21/03/2011

Iniciou a Escola de Formação Fé, Política e Trabalho 2011.ano8

Com 117 inscritos de várias cidades da diocese além da presença de pessoas de São Paulo das Missões, Vacaria, Bagé, Alegrete, Gravataí, Ipê, Bom Retiro do Sul e Porto Alegre aconteceu nos dias 19 e 20 de Março a 1ª etapa da Escola de Fé, Política e Trabalho da Diocese de Caxias do Sul na sua oitava edição.

Esta escola é de iniciativa da Cáritas de Caxias do Sul com apoio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU e da Diocese de Caxias do Sul.

A escola tem como objetivo contribuir para a formação e articulação de lideranças nos vários âmbitos de atuação da realidade, gestando a criação de uma mentalidade nova, mais de acordo com o Ensino Social da Igreja, que permita um sentir e agir cristão comprometido e responsável pela construção de uma sociedade solidária.
Nesta 1ª etapa contamos com a assessoria do professor Dr. Laurício Neumann que através do tema: ‘As grandes transformações socioeconômicas e ético-culturais’ procurou fazer uma análise de conjuntura e de estrutura utilizando-se de pensadores como Habermas, Touraine, Lipovetsky, Leonardo Boff, Paulo Freire e outros.

Hoje vivemos uma sociedade de indivíduos, uma não sociedade, individualista, consumista e relativista. Para o professor Laurício que nos acompanha desde o início, esta escola é uma escola de fé, na política e no trabalho e que acredita na inovação diante do quadro que nos encontramos e em Jesus Cristo temos o modelo de compromisso para com esta sociedade; a defesa da vida, da justiça, da solidariedade e do bem comum.



Diante desta sociedade os valores éticos devem nos orientar de forma a garantir a pluralidade de opiniões e manter a dignidade da pessoa humana onde todos possam ter direito a saúde, alimentação, educação construindo relações de gratuidade sem a busca de vantagens e algo mais em troca.


Para ler os textos Sociedade de sujeitos ou de indivíduos? Reflexão sobre racionalidade, racionalidade instrumental e racionalidade comunicativa em Jürgen Habermas e Para entender a crise mundial do capitalismo, do professor Dr. Laurício Neumann, clica aqui.
A próxima etapa da escola acontece nos dias 16 e 17 de abril com os temas: 'Visão histórica dos projetos de nação do Brasil a partir de 1930’ com a professora Dra. Eloísa Capovilla da Luz Ramos – Unisinos e ‘A evolução do pensamento econômico e sua influência na globalização atual’ com o professor Ms Gilberto Antônio Faggion – Unisinos.

20/03/2011

Entrevista de PAULO FREIRE




Sociedade de sujeitos ou de indivíduos? :: texto de Laurício Neumann

Sociedade de sujeitos ou de indivíduos?

Reflexão sobre racionalidade, racionalidade instrumental e
racionalidade comunicativa em Jürgen Habermas

Professor Laurício Neumann[1]

Habermas define a racionalidade como sendo a capacidade que emerge no ser humano ao agir sobre a natureza e interagir (simbolicamente) com os outros, por meio da fala e da ação. Essa racionalidade fundamenta e expressa, pela fala e pela ação, os diferentes saberes dos sujeitos adquiridos ao longo da vida. Habermas reconhece que a racionalidade não tem tanto a ver com o saber em si, nem com a sua aquisição, e sim com a forma como os sujeitos, capazes de linguagem e de ação, fazem uso desse saber. Pois, é o uso do saber, pela fala e pela ação, que torna o ser humano mais ou menos racional, ou até mesmo irracional.
Esse processo de racionalização que tem o progresso científico e tecnológico como base do desenvolvimento do capitalismo moderno, porque se tornaram forças produtivas a serviço da acumulação do capital, teve como conseqüência a penetração dos critérios da racionalidade instrumental, inerentes ao mundo do trabalho, em outros âmbitos da vida humana, submetendo cada vez mais a vida do ser humano, nos mais diferentes espaços sociais modernos, a critérios racionais, a regras técnicas e a estratégias de planejamento, administração, cálculo e controle como meios para atingir determinados fins.
Habermas não se posiciona contra a ciência e a técnica, que, segundo ele, garantiram a sobrevivência e o desenvolvimento da espécie humana, mas “posiciona-se radicalmente contra a universalização da ciência e da técnica, isto é, contra a penetração da racionalidade científica instrumental, em esferas de decisão onde deveria imperar um outro tipo de racionalidade: a racionalidade comunicativa” (GONÇALVES, 1999, p.128).
Pensando assim, Habermas nos quer mostrar que tanto a ciência e a técnica quanto o trabalho na sociedade moderna são movidos por esse tipo de racionalidade que ele chama de racionalidade instrumental, que carrega no seu interior como elemento constitutivo a dominação do homem sobre a natureza e a dominação do homem sobre o próprio homem. Mostra-nos também como esta racionalidade instrumental científica e técnica se universalizou, migrando do mundo do trabalho para a esfera da interação social, onde acontece a convivência entre sujeitos, orientada por normas sociais definidas a partir da ação comunicativa. Na medida em que a racionalidade instrumental científica e técnica migra para a esfera da interação social, penetra e contamina as instituições da sociedade e, aos poucos, transforma as instituições e a sociedade, principalmente em lugares onde deveria imperar a racionalidade comunicativa, como, por exemplo, na família, na escola, na comunidade e na universidade.
Enquanto a racionalidade instrumental amplia o seu espaço, invadindo o espaço da interação comunicativa, as questões sociais, os valores e as relações sociais que não se enquadram no exame da razão técnica ou que não interessam como meios-fins vão ficando em segundo plano ou são afastados da discussão.  A racionalidade instrumental também não aceita questionar se as normas sociais e institucionais são justas ou não, importa que sejam eficazes, isto é, que os meios sejam adequados aos fins propostos.
Assim sendo, o conhecimento científico e técnico, aliado às novas tecnologias e às novas estratégias de produção, imprimiu à sociedade industrial moderna crescimento e aperfeiçoamento das forças produtivas que operaram transformações surpreendentes, tanto no mundo do trabalho quanto nos espaços das relações sociais da sociedade. Os impactos sociais, morais e ambientais, fruto do crescimento dessas forças produtivas e da migração e penetração da racionalidade instrumental para os espaços de interação social da sociedade são imprevisíveis e incalculáveis, além disso, fazendo parte da história e da cultura ocidental.
Habermas enfatiza que, “não é propriamente a razão que está em crise, mas uma forma atrofiada e reducionista da razão que se fez dominante nos últimos séculos, chamada de razão instrumental” (OLIVEIRA, 1990, p.81-2). Esta razão colocada na base da sociedade industrial moderna oprime quem criou os recursos da ciência e da técnica e quem os usa, principalmente no mundo do trabalho, a ponto de sacrificar a própria felicidade do ser humano.
Uma sociedade concebida assim não pode servir de modelo inspirador nem para a educação, nem para a ética, pois necessariamente somos colocados diante de um dilema: ou tomar o partido pelo mundo da vida contra a colonização sistêmica, com repercussões negativas para as esferas da economia e da política; ou tomar o partido a favor do sistema, cuja opção fomentaria o que Habermas chama de síndromes de atitude privada na vida pública dos cidadãos e na vida profissional e familiar.
Em oposição à razão instrumental, Habermas compreende a interação, chamada também de razão e ação comunicativa, como uma interação simbólica dos sujeitos da sociedade, mediada por normas (valores) e máximas gerais, estabelecidas e reconhecidas pela convivência dos sujeitos, capazes de comunicação e ação e com reconhecimento das obrigações e sanções inerentes às normas sociais (1987b, p.57).
Cabe à razão comunicativa o papel de preservar os “nichos” da sociedade moderna, onde o mundo das vivências e experiências comuns dos sujeitos se faz presente, e reorientar a razão instrumental pelo questionamento e a revalidação dos valores e das normas vigentes no mundo industrial moderno.
Com essa visão da realidade moderna, Habermas não tem a pretensão de construir na escrivaninha as normas fundamentais de uma “sociedade bem organizada”. O que ele pretende é fundamentar a ética, viabilizar o entendimento entre os sujeitos por meio da razão comunicativa, visando a aproximar as pessoas, criar laços de confiança para tornar a vida social viável para todos. Todos os sujeitos participantes da comunicação são, portanto, falantes e ouvintes ao mesmo tempo, isto é, têm o direito de falar e expor suas opiniões, dar explicações, problematizar, fazer interpretações e o dever de escutar as opiniões dos outros participantes, sem ameaças, sem imposições, porém sujeitos a críticas pelos outros sujeitos participantes (1997, p.153-5).
Habermas nos deixa como desafio delimitar claramente o espaço da razão instrumental (sistema) e ampliar o espaço da razão comunicativa (mundo da vida), seja na família, seja na comunidade, seja no trabalho, seja na vida pública ou privada, seja na escola, seja na universidade pois, segundo ele, tornamo-nos mais humanos graças às atividades e às relações que os sujeitos realizam e estabelecem com outros sujeitos. Isso acontece ao longo de toda a nossa vida, na medida em que, desde a mais tenra idade, outras pessoas, como nossos pais ou educadores, estabelecem interações e entendimentos sobre “aspectos do mundo”. Esses entendimentos são processos pedagógicos, frutos da relação entre sujeitos, que possibilitam a formação da nossa personalidade e nossa inserção social.

