Introdução
Não
é nenhuma novidade para nós,
quando afirmamos
que o ensinamento, as ações e toda a vida de Jesus pode ser
resumida na expressão REINO DE DEUS OU DOS CÉUS. Também não nos
surpreendemos quando se diz que foi Jesus que criou esta expressão e
a preencheu com um conteúdo novo, inédito e inaudito. Esta
expressão quase não aparece no AT e na literatura judaica e nem
mesmo nos outros escritos do NT. Esta estatística pode talvez nos
ajudar a perceber a importância da expressão “Reino de Deus ou
dos céus” na boca de Jesus: Mc: 13x; Mt: 27x; Lc: 12x; (Sinóticos:
52x); Jo: 2x; cartas de Paulo: 10x; At: 7x.
Além
disso, a expressão “Reino
de Deus ou dos céus” está relacionada com os mais variados
gêneros literários: comparações, exortações, assunto
de conversa
nos banquetes, condições de entrada e de
pertença
ao Reino
de Deus, a proximidade do Reino de Deus, o envio para testemunhar o
Reino de Deus, a dimensão presente e futura do Reino
de Deus.
1
Jesus concretiza o Reino de Deus
O
que entendeu Jesus com a expressão Reino
de Deus? Este Reino, no qual Deus reina, e
cujo senhorio abarca tudo, é,
para ele, uma realidade futura, mas já agora presente na história.
Isto
é sintetizado na expressão: “Já
agora – ainda não”. Vejamos agora alguns textos nos quais as
duas dimensões são destacadas:
-
Dimensão futura:
Mt 6,10; Lc 11,2; Mc 9, 43-48; 14,25.
-
Dimensão presente:
Lc 17,20s; 7,22s (Mt 11,5s; cf. Is 35,5ss: cegos, surdos, coxos; Is
29,18s: surdos, cegos, pobres; Is 61,1s: anunciar a Boa Notícia aos
pobres).
Em
Lc 7,22s encontramos a novidade, o inédito e o inaudito da
compreensão de Jesus do R. de Deus. Ele está próximo, ele está
acontecendo em 6 grupos de pessoas:
cegos, coxos, leprosos, surdos, mortos e pobres. E talvez pode-se
acrescentar um 7º grupo: Feliz
aquele que não ficar escandalizado por causa de mim!
Sobre
isto Jon Sobrino comenta: “No Evangelho, o
Reino é utopia, porém
uma utopia específica que deve ser bem aquilatada. Responde não a
qualquer carência e limitação dos humanos, mas também ao
sofrimento
dos pobres.
E a ela se corresponde com esperança,
alimentada
pelos sinais
do Reino: curas,
expulsões de forças destruidoras, acolhida dos desprezados,
refeições fraternas”1.
O
Reino de Deus, no entanto, acontece dentro de uma situação de
anti-Reino. Sobre isto escreve Jon Sobrino: “A relação entre
Reino e anti-Reino não é só dialética, mas também duélica,
um
age contra o outro, o que é preciso entender bem, pois são
distintas as forças e o modo de operar de um e de outro. Que o
anti-Reino age contra o Reino – o mundo dos ricos e opressores
contra o mundo dos pobres e oprimidos – é evidente. Mas que o
Reino, por sua natureza, age contra o anti-Reino – o mundo dos
pobres contra o mundo dos ricos – é preciso explicar, sobretudo
quando surgem movimentos de libertação. Há formas legítimas de
luta dos pobres contra o anti-Reino, como podem ser as das
organizações sociais e populares, embora seja preciso ter presente
a necessidade dos modos adequados de luta e os perigos de
desumanização que toda a luta acarreta”2.
2
A fonte onde Jesus bebeu
A
fonte onde Jesus bebeu a respeito do Reino de Deus é o Antigo
Testamento. Na sinagoga ele deve ter aprendido e rezado esta parte do
Sl 96,10.13: Dizei
entre as nações: “Iahweh é Rei! Ele governa os povos com
retidão. Ele julgará o mundo com justiça e as nações com sua
verdade”.
Outra
fonte, muito conhecida por Jesus e que o animou, era o Deuteronômio
com sua proposta de uma sociedade sem empobrecidos e excluídos: É
verdade que em teu meio não haverá nenhum pobre, porque Iahweh
vai abençoar-te na terra (Dt
15,4). Aliás, a lei ordena, em Dt 15,1-6, que a cada sete anos
deverá acontecer o perdão das dívidas. A lei seguinte, em Dt
15,7-11, prescreve que sempre se deve emprestar ao israelita pobre,
mesmo que o sétimo ano de sua libertação da escravidão da dívida
estiver se aproximando. E, por fim, a lei, em Dt 15,12-18, detalha
que a libertação da escravidão da dívida deve beneficiar não só
o irmão hebreu, mas também a hebréia (v.12); que eles não podem
ser despedidos de mãos vazias, mas com todas as condições para
poder recomeçar a vida em liberdade; e que os servos e servas, que
querem ficar com o patrão, deverão receber um furo na orelha
(vv.16s)3.
