com o momento de
crise em que vivemos?
Elmar
Altvater - Por causa da crise econômica,
muitas pessoas são ou serão compelidas à condição de pobreza e
já nem tem mais muitas possibilidades para um consumo intensivo de
recursos. Por outro lado, o consumo de baixo custo do supermercado é
muito intensivo de recursos, pelo menos nas nações
industrializadas. Por isso, a pobreza não irá reduzir
duradouramente o consumo de recursos. Isto aponta para o fato de que
a sustentabilidade ecológica só é possível numa sociedade
democrática e de distribuição equitativa de recursos. Mas esta
também é minada pela crise financeira e econômica. As medidas
econômicas para o estado de necessidade foram todas tomadas, nas
nações industrializadas, ao largo dos legítimos órgãos de uma
sociedade democrática.
IHU
On-Line - Pensando numa sociedade ideal, quais poderiam ser apontadas
como “justas” e “reais” necessidades humanas, que
favorecessem a qualidade de vida e as condições ambientais? Uma
mudança na economia seria aqui necessária?
Elmar
Altvater - A pergunta sobre a “vida
boa” já foi levantada por Aristóteles. Sua resposta foi: uma vida
sem aspirar por aquisição de capital, portanto, sem lucro e juros.
Esta resposta também hoje ainda é correta e ela aponta, de maneira
diversa do que na época de Aristóteles, por que então, na velha
Grécia do 4º século antes de Cristo, ainda não existia nenhum
capitalismo, para a necessidade de uma superação do capitalismo e
para uma revolução social e ecológica. Uma revolução política
pode – como já muitas vezes na história (também são exemplos a
revolução francesa e a russa) – ocorrer muito rapidamente como
assunção do poder, mas uma revolução social e ecológica
necessita muito tempo. Porque o sistema energético e uma forma de
produção não podem ser modificados de hoje para amanhã, porém
somente em décadas. Não obstante isso, trata-se de uma revolução
e ela deve iniciar agora, se quisermos evitar o colapso climático.
IHU
On-Line - O senhor acredita que a sociedade está hoje mais
consciente em relação ao caos climático, a ponto de mudar seus
hábitos e provocar mudanças nas grandes corporações? Não é o
capital que ainda tem mais poder?
Elmar
Altvater
- A consciência da necessidade de frear a mudança climática está
amplamente difundida. Mas os interesses econômicos no modo
capitalista da agricultura e da indústria são muito fortes. Os
consórcios transnacionais subscreveram em parte o compacto global do
secretário geral da ONU, se obrigam voluntariamente à “corporate
social responsiblity”, porém buscam apenas o princípio do lucro.
Eles só podem realizá-lo se a economia cresce e para isso eles
necessitam de apoio político. É tarefa dos movimentos sociais
defenderem-se contra a dominação dos consórcios multinacionais,
formularem seus próprios projetos, intervirem em favor de energias
renováveis e formas solidárias de promoção da economia. A crise
atual do capitalismo também é, por isso, uma possibilidade de dar
passos em frente nessa direção.
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