Referências bibliográficas

CABRAL, Pinto, F. A Formação Humana no Projecto da Modernidade. Instituto Piaget: Lisboa, 1996.
GONÇALVES, Maria Augusta Salim. Teoria da ação comunicativa de Habermas: Possibilidades de uma ação educativa de cunho interdisciplinar na escola. Educação& Sociedade, ano XX, n. 66, p. 125-40, 1999.
HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e Interesse. Rio de Janeiro: Guanabara, 1887a.
______. Deus no projeto do mundo moderno. IHU On-Line, n. 54, 2003a, p. 12-3.
______. Deus no projeto do mundo moderno. IHU On-Line, n. 55, 2003b, p. 16-21.
______. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998.
______. Passado como futuro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.
______. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.
______. Técnica e Ciência como Ideologia. Lisboa: Edições 70, 1987b.
______. Teoria de la acción comunicativa I – Racionalidad de la acción y racionalización social.  Madrid: Taurus, 1992a.
______. Teoria de la acción comunicativa II – Crítica de la razón funcionalista. Madrid: Taurus, 1992b.
______. Teoria de la acción comunicativa: complementos y estudos previos. Madrid: Cátedra, 1997.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. A educação e os fundamentos antropológicos dos horizontes científicos. Revista Síntese, n. 38, 1986, p. 11-22.
______. A filosofia na crise da modernidade. São Paulo: Loyola, 2001.
______. Dialética e hermenêutica em Jürgen Habermas. In: Dialética Hoje. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 81-115.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Livraria Pioneira, 1996.
______ . O espírito do capitalismo. Cadernos IHU em formação, n. 3, 2005, p. 4-36.


[1]  Laurício Neumann é mestre em Educação e doutor em Educação, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).


Para entender a crise mundial do capitalismo :: Laurício Neunmann

Para entender a crise mundial do capitalismo

Professor Laurício Neumann[1]

A crise financeira que abalou os Estados Unidos, a partir de outubro de 2008, e que se alastrou por todo o mundo, nos incita a refletir sobre os rumos do capitalismo e sobre a maneira como a economia é conduzida internacionalmente. Da mesma forma, uma das preocupações dos brasileiros hoje é entender de que forma nosso país será atingido por esta crise, quanto tempo ela vai durar e qual o preço que cada um vai ter que pagar.

A crise trouxe para o cenário várias questões de discussão como: a autoregulação do mercado; a utopia do livre mercado; o fim do neoliberalismo; a lógica especulativa do mercado desregulado; as lições de Keynes e Marx, para entender as cíclicas crises do capitalismo mundial; o capitalismo como sistema que se alimenta e sobrevive às custas das crises; e as perspectivas da construção de uma nova sociedade.

Enquanto a era do pensamento único dá sinais de esgotamento, Karl Mar (1818 – 1883) e John Maynard Keynes (1883 – 1964), que, até pouco tempo, eram alijados do debate econômico, hegemonizado pelo discurso do mercado livre, sem controle, quanto menos regulado melhor, voltam ao cenário da discussão para contribuir, com suas idéias, na compreensão da crise financeira americana, com suas repercussões mundiais

Antonio Prado, economista e professor licenciado no Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), explica que a crise financeira aconteceu porque “os bancos de investimento não tinham supervisão e, portanto, fizeram operações extremamente arriscadas, alavancando operações muito acima do seu capital. E, ao quebrarem, colocaram todo o sistema financeiro e a economia real numa situação de risco de colapso”. Quanto a discussão da utilização de dinheiro público para recuperar instituições privadas, como bancos, Prado sustenta que “não há outra saída neste momento. É preciso resgatar o sistema financeiro dessa situação de pré-colapso, rever as regulações e punir os responsáveis”.

Carlos Lessa, economista e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), considerando os altos e baixos do cenário econômico norte-americano, que deixou o mundo em alerta, se pergunta: “Será que o capitalismo chegou ao fim?”. Ele responde: “Não”, pois o capitalismo tem “recursos para minimizar a crise”. Porém, com tanta turbulência, aponta Lessa, o capitalismo vai “negar a sua ideologia de livre mercado, porque sofrerá uma intervenção do Estado para superar essa crise”. Ainda não há como medir os estragos dessa tensão, mas uma coisa é certa: “O Brasil já foi atingido”, garante Lessa, que justifica: “A bolsa de valores caiu violentamente, o real se desvalorizou, a taxa de câmbio subiu, e as empresas brasileiras que têm empréstimos no exterior estão com muitas dificuldades de renová-los”.

José Guilherme Vieira, economista e professor nas Faculdades Integradas Santa Cruz, de Curitiba, ao refletir sobre a crise financeira internacional, é taxativo: “Eu não recomendaria para ninguém se endividar agora. Daí para frente é tudo previsível: esfriamento da construção civil, desemprego, queda no setor de serviços, mais empresas em dificuldade, inadimplência, quebras, mais desemprego”. Vieira se considera um keynesiano ao defender a presença e a intervenção do Estado para “regular não só o sistema financeiro como também para defender a concorrência”. Além da regulamentação da economia por parte do Estado, a distribuição de renda também era uma variável chave no esquema de Keynes: “Para a economia, portanto, um programa como o Bolsa Família é extremamente positivo no seu esquema teórico”, lembra o economista. No Brasil, o que pode acontecer, segundo o economista, é uma aceleração, por parte do governo, das obras do PAC para compensar o desaquecimento, sobretudo porque em 2010 tem eleição presidencial.

