19/11/2011

O movimento altermundialista e os desafios da Rio+20

Geneviève Azam e Michael Löwy, sítio Rebelión, 25-09-2011.Geneviève Azam é economista, é do Conselho Científico da Attac. Michael Löwy é sociólogo brasileiro radicado na França.

Mesmo quando os elementos da origem da atual crise ecológica e social se encontravam presentes na Conferência do Rio, em 1992, a consciência de um mundo finito e parcialmente destruído – por causa do caráter irreversível de alguns fenômenos (clima, biodiversidade, esgotamento dos recursos) – era ainda relativamente marginal e circunscrita a círculos de especialistas ou captada por estes círculos..

Neste contexto, a Conferência do Rio reafirmou a sustentatibilidade como meio do “desenvolvimento sustentável”. A ambiguidade deste conceito faz referência às tensões que já se faziam presentes na Rio 92: trata-se de garantir a permanência de um modelo por demais esgotado ou antes garantir a perdurabilidade das sociedades e de seus ecossistemas frente à persistência de um desenvolvimento depredador dos recursos naturais e humanos? Está demonstrado que o “desenvolvimento” é globalmente inviável: a perdurabilidade das sociedades é incompatível com as políticas preconizadas em uníssono pelo Banco Mundial e o FMI, pela OMC, e mais globalmente com um modelo de sociedade centrado na rentabilidade a curto prazo e na expropriação em massa dos bens comuns.

Paradoxalmente, a globalização econômica, pelo livre comércio generalizado, prometendo prosperidade e crescimento através da inclusão no mercado mundial, colocou de manifesto a finitude do planeta e aprofundou sustentavelmente as desigualdades sociais.

Para o capitalismo global, os desastres sociais ou naturais, a mudança climática ou o colapso da biodiversidade, representam novas oportunidades, novos mercados, possibilidades para uma economia verde. É assim que aparecem os mercados de direitos de contaminar, os mercados da biodiversidade ou inclusive a promoção de agrocombustíveis e projetos de geoengenharia – e uma última tentativa de dar vida a um sistema que conduz diretamente ao abismo.

Durante muito tempo se pensou que as questões ambientais diziam respeito aos países ricos e às classes privilegiadas: a instrumentalização da oposição entre “os pobres que devem se desenvolver” e os ecologistas se debilitou pela expressão de uma ecologia popular, ou “ecologia dos pobres”, em que as populações em risco de perder seu meio de vida exercem a defesa dos ecossistemas e dos recursos.

1. Balanço da Declaração da Rio-92 e as três Convenções
– A Convenção Sobre a Mudança Climática (sigla em inglês: UNFCCC) que derivou no Protocolo de Kyoto, em 1997. É o primeiro tratado internacional que teve como objetivo a redução das emissões de gás de efeito estufa; funda-se, de acordo com a convenção, na ideia da responsabilidade comum, mas compartilhada, ou seja, na ideia de uma responsabilidade diferenciada entre países industrializados e países do Sul. A gestão do carbono, sobretudo no que se refere a florestas, permite que, em nome da luta contra o desmatamento e dos ingressos para distribuir “entre os pobres que precisam se desenvolver”, se incluam florestas e solos no financiamento do carbono. Os países industrializados que não querem reconhecer sua responsabilidade histórica colocam em risco o Protocolo de Kyoto; embora os mercados de carbono possam continuar funcionando dentro do quadro da Convenção, com algumas modificações de ordem institucional.
– A Convenção Sobre a Diversidade Biológica (CDB) propunha-se “a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável de seus elementos e a distribuição justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos genéticos, em particular graças a um acesso satisfatório aos recursos genéticos e a uma transferência adequada das técnicas pertinentes...” (CDB, 1992, art. 1). Tratava-se de conservar a biodiversidade através de implementação, supostamente equitativa, dos “recursos genéticos”. A mercantilização dos seres vivos, que ganhou impulso a partir dos acordos ADPIC da OMC, foi obtida em troca de duas concessões: a) o reconhecimento da soberania nacional sobre os “recursos biológicos” (art. 15) para satisfazer os Estados do Sul, desejosos de que sua biodiversidade não siga sendo considerada como um patrimônio mundial onde bebem as empresas sem dar nada em troca, e b) a participação nos frutos das “inovações” obtidas dos “recursos” com as comunidades locais (art. 8j e art. 15), compromisso que foi assumido com os movimentos indígenas, mas cujas regras de participação nos benefícios apenas foram definidas em Nagoya em 2010, e que ainda hoje não são efetivas nem satisfatórias. A ideia era que os “recursos biológicos” destinados à criação de riqueza pudessem ser patenteados, riqueza que depois seria (marginalmente) redistribuída entre as populações locais e a preservação. Este paradigma não funcionou, nem sequer a partir da perspectiva do mercado e também não desacelerou o processo da extinção de espécies em curso.
– A Convenção Sobre a Luta Contra a Desertificação, acordo inutilmente “esquecido”. Em conclusão, em nome da conservação ou da restauração do equilíbrio ecológico, durante o período posterior à declaração do Rio houve uma intensificação sem precedentes da privatização dos bens naturais comuns. A crise ecológica se aprofundou em todas as suas dimensões, enquanto as desigualdades sociais se intensificaram no interior das sociedades e entre sociedades diferentes.