Outra
fonte de inspiração eram as várias utopias espalhadas no AT. Gn
1-3, especialmente Gn 2,4b-25, descreve a criação do mundo como um
jardim florido onde a pessoa vivia em harmonia perfeita com Deus, com
os seres humanos, com os animais e com a natureza. Esta utopia está
bem detalhada e concretizada em Is 11,1-9. Este texto descreve um
líder que vive a justiça e governa com retidão. Assim os opostos
se tornarão irmãos.
Além
disso, o profeta Isaías anuncia que as espadas serão quebradas e
transformadas em foices e as lanças em podadeiras porque os povos
subirão ao monte Sião em Jerusalém e aí serão instruídos por
Iavé nos caminhos da justiça (Is 2,1-5; Mq 4,1-3). Há ainda outras
utopias em Is 9,1-6; Sf 3,9-26; Jr 34,8-22; Ez 37,1-14.
3
A missão de Jesus é a d@s discípul@s
A
missão
d@s
discípul@s
missionári@s
é a mesma de Jesus. Por isso, quando Jesus envia seus discípulos em
missão, ele recomenda: Dirigi-vos
antes às ovelhas perdidas de Israel. Dirigindo-vos a elas, proclamai
que o Reino dos céus está próximo. Curai os doentes, ressuscitai
os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios. De graça
recebestes, de graça dai (Mt
10,7s).
A
respeito do
seguimento
de Jesus, Jon Sobrino comenta:
“Sempre que o cristianismo esteve em crise, os mais lúcidos se
voltaram a Jesus de Nazaré e, especificamente, ao seu seguimento.
Definitivamente, é Jesus que salva o cristianismo, e é o seguimento
de Jesus que nos faz cristãos. O Espírito é a força de Deus para
que, de fato, sejamos ‘seguidores’, ‘filhos no Filho’. [...]
Imediatamente depois do programático anúncio
do Reino, Jesus
chama
seus seguidores (depois
também mulheres com seus nomes). Chama-os para estar
com ele, para
ser enviados por ele e,
à medida que se aproxima do fim, para participar
de seu destino. Tudo
isso ressoa no lapidar ‘segue-me’, a primeira e última palavra
de Jesus a Pedro. O seguimento de Jesus é o modo especificamente
cristão de corresponder à passagem de Deus por este mundo, de
chegar a seu Reinado”4.
O
seguimento de Jesus pode levar ao martírio. Jon Sobrino escreve: “No
Evangelho o custoso do seguimento provém da práxis de anunciar a
Boa-Notícia de Deus, de construir o Reino e de defrontar-se com o
anti-Reino. Segundo Marcos, já no início Jesus entra em graves
conflitos por atuar em favor do reino (Mc 3,6). [...] Todos os que se
pareceram com Jesus e o seguiram, os que trabalharam pela justiça,
pela verdade e dignidade dos oprimidos, foram perseguidos e até
assassinados” 5.
Lc
4,14-24; 4,31-44: Estes textos nos dão uma boa idéia a respeito do
significado e da importância que a expressão Reino de Deus tem no
ensinamento, nas ações e na vida de Jesus.
Em
Lc 4,14-24 encontramos o programa de Jesus, apresentado num sábado,
na sinagoga de Nazaré: Jesus
voltou então para a Galiléia, com a força do Espírito Santo, e
sua fama espalhou-se por toda a região circunvizinha. Ensinava em
suas sinagogas e era glorificado por todos.
Ele
foi a Nazaré onde fora criado, e, segundo seu costume, entrou em dia
de sábado na sinagoga e levantou-se para fazer a leitura. Foi-lhe
entregue o livro do profeta Isaías; desenrolou-o, encontrando o
lugar onde está escrito:
O
Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela
unção para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a
libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para
restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça
do Senhor.
Enrolou
o livro, entregou-o ao servente e sentou-se. Todos na sinagoga
olhavam-no, atentos. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu
aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura. Todos testemunhavam a
seu respeito, e admiravam-se das palavras cheias de graça que saíam
de sua boca.
E
diziam: Não é este o filho de José? Ele, porém, disse: Certamente
me citareis o provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo. Tudo o que
ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum, faze-o também aqui em tua
pátria. Mas em seguida acrescentou: Em verdade vos digo que nenhum
profeta é bem recebido em sua pátria.
A
reação à proclamação do programa de Jesus é variada. Há
pessoas que o aplaudem, outros que reagem com suspeitas e dúvidas.
Mas, há ainda outros que reagem com rejeição.
O
texto, Lc 4,31-44, descreve um dia de atuação de Jesus, colocando
seu programa em prática, curando todo o tipo de males e doenças. É
o Reino de Deus que está se manifestando através da prática
libertadora de Jesus. Jesus está inaugurando a sociedade sem
empobrecidos e excluídos: Desceu
então a Cafarnaum, cidade da Galiléia, e ensinava-os aos sábados.