Luiz Antônio de Oliveira Lima, advogado, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) nos traz o seguinte questionamento: “Se o Estado pode investir bilhões de dólares para salvar grandes instituições que assumiram riscos insensatos, por que não pode intervir para salvar milhões de americanos do risco eminente de perder suas moradias pela execução de hipotecas?” Na opinião dele, “Ressuscitar os ensinamentos keynesianos é, neste momento, a melhor alternativa para tentar conter a avalanche que se estende sob a economia mundial”. Por isso, ele propõe a retomada do modelo econômico proposto por Keynes, como uma “forma de se neutralizar o efeito da crise financeira sobre a economia real”.

Fernando Ferrari Filho, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sustenta que a “mão invisível” do mercado não funciona sem a “mão visível” do Estado. Em outras palavras, “a reestruturação do sistema monetário internacional precisa ser arquitetada de forma tal que o referido sistema não fique à mercê do livre mercado e, principalmente, da hegemonia econômico-financeira de determinado país”.

Leda Paulani, economista, professora da Universidade de São Paulo (USP), e presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política, afirma que Keynes lhe ensinou que a teoria do livre mercado não funciona: “Quanto mais deixado a si mesmo, quanto menos regulado, tanto mais forte desponta sua tendência de se enroscar em suas próprias pernas, gerando crises como essa de agora”. Seguidora das idéias de Karl Marx, a economista da USP explica que para Marx o “livre mercado esconde por trás de sua aparência de liberdade, igualdade e equilíbrio o contrário disso. Ele põe a aparência de liberdade porque todos são juridicamente iguais, proprietários de mercadorias, e parecem livres para vender suas mercadorias a quem quiserem e se quiserem e para comprar o que quiserem, de quem quiserem e se quiserem. Ele põe a igualdade porque quando mostra que algo, uma bolsa, por exemplo, é igual a R$ 25,00, a venda da bolsa parece uma transação justa, em que se trocou valor de um tipo por valor de outro tipo. A aparência de equilíbrio vem da reiteração das transações mercantis (com suas trocas iguais) no dia-a-dia dos mercados, num movimento que parece poder repetir-se indefinidamente. Quando surgem crises da dimensão da que agora vivemos, elas não combinam com essa aparência idílica e denunciam a complexidade e as relações contraditórias que constituem o sistema capitalista”.

Luiz Gonzaga Belluzzo, advogado, economista, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e editor da revista Carta Capital, também sustenta a posição de que o livre mercado é uma utopia, pois “a história do capitalismo confirma isso”. E acrescenta: “Não há mesmo alternativa quando uma crise financeira sistêmica se desenvolve. Se não se decidir pela intervenção decisiva dos mercados, a crise pode avançar a um ponto que destrói completamente a capacidade de decisão dos indivíduos. A menos que a intervenção seja de tal ordem potente e abrangente, como, por exemplo, a estatização do sistema bancário”. Na prática, o economista se mostra bastante cético em relação às mudanças que se fazem necessárias, pois o “ambiente mental e ideológico que hoje prevalece é um obstáculo a uma mudança mais profunda. Não há nenhuma evidência de que as reformas necessárias serão implementadas facilmente”.

Álvaro Bianchi, cientista social, professor da Unicamp e diretor do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) acredita que o único conselho que capitalistas e liberais podem encontrar em O capital, de Marx, é que “deixem de ser capitalistas e liberais”. “A obra de Marx, e principalmente O capital, tem por objeto as contradições da sociedade capitalista e os limites postos ao capitalismo por essas contradições. São estas contradições econômicas, sociais e políticas as que provocam suas crises”, afirma Bianchi. Ele lembra que “Marx nunca achou que o capitalismo encontraria calma e pacificamente seu fim dando lugar a uma forma de sociabilidade que conseguisse expurgar as crises. Mas as recorrentes crises do capitalismo revelam as tendências autodestrutivas do próprio capitalismo. A escala dessa autodestruição não pode ser subestimada”.

Marcelo Carcanholo, economista, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Marx e marxismo (NIEP-UFF), também reflete sobre as especulações econômicas em torno da atual turbulência internacional, como também sobre as possíveis mudanças no capitalismo. “O que ocorrerá daqui para frente? O socialismo, rumo a uma sociedade comunista?”,  pergunta Carcanholo. Com pouca esperança, o economista responde que não existem garantias de mudança. Para ele, uma transformação no modelo econômico capitalista só vai ocorrer “se os seres humanos se propuserem a isso, e se, de fato, esse projeto for historicamente exeqüível”. Como estudioso de Marx e pesquisador do marxismo, Carcanholo, busca entender e explicar a crise financeira mundial a partir das lições de Marx: “A obra de Marx – em especial, O capital, que trata das leis gerais de funcionamento do modo de produção capitalista – não tem como objetivo construir uma instrumentalização político-econômica para resolver os momentos de crise da economia capitalista. Ao contrário, o que se pretende é mostrar como o processo de acumulação de capital, e mais especificamente suas leis (de tendência) gerais, pressupõe as crises econômicas, manifestem-se estas da forma que for”. Em outras palavras, explica o professor: “as crises não são anomalias do sistema, mas partes integrantes de sua lógica”.

Paulo Nakatani, economista, presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), membro do conselho editorial da Revista de Economia Critica, e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), de forma categórica sustenta que “Os escritos de Marx nos permitem entender que o desenvolvimento capitalista é o caminho para a destruição da própria humanidade”. Referindo-se aos defensores do livre mercado, que defendem que no capitalismo não pode haver crise, a não ser por fatores externos Nakatani responde que para “os neoliberais a “culpa” é sempre dos outros, nunca do capital”. “São estes economistas, naturalmente junto com políticos no poder, escolas, meios de comunicação etc. que capitanearam as idéias, proposições e políticas econômicas chamadas de neoliberais que nos conduziram à situação atual. Eles estão incrustados em todos os níveis e esferas da economia e do Estado, defendendo essas idéias, sugerindo as atuais medidas de intervenção e agravando ainda mais a crise do capital”, explica Nakatani.

Para Claus Magno Germer, agrônomo, economista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o atual momento de crise representa apenas uma certeza: “a continuidade da barbárie capitalista”, pois, para ele, “As crises não constituem anomalias do capitalismo, mas são uma das suas características mais fundamentais”. Seguindo a orientação marxista, ele lembra que Karl Marx, já advertia: “As crises financeiras não podem ser evitadas, embora possam ser atenuadas, ou acentuadas, em certa medida, pelo Estado”. Segundo Klaus Magno, a crise financeira em curso é prova concreta dos ensinamentos de Marx, a respeito da impossibilidade de reverter quadros como o apresentado no decorrer dos últimos meses. Mesmo com a adoção de inúmeras medidas para conter colapsos financeiros, “as crises sucedem-se porque fazem parte da natureza do capitalismo, e são por esta razão inevitáveis”, explica o economista.

