Não há nada mais desmobilizador hoje do que 2018. Entre nós e 2018 há um
abismo'
Para o cientista político Juarez Guimarães, atual
período não é de 'normalidade democrática' e eleições diretas 'capturaria o
tempo dos golpistas'
por Marco Weissheimer, do Sul
21 publicado 17/07/2017 11h23
MAIA RUBIM/SUL21
Sul 21 –
"O golpe em curso no Brasil se insere no processo internacional da
contrarrevolução neoliberal que está construindo estados constitucionais não
democráticos pelo mundo inteiro. Os golpistas estão divididos e enfrentam
dificuldades para lidar com a crise de legitimidade decorrente do golpe, mas estão
unificados programaticamente. E esse programa põe em questão princípios
fundamentais do pensamento democrático do pós-guerra, gerando um cenário de
instabilidade , ódio e intolerância". A avaliação é do cientista político
Juarez Guimarães, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que aponta
graves conseqüências desse quadro nos planos nacional e internacional. "Os
valores fundamentais da paz, da liberdade, dos direitos humanos, do pluralismo
e da tolerância estão em questão e é por isso que falo que estamos vivendo uma
crise civilizacional", diz o cientista político em entrevista ao Sul21.
Juarez Guimarães analisa os acontecimentos recentes da vida política
brasileira sob a perspectiva de uma linha histórica mais longa, aponta um
déficit de consciência da esquerda sobre o que está acontecendo no Brasil e no
mundo, defende a centralidade da campanha por Diretas Já e adverte sobre os
riscos de depositar todas as esperanças em 2018 para a superação da crise
atual. Para ele, quem achar que estamos vivendo apenas um intervalo no processo
de normalidade democrática, pode avaliar, por exemplo, que a sentença do juiz
Sérgio Moro contra o ex-presidente Lula deve ser reformada em segunda
instância, uma vez que não tem base jurídica nem provas. No entanto, diz,
estamos vivendo um estado de excepcionalidade onde a exceção é a regra.
"Moro é corrompido politicamente e está exercendo seu mandato de juiz de
forma partidária". E acrescenta:
"Qualquer pensamento político que se estreitar no plano da
legalidade jurídica estará cometendo um gravíssimo erro. Com o STF, tal qual
está funcionando, com a Constituição tantas vezes violada como foi, qual a
dificuldade em praticar mais uma violação? Não há nada mais desmobilizador,
hoje, do que 2018, porque entre nós e 2018 há o abismo. Se não enfrentarmos a
possibilidade do abismo corremos o risco de ser tragado por ele".
Diante de uma conjuntura extremamente
instável, que muda rapidamente, como, qual a sua avaliação sobre a situação
política que o Brasil está vivendo?
Estou trabalhando com a ideia de uma contrarrevolução neoliberal, que
dialoga com elaborações que estão sendo feitas pela ciência política
brasileira. A ciência política brasileira, majoritariamente, se posicionou,
através da Associação Brasileira de Ciência Política e da Associação
Latino-americana de Ciência Política (Alacip), caracterizando o que aconteceu
no Brasil como um golpe. O cientista político sênior do Brasil, Wanderley
Guilherme dos Santos, escreveu o livro "A democracia impedida. O Brasil no
século XXI" (FGV Editora), cujo título deve ser bem entendido.
A "democracia impedida"
contém a denúncia do que ele chama
de golpe parlamentar, que é uma figura nova na ciência política. Em regimes democráticos representativos,
forças políticas utilizam-se de aparatos previstos na Constituição,
reinterpretando-os de forma ilegítima, forçando o sentido previsto na Carta
Constitucional, para promover um golpe parlamentar. Esses golpes são ditos
parlamentares, diz Wanderley Guilherme dos Santos, porque os atores são
parlamentares que necessitam de uma cobertura de legitimação do Judiciário.
Eles são, por natureza, instáveis e carecem de legitimidade, razão pela qual
procuram a via anti-democrática.