Eles ficavam pasmados com seu ensinamento, porque falava com
autoridade.
Encontrava-se
na sinagoga um homem possesso de um espírito de demônio impuro, que
se pôs a gritar fortemente: Ah! Que queres de nós, Jesus Nazareno?
Vieste para arruinar-nos? Sei quem tu és: o Santo de Deus. Mas Jesus
o conjurou severamente: Cala-te, e sai dele! E o demônio, lançando-o
no meio de todos, saiu sem lhe fazer mal algum. O espanto apossou-se
de todos, e falavam entre si: Que significa isso? Ele dá ordens com
autoridade e poder aos espíritos impuros, e eles saem! E sua fama se
propagava por todo lugar da redondeza.
Saindo
da sinagoga, entrou na casa de Simão. A sogra de Simão estava com
febre alta, e pediram-lhe por ela. Ele se inclinou para ela, conjurou
severamente a febre, e esta a deixou; imediatamente ela se levantou e
se pôs a servi-los.
Ao
pôr-do-sol, todos os que tinham doentes atingidos de males diversos
traziam-nos, e ele, impondo as mãos sobre cada um, curava-os. De
grande número também saíam demônios gritando: Tu é o Filho de
Deus! Em tom ameaçador, porém, ele os proibia de falar, pois sabiam
que ele era o Cristo.
Ao
raiar do dia, saiu e foi para um lugar deserto. As multidões
puseram-se a procurá-lo e, tendo-o encontrado, queriam retê-lo,
impedindo-o que as deixasse. Ele, porém, lhes disse: Devo anunciar
também a outras cidades a Boa Nova do Reino de Deus, pois é para
isso que fui enviado. E pregava pelas sinagogas da Judéia.
4
As dimensões
do Reino de Deus
No
Evangelho de Mateus, em Mt
13, encontramos uma série de 7 comparações. Todas elas explicitam
dimensões do Reino de Deus. O mistério do Reino dos céus é
explicado para vários grupos de pessoas.
5
Oração presidida pelo Padre Joe Wright
na abertura
do senado de Kansas, USA
“Senhor,
viemos diante de ti neste dia, para te pedir perdão e para pedir a
tua direção. Sabemos que a tua Palavra disse: ‘Maldição àqueles
que chamam ‘bem’ ao que está ‘mal’, e é exatamente o que
temos feito.
Temos
perdido o equilíbrio espiritual e temos mudado os nossos valores.
Temos
explorado o pobre e temos chamado a isso de ‘sorte’.
Temos
matado os nossos filhos que ainda não nasceram e temo-lo chamado ‘a
livre escolha’.
Temos
recompensado a preguiça e chamamo-la de ‘ajuda social’.
Temos
abatido nossos condenados e chamamo-la de ‘justiça’.
Temos
sido negligentes ao disciplinar os nossos filhos e chamamo-la
‘desenvolver sua auto-estima’.
Temos
abusado do poder e temos chamado a isso: ‘Política’.
Temos
cobiçado os bens do nosso vizinho e a isso temo-lo chamado ‘ter
ambições’.
Temos
contaminado as ondas de rádio e televisão com muita grosseria e
pornografia e temo-lo chamado ‘liberdade de expressão’.
Temos
ridicularizado os valores estabelecidos, desde há muito tempo, pelos
nossos ancestrais e a isto temo-lo chamado de ‘obsoleto’ e
‘passado’.
Oh,
Senhor, olha no profundo dos nossos corações. Purifica-nos e
livra-nos dos nossos pecados. Amém”.
(Padre
Joe Wright, da Central Catholic Church, recebeu em 6 semanas 5.000
chamadas telefônicas, das quais só 47 foram desfavoráveis).
Bibliografia
KRAMER,
Pedro. Origem
e Legislação do Deuteronômio. Programa
de uma sociedade sem empobrecidos e excluídos. São Paulo: Paulinas,
2006.
SOBRINO,
Jon. Fora
dos Pobres não há salvação. Pequenos
ensaios utópico-proféticos. São Paulo: Paulinas, 2008.
SOBRINO,
Jon. Descer
da cruz os pobres. Cristologia
da Libertação. São Paulo: Paulinas, 2007.
STORNIOLO,
Ivo. Como
ler O Evangelho de Mateus. O
caminho da justiça. São Paulo: Paulinas, 1990.
STORNIOLO,
Ivo. Como
ler O Evangelho de Lucas. Os
pobres constroem a nova história. São Paulo: Paulinas, 1992.
1
SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há salvação. São
Paulo: Paulinas, 2008, p. 125
2
Op. cit., p. 129
3
KRAMER, Pedro. Origem e Legislação do Deuteronômio. Programa
de uma sociedade sem empobrecidos e excluídos. São Paulo:
Paulinas, 2006, p.128
4
SOBRINO, Jon. Op. cit., pp. 136-137
5
Op. cit., pp. 139-140
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