André Filipe Zago de Azevedo, economista e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), prevê “um menor ritmo de crescimento econômico, especialmente das economias desenvolvidas” e “o aumento da inflação devido ao incremento dos preços das commodities agrícolas e minerais, impulsionados pela manutenção de elevadas taxas de crescimento nos países asiáticos”. Na sua avaliação, o economista faz a seguinte projeção: “embora o mercado financeiro tenha sido alvo de inseguranças e turbulências, não há motivos para pânico”. Segundo ele, a desaceleração das grandes economias “pode contribuir para aliviar o segundo problema”, ou seja, “o aumento de preços das commodities, reduzindo a pressão da demanda sobre alimentos e petróleo”.

Gilberto Dupas, membro da Comissão de Ética da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CONAES), afirma que a crise internacional afeta o Brasil de duas formas: “Primeiro, pela capacidade do Brasil de manter níveis de exportação da mesma magnitude em dólar que mantinha anteriormente, em função da queda da economia mundial. E, em segundo lugar, é preciso reconhecer que os efeitos desta queda da economia mundial caem sobre a própria renda interna, considerando que, se o país vier a crescer menos em 2009 (já se fala em números da ordem de 2 a 3%) evidentemente a expansão da renda deve acompanhar essa diminuição do crescimento”. Esses dois fatores, esclarece Dupas, afetam a renda e a demanda do país e dos brasileiros pois, “uma diminuição da demanda externa de commodities, o que afeta nossos volumes de exportação e, ao mesmo tempo, uma diminuição do crescimento da demanda interna em função de um menor crescimento do próprio país”.   

Roberto Camps Moraes, economista e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), discorda de que a crise financeira atual seja produto da aplicação de princípios liberais. Ele defende que a crise atual não pode ser atribuída ao capitalismo e às idéias econômicas liberais. “Esta idéia é completamente falsa”, afirma ele. Em sua argumentação, Moraes explica que “a teoria moderna da política monetária, aquela em que se baseiam os grandes bancos centrais do mundo, e que nada tem que ver com as falhas regulatórias que foram responsáveis pela crise atual deve uma grande parte a alguns princípios básicos que foram defendidos por Milton Friedman nas décadas de 1950 a 1970 do século passado”.

Em janeiro de 2009, os chefes de Estado das potências capitalistas, reunidos no Fórum Econômico de Davos, Suíça, admitiram que estavam enganados em relação a autoregulação do mercado e admitiram também a necessidade de reformular o capitalismo. Enquanto isso, no Fórum Social Mundial, no Brasil, também em janeiro de 2009, Boaventura de Sousa Santos, sociólogo e professor da Universidade de Coimbra, levantou o seguinte questionamento: “Se nós não dermos a solução, ela virá de Davos, com mais capitalismo e menos direitos. São eles que estão a pensar uma solução. Nós nos reunimos (no Fórum Social Mundial) desde 2001 e não fomos nós que derrotamos o neoliberalismo, ele cometeu suicídio. Eles estão lá (em Davos) pensando o que vai ser o capitalismo depois da crise. E nós, o que estamos fazendo?”.


[1] Laurício Neumann é mestre e doutor em Educação.


Reflexões sobre algumas idéias que perpassam a Estrutura e Conjuntura global

Professor Laurício Neumann
1.            Jesus Cristo como homem Deus foi um modelo de perfeição, em defesa da vida, da justiça, da paz, da solidariedade, do bem comum.
- A Eucaristia (comum-união) é o sacramento da renovação, da parceria entre Jesus e nós em defesa da vida e da vida em abundância: “Façam isto em memória de mim” Lc 22-19.
- A Confissão é o sacramento da conversão (mudança radical). Não basta dizer o pecado e rezar a penitência. Jesus exige uma mudança radical no nosso modo ser: “Vai e não peques mais” Jo 8-11.
- O Semeador. “Outra part4e caiu em terra boa, brotou e deu fruto, cem por um (...). Quem tem ouvidos para ouvir ouça” Lc 8-8.
- Verdadeira felicidade. “Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática” Lc 11-28.
- O Sal. Se o sal perder o seu gosto, não serve mais para nada, por isso é jogado fora. “Quem tem ouvidos para ouvir ouça” Lc 14-31.
- Ovelha perdida. “Eu vos digo que no céu haverá mais alegria por um pecador que se converte do que pór noventa e nove justos que não necessitam de conversão” Lc 15-10.
2.            Como cristões somos eleitos discípulos de Jesus, comprometidos com a perfeição, desafiados a sermos radicais quando a vida e a dignidade da pessoa humana estão em jogo.
3.            O princípio fundamental da Ética é o Bem-comum (Sócrates, Paulo Freire, Heidegger, Martim Buber).
4.            Política é a ciência e a arte de administra corretamente o bem comum. Somos nós que elegemos o político a favor do bem comum e contra o bem individual.
5.            Democracia é o regime político que reconhece o ser humano como pessoa livre comprometida com a coletividade (Touraine, 1995).
6.            Capitalismo é o sistema político que se fundamenta na propriedade privada (individual) de tudo. Nega o bem-comum porque se alimenta da injustiça e da desigualdade.
7.            Partidos políticos são agremiações políticas cujos filiados defendem um programa que revela uma visão de pessoa humana, de sociedade e de organização da vida das pessoas em sociedade. O fundamento ético de cada programa de partido político é a defesa do bem individual ou do bem-comum.
8.            Políticas Públicas são decisões políticas que refletem o programa do partido, a teoria de desenvolvimento, o sistema político, o modelo de sociedade etc.
9.            Teorias
9.1         Os defensores da teoria do Crescimento ilimitado sustentam que é possível produzir ilimitadamente, pois, segundo eles, os recursos são ilimitados.
9.2         Os defensores da teoria do Desenvolvimento sustentável sustentam que é preciso harmonizar produção e consumo.
9.3         Os defensores da teoria do Decrescimento sustentam a redução de produção e a redução de consumo de produtos desnecessários. Defendem que é possível viver mais simples, com menos coisas, mas com mais qualidade.