2. Os desafios da Rio+20
A Conferência Rio+20 situa-se sob o signo da “economia verde”, isto é, de uma “gestão sustentável” da natureza e da Terra, com uma visão da natureza entendida como capital, que deve ser administrado de maneira eficaz e que deve frutificar. Esta reunião tem a missão de aprofundar e de levar à realidade aquilo que começou a se gestar em 1992.
Na lógica neoliberal, a “gestão sustentável da natureza” supõe estabelecer previamente novos direitos de propriedade sobre os bens naturais, já que considera que a gestão em comum é ineficiente. Faz-se referência especialmente a três áreas: a biodiversidade, o clima, os recursos minerais e fósseis e em geral tudo o que diz respeito ao extrativismo. As duas primeiras se relacionam estreitamente: os modelos que a biodiversidade leva a cabo inspiram-se nos modelos de “gestão sustentável” do clima.
Esta “gestão sustentável” da natureza constitui um novo campo de expansão para o capitalismo e as finanças mundiais. Os “serviços ecossistêmicos” estão se convertendo em novas mercadorias globais tão lucrativas (e comercializadas também de maneira tão injusta) quanto o foram os produtos na época colonial, há um século. Do ponto de vista ecológico, esta gestão já fracassou e, por outro lado, aumenta a fragilidade das sociedades e o processo de produção de desigualdades e de exclusão.
A “economia verde”, em vez de inscrever necessariamente as atividades econômicas na biosfera, inclui os elementos da biosfera no circuito da reprodução do capital. Já não se trata somente de açambarcar estoques de recursos como ocorre na atividade mineira, mas de se apropriar dos fluxos, dos “serviços ecossistêmicos” prestados pelos ecossistemas. A natureza é uma empresa cuja obra deve ser avaliada, comercializada e mercantilizada.

3. Os desafios para o movimento altermundista
Em vista disto, estão se desenvolvimento em todo o mundo diferentes formas de resistência sócio-ambientais e experiências de transição, especialmente para a recuperação de bens comuns e rechaçando considerar os bens naturais como recursos. É necessário estabelecer novos direitos inalienáveis, que incluam medidas para a sua concreção. Este é um dos desafios da Rio+20, que poderíamos resumir como um processo necessário de desmercantilização da Terra, capaz de garantir a sustentabilidade ecológica e a justiça social.
Para isso, constroem-se de maneira específica coalizões internacionais de movimentos sociais, sobretudo na luta contra a mudança climática, onde se reúnem ONGs ecologistas como Amigos da Terra, e também coalizões como o Jubileu Sul, Focus on the Global South e a Via Campesina, atores centrais do movimento altermundista. No coração destas coalizões estão os temas fundadores do movimento altermundista: a resistência ao dogma do livre comércio, às instituições financeiras internacionais, contra as manobras de empresas transnacionais, da globalização financeira e da privatização de bens comuns.
Não foi por casualidade que o Fórum Social Mundial de Belém, em 2009, lançou um chamado altermundista para salvaguardar os bens comuns e contra a sua mercantilização e privatização capitalista. Não é apenas um documento, é a expressão de lutas concretas, como a dos camponeses da Via Campesina contra a destruição de florestas, como a “Guerra da água” em Cochabamba, na Bolívia, contra a privatização da água, como os levantamentos na Índia contra a tentativa da Coca-Cola de monopolizar os recursos hidráulicos, como a resistência contra as manobras da Areva no Níger. O desafio é globalizar a resistência e encontrar os pontos de ruptura. Estas lutas são travadas em todo o planeta, expressam a recusa do insustentável e o desejo de se livrar da dominação conjunta da natureza e dos seres humanos.
Por esta razão, esses temas fazem parte do movimento altermundista. Disso deram testemunho os dois últimos Fóruns Sociais Mundiais, onde se deu grande espaço a este movimento. O envolvimento do movimento na preparação da Cúpula dos Povos do Rio em 2012 permitirá colocar a complexidade e a globalização da crise e, do mesmo modo, ampliar as alianças necessárias para empreender uma transição significativa.

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