O autor acrescentou o subtítulo "O Brasil no século XXI" por
entender que esse golpe parlamentar não é um ser estranho na atual conjuntura
das democracias ocidentais, embora ele não queira fazer, do que ocorreu no
Brasil, um paradigma. Está apenas chamando a atenção para o fato de que existe
uma crise das democracias ocidentais e que fenômenos semelhantes, de captura da
soberania popular e de um encaminhamento anti-democrático das instituições a
partir de seu próprio interior encontra alguma tipicidade, hoje, no funcionamento
dessas democracias. Ele revisita Karl Polanyi, recuperando a oposição dramática
entre democracia e capitalismo para pensar esse novo contexto.
As forças capitalistas empoderadas estariam retirando dimensões
fundantes da democracia. O autor opõe essa visão a de T.H.Marshall, autor de
"Cidadania, Classe Social e Status", que via uma relação mais
virtuosa entre democracia e capitalismo, o que levaria a um aprofundamento
crescente das condições de cidadania até se chegar a um ponto em que a própria
ideia de classe social estaria subsumida a um status de igualdade que seria
construído. Wanderley Guilherme dos Santos reivindica a ideia de que as
democracias representativas, tais como nós as conhecemos, são eventos recentes
na história ocidental, eventos do pós-guerra, mergulhados hoje em um processo
de grande tumulto e instabilidade.
Trata-se de um livro muito importante e é preciso chamar a atenção sobre
ele. A mídia brasileira praticamente o ignorou. O principal cientista político
do país, que estuda a democracia há quase cinco décadas, escreve um livro
importante como esse e ele é ignorado pela mídia brasileira. Nós estabelecemos
uma afinidade com essa interpretação e também com a interpretação do cientista
político Luis Felipe Miguel, da Universidade de Brasília, que caracteriza o que
nós estamos vivendo como uma situação de exceção. Foi rompida a Constituição e
estamos numa situação marcada pelo arbítrio, onde os fundamentos
constitucionais de 1988 já não estão valendo. Nesta situação, o Executivo
funciona de uma forma ilegítima, o Legislativa funciona com uma alienação de
representação, de um modo absolutamente autonomizado em relação à sociedade, e
o Judiciário emite jurisprudências arbitrárias de forma seqüencial. Cada caso é
um caso, dependendo das conveniências e dos interesses políticos envolvidos.
Luis Felipe Miguel, concordando com essa avaliação de que houve um golpe
parlamentar, elabora a ideia de uma crise do estado democrático brasileiro,
onde os três poderes estão trabalhando em um regime de exceção. Nós dialogamos
com esses dois conceitos – golpe parlamentar e estado de exceção – para
trabalhar a ideia de uma contrarrevolução neoliberal.
Quais seriam as características desta
contra-revolução neoliberal?
Esse conceito parte da ideia de que,
para pensar a conjuntura brasileira na sua imprevisibilidade e elevado grau de
arbítrio, é preciso recorrer à história longa, ao processo inacabado e
interrompido de construção de uma república democrática no Brasil e aos
impasses históricos dessa construção. Ao inserirmos a narrativa do golpe de
2016 na história brasileira, não pretendemos interpretar esse golpe a partir do
que ocorreu em 1964. O que queremos é identificar uma reiteração de sentido,
isto é, a incapacidade das classes dominantes brasileiras de conviver com a
democracia naquilo que ela tem de substantivo, como a distribuição de poder e
riqueza e de alargamento de sua base social.
Revisitamos, por essa via, os clássicos de interpretação do Brasil,
principalmente o livro "A Revolução Burguesa", de Florestan
Fernandes, que interpretou 1964 como uma revolução burguesa brasileira que
conjugou capitalismo selvagem e autocracia. As classes dominantes brasileiras,
muito prematuramente, viveram o dilema distributivista pela pressão das classes
populares em um espaço restrito de manobra, em função de sua dependência em
relação às classes dominantes internacionais. Pressionada desde baixo e com um
espaço restrito de manobra, ela optou historicamente por conjugar capitalismo
com autocracia e essa é a história da ditadura militar.