Passeio Socrático

Por Frei Beto
Ao visitar em agosto a admirável obra social  de Carlinhos Brown, no Candeal, em Salvador, ouvi-o contar que na infância, vivida ali na pobreza, ele não conheceu a fome. Havia sempre um pouco de farinha, feijão, frutas e hortaliças.  "Quem trouxe a fome foi a geladeira", disse. O eletrodoméstico impôs à família a necessidade do supérfluo: refrigerantes, sorvetes etc. A economia de  mercado,  centrada no lucro e não nos direitos da  população nos submete ao consumo de símbolos.
O valor simbólico  da  mercadoria figura acima de sua utilidade. Assim, a fome a que  se  refere  Carlinhos  Brown  é inelutavelmente insaciável. É próprio do humano - e nisso também nos diferenciamos dos animais ao manipular o  alimento que ingere. A refeição exige preparo, criatividade, e a cozinha é laboratório culinário, como a mesa é missa, no sentido litúrgico.
A ingestão de alimentos por um gato ou cachorro é um atavismo desprovido de arte.  Entre  humanos,  comer  exige  um mínimo de cerimônia: sentar à mesa coberta  pela  toalha,  usar  talheres,  apresentar os pratos com esmero e, sobretudo,  desfrutar  da  companhia  de  outros  comensais. Trata-se de um ritual  que  possui rubricas indeléveis. Parece-me desumano comer de pé ou sozinho, retirando o alimento diretamente da panela.
Marx  á  havia  se  dado  conta  do  peso  da  geladeira. Nos "Manuscritos econômicos  e  filosóficos"  (1844),  ele constata que "o valor que cada um possui  aos olhos do outro é o valor de seus respectivos bens. Portanto, em si o homem não tem valor para nós."  capitalismo de tal modo desumaniza que já  não  somos apenas consumidores, somos também consumidos. As mercadorias que  me  revestem  e  os bens simbólicos que me cercam é que determinam meu valor  social.  Desprovido ou despojado deles, perco o  valor, condenado ao mundo ignaro da pobreza e à cultura da exclusão.
Para o povo maori da Nova Zelândia cada coisa, e não apenas as pessoas, têm alma.  Em  comunidades  tradicionais  de  África  também  se  encontra essa interação matéria-espírito. Ora, se dizem a nós que um aborígine cultua uma árvore  ou  pedra, um totem ou ave,  com certeza faremos um olhar de desdém. Mas  quantos  de  nós  não  cultuamos o próprio carro, um determinado vinho guardado na adega, uma jóia? Assim como um objeto se associa a seu dono nas comunidades  tribais,  na  sociedade  de consumo  o  mesmo  ocorre  sob  a sofisticada égide da grife.
Não se compra um vestido, compra-se um Gaultier; não se adquire um carro, e sim uma Ferrari; não se bebe um vinho, mas um Château Margaux. A roupa pode ser  a  mais  horrorosa  possível, porém se traz a assinatura de um famoso estilista, a gata borralheira transforma-se em Cinderela.
Somos consumidos pelas mercadorias na medida em que essa cultura neoliberal nos  faz  acreditar  que  delas  emana  uma  energia que nos cobre como uma bendita  unção,  a  de  que pertencemos ao mundo dos eleitos, dos ricos, do poder.  Pois a avassaladora indústria do consumismo imprime aos objetos uma aura,  um  espírito,  que  nos transfigura quando neles tocamos. E se somos privados  desse  privilégio, o  sentimento  de exclusão causa frustração, depressão, infelicidade.
Não  importa  que  a pessoa seja imbecil. Revestida de objetos cobiçados, é alçada  ao  altar  dos  incensados  pela inveja alheia. Ela se torna também objeto,  confundida  com  seus apetrechos e tudo mais que carrega nela, mas não é ela: bens, cifrões, cargos etc.
Comércio  deriva de "com mercê", com troca. Hoje as relações de consumo são desprovidas de troca, impessoais, não mais mediatizadas pelas pessoas.
Outrora,  a  quitanda,  o  boteco,  a  mercearia,  criavam vínculos entre o vendedor  e  o  comprador,  e  também  constituíam o espaço das relações de troca,  como ainda ocorre na feira. Agora o supermercado suprime a presença humana.  Lá está a gôndola abarrotada  de produtos sedutoramente embalados. Ali,  a  frustração  da  falta  de  convívio   é  compensada  pelo  consumo supérfluo.
"Nada poderia ser maior que a sedução" diz Jean Baudrillard - "nem mesmo a ordem  que  a  destrói." E a sedução ganha seu supremo canal na compra pela internet.  Sem  sair da cadeira o consumidor faz chegar à sua casa todos os produtos que deseja.
Vou  com  freqüência a livrarias de shoppings. Ao passar diante das lojas e contemplar   os  veneráveis  objetos  de  consumo,  vendedores  se  acercam indagando  se  necessito  algo.  "Não,  obrigado.  Estou apenas fazendo um passeio  socrático,  respondo. Olham-me intrigados. Então explico: Sócrates era  um filósofo  grego que viveu séculos antes de Cristo. Também gostava de passear  pelas  ruas comerciais de Atenas. E, assediado por vendedores como vocês,  respondia: " Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz".

A construção da pessoa humana

Professor Laurício Neumann[1]

Somando os conhecimentos, resultados de estudos e pesquisas de diversas áreas de conhecimento, como Biologia, Medicina, Enfermagem, Psicologia, Anatomia, Fisioterapia, Antropologia, Sociologia, Filosofia, Teologia etc., existem hoje quatro teses ou teorias sobre “Quando começa a vida?”

1ª tese: A partir da fusão do espermatozóide com o óvulo.
Segundo uma corrente de pesquisadores, a partir do exato momento da fusão do espermatozóide com o óvulo, isto é, da fecundação, já existe o ser vivo completo, isto é, com toda carga genética definida, tanto por parte do pai quanto da mãe.

2ª tese: A partir da 1ª semana de gestação.
Segundo esta corrente de cientistas, o óvulo fecundado leva uma semana até alojar-se no útero, ambiente natural para desenvolver-se. Para estes pesquisadores, o 7º dia (primeira semana) em diante, seria a contagem para a gestação do feto considerado como ser vivo. Se o 7º dia de gestação for tomado como parâmetro científico para o feto ser considerado um ser vivo, o que ele seria antes desse período e o que é permitido fazer com ele antes desse período, já que não é considerado ser vivo?

3ª tese: A partir do 1º mês de gestação.
Conforme a posição de um terceiro grupo de pesquisadores, o feto seria considerado um ser vivo, somente a partir do 1º mês de gestação, quando se forma o sistema nervoso cerebral. Para este grupo, a formação do cérebro é o fundamento científico mais importante para identificar o feto como ser vivo. Vale perguntar mais uma vez, se o 1º mês de gestão for tomado como parâmetro científico para o feto ser considerado como um ser vivo, o que ele seria antes desse período e o que é permitido fazer com ele antes desse período, já que não é considerado ser vivo?

4ª tese: A partir do nascimento.
Esta tese é reforçada por um grupo cada vez maior de estudiosos e pesquisadores de diferentes áreas. Estes estudiosos, entre eles o pesquisador americano de células- tronco George Daley, entendem que a pergunta que precisa ser feita não é “Quando começa a vida?”, ou “Quando o feto é considerado um ser vivo?”, mas “Quando começa o ser humano?” Este grupo de especialistas não tem dúvidas que o feto é considerado um ser vivo, em qualquer estágio ou memento da gestação. Porém, defendem que este ser vivo em gestação somente se torna humano, a partir do nascimento. Isso quer dizer, que o humano não nasce, mas se constrói, se educa, se forma etc., ao longo de toda a existência. Esse grupo defende ainda, que o feto é considerado biologicamente um ser vivo humano, porque pertence a uma espécie de seres com as características da espécie humana. Porém, este ser vivo da espécie humana é considerado moralmente humano, somente a partir das decisões e escolhas éticas que fizer, por tanto, a partir do seu comportamento moral.

Pergunta-se: Como se constrói (educa) este humano e o que fazer com aquele que  não é humano ou não aceita ser humano?


[1] Laurício Neumann é mestre e doutor em Educação.

