Crítico inglês vê impasse entre o excesso e a falta de fé no mundo
O mundo está preso num impasse “entre a falta de crença e o excesso de crença”. Esta é a opinião do britânico Terry Eagleton, um dos mais influentes críticos em atividade, que defendeu ideias originais e distribuiu bordoadas a granel na manhã deste sábado, na Festa Literária de Paraty.
A reportagem é de Maurício Stycer, crítico do UOL, publicado no seu blog, 07-08-2010.
Apresentado como um “velho marxista católico e punk” por Silio Boccanera, Eagleton reagiu com um misto de irritação e ironia. “Essa introdução sensacionalista me faz parecer mais como um lutador peso-pesado do que um intelectual”.
Mas o fato é que Eagleton não mede palavras no combate de ideias. Seu livro mais recente, “Reason, Faith, and Revolution: Reflections on The God Debate”, questiona diretamente as teses do evolucionista Richard Dawkins, defendidas em “Deus, um Delírio”.
“Minha objeção a Dawkins não é que ele não acredita em Deus, como muita gente, é que ele não tem a menor ideia do que significa acreditar em Deus. A doutrina da criação não tem nada a ver com como o mundo começou, como Dawkins erroneamente acredita”, disse Eagleton.
“A maioria dos ateus compra o ateísmo de forma barata”, diz. “Eles nem foram confrontados com o catolicismo de forma a rejeitá-lo. Você precisa lutar por isso, rejeitar alguma coisa sólida. É um sacrifício”, defendeu o crítico.
“Por que todo mundo está falando de Deus? Quer dizer, Leonardo di Caprio não está falando de Deus, mas Madonna está falando...”, começou, fazendo piada. “Quando Deus parecia ter se aposentado do debate público, ele está de volta. Deixe eu sugerir uma resposta: 11 de setembro.”
Islamismo x Ocidente
O duelo entre os islamismo radical e as sociedades ocidentais, na visão de Eagleton, transformou-se numa luta da fé contra a incapacidade de acreditar. “Cada parte empurra a outra para um extremo ainda maior. Quanto mais sem fé se tornar a civilização, mais a outra parte vai reagir. Estamos presos neste impasse”.
O radicalismo islâmico levou a uma distorção no debate sobre fé, acredita Eagleton. Intelectuais autodenominados liberais entendem que o problema da civilização, hoje, é a religião. “Eles acreditam que se tirássemos a religião da nossa frente poderíamos caminhar para um novo iluminismo. Não consigo pensar em uma coisa mais preconceituosa do que isso."
Eagleton cita especificamente os escritores Christopher Hitchens e Martins Amis como defensores desta “visão preconceituosa”. Também menciona, com menos ênfase, o escritor Salman Rushdie, que na noite de sexta-feira se mostrou ofendido com as menções do crítico à sua posição e o chamou de “desonesto”.
Provocado por Boccanera a explicar melhor sua divergência com Rushdie, Eagleton falou: “As pessoas que fizeram críticas mais fortes sobre o islamismo, como Hitchens, Amis, Ian McEwan, Salman Rushdie, pessoas que rotulam genericamente os muçulmanos como terroristas, se proclamam intelectuais liberais. Supostamente são as pessoas que deveriam falar em nome da tolerância. Islamismo radical é um fenômeno feio. Não há como defender isso. Mas os que exageram são os liberais literários da Inglaterra”.
Em seguida, Eagleton minimizou a sua crítica a Rushdie. “Obviamente há diferenças individuais no grupo que acabei de mencionar. Estamos falando de islamofobia. A linha foi cruzada muitas vezes por Amis e Hitchens. Eles odeiam o islamismo porque odeiam toda a religião. Mas não têm o direito de confundir uma minoria com todos os muçulmanos.”
O crítico arrancou aplausos ao dizer que “a civilização ocidental é permeada de formas de fundamentalismo evangélicos”. E acrescentou: “Talvez porque a União Soviética não exista mais, as pessoas precisam de um novo bicho papão. Gostaria de ouvir Rushdie e Amis falarem isso de forma mais alta. Como se os bárbaros fossem só os outros.”
Na visão de Eagleton “barbárie e civilização” caminham juntas. “A crença liberal ilustrada por Dawkins é que houve barbárie e depois civilização e que sempre podemos voltar para trás. Os marxistas sempre defenderam que barbárie e civilização são sincrônicos.”
Extremismos da fé e da razão. O crítico inglês Terry Eagleton ataca a militância ateísta
Mais conhecido crítico literário de seu país, e uma das principais atrações da próxima Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o inglês Terry Eagleton é um acadêmico célebre pela habilidade com que explica e (muitas vezes) ironiza os argumentos mais complexos dos principais pensadores contemporâneos.
A reportagem é de Miguel Conde e publicada pelo jornal O Globo, 26-06-2010.
Seu livro mais popular, “Teoria literária: uma introdução” (Martins Fontes), é um best-seller internacional com mais de um milhão de exemplares vendidos desde a publicação, em 1983. Em Paraty, no entanto, Eagleton fará uma palestra sobre uma figura de interesse um tanto mais amplo do que o pós-estruturalismo francês ou a teoria da recepção alemã: Deus.
Aos 67 anos, Eagleton mantém-se um marxista irremitente, mas em seus últimos textos o materialismo histórico tem se feito acompanhar por um inesperado retorno às preocupações religiosas de sua juventude, quando ele chegou a participar da fundação da importante revista católica de esquerda “Slant”.
Famoso também pela verve de polemista, ele se tornou nos últimos anos um opositor convicto do ateísmo militante que se espalhou pelos EUA e pela Europa em reação ao islamismo radical e à pregação anticientífica da direita religiosa americana. Sua defesa da religião, porém, nada tem da retórica vociferante dos líderes terroristas ou dos televangelistas a la Pat Robertson. Chamado em 2006 a resenhar a bíblia da nova militância ateísta, o livro “Deus, um delírio” (Companhia das Letras), do biólogo Richard Dawkins, Eagleton abriu o texto com uma estocada típica de seu estilo: “Imagine alguém discorrer sobre biologia tendo como único conhecimento do assunto o ‘Livro dos pássaros da Inglaterra’ e você terá uma ideia do que é ouvir Richard Dawkins discutir teologia”.
O ataque ao que ele chama de neoateísmo foi estendido em 2009 no livro “Reason, faith and revolution” (“Razão, fé e revolução”, ainda sem previsão de lançamento no Brasil), do qual um capítulo foi publicado por aqui no último número da revista “Serrote”. Na obra, originalmente uma série de palestras na Universidade de Yale, Eagleton acusa pregadores do ateísmo como Dawkins e o jornalista inglês Christopher Hitchens (ou “Ditchkins”, como ele diz ao referir-se aos dois) de fazerem uma apologia do pensamento racional tão estreita e doutrinária quanto a fé dos fanáticos religiosos que eles pretendem combater.
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