Na sua opinião, qual a relação que
existe entre a narrativa do golpe de 2016 e a do golpe de 1964?
O sentido do golpe de 64 está sendo reiterado agora, com uma grande
diferença. Além dessa pressão dos de baixo para conseguir um alargamento da
distribuição de poder e das riquezas, e do fato de a economia brasileira ser
hoje muito mais associada ao capitalismo internacional do que era em 64, temos
uma mudança epocal da tradição liberal. Essa tradição liberal é responsável
pela formulação dos princípios civilizatórios dominantes no mundo. No entanto,
esses princípios, nas últimas quatro, cinco décadas, passaram por uma grande
mudança em nível global.
O neoliberalismo já tem uma história e já há uma literatura
especializada sobre esse tema, em grande parte desconhecida pela esquerda
brasileira, que estuda esse fenômeno epocal e suas consequências no sentido de
desconstruir o princípio da soberania popular nas democracias ocidentais. O
livro "Undoing the Demos", de Wendy Brown, trata dessa revolução
discreta do neoliberalismo. Estamos falando, portanto, de uma época histórica,
não de uma conjuntura específica. O que está ocorrendo no Brasil seria a atualização
das classes dominantes nacionais se colocando contemporaneamente nesta
revolução epocal do neoliberalismo. Essa revolução epocal reduziu o chamado
liberalismo social a uma nota de pé de página dos livros que hoje compõem o
paradigma econômico dominante.
Se estamos identificando uma época, é necessário também identificarmos
as conjunturas no interior dessa época de quatro ou cinco décadas. Esse golpe
no Brasil é a expressão de um terceiro período epocal do neoliberalismo. Se
formos olhar sua história, o neoliberalismo teve uma proto-origem nos anos 30 e
passa por um primeiro período de acumulação no pós-guerra. Ele alcançou, pela
primeira vez, o governo de dois estados centrais, Estados Unidos e Inglaterra,
no final dos anos 70, construindo, em nome da liberdade, uma agenda do Estado
mínimo nos anos 80. Essa é a primeira fase de irrupção do neoliberalismo na
vida política do Ocidente.
Nos anos 90, houve então uma reação, uma tentativa do Partido Democrata,
dos Estados Unidos, originário do New Deal e a favor de um keynesianismo, e
também da socialdemocracia europeia. Neste processo, ocorre uma absorção da
agenda do neoliberalismo tanto pelo Partido Democrata norte-americano como pelo
chamado novo trabalhismo de Tony Blair. Aí temos um primeiro momento de fusão
do Brasil com esse novo movimento, através do governo Fernando Henrique, que
tentou conectar o país nessa ideia de terceira via. Essa terceira via já não
era, então, algo intermediário entre o liberalismo e o socialismo, mas sim
entre liberalismo e neoliberalismo. O que resultou dos anos 90 foi uma
desconstituição das bases programáticas e identitárias tanto do Partido
Democrata norte-americano quanto das tradições socialdemocratas europeias,
inclusive do Partido Trabalhista inglês.
Entramos neste século vivendo uma terceira fase do neoliberalismo, uma
fase mais predatória, onde suas dimensões antidemocráticas ficam mais
evidentes. A partir de 2008, quando as dívidas financeiras foram estatizadas, a
contradição entre a gestão da dívida pública e as democracias vai para o
primeiro plano. Vemos, então, essa dimensão antidemocrática do neoliberalismo
irromper de forma mais evidente. O golpe no Brasil se insere nesta narrativa de
uma contrarrevolução neoliberal que está construindo estados constitucionais
não democráticos. Não são estados militarizados, como na época da guerra fria,
mas estados constitucionais não democráticos.