CONTEXTUALIZAÇÃO DA CRISE DE VALORES

Professor Laurício Neumann[1]


       1. Sócio – econômico - político

       O Brasil passa hoje por uma das suas piores crises de identidade de toda a sua história. Esta crise revela uma profunda quebra de valores sobre o valor da vida e da pessoa humana, os valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais da pessoa. Esta crise revela também uma distorção do conceito da vida, da pessoa, da sociedade e da organização da vida em sociedade.

       A nível mundial, esta crise de identidade ou crise de valores fundamentais se revela pela cultura do terrorismo, do ódio, da vingança, do fanatismo religioso, do medo; se revela pela indústria e o tráfico de armas, associada  a indústria e o tráfico de drogas; se revela pelas situações dramáticas de atentados, chacinas, seqüestros, torturas, assassinatos; se revela pelo abuso, a prepotência e a corrupção do poder público e do poder econômico. Revela-se pelas perigosas interações dos Estados Unidos em dominar a saúde, a educação, as fontes energéticas, a biodiversidade e o patenteamento da vida. É a cultura da morte. A população mundial assiste a tudo isso estarrecida, mas, na maioria das vezes, impotente ou indiferente. É a cultura da omissão.

       Em nome da globalização e da mundialização vivemos a unificação do planeta e a mundialização  da informatização, da comunicação, do conhecimento, da economia, do transporte, da cultura, das pesquisas científicas, dos costumes  e dos valores. Paradoxalmente, vivemos a imposição de um projeto como modelo de globalização neoliberal através das potências capitalistas (G7), mais precisamente dos Estados Unidos, que ameaça culturas, ameaça povos inteiros e promove a discriminação, a exclusão e a dependência. É um projeto que coloca em risco a “Aldeia Global”, anunciada por McLuhan. Este modelo neoliberal contamina e compromete nações inteiras pela sua voracidade e pelo seu espírito dominador e explorador. É um “sistema que, apoiado numa concepção economicista de homem, considera o lucro e as leis do mercado como parâmetros absolutos em detrimento da dignidade e do respeito da pessoa e do povo” (Papa João Paulo II, na Eclesia in América, nº 56).

       Em nome do lucro a qualquer preço, este modelo se coloca acima dos direitos humanos, acima do respeito à vida, da integridade do ecossistema e impõe uma visão  instrumental fragmentária, individualista, oportunista, utilitarista e interesseira da realidade e dos bens, transformando até mesmo a vida das pessoas em mercadoria.

2. Histórica

      Toda a história das civilizações é marcada por grandes transformações ou revoluções. A diferença é que na modernidade estas transformações tornaram-se radicais. Por serem radicais, assumiram proporções antes nunca vividas pelo ser humano.

       Primitivamente a história nos mostra o ser humano como alguém que dependia da benevolência da natureza para sobreviver: coletava frutas, caçava e pescava. Por isso era chamado de nômade, porque migrava para novas regiões em busca da fartura de alimentos que a natureza gratuita e generosamente oferecia.

       Com a descoberta da roda, do arado e da enxada se operou a primeira grande revolução tecnológica na vida do ser humano. É a Revolução Agrícola, na qual o ser humano se fixa na terra, progressivamente se impõe às leis e às forças da natureza, planta e produz o sustento para a sua vida. Aos poucos, o ser humano se descobre capaz de fazer, criar e produzir sem depender diretamente da natureza e dos outros. Descobre-se senhor, com poderes de controlar as forças da natureza e de impor, aos poucos, a sua vontade à vontade do outro e da própria natureza. Descobre-se também livre em decidir pela sua vida, sem depender ou prestar contas a ninguém. Portanto, declara a sua autonomia sobre a natureza e sobre os outros. Tudo isso, à primeira vista, parece positivo, na medida em que as revoluções tecnológicas ajudaram o ser humano a conhecer-se melhor, diferente de todos os povos em todos os tempos. É positivo também na medida em que as revoluções tecnológicas possibilitaram uma nova compreensão do relacionamento do ser humano consigo, com o outro, com o cosmos, com a natureza e com o transcendente. As revoluções tecnológicas, por sua vez, facilitaram também o trabalho, influenciaram no conforto e bem estar das pessoas e aumentaram a produtividade.

       Estas revoluções tecnológicas, porém, tem também o lado negativo, na medida em que o se humano não assume os riscos e as conseqüências de suas descobertas, invenções e criações. São negativas também na medida em que o ser humano usa a sua capacidade racional e a sua liberdade para agredir e destruir a natureza, esmagar ou excluir o outro, apropriar-se de bens que são um direito universal.

       Estes aspectos positivos e negativos da presença do ser humano sobre o cosmos e sobre a vida do próximo ficaram mais visíveis a partir da segunda grande revolução tecnológica, a Revolução Industrial, que marca definitivamente o início da Modernidade. A descoberta da máquina e o conseqüente processo industrial operaram uma profunda alteração nas relações sociais e na vida das pessoas.

       Na Revolução Tecnológica Agrícola cada um era dono dos meios de produção: enxada, arado, carroça, etc. Já na Revolução Tecnológica Industrial poucos se tornaram os donos dos meios de produção: máquinas, fábricas, indústrias, terra, etc. A grande revolução que se operou é que o agricultor e o filho do agricultor deixaram de ser donos dos seus meios de produção (enxada, arado, carroça, terra), deixaram de trabalhar para si e passaram a trabalhar para o dono da fábrica. Deste modo, passamos a ter muita gente trabalhando de baixo do mesmo teto (fábrica, empresa), coletivamente, porém sem o direito de desfrutar do resultado do seu trabalho. O resultado do trabalho de todos, fica para o dono da máquina ou da fábrica, que, em troca, paga um aluguel pela força de trabalho, chamado de salário. Em outras palavras, isso quer dizer, que os agricultores, além de expropriados dos seus bens e arrancados do seu meio, foram também explorados, na medida em que deixaram de trabalhar para si e passaram a trabalhar para o dono da fábrica. Com esta lógica, poucos enriqueceram e muitos empobreceram. Ou, o que é pior, passamos a ter “cada vez menos ricos mais ricos às custas de cada vez mais pobres mais pobres (Puebla, 1978)”.

       As mudanças operadas na vida das pessoas ou na vida dos novos trabalhadores industriais assalariados e nas relações sociais são incalculáveis. Além de expropriados e explorados, os novos trabalhadores da era industrial tiveram que organizar toda a sua vida em função da jornada de trabalho e do salário estabelecido pelo patrão por esta jornada.  Ou seja, o trabalhador foi tão desaculturado, que “ele já não se pertence mais, ele pertence vinte e quatro horas do dia ao patrão ou ao dono da fábrica”. Isso significa dizer que o trabalhador industrial, além de deixar de ser dono de seus bens, deixou também de ser dono de sua vida e passou a ser à vontade de seu novo dono. É este novo dono (seu patrão), que através do salário define horários, lazer, escolaridade e educação dos filhos do trabalhador. Define também onde e como o trabalhador vai morar, como vai mobiliar sua casa, como vai vestir seus filhos, o que vai comer, etc. O trabalhador e sua família constróem e reconstroem sua vida sempre segundo a vontade de seus donos. Por isso vivemos numa sociedade dominante, inclusive culturalmente. Deste modo, o trabalhador acabou se transformando em mais uma mercadoria. Mercadoria de compra, de troca e de uso. E quando não serve mais, é descartado, jogado fora.

