19/11/2011

Desigualdade e espiritualidade: possível o encontro entre ecologia e justiça social?

Pedro Hespanha é doutor em Sociologia
pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
IHU – Na sua pesquisa, o senhor estuda as velhas e novas solidariedades. Como elas se diferenciam?
Pedro Hespanha – As velhas solidariedades eram aquelas que se baseavam muito na proximidade. Os vínculos se davam nas residências, nas vizinhanças, na família, no trabalho. E é isso que de alguma maneira tem se modificado, porque as relações agora estão mais distantes, a mobilidade espacial é maior, as migrações são mais intensas.

IHU– As novas solidariedades e globalização desenfreada que nos encaminha para um individualismo?
Pedro Hespanha – Esse individualismo gerado pelas novas solidariedades é uma espécie de luta pela vida, em que cada um procura as soluções para seu caso, imigrando, mudando de local, contando com outros grupos. Eu penso que essas mudanças estão sendo acompanhadas do aparecimento de novas formas de solidariedade e essas são mais difíceis de compreender porque são menos convencionais, porque nós nos habituamos a pensar a solidariedade nesses termos da velha solidariedade. As novas solidariedades são praticamente invisíveis, ou seja, dá trabalho identificá-las. Essas novas solidariedades, por não terem vínculos “face a face”, fazem com que as pessoas participantes já tenham uma trajetória, um percurso de origem bastante diferenciado, etc.
IHU On-Line – E como se constituem essas novas solidariedades?
Pedro Hespanha – Muitas solidariedades são baseadas em fenômenos novos, como a preocupação com o desgaste ambiental e toda modificação do meio ambiente. Esses problemas suscitaram a aproximação, a partilha de interesses, a mobilização e uma solidariedade nova. Entram aí, então, as relações internéticas, as relações dos imigrantes que não se fecham, pelo contrário, são obrigados a se abrirem a outras comunidades étnicas etc. Essa nova situação não se focaliza apenas em individualismos exacerbados, pois também dá lugar a outras novas construções solidárias, mas esse mundo globalizado é, de fato, de grande exclusão. Há muita gente, muitos grupos sociais, muitas regiões que são deixadas para trás e, portanto, a globalização econômica cria risco social. Mas isso criou também novas solidariedades em escala global, como as ONG’s, a contra globalização que passa por um solidariedade de Norte a Sul contra a globalização capitalista. Essa última suscitou o aparecimento de emergência de forma de globalização anti-hegemônicas e o Brasil é um bom exemplo, porque foi aqui que se iniciou essas iniciativas de participação com o Fórum Social Mundial.
Essas novas solidariedades são invisíveis e nós não temos o olhar preparado para assistir essas novas formas, estamos preparados para as formas de solidariedades muito mais entre pessoas com alguma homogeneidade em termos culturais, sociais e étnicos.

IHU – Qual é o papel do Estado em relação as novas solidariedades e a maior relevância?
Pedro Hespanha – O Estado, em alguns casos, paradoxalmente converteu-se numa espécie de inimigo da sociedade civil, e, em outros casos não, pois através de políticas sociais o Estado contribuiu para satisfazer um conjunto de necessidades que sociedade civil teria que satisfazer. Em geral, a sociedade civil queixa-se da ineficácia das políticas sociais, pois não são realmente eficazes, perdem suas motivações ao longo de suas aplicação. Muitas vezes, as políticas sociais são apenas um pretexto de solidariedade do Estado. Ainda assim, acho que o Estado deve ter muito cuidado com os mínimos sociais, é preciso que o Estado tenha recursos e meios para garantir que haja padrões mínimos de cidadania, sobretudo neste contexto da globalização em que a população está sendo deixada para trás, a pobreza e a exclusão ainda não desapareceram nos países mais ricos e, portanto, dos mais pobres menos ainda. Há uma espécie de terceiro mundo no interior dos países de primeiro mundo. A Inglaterra tem taxas de pobreza extremamente elevadas, os Estados Unidos também. São países ricos de grande fortalecimento econômico e que, simultaneamente, têm desigualdades sociais.

IHU – há comercialização da pobreza do 1º mundo dentro dos países do 3º mundo? ... hip hop...
Pedro Hespanha – O sistema econômico e de marketing estão sempre valorizando o que é exótico e diferente e, portanto, convertem padrões de cultura marginal em moda. Embora a música esteja hoje bastante valorizada, não significa que essas comunidades de onde surgiram essas formas culturais estejam emancipadas, pelo contrário, parecem que hoje há uma busca pelo exótico e pelo diferente.
As novas solidariedades precisam superar as novas desigualdades, pois as desigualdades tradicionais eram baseadas na riqueza. Há outras desigualdades que são igualmente preocupantes, já existiam, mas se tornaram populares só agora, como a desigualdade de gênero. As desigualdades de acesso a recursos ambientais também são muito importantes. Hoje temos consciência de que o modo de vida que algumas populações têm não é mais possível porque o planeta já não tem condições de agüentar. Há um conjunto de novas circunstâncias que criam novas desigualdades, ou seja, para cada novo tipo de desigualdades é preciso inventar novos tipos de solidariedades.

IHU– a sociedade brasileira com diferentes culturas, multicultural, convive com um apartheid?
Pedro Hespanha – É uma pergunta muito complexa. A primeira coisa que um estrangeiro tem acerca do Brasil é a percepção de certa multiplicidade cultural. Minha percepção é que ainda existe um modelo de multiplicidade cultural. Existe um esforço, uma discussão acerca deste fato no Brasil muito intensa, que perpassa a academia, e isso é interessante e também cria novas solidariedades.

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