Do ponto de vista do pensamento
político de esquerda, quais seriam as principais implicações dessa
contrarrevolução neoliberal, tanto no plano nacional como internacional?
Há muitas questões interpretativas sobre essa nova realidade que
desafiam os marxistas. A primeira é como entender que o neoliberalismo tenha
saído mais forte da crise de 2008. Muitos marxistas e outros intérpretes do
neoliberalismo previram ali o fim do neoliberalismo e da globalização
neoliberal. Este foi o segundo fim proclamado do neoliberalismo. O primeiro foi
com a derrota dos governos conservadores de Reagan e Thatcher para alianças
socialdemocratas nos anos noventa. Também aí se teorizou, de modo
impressionista, que o neoliberalismo estava no fim. No entanto, ele ressurgiu
com mais força. Como entender isso? A grande resposta a isso estaria em estudos
feitos sobre a tradição neoliberal que se perguntam, no sentido gramsciano, se
o neoliberalismo é apenas um evento superestrutural da política ou se ele já é
expressão da constituição de uma classe capitalista transnacional. Isto é, se
ele já é a expressão de uma vontade política classista que se organiza para além
dos estados nacionais.
Há um artigo muito interessante de William Carroll e Jean Philippe
Sapinski sobre esse tema, que utiliza os conceitos clássicos de Marx, de
classe-em-si e classe-para-si, para abordar esse fenômeno. De 1970 a 2008,
assinalam os autores, as exportações de mercadorias cresceram 6,9% no mundo. De
1970 a 2000, os investimentos globais diretos se multiplicaram 48 vezes. Já os
empréstimos bancários internacionais, entre 1977 e 2008, se multiplicaram 55
vezes. Isto é, empoderou-se muito a financeirização do mundo. Esses autores
dizem que esse período é de expansão da classe-em-si, um momento de expansão
dos interesses financeiros que estavam alargando os seus espaços de reprodução.
A partir da crise de 2008, do acúmulo de suas vitórias e de expansão do
setor financeiro, estaria ocorrendo a passagem da classe-em-si para a classe
para-si. Essas classes transnacionais já estariam sendo capazes de formular um
projeto de uma ordem internacional capaz de submeter estados nacionais aos
paradigmas por ela formulados.
Os autores se perguntam: qual o lugar dessa passagem da classe-em-si
para a classe-para-si? Onde esses capitalistas estão ganhando essa consciência
mundial e formulando um programa internacional de dominação? No Estado
norte-americano, fundamentalmente, desde a época Clinton, mas também durante a
era Obama, e no processo da unificação europeia. Nestes dois lugares estatais
está se dando a formação dessa consciência política nova de uma classe
capitalista transnacional. Eles também se pergunta pelos locais onde se
organiza essa vontade política. A resposta é que isso se dá, fundamentalmente,
em três lugares. Em primeiro lugar, na Organização Mundial do Comércio (OMC),
que reúne 133 países e é o espaço onde se resolvem disputas, se produzem
consensos estratégicos e se estabelecem regulações comuns.
O segundo lugar seria o Fórum Econômico Mundial de Davos, onde as mil
corporações mais importantes do planeta comparecem anualmente. O papel do Fórum
de Davos é formular e hierarquizar as agendas políticas. E o terceiro é a Mont
Pelèrin Society, organização criada em 1947 para promover valores e princípios
liberais e pode ser considerada como a origem do neoliberalismo. Essa sociedade
reúne, através da Atlas Economic Research Foundation, quatrocentos think
thanks, articulados internacionalmente para organizar a cobertura intelectual
desse paradigma.
Em que medida, esse movimento
internacional já estabeleceu raízes no Brasil também?