       Além de mexer com a cultura das pessoas, a modernidade industrial mexeu também com os valores fundamentais das pessoas, como a liberdade, a justiça, o respeito e a honestidade. Hoje, ser livre significa estar à disposição do patrão e submeter-se ao mercado. Sem raízes culturais, despojado dos meios de produção e explorado o trabalhador industrial fica sem saída. Sobra agarrar-se ao emprego e submeter-se às exigências do patrão, já que os direitos humanos e os direitos constitucionais também se tornaram vulneráveis e negociáveis. Quando perde o emprego, não tem como voltar, não tem para onde ir, não tem como sobreviver. Por isso aceita negociar a própria dignidade humana.

       Na modernidade quem tem poder de influência sobre as pessoas já não é a moral, a religião, a Igreja, ou o dono da terra, mas o dono da ciência e da técnica, o dono das máquinas e das fábricas, além dos donos dos meios de comunicação de massa, pois estes donos são também os donos do emprego, do qual depende a sobrevivência da absoluta maioria das pessoas na modernidade.

       Como a ordem do mercado é a qualidade total, a reengenharia e a livre concorrência, a tendência dos patrões é modernizar as fábricas, para isso visitam feiras internacionais em busca de tecnologias que aumentam a produção, reduzem os custos e melhoram a qualidade. Tecnologias que visam substituir cada vez mais trabalhadores pela máquina. Pois a máquina não requer férias, trabalha dia e noite, não tem licença gestante, não fica doente, não vai ao médico, não tem Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, não tem leis trabalhistas e não tem sindicato. Além disso, não reclama, não protesta, não reivindica, não faz greve. É o fim da utopia do emprego para todos.

       Podemos afirmar que as duas primeiras revoluções tecnológicas foram materiais. Pois, na revolução tecnológica agrícola tinha poder quem tinha muita terra. Já na revolução tecnológica industrial passou a ter poder quem tinha muitas ou grandes fábricas.

       Já a terceira revolução tecnológica é imaterial. É a Revolução Tecnológica da Informática. Esta revolução está sendo tão profunda e radical que marca uma nova era da história: a Pós-modernidade. Além do computador, com a capacidade de armazenar dados e informações, surge a Internet, com a informação on-line. Começamos a viver a era da informática a serviço da ciência e da produção. As mudanças rápidas e profundas são visíveis em todas as áreas de conhecimento, principalmente na comunicação, na medicina, na genética e na produção.

       Neste tempo pós-moderno da Revolução Tecnológica da Informática tem poder não mais o dono da terra, nem o dono da fábrica, mas o dono da Microsoft e da Macrosoft.

       A primeira característica desta Revolução Tecnológica da Informática são as marcas. Os donos do mercado, através dos modernos veículos de comunicação, e a informática a serviço destes veículos, fazem o consumidor comprar e consumir marcas e não produtos. Marcas associadas ao desejo, ao prazer, ao poder. A todo produto é agregada uma marca. À marca é agregado um estilo de vida, um jeito de ser, um padrão de valores. Desde o tênis, a camiseta, a bermuda que usamos, o colégio ou a universidade onde estudamos, até o restaurante, o clube e a academia que freqüentamos e o carro que dirigimos, revelam prazer, status e poder pelo valor atribuído às marcas.

       A segunda característica desta Revolução Tecnológica da Informática são as franquias. Além de vender marcas, os donos do mercado vendem franquias. As franquias são a venda de marcas em rede, sempre padronizadas no mundo inteiro, controladas via Internet e que comercializam produtos descartáveis.
       A terceira característica da Revolução Tecnológica da Informática é o acesso fácil e o intercâmbio fácil e permanente do consumidor com o produtor e vice versa. Deste modo, o consumidor sempre se mantém atualizado sobre as modas e suas tendências e os donos do mercado se mantém atualizados quanto às expectativas do consumidor.

        A quarta revolução tecnológica é a Revolução da Biogenética. Esta revolução tecnológica é a combinação da genética com a informática, que permite usar as informações armazenadas no computador sobre animais e vegetais, para programar seres com novas características, criar novas espécies, exterminar espécies existentes, inclusive exterminar com a espécie humana. A era pós-moderna marca o controle definitivo da ciência e do homem sobre a vida. Este será o fim da história ou o fim da espécie humana? Será a pós-modernidade ou a pós-humanidade? O que nos espera? Um ser (ou espécie), físico, biológica e moralmente melhor? Há cientistas que acreditam nisso. E nós acreditamos em que? O surgimento de novas religiões, seitas e filosofias de vida serão um novo sinal dos tempos que pode significar a volta do ser humano para Deus e para o próximo? O que fizemos para acontecer aquilo que acreditamos?

       3. Humano-cristãos ou éticos

       Estes são os novos sinais dos tempos, sinais concretos e muito próximos, que mexem cada vez mais com a vida de cada um de nós. O que estes sinais, à luz dos direitos humanos, à luz da ética cristã, tem a ver com cada um de nós como cristãos, profissionais, cidadãos e, sobretudo, como pessoas humanas?

       As quatro revoluções tecnológicas revelam uma pessoa ou um indivíduo pós-moderno contraditório. Numa ótica, nos deparamos frente a um ser humano livre e capaz, que acredita na sua capacidade de criar, projetar, inventar e transformar. A prova disso é o avanço vertiginoso registrado em todas as áreas do conhecimento que encurta distâncias, aproxima as pessoas, prolonga a vida, controla epidemias, facilita o trabalho, cria conforto, lazer, praticidade, etc. Numa outra ótica, as revoluções tecnológicas revelam o rosto de um ser humano absoluto, um ser humano como centro e medida de todas as coisas. Revela também o rosto de um ser humano sem limites, além de individualista, materialista, imediatista e consumista inconseqüente. As conseqüências são desastrosas na medida em que este ser humano rompe com Deus e se proclama absoluto; rompe com a natureza sem medir as conseqüências das suas ações de intervenção e destruição; rompe com a subjetividade do próximo, na medida em que este é visto como um concorrente, portanto, um estorvo para o enriquecimento fácil; rompe consigo próprio, na medida em que não quer encontrar tempo para interiorizar-se, repensar seu projeto de vida, repensar seus valores, repensar seu conceito de vida, de pessoa, de sociedade e de organização da sociedade.

       As quatro revoluções tecnológicas revelam ainda outras dimensões do ser humano pós-moderno, como o rompimento com a autoridade formal, que deixou de ser a bíblia, Deus, a Igreja, o Papa, os pais e passou a ser o indivíduo. A pós-modernidade, portanto, é a afirmação do indivíduo e da consciência do indivíduo livre.

       Além disso, as quatro revoluções tecnológicas revelam as dimensões do desejo e do prazer. O indivíduo pós-moderno aceita fazer o que gosta. O que não gosta é deixado de lado. Este desejo é provocado e alimentado pelo mercado e estimulado pelos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão. O desejo, porém, está intimamente associado ao prazer. Por isso, o indivíduo pós-moderno deseja possuir, comprar, consumir e desfrutar aquilo que dá prazer, aquilo que faz sentir-se bem. Por isso, felicidade deixou de ser um projeto de vida para transformar-se em momentos de prazer. E para que estes momentos de prazer sejam freqüentes e intensos é preciso romper com diversos valores religiosos e morais, como a fidelidade e o respeito. A ordem estabelecida é esta: “É proibido proibir”. Como conseqüência, a autonomia dos indivíduos se transforma em individualismo, e os indivíduos se transformam em mercadoria, assim como a religião, Deus, a natureza, a água, a mata, o ar, etc. Tudo é transformado em mercadoria de compra, troca e uso. Quando não serve mais, quando não dá mais prazer descarta, joga fora.

