Terça,
16 de setembro de 2014
Incertezas e Democracia
"Cresce
no Brasil uma consciência autônoma de cidadania, que não se deixa
levar. Voltamos a sentir a saudável vontade de trocar com nossos
amigos e amigas sonhos e ideias sobre a conjuntura política e sobre
as possibilidades de incidir nela para mudar". O comentário é
do sociólogo Candido
Grybowski
em artigo no Canal
Ibase,
12-09-2014.
Eis
o artigo.
Estamos
mergulhados no clima de disputa pré-eleitoral como nunca. Cada dia
amanhece com notícias novas. A registrar alguns picos sinalizadores
de extrema incerteza sobre o que será o amanhã. Já tivemos aquele
momento amorfo de nenhuma expectativa de mudança. Veio aquele outro,
de morte trágica de um candidato até viável, que alternou a
disputa de ponta cabeça.
Depois,
a ascensão vertiginosa de uma mulher, Marina
Silva,
que galvanizou o mal-estar difuso com a política que está no
impregnado ambiente público desde as surpreendentes manifestações
de junho de 2013. Num curto espaço de tempo, todas as expectativas
se desfizeram e refizeram em outras bases. Aécio
não evaporou, mas naufragou na planície. As rochas sólidas de um
PT
bem implantado nacionalmente e as inegáveis conquistas sociais nos
últimos 12 anos não só seguraram a Dilma
como a deixam numa posição vantajosa. Que quadro eleitoral! Só uma
viva democracia é capaz de produzir isto.
Estamos
a menos de um mês das eleições. Vendo o contexto, celebro o que a
democracia nos propicia. Por mais angustiante e estranha que seja a
incerteza reinante, isto é muito melhor que a certeza aplastadora de
ditaduras ou o beco sem saída de democracias ritualizadas e de baixa
intensidade. Absolutamente claro que a propaganda eleitoral gratuita
em nada contribui, com aquelas mulheres e homens se “vendendo”
para a cidadania em troca do voto – parecendo santinhos, mas que
nos passam uma sensação inversa.
Celebro
no momento a possibilidade de debater o país, fora do alcance da
grande mídia, cujos sensores são incapazes de reverberar o que se
passa nas ruas, nos bares, na intimidade das famílias, no trabalho,
nas praias e parques. Aliás, a grande mídia toma partido e tenta
fazer nossas cabeças a todo custo para uma volta atrás, ao
desenfreado neoliberalismo, com ranço de volta ao saudoso passado de
uma classe dominante não acostumada a ser derrotada.
Chamo
atenção para um fato surpreendente. Não me lembro de tanto debate
político no cotidiano como agora. Em toda parte, basta se formar um
pequeno grupo que o assunto do momento é política. Política com p
maiúsculo, pois predomina um esforço de se informar e entender
sobre a melhor alternativa eleitoral para avançar em democratização
e em direitos de cidadania entre nós.
Trata-se
de um de debate de opiniões sobre os rumos necessários para o país,
debate essencialmente cidadão, pois promovido por quem, pelo voto,
decide em última análise a parada. Fazia tempo que um fenômeno
assim não acontecia entre nós. A propaganda gratuita em nada
contribui para nos fazer debater e buscar opções. Ela é massante e
ridícula, ponto! Todas e todos estamos diante de um dilema criador:
como exercer nosso poder instituinte e constituinte de cidadãs e
cidadãos para apontar uma direção ao país.
O
momento é tão confuso e de mal-estar e incertezas que até é
difícil ver com clareza a possível hegemonia que vai ser
constituída com o primeiro e, hoje quase certo, segundo turno das
eleições. Como hegemonia se constrói com emoções + convicções,
segundo o mestre Gramsci,
começa a ficar claro que isto favorece a candidata à reeleição,
Dilma.
Para o lado de Dilma
até sobram convicções sobre as possibilidades de rever e avançar,
inaugurando um novo ciclo de aprofundamento das mudanças apenas
iniciadas.
Mas
falta um bocado daquela emoção envolvente. Pela novidade, emoções
em torno a Marina
transbordam, mas as convicções rareiam a cada dia após o pique
inicial. Pior, ela passa mais a sensação de um barco entregue a
timoneiro que não sabe o rumo a seguir, com idas e vindas que não
conseguem dissimular a subordinação difusa a uma agenda basicamente
conservadora.
O
candidato Aécio,
além de nada emocionante naquele seu jeito de distanciamento da
galera, assumiu descaradamente a agenda nada convincente, hoje, do
neoliberalismo que produziu a maior crise dos últimos tempos no
mundo.
O
que também merece reflexão nesta eleição é o aprofundamento do
fosso entre eleição majoritária para presidente e tudo mais. É
como se só a eleição de presidente efetivamente contasse em termos
da grande política, de disputa de projetos e rumos para o país.
A
eleição de senadores e de deputados federais, de governadores e de
deputados estaduais aparece como o espaço reservado para a política
de sempre, do não compromisso com sonhos, ideias e projetos,
meramente um mercado político de favores, que denigre a
representação política.
Como
a conquista pelo voto de uma hegemonia no plano do executivo federal,
através da Presidência da República – própria do nosso sistema
constitucional e cultura política– vai cimentar coalizões
partidárias para governar?
Finalmente,
um ponto muito essencial na conjuntura eleitoral. Apesar de estar na
agenda pública, o debate sobre reforma política da própria
Política, enquanto criação da vida em comum e o sentido de
pertencimento como sujeito de direitos iguais, é muito marginal nos
debates da cidadania. O incríve2l é que a contestação da
representação política foi uma questão central nas surpreendentes
manifestações de junho de 2013.
De
qualquer modo, registro aqui o que me parece mais destacável deste
momento que estamos vivendo. Por vias que me parecem surpreendentes,
cresce no Brasil uma consciência autônoma de cidadania, que não se
deixa levar. Voltamos a sentir a saudável vontade de trocar com
nossos amigos e amigas sonhos e ideias sobre a conjuntura política e
sobre as possibilidades de incidir nela para mudar. Se os programas
eleitorais pela televisão nos passam imagens e discursos
desmobilizadores, nada como transformar o azedo limão que engasga em
um suco que revitaliza.
A
incerteza é inerente à democracia. Por nada estar definido ou ganho
de antemão, nos animamos a participar da disputa eleitoral. Por mais
retumbante que possa ser a vitória em uma eleição, o resultado
obtido será uma nova incerteza sobre como vai funcionar a correlação
de forças assim definida. A democracia é, definitivamente, um pacto
de incertezas sobre o futuro, que nos faz viver em busca permanente
no presente.
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