Quando estudamos o caso brasileiro e constatamos as contradições no interior
da coalizão golpista, vemos que por trás de um Temer há um Maia e que por trás
do Maia há um outro e por trás desse outro há um programa que unifica todos os
golpistas. Os golpistas estão divididos e enfrentam dificuldades para lidar com
a crise de legitimidade decorrente do golpe, mas estão unificados
programaticamente. Essa unificação programática e esse background internacional
torna possível fazer operações de reposição política como ocorreu recentemente
na França. Lá, tínhamos uma direita derrotada eleitoralmente e uma
social-democracia derrotada na sua identidade. De repente, surge um outro, que
repõe o fundamento político desse programa e recompõe uma maioria parlamentar.
Que milagre político é esse?
Esse milagre político só pode ser entendido a partir de uma visão
integrada dessa contrarrevolução neoliberal. Estamos vivendo uma espécie de
abalo sísmico civilizacional. O que está em jogo é um princípio de civilização
que reorganiza os fundamentos da vida em comum. O liberalismo keynesiano expressa
uma visão de sociedade que tem como referência a ideia de soberania popular e é
um lugar onde se disputam e se forma os direitos dos cidadãos. É esta ideia
civilizacional que está em questão com essa contrarrevolução neoliberal.
Como vê as possibilidades de
resistência e de enfrentamento desta contrarrevolução?
A insuficiência de consciência leva a uma desorganização da vontade
política. A direita está à frente da esquerda em função disso. Ela está mais
contemporânea e mais unificada programaticamente do que a esquerda, em nível
internacional. O que a direita brasileira fez foi se amparar neste novo
paradigma internacional para, com base nele, quebrar um acúmulo sincrético da
esquerda brasileira. O que resulta desta contrarrevolução neoliberal não são nem
regimes estáveis no plano nacional nem uma ordem internacional estabilizada,
pelo contrário. O que temos visto como fenômeno intrínseco a este
desmantelamento dos fundamentos de pactuação das democracias ocidentais é um
grau crescente de ilegitimidade e de instabilidade política no centro dessas
democracias. Então, essa contrarrevolução neoliberal não gera estabilidade, mas
instabilidade permanente e um processo de degradação política.
Temos que entender melhor o que significa essa erosão dos fundamentos da
soberania popular. A erosão da soberania popular pode se dar através da erosão
da soberania de estados nacionais com a transferência para organismos
internacionais de decisões que deveriam ser tomadas soberanamente pelos povos.
Além disso, ataca-se os fundamentos democráticos da competição eleitoral
através de um grau de financeirização inaudito das eleições. Hoje, por exemplo,
a probabilidade de reeleição de um membro do Congresso norte-americano está em
torno de 93% ou 94%. Isso significa que o sistema político já está de tal
maneira oligarquizado, já se desprendeu do controle popular de uma tal maneira
que ele não diz mais respeito ao cidadão comum ou diz muito pouco. Ele se
reproduz no seu próprio processo de financeirização.
Junto com isso temos um processo de degradação profunda da formação da
opinião pública democrática nestes países, inclusive nos Estados Unidos onde
mais existiam leis anti-trustes, que proibiam a verticalização. Em 1996, houve
um ato que reviu esses fundamentos de regulação e hoje a mídia norte-americana
está concentrada em sete grandes empresas. Isso provoca um processo de
corrupção da opinião pública. O que ocorre no Brasil em termos de concentração
midiática não é uma excentricidade, mas algo que se verifica inclusive nos Estados
Unidos.
Ao invés do pluralismo, o que vemos hoje é o crescimento de uma cultura
do ódio e da intolerância. Os fundamentos da vida pública democrática em comum
estão sendo erodidos. Isso está levando a uma situação de grande instabilidade
e a fenômenos como a eleição de Trump. Vemos hoje também uma profunda
desorganização das relações internacionais e a configuração de um contexto
global onde o cenário de guerra não se tornou apenas possível, como provável.
Os paradigmas de regulação estão em crise. A própria ONU está impotente.
Estamos lidando com o crescimento potencial de conflitos bélicos. Isso deve
fazer parte da imaginação da esquerda contemporânea. Os valores fundamentais da
paz, da liberdade, dos direitos humanos, do pluralismo e da tolerância estão em
questão e é por isso que falo que estamos vivendo uma crise civilizacional.