       Nesta sociedade pós-moderna, fundamentada na autonomia da consciência e na liberdade dos indivíduos de viverem sua vida sem autoridade e sem moralistas que definem regras e normas e impõe limites, o refúgio torna-se o direito. Por isso, quando o indivíduo se sente lesado na sua liberdade individual, imediatamente busca seus direitos na justiça. Como a justiça está calcada mais na lei do que na ética, esta também está bastante desacreditada, além de viciada pela impunidade. Como o indivíduo já não consegue ter a justiça do direito do seu lado ou não tem condições de alimentar financeiramente os infinitos labirintos da burocracia jurídica, ele prefere viver no chamado pecado, na contraversão, no vício, pois tudo isso também dá muito prazer e, além disso, alimenta a voracidade de lucros do mercado.

       Qual o papel exercido pelas escolas e as universidades, inclusive religiosas, ao longo da modernidade e da pós-modernidade? Adequar-se aos novos tempos e preparar os novos profissionais das diferentes áreas, segundo o mercado? Estes profissionais entram no mercado de trabalho com que valores, expectativas, sonhos e utopias? As utopias do céu na terra, do emprego para todos, do enriquecimento pelo trabalho, etc. estão se dissolvendo como fumaça. Como ser cristão e como ser uma universidade orientada  por princípios cristãos, entrando no mercado? Dando as costas ao mercado, tem como sobreviver? Como conciliar os princípios cristãos da universidade com os interesses do mercado? Se os interesses do mercado conflituam com os princípios cristãos da universidade,  cabe a esta retirar-se, omitir-se ou cabe a universidade, pela sua própria razão de ser universidade, mais ainda orientada por princípios cristãos, entrar no mercado, transformar o mercado?

        Este é o nosso grande desafio: como ser cristão ou ético nesta realidade? Como o cristão e a universidade orientada por princípios éticos justificam a expropriação e a exploração do ser humano? Como justificam o fato de tudo ser submetido às ordens do mercado e tudo ser transformado em mercadoria, inclusive as pessoas? Urge repensar a educação como um todo, principalmente na sua proposta de valores humanos, além da capacitação profissional. Esta proposta educacional deve iluminar os novos tempos da pós-modernidade, principalmente iluminar o debate em torno de temas que são problemas mundiais como: sustentabilidade do planeta, a preservação da vida, o desenvolvimento sem agressão ao meio ambiente, a biodiversidade, a clonagem, os transgênicos, entre outros temas.

       Como estas questões de fundo são abordadas no currículo de diferentes cursos da universidade? Qual o rumo destas discussões? Quais os encaminhamentos, fruto destas discussões? Como estas questões de fundo são tratadas nos projetos de pesquisas da universidade, nos simpósios, seminários e cursos de extensão? Como estas questões de fundo são tratadas nas reuniões com os funcionários e gestores da universidade? Qual o nível de coerência entre as propostas, as conclusões e a prática diária? Existe algum comprometimento diferente dos professores, alunos, funcionários e gestores da universidade em relação a estas questões de fundo?

       Enquanto continuamos convencidos de que tudo deve ser submetido às ordens do mercado e de que tudo é mercadoria, inclusive as pessoas, então fica difícil enxergar uma saída ou traçar um plano de mudanças. Pois, enquanto tudo for submetido às ordens do mercado e considerado mercadoria, não há gratuidade e sem gratuidade é impossível ser humano. A gratuidade é a opção fundamental pelo outro, como centro de tudo, inclusive de sua própria vida. Pois, é a alteridade que constitui a subjetividade. Isso significa dizer que é o outro que permite eu ser. Por isso, o outro existe em mim, como eu existo no outro.

       O que vimos na pós-modernidade é a negação da alteridade, para justificar a afirmação do indivíduo e do mercado descartável. Desde cedo, na família, na escola e através de veículos de comunicação, principalmente a televisão e as revistas em quadrinhos, ensinamos as crianças a negar o outro, desenvolvendo a cultura do “eu” e não do “nós”. Por isso, somos individualistas. E quanto mais negamos a subjetividade do outro, mais individualistas nos tornamos. Negar a alteridade significa negar o outro em mim. Significa arrancar o outro de dentro de mim. A partir desse momento o outro deixa de ser sujeito para mim e passa a ser objeto. Negar a subjetividade do outro, para transformá-lo em objeto, é negar a minha própria subjetividade, para transformar-me também em objeto. A partir desse momento a relação passa a ser uma relação de objetos (eu objeto com o outro objeto) e não mais de sujeitos (eu sujeito com outro sujeito).

       Na verdade, negamos a subjetividade do outro e não o outro em si, pois este interessa enquanto podemos transformá-lo em mercadoria e dele tirar proveito. E quando dele já não conseguimos mais tirar proveito o descartamos, o jogamos fora, o excluímos. Por isso, os milhões de brasileiros pobres da modernidade foram transformados em milhões de brasileiros pobres excluídos da pós-modernidade.

       Como vimos, ao longo do texto, estas questões de fundo são questões profundamente éticas, que exigem de todos os envolvidos maior clareza, mudança de mentalidade, convicção e compromisso coerente. Por parte da universidade, exige clareza e convicção sobre a universidade que desejamos e sobre os valores que desejamos imprimir na preparação dos novos profissionais. Uma universidade orientada por princípios cristãos precisa ter a ousadia e coragem de somar forças para que a formação humana seja colocada na base do conhecimento científico, visando à preparação de profissionais competentes, cidadãos, éticos, cristãos e por isso comprometidos com os ideais de justiça social e de solidariedade.

      4. Referências Bibliográficas

1.AQUINO, Marcelo. Palestra: Alteridade e Solidariedade. Ciclo de Estudos Para uma Ética Solidária. CECREI, São Leopoldo, 2001.
2.ÁVILA, Fernando Bastos. Palestra: Economia Solidária sob a ótica do Ensino Social Cristão. I Seminário Internacional de Ensino Social Cristão, UNISINOS, São Leopoldo, 1999.
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4.BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: A Globalização e o Futuro da Humanidade. Rio de Janeiro : Sextante, 2002.
5.CAFIERO, Carlo. O Capitalismo. Uma Leitura Popular. São Paulo : Pólis, 1984.
6.FOLLMANN, José Ivo. Palestra: A Universidade e o Contexto Social. Seminário; Novos papéis da Universidade na Sociedade Brasileira. UNISINOS, São Leopoldo, 1999.
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9.NEUTZLING, Inácio. Palestra: Formas de Religiosidade na Pós-Modernidade. Ciclo de Estudos sobre Religião e Pós-Modernidade, CECREI, São Leopoldo, 2002.
10.OLIVEIRA, Ismar de. Palestra: Qual a Escola para o Novo Milênio? 2º Congresso Inaciano de Educação. Itaici, São Paulo, 1997.


[1] Laurício Neumann é mestre e doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).