19/11/2011

Redefinir as necessidades básicas

Entrevista com Marcel Bursztyn

Coordenador do PPG do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), Marcel Bursztyn, doutorado em Economia. Entre seus livros publicados citamos O País das Alianças: Elites e Continuísmo no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1990; Da Utopia à Exclusão: Vivendo nas ruas em Brasília. Rio de Janeiro/ Brasília: Garamond/ Codeplan, 1997; (org), Para pensar o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: Brasiliense, 1993.

IHU On-Line- Como vê as diferenças entre desenvolvimento sustentável e o decrescimento?
Marcel Bursztyn - O debate parte de teses surgidas no final dos anos de 1960. Ali começou a expressão em um ambiente universitário, de um conjunto de estudos que levantou alguns alarmes em relação ao que se chamava bomba demográfica, a poluição da indústria, os limites dos recursos naturais, etc, enfim, limites ao crescimento. Na ausência de um modelo de organização econômica que seja mais consistente com os limites da natureza em termos de oferta de recursos naturais e de energia, a proposta é congelar o crescimento da economia. Essa é uma proposta absolutamente inapropriada aos países que não se desenvolveram. Se nós formos congelar, quem é rico fica rico, quem é pobre, fica pobre. A partir desse debate começou toda uma efervescência no meio universitário e isso inclusive se traduz em políticas públicas sobre como promover desenvolvimento sem que se repitam as mesmas mazelas que o desenvolvimento econômico gerou nos países hoje desenvolvidos. Isso antes de surgir o conceito de desenvolvimento sustentável, que só vem na década seguinte. Quando surge o conceito de desenvolvimento sustentável, a idéia se equaciona em termos conceituais, embora a prática não esteja imediatamente resolvida. O que sai desse debate hoje é como promover melhores condições de vida a populações que vivem em condições desfavoráveis, sem repetir o mesmo modelo de crescimento econômico que foi praticado nos países que atingiram condições de vida muito elevadas, mas também a um custo muito elevado. Isso dentro dos desafios dos países mais pobres. Quando alguém propõe que, na ausência de um modelo menos degradador, não se faça nada ou que se retroaja, na verdade é o mínimo que se pode identificar como uma proposta retrógrada, reacionária. O que se propõe, e esse é um modelo com que nós concordamos, é que se estenda, se radicalize a idéia de solidariedade, em relação ao próximo no presente, ou seja, estender condições mínimas satisfatórias a toda a população do universo e iguais ou melhores ainda, às próximas gerações para satisfazer as suas necessidades básicas. O contraponto do mau desenvolvimento não é um não desenvolvimento, mas o bom desenvolvimento. É a nossa proposta.

IHU On-Line – Essa idéia de solidariedade radical como pode ser aplicada, levando-se em conta as diferenças nas demandas das diferentes sociedades?
Marcel Bursztyn –O que nós chamaríamos minimamente de solidariedade em termos de distribuição de oportunidades no presente, está muito mais bem resolvido nos países desenvolvidos do que nos países menos desenvolvidos. A agenda dos países menos desenvolvidos se coloca, primeiramente, em termos que resolver essa questão do presente. Segundo, ao fazermos isso em relação ao presente, não podemos cometer os mesmos erros daqueles países: erros que comprometeram o planeta, e não a sociedade deles. Eles comprometeram o planeta a tal ponto de estarem preocupados hoje com o risco de que nós façamos a mesma coisa que eles fizeram. Uma das características do conceito de desenvolvimento sustentável, na minha leitura, é que todos os povos têm direito ao desenvolvimento.
Nós aprendemos a perpetuar um modelo que consome intensivamente energia e matérias primas, a partir, sobretudo, da segunda Guerra Mundial, quando se acelerou muito o crescimento da indústria, nós vamos radicalizar esse modelo, o planeta não tem condições, não tem energia, nem matérias-primas para tudo. Então temos que modificar os padrões de produção, de consumo e tecnológicos e até mesmo a durabilidade e desejabilidade dos produtos, a consciência com que a sociedade vai buscar satisfazer as suas necessidades básicas e até mesmo a identificação do que vêm a ser necessidades básicas. Por exemplo, um cidadão norte-americano comum identifica como necessário para si muito mais ingredientes do que um cidadão comum num país longínquo na Ásia ou na África. O que é de fato necessário, básico, que todos os povos tenham acesso, e o que é supérfluo, e como nós vamos inibir consumos supérfluos que são provocadores de algum tipo de degradação ou de esgotamento de recursos da natureza. Isso é um desafio para políticas públicas em matéria de desenvolvimento sustentável. Os economistas não haviam se preocupado com isso até muito recentemente, até perceberem que, se não se preocuparem com isso, a própria lógica de bom andamento dos negócios, ou seja, a própria lógica da economia, se vê prejudicada. O impacto é econômico, não só ecológico.