Falando da conjuntura mais de curto
prazo, a sua vinda a Porto Alegre coincidiu com o anuncio da sentença de
condenação do ex-presidente Lula pelo juiz Sérgio Moro. Na sua avaliação, como
esse fato impacta o atual cenário político do país? Ele provoca alguma mudança
qualitativa na atual conjuntura ou é apenas mais um capítulo do processo do
golpe?
A resposta depende da consciência que você tiver. Há quem trabalhe com a
ideia de que o que está ocorrendo no Brasil é apenas um intervalo irregular de
uma normalidade democrática, uma espécie de cicatriz no corpo da democracia
brasileira. Seguindo essa ideia, poderíamos avaliar que a sentença de Moro,
como não possui nenhuma base jurídica, certamente seria revertida na segunda
instância. Mas eu penso que não é disso que se trata. Acho errado chamar Moro
de juiz parcial. Isso é conceder muito a ele. Na verdade, é um juiz corrompido
politicamente. Ele está exercendo o seu mandato de juiz de forma partidária,
contra a Constituição e contra o povo brasileiro. É um juiz corrompido e deve
ser assim chamado publicamente. A corrupção mora ali em Curitiba. Eu fico
indignado quando as pessoas falam da "República de Curitiba". Não há
nada de República ali, mas sim o contrário. É o princípio da corrupção da
República que está organizado ali.
Então, se eu achasse que o que está acontecendo fosse apenas uma
cicatriz no corpo da democracia brasileira, poderia ter esperança de que esse
juízo tão corrompido fosse revertido numa segunda instância. No entanto, eu
penso que nós estamos vivendo um período de excepcionalidade onde a exceção é a
regra. Portanto, a decisão da segunda instância dependerá da correlação de
forças políticas que se estabelecer quando ela for julgar. Qualquer pensamento
político que se estreitar no plano da legalidade jurídica estará cometendo um
gravíssimo erro, pois nós estamos em um estado de exceção. Com o STF, tal qual
está funcionando, com a Constituição tantas vezes violada como foi, qual a
dificuldade em praticar mais uma violação?
O fundamento da lógica do golpe é que não deve haver mais democracia nem
soberania popular no Brasil e que a esquerda não deve mais ser competitiva em
eleições. A candidatura do Lula pode ser impugnada de diferentes maneiras. Ele
pode levar uma pena leve de dois anos em prisão domiciliar, com perda de
direitos políticos, por exemplo. Eles podem argüir a inelegibilidade de Lula,
compondo com qualquer tipo de sentença ou podem simplesmente mudar a regra
eleitoral.
Nós não estamos trabalhando em um período de normalidade democrática. Se
não soubermos capturar o tempo dos golpistas, eles utilizarão o tempo contra
nós. É aí que entra a questão das Diretas que foi decidida no último congresso
do PT e que frequenta o discurso dos movimentos sociais brasileiros e de outros
partidos como o PSOL e o PCdoB. Mas esse discurso ainda não se tornou uma
campanha. É como se a esquerda brasileira estivesse, ao mesmo tempo,
denunciando o golpe, dizendo "não queremos Maia", mas não organizando
uma campanha pelas Diretas.
Alguém poderá dizer que o fato desta campanha não ter deslanchado é um
limite do povo brasileiro. Eu acredito, porém, que os limites fundamentais
estão no grau de consciência da esquerda. Esse grau de consciência ainda
aponta: calma, ainda haverá eleições em 2018; é preciso ter um pouco de
paciência; vamos aguardar e acumular para 2018. O problema é que entre hoje e
2018. Não nada mais desmobilizador, hoje, do que 2018, porque entre nós e 2018
há um abismo. Se não enfrentarmos a possibilidade do abismo corremos o risco de
ser tragado por ele.
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