IHU – Como o cientista vê o papel da universidade na construção da idéia de solidariedade radical?
Marcel Bursztyn – A primeira consideração é que a universidade hoje está em crise por várias razões, mas uma das características que dá conteúdo a essa crise é o fato de que ela se afastou da realidade. E ela se afastou da realidade em grande medida pelo fato de que, ao longo do século XX, principalmente em sua segunda metade, ela enveredou pelo caminho da especialização, do aumento do foco em questões muito particulares, mas perdendo a visão do contexto, a visão do todo. As ciências se disciplinarizaram ao extremo e se distanciaram. Cada campo da ciência se afastou dos outros campos da ciência. É possível que haja, por exemplo, um departamento de Química que avança no conhecimento no sentido de descobrir uma determinada substância, e essa substância pode ser nociva ao meio ambiente. Nós vamos precisar do departamento de ecologia para descobrir uma forma de corrigir esse problema. Nós temos um departamento de Agronomia, que vai produzir uma tecnologia de melhorar o ritmo de produção numa fazenda, mas é possível que a generalização desse modelo na totalidade de um território mais amplo, provoque perda de biodiversidade, o que é um risco enorme em termos de meio ambiente.
A universidade, por falta de fundos públicos, começa cada vez mais a se adaptar a uma lógica de mercado. Quem financia a atividade de pesquisa? Normalmente existem algumas atividades que são de interesse de certos agentes econômicos, mas existem outras atividades que não são do interesse imediato de nenhum agente econômico, embora sejam importantes.

IHU – Vê algum destaque no governo atual na busca de sociedade alternativa, sustentável?
Marcel Bursztyn – Ainda está muito cedo para afirmar que tenha havido resultados. No que se vê ao nível do discurso e da expressão de intenções, não há dúvida. Entre expressão de intenções e ter resultados efetivos vai uma longa distância. Não vejo, até o presente momento, que o Brasil tenha passado por um processo muito notável de inflexão, de redirecionamento dos seus rumos nos últimos meses. Os rumos de uma sociedade são comparados a um grande transatlântico no meio do oceano. Não se manobra um transatlântico como se manobra um carro de Fórmula-1, uma guinada e muda o rumo. A manobra de um transatlântico é muito lenta. Mesmo que nós tomemos a decisão hoje “vamos virar mais para a direita ou mais para a esquerda”, isso só vai parecer depois de muito tempo. Hoje ainda não dá para perceber que haja essa mudança.

IHU On-Line – Quais são os recursos naturais que atualmente dão mais sinais de fadiga aqui no Brasil? E quais deveriam ser mais explorados em termos ambientais?
Marcel Bursztyn – O principal problema ambiental brasileiro, embora apareça nas agendas internacionais o Brasil com uma visibilidade grande no que diz respeito ao uso ou ao mau uso das suas florestas, da biodiversidade, o principal problema brasileiro na minha interpretação é um problema urbano. As populações urbanas, o que eu chamo de ambiente urbano, a degradação das condições de vida de um crescente contingente de população que, no Brasil, já chega a pouco mais de 80%, vivendo em aglomerações, seja em pequenas cidades, seja em grandes metrópoles, em que as condições de vida vão se degradando cada vez mais. O principal problema, em termos de meio ambiente, é a falta de condições sanitárias, a falta de saneamento ambiental, entendendo por saneamento ambiental urbano: água, esgoto, águas fluviais nas cidades e coleta e tratamento adequado do lixo. Enquanto nós não resolvermos esses problemas de forma universalizada em nosso país, não podemos dizer que resolvemos minimamente as condições de habitação das populações urbanas. E veja que 4/5 dos brasileiros estão nessas condições. Além disso, nós temos pouca efetividade nas políticas de controle da poluição industrial e somos um país com uma vocação agrária muito forte, com o avanço das fronteiras e expansão de habilidades agropastoris que, embora possam gerar lucratividade no curto prazo, não há nenhuma garantia da durabilidade em termos de desenvolvimento sustentável, vamos perdendo ambiente enquanto achamos que estamos ganhando renda na exportação de produtos agropecuários.

IHU On-Line - Como o senhor acha que se podem reverter esses problemas?
Marcel Bursztyn – São problemas muito complexos. Se tivesse que resumir numa frase só eu diria que o Brasil não tem projeto nacional. Que rumo afinal o Brasil quer tomar? Em relação à distribuição geográfica da população: nós queremos muita ou pouca gente na Amazônia? Queremos na cidade quase toda a população do Brasil ou queremos distribuir a população no campo: onde? Que regiões achamos que podem ser produtivas? Que regiões queremos manter intocáveis como garantia da qualidade geral do ambiente no planeta? Não temos uma política geral para isso, as decisões são tomadas de forma quase improvisada: “Vamos criar uma reserva ambiental!”. Cria-se uma reserva ambiental. “Vamos criar uma reserva indígena!”: Cria-se uma reserva indígena. Respondemos a problemas muito mais do que planejamos estratégias a longo prazo. Qual é o grau de bem-estar que nós queremos para nossas populações? Quais os serviços básicos que nós achamos irrenunciáveis, como educação, saúde? E a que grau queremos chegar? Uma vez feito isso, teremos condições para dizer quanto nos sobra para as outras coisas. Hoje não temos isso, estamos à mercê das vicissitudes das vontades políticas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário