21/11/2011

Jantar Ecológico: 3 de dezembro de 2011

No dia 3 de dezembro, sábado, às 19h30, será realizado um JANTAR ECOLÓGICO, no Salão da Igreja Imaculado Coração de Maria, no bairro Monte Castelo

A promoção é dos alunos e alunas da Escola de Formação Fé Política e Trabalho, (realização da Diocese de Caxias do Sul, Unisinos e Cáritas Caxias), com apoio da Feira Ecológica de Caxias do Sul. 

O Jantar Ecológico tem a intenção de abordar a importância da segurança alimentar como política pública, e promover a divulgação e conscientização sobre o uso e abuso de agrotóxicos, e suas conseqüências para a saúde humana e o meio ambiente, uma vez que o Brasil é o país do mundo que mais consome agrotóxicos: 5,2 litros/ano por habitante
Jantar Ecológico


Com a exibição documentário “O veneno está na mesa”, de Silvio Tendler.

O jantar ecológico é uma iniciativa dos alunos e alunas
da Escola de Formação Fé, Política e Trabalho 2011.ano8,
com o intuito de promover a divulgação e conscientização
sobre o uso e abuso de venenos (agrotóxicos),
e suas conseqüências para a saúde humana e o meio ambiente.



O Brasil é o país do mundo que mais consome agrotóxicos: 5,2 litros/ano por habitante.
Muitos desses herbicidas, fungicidas e pesticidas que consumimos estão proibidos em quase todo o mundo pelos riscos que representam à saúde pública.
O perigo é tanto para os trabalhadores, que manipulam os venenos,
quanto para os cidadãos, que consomem os produtos agrícolas.
Só quem lucra são as transnacionais que fabricam os agrotóxicos,
por conta de um modelo agrário perverso baseado no agronegócio.



3 de dezembro | sábado | 19h30


Cardápio:    risoto, aipim, salada, pão, frutas, suco e vinho
Local:         salão da Igreja Imaculado Coração de Maria – Monte Castelo
Ingressos:    R$ 15,00 – adulto   |   R$ 8,00 – criança (7 a 12 anos)
                   
Maiores informações e ingressos:   
(54) 9141.9565 | 9937.9895 | 9996.6339


Apoio:
Promoção:




Alunos e Alunas da
Escola de Formação
Fé, Política e Trabalho

20/11/2011

9 etapa da Escola de Formação Fé, Política e Trabalho 2011.ano8


A Escola de Formação Fé, Política e Trabalho, coordenada pela Cáritas Caxias com o apoio de Diocese de Caxias do Sul e em parceria com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU – realizou no Centro Diocesano de Formação Pastoral a sua nona etapa trazendo para análise e reflexões no sábado (19/11) o tema “Sociedade Sustentável e fundamento ético de uma consciência planetária” com a assessoria do professor Dr. Aloísio Ruscheinsky – Unisinos. 

A partir da apresentação do documentário ‘Carta da Terra’ com seus critérios e princípios capazes de estabelecer relações reguladoras de desenvolvimento com o meio ambiente e baseado nos dizeres do professor que a nossa consciência é constituída nas relações políticas, econômicas, ambientais e culturais fomos analisando como está o nosso comprometimento com a situação ambiental de nosso planeta, país, município, bairro.


A sociedade consumista que marca a nossa época nos coloca como agentes destruidores do planeta com diagnósticos bastante pessimistas, mas como a crise ambiental serve também para criar uma visão de reflexão do quadro, também aponta de forma otimista que temos condições de realizar ações capazes de diminuir o impacto destrutivo ambiental através de consumo consciente que possibilite acesso a quem não tem.


No domingo (20/11) a assessoria foi da professora Dr. Cleusa Maria Andreatta – Unisinos e o tema foi ‘O homem e a mulher no horizonte de um novo paradigma civilizacional’ aonde vimos que na nossa sociedade patriarcal, machista, viciada numa mentalidade de exclusão a questão de gênero é usada como ferramenta de poder e submissão e que a idéia de que o homem é o que manda tem séculos de constituição e ainda enormemente aceita por muitas mulheres que continuam a educar os seus filhos dentro destes ditames.

O importante e necessário hoje é trabalharmos que não devemos e não queremos lutar pela igualdade, mas pela valorização das diferenças num processo de alteridade onde ser homem / mulher deve ser uma construção não uma convenção histórica ou definida dentro de padrões midiáticos.

Também no domingo iniciamos as inscrições para a Escola de Fé, Política e Trabalho 2012.Ano 9 e os/as interessados/as devem fazer suas inscrições até dia 05 de março de 2012. Informações em: www.fepoliticaetrabalho.blogspot.com,  www.diocesedecaxias.org.br e www.caritascaxias.blogspot.com, e através do endereço eletrônico fepoliticaetrabalho@gmail.com.


Ainda, domingo a tarde, os/as participantes da Escola de Formação 2011 visitaram uma propriedade de produção agroecológica (Família Rossi), no município de Caxias do Sul.



A décima e última etapa da Escola de 2011 acontece nos dias 10 e 11 de dezembro com o tema “O ensino social da Igreja e os desafios do desenvolvimento humano, econômico, técnica. Como a fé inspira a militância cristã na prática da justiça social, da ética, da política e da solidariedade?" E contará com a assessoria do professor Ms Flávio Guerra – Estef – Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana.

Texto: José Antônio Somensi (Zeca)
Fotos: 1 a 8 - Fernanda Seibel / 9 - Inês Pilatti

19/11/2011

Reeducação alimentar para uma ética da sustentabilidade

Para uma redefinição do conceito de desenvolvimento, das nossas necessidades básicas
diante da biodiversidade e da dimensão espiritual da ecologia

O programa “fome zero” tinha entre seus aspectos a “reducação alimentar”...
Consumo de carne e aquecimento global.
"Alguns dados para você levar em conta".
- 30% de todo o planeta habitável é pasto.
- 70% de todas as plantações (do mundo) são para a pecuária.
- A pecuária é responsável por 18% de toda emissão de gases nocivos de todo o planeta medida em CO2 equivalente. É o maior poluidor do mundo, superando o transporte.
- A pecuária é responsável por 37% do metado liberado na atmosfera. O metano é 23 vezes pior do que o CO2 em termos de aquecimento global.
- A pecuária é responsável por 65% de óxido nitroso na atmosfera. O óxido nitroso é 296 vezes pior do que o CO2 em termos de aquecimento global.
- A pecuária consome 8% de todos os recursos hídricos do planeta; é responsável por 1/3 da poluição das águas potáveis com nitrogênio e fósforo; é responsável por 55% da erosão da terra, por 37% do uso de pesticidas e 50% de antibióticos (dados dos Estados Unidos).
- De acordo com o Conservation International, das 35 áreas onde a biodiversidade é ameaçada no mundo, 23 têm entre suas causas a pecuária.
- A produção mundial de carne deve ir de 229 milhões de toneladas em 2001 para 465 milhões em 2050.
- A produção mundial de leite deve ir de 580 milhões de litros em 2001 para mais de um bilhão em 2050.
- 64% da população mundial terá escassez de água em 2025.
- Com a água gasta para um quilo de bife, poderia se produzir 227 quilos de tomate.
- Com a terra ocupada para a produção de um quilo de bife, poderia se produzir 122 quilos de batata.
- Usa-se 20 quilos de grãos para cada quilo de bife.
- O rebanho bovino no mundo todo cresceu cinco vezes em 50 anos e hoje soma seis bilhões de cabeças. Há um boi para cada pessoa e todos serão abatidos um dia.
- A criação de gado é repsonsável pelo desmatamento de 93% da Mata Atlântica, 80% da caatinga, 50% do cerrado e 18% da Amazônia.
- Há 35 milhões de cabeças de gado na Amazônia, que tem 22 milhões habitantes. Os bois pastam onde havia floresta; 70% das emissões de metano no Brasil são provocadas pelo processo digestivo dos ruminantes.
Obs.: o artigo não trata da criação intensiva e artificial de frango e suínos
“Como Nos Alimentamos - Por Que Nossas Escolhas Alimentares Importam” de Peter Singer
Aborda o tema da ética alimentar e defende que sejam aplicados 5 princípios éticos para uma escolha na hora das refeições: transparência, equilíbrio, humanidade, responsabilidade social e necessidade.

Como ser ético com a alimentação no dia-a-dia? Em primeiro lugar, há muitas possibilidades diferentes que as pessoas podem escolher, umas mais éticas do que outras. Um dos pontos que nós defendemos fortemente é que não tem de ser vegetariano para fazer escolhas éticas razoáveis.  Você pode dizer: "Eu vou evitar produtos de "fábricas de carne", mas ainda vou comer alguns produtos animais, mas garantir que venham de fazendas orgânicas sustentáveis". Isso já é dar um passo ético importante. Não será tão grande quanto ser vegetariano, mas ainda assim é um grande passo ético. Essa é a primeira coisa. A segunda é: não é tão difícil ser vegetariano, pelo menos se você vive numa cidade ou numa sociedade em que há várias escolhas alimentares. É claro que será difícil para algumas pessoas em certas circunstâncias (se tu és gaúcho!!). Para aqueles que entram num supermercado e compram grande variedade de comidas, não é tão difícil quanto as pessoas pensam.

A ética da obesidade é reviver o conceito bíblico de que gula é algo ruim? Eu acho que nós tendemos a deixar de lado as visões tradicionais, de que as pessoas não deveriam simplesmente obedecer a seus apetites, pelo menos naquilo que diz respeito à alimentação. É interessante notar que, pelo menos no campo religioso, a igreja ainda nos diz que devemos controlar pelo menos nossos apetites sexuais, mas parece ter abandonado a visão de que devemos abandonar nosso apetite pela comida. O resultado pode ser visto todos os dias: há pessoas bastante obesas e muita gente que está acima do peso. Isso não é ruim apenas para a saúde deles, é ruim para o ambiente, porque, de novo, mais comida tem de ser produzida, mais combustível fóssil é consumido. Há uma falta de respeito pelos outros e uma falta de respeito pelo ambiente. Não estamos realizando partilha com aqueles que necessitam quando se tem uma parte do mundo que luta seriamente contra a obesidade e outra que não tem o suficiente para comer.

Comida orgânica é necessariamente mais ética? Falando em termos gerais, sim. É menos provável que prejudique o ambiente, porque é produzida de maneira que não usa fertilizantes, herbicidas e pesticidas, põe mais matéria orgânica no solo, o que é melhor para o aquecimento global, inclui biodiversidade. Está se tornando mais produtiva e os custos estão caindo. E são culturas mais éticas.

Redefinir as necessidades básicas

Entrevista com Marcel Bursztyn

Coordenador do PPG do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), Marcel Bursztyn, doutorado em Economia. Entre seus livros publicados citamos O País das Alianças: Elites e Continuísmo no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1990; Da Utopia à Exclusão: Vivendo nas ruas em Brasília. Rio de Janeiro/ Brasília: Garamond/ Codeplan, 1997; (org), Para pensar o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: Brasiliense, 1993.

IHU On-Line- Como vê as diferenças entre desenvolvimento sustentável e o decrescimento?
Marcel Bursztyn - O debate parte de teses surgidas no final dos anos de 1960. Ali começou a expressão em um ambiente universitário, de um conjunto de estudos que levantou alguns alarmes em relação ao que se chamava bomba demográfica, a poluição da indústria, os limites dos recursos naturais, etc, enfim, limites ao crescimento. Na ausência de um modelo de organização econômica que seja mais consistente com os limites da natureza em termos de oferta de recursos naturais e de energia, a proposta é congelar o crescimento da economia. Essa é uma proposta absolutamente inapropriada aos países que não se desenvolveram. Se nós formos congelar, quem é rico fica rico, quem é pobre, fica pobre. A partir desse debate começou toda uma efervescência no meio universitário e isso inclusive se traduz em políticas públicas sobre como promover desenvolvimento sem que se repitam as mesmas mazelas que o desenvolvimento econômico gerou nos países hoje desenvolvidos. Isso antes de surgir o conceito de desenvolvimento sustentável, que só vem na década seguinte. Quando surge o conceito de desenvolvimento sustentável, a idéia se equaciona em termos conceituais, embora a prática não esteja imediatamente resolvida. O que sai desse debate hoje é como promover melhores condições de vida a populações que vivem em condições desfavoráveis, sem repetir o mesmo modelo de crescimento econômico que foi praticado nos países que atingiram condições de vida muito elevadas, mas também a um custo muito elevado. Isso dentro dos desafios dos países mais pobres. Quando alguém propõe que, na ausência de um modelo menos degradador, não se faça nada ou que se retroaja, na verdade é o mínimo que se pode identificar como uma proposta retrógrada, reacionária. O que se propõe, e esse é um modelo com que nós concordamos, é que se estenda, se radicalize a idéia de solidariedade, em relação ao próximo no presente, ou seja, estender condições mínimas satisfatórias a toda a população do universo e iguais ou melhores ainda, às próximas gerações para satisfazer as suas necessidades básicas. O contraponto do mau desenvolvimento não é um não desenvolvimento, mas o bom desenvolvimento. É a nossa proposta.

IHU On-Line – Essa idéia de solidariedade radical como pode ser aplicada, levando-se em conta as diferenças nas demandas das diferentes sociedades?
Marcel Bursztyn –O que nós chamaríamos minimamente de solidariedade em termos de distribuição de oportunidades no presente, está muito mais bem resolvido nos países desenvolvidos do que nos países menos desenvolvidos. A agenda dos países menos desenvolvidos se coloca, primeiramente, em termos que resolver essa questão do presente. Segundo, ao fazermos isso em relação ao presente, não podemos cometer os mesmos erros daqueles países: erros que comprometeram o planeta, e não a sociedade deles. Eles comprometeram o planeta a tal ponto de estarem preocupados hoje com o risco de que nós façamos a mesma coisa que eles fizeram. Uma das características do conceito de desenvolvimento sustentável, na minha leitura, é que todos os povos têm direito ao desenvolvimento.
Nós aprendemos a perpetuar um modelo que consome intensivamente energia e matérias primas, a partir, sobretudo, da segunda Guerra Mundial, quando se acelerou muito o crescimento da indústria, nós vamos radicalizar esse modelo, o planeta não tem condições, não tem energia, nem matérias-primas para tudo. Então temos que modificar os padrões de produção, de consumo e tecnológicos e até mesmo a durabilidade e desejabilidade dos produtos, a consciência com que a sociedade vai buscar satisfazer as suas necessidades básicas e até mesmo a identificação do que vêm a ser necessidades básicas. Por exemplo, um cidadão norte-americano comum identifica como necessário para si muito mais ingredientes do que um cidadão comum num país longínquo na Ásia ou na África. O que é de fato necessário, básico, que todos os povos tenham acesso, e o que é supérfluo, e como nós vamos inibir consumos supérfluos que são provocadores de algum tipo de degradação ou de esgotamento de recursos da natureza. Isso é um desafio para políticas públicas em matéria de desenvolvimento sustentável. Os economistas não haviam se preocupado com isso até muito recentemente, até perceberem que, se não se preocuparem com isso, a própria lógica de bom andamento dos negócios, ou seja, a própria lógica da economia, se vê prejudicada. O impacto é econômico, não só ecológico.

IHU – Como o cientista vê o papel da universidade na construção da idéia de solidariedade radical?
Marcel Bursztyn – A primeira consideração é que a universidade hoje está em crise por várias razões, mas uma das características que dá conteúdo a essa crise é o fato de que ela se afastou da realidade. E ela se afastou da realidade em grande medida pelo fato de que, ao longo do século XX, principalmente em sua segunda metade, ela enveredou pelo caminho da especialização, do aumento do foco em questões muito particulares, mas perdendo a visão do contexto, a visão do todo. As ciências se disciplinarizaram ao extremo e se distanciaram. Cada campo da ciência se afastou dos outros campos da ciência. É possível que haja, por exemplo, um departamento de Química que avança no conhecimento no sentido de descobrir uma determinada substância, e essa substância pode ser nociva ao meio ambiente. Nós vamos precisar do departamento de ecologia para descobrir uma forma de corrigir esse problema. Nós temos um departamento de Agronomia, que vai produzir uma tecnologia de melhorar o ritmo de produção numa fazenda, mas é possível que a generalização desse modelo na totalidade de um território mais amplo, provoque perda de biodiversidade, o que é um risco enorme em termos de meio ambiente.
A universidade, por falta de fundos públicos, começa cada vez mais a se adaptar a uma lógica de mercado. Quem financia a atividade de pesquisa? Normalmente existem algumas atividades que são de interesse de certos agentes econômicos, mas existem outras atividades que não são do interesse imediato de nenhum agente econômico, embora sejam importantes.

IHU – Vê algum destaque no governo atual na busca de sociedade alternativa, sustentável?
Marcel Bursztyn – Ainda está muito cedo para afirmar que tenha havido resultados. No que se vê ao nível do discurso e da expressão de intenções, não há dúvida. Entre expressão de intenções e ter resultados efetivos vai uma longa distância. Não vejo, até o presente momento, que o Brasil tenha passado por um processo muito notável de inflexão, de redirecionamento dos seus rumos nos últimos meses. Os rumos de uma sociedade são comparados a um grande transatlântico no meio do oceano. Não se manobra um transatlântico como se manobra um carro de Fórmula-1, uma guinada e muda o rumo. A manobra de um transatlântico é muito lenta. Mesmo que nós tomemos a decisão hoje “vamos virar mais para a direita ou mais para a esquerda”, isso só vai parecer depois de muito tempo. Hoje ainda não dá para perceber que haja essa mudança.

IHU On-Line – Quais são os recursos naturais que atualmente dão mais sinais de fadiga aqui no Brasil? E quais deveriam ser mais explorados em termos ambientais?
Marcel Bursztyn – O principal problema ambiental brasileiro, embora apareça nas agendas internacionais o Brasil com uma visibilidade grande no que diz respeito ao uso ou ao mau uso das suas florestas, da biodiversidade, o principal problema brasileiro na minha interpretação é um problema urbano. As populações urbanas, o que eu chamo de ambiente urbano, a degradação das condições de vida de um crescente contingente de população que, no Brasil, já chega a pouco mais de 80%, vivendo em aglomerações, seja em pequenas cidades, seja em grandes metrópoles, em que as condições de vida vão se degradando cada vez mais. O principal problema, em termos de meio ambiente, é a falta de condições sanitárias, a falta de saneamento ambiental, entendendo por saneamento ambiental urbano: água, esgoto, águas fluviais nas cidades e coleta e tratamento adequado do lixo. Enquanto nós não resolvermos esses problemas de forma universalizada em nosso país, não podemos dizer que resolvemos minimamente as condições de habitação das populações urbanas. E veja que 4/5 dos brasileiros estão nessas condições. Além disso, nós temos pouca efetividade nas políticas de controle da poluição industrial e somos um país com uma vocação agrária muito forte, com o avanço das fronteiras e expansão de habilidades agropastoris que, embora possam gerar lucratividade no curto prazo, não há nenhuma garantia da durabilidade em termos de desenvolvimento sustentável, vamos perdendo ambiente enquanto achamos que estamos ganhando renda na exportação de produtos agropecuários.

IHU On-Line - Como o senhor acha que se podem reverter esses problemas?
Marcel Bursztyn – São problemas muito complexos. Se tivesse que resumir numa frase só eu diria que o Brasil não tem projeto nacional. Que rumo afinal o Brasil quer tomar? Em relação à distribuição geográfica da população: nós queremos muita ou pouca gente na Amazônia? Queremos na cidade quase toda a população do Brasil ou queremos distribuir a população no campo: onde? Que regiões achamos que podem ser produtivas? Que regiões queremos manter intocáveis como garantia da qualidade geral do ambiente no planeta? Não temos uma política geral para isso, as decisões são tomadas de forma quase improvisada: “Vamos criar uma reserva ambiental!”. Cria-se uma reserva ambiental. “Vamos criar uma reserva indígena!”: Cria-se uma reserva indígena. Respondemos a problemas muito mais do que planejamos estratégias a longo prazo. Qual é o grau de bem-estar que nós queremos para nossas populações? Quais os serviços básicos que nós achamos irrenunciáveis, como educação, saúde? E a que grau queremos chegar? Uma vez feito isso, teremos condições para dizer quanto nos sobra para as outras coisas. Hoje não temos isso, estamos à mercê das vicissitudes das vontades políticas.

Desigualdade e espiritualidade: possível o encontro entre ecologia e justiça social?

Pedro Hespanha é doutor em Sociologia
pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
IHU – Na sua pesquisa, o senhor estuda as velhas e novas solidariedades. Como elas se diferenciam?
Pedro Hespanha – As velhas solidariedades eram aquelas que se baseavam muito na proximidade. Os vínculos se davam nas residências, nas vizinhanças, na família, no trabalho. E é isso que de alguma maneira tem se modificado, porque as relações agora estão mais distantes, a mobilidade espacial é maior, as migrações são mais intensas.

IHU– As novas solidariedades e globalização desenfreada que nos encaminha para um individualismo?
Pedro Hespanha – Esse individualismo gerado pelas novas solidariedades é uma espécie de luta pela vida, em que cada um procura as soluções para seu caso, imigrando, mudando de local, contando com outros grupos. Eu penso que essas mudanças estão sendo acompanhadas do aparecimento de novas formas de solidariedade e essas são mais difíceis de compreender porque são menos convencionais, porque nós nos habituamos a pensar a solidariedade nesses termos da velha solidariedade. As novas solidariedades são praticamente invisíveis, ou seja, dá trabalho identificá-las. Essas novas solidariedades, por não terem vínculos “face a face”, fazem com que as pessoas participantes já tenham uma trajetória, um percurso de origem bastante diferenciado, etc.
IHU On-Line – E como se constituem essas novas solidariedades?
Pedro Hespanha – Muitas solidariedades são baseadas em fenômenos novos, como a preocupação com o desgaste ambiental e toda modificação do meio ambiente. Esses problemas suscitaram a aproximação, a partilha de interesses, a mobilização e uma solidariedade nova. Entram aí, então, as relações internéticas, as relações dos imigrantes que não se fecham, pelo contrário, são obrigados a se abrirem a outras comunidades étnicas etc. Essa nova situação não se focaliza apenas em individualismos exacerbados, pois também dá lugar a outras novas construções solidárias, mas esse mundo globalizado é, de fato, de grande exclusão. Há muita gente, muitos grupos sociais, muitas regiões que são deixadas para trás e, portanto, a globalização econômica cria risco social. Mas isso criou também novas solidariedades em escala global, como as ONG’s, a contra globalização que passa por um solidariedade de Norte a Sul contra a globalização capitalista. Essa última suscitou o aparecimento de emergência de forma de globalização anti-hegemônicas e o Brasil é um bom exemplo, porque foi aqui que se iniciou essas iniciativas de participação com o Fórum Social Mundial.
Essas novas solidariedades são invisíveis e nós não temos o olhar preparado para assistir essas novas formas, estamos preparados para as formas de solidariedades muito mais entre pessoas com alguma homogeneidade em termos culturais, sociais e étnicos.

IHU – Qual é o papel do Estado em relação as novas solidariedades e a maior relevância?
Pedro Hespanha – O Estado, em alguns casos, paradoxalmente converteu-se numa espécie de inimigo da sociedade civil, e, em outros casos não, pois através de políticas sociais o Estado contribuiu para satisfazer um conjunto de necessidades que sociedade civil teria que satisfazer. Em geral, a sociedade civil queixa-se da ineficácia das políticas sociais, pois não são realmente eficazes, perdem suas motivações ao longo de suas aplicação. Muitas vezes, as políticas sociais são apenas um pretexto de solidariedade do Estado. Ainda assim, acho que o Estado deve ter muito cuidado com os mínimos sociais, é preciso que o Estado tenha recursos e meios para garantir que haja padrões mínimos de cidadania, sobretudo neste contexto da globalização em que a população está sendo deixada para trás, a pobreza e a exclusão ainda não desapareceram nos países mais ricos e, portanto, dos mais pobres menos ainda. Há uma espécie de terceiro mundo no interior dos países de primeiro mundo. A Inglaterra tem taxas de pobreza extremamente elevadas, os Estados Unidos também. São países ricos de grande fortalecimento econômico e que, simultaneamente, têm desigualdades sociais.

IHU – há comercialização da pobreza do 1º mundo dentro dos países do 3º mundo? ... hip hop...
Pedro Hespanha – O sistema econômico e de marketing estão sempre valorizando o que é exótico e diferente e, portanto, convertem padrões de cultura marginal em moda. Embora a música esteja hoje bastante valorizada, não significa que essas comunidades de onde surgiram essas formas culturais estejam emancipadas, pelo contrário, parecem que hoje há uma busca pelo exótico e pelo diferente.
As novas solidariedades precisam superar as novas desigualdades, pois as desigualdades tradicionais eram baseadas na riqueza. Há outras desigualdades que são igualmente preocupantes, já existiam, mas se tornaram populares só agora, como a desigualdade de gênero. As desigualdades de acesso a recursos ambientais também são muito importantes. Hoje temos consciência de que o modo de vida que algumas populações têm não é mais possível porque o planeta já não tem condições de agüentar. Há um conjunto de novas circunstâncias que criam novas desigualdades, ou seja, para cada novo tipo de desigualdades é preciso inventar novos tipos de solidariedades.

IHU– a sociedade brasileira com diferentes culturas, multicultural, convive com um apartheid?
Pedro Hespanha – É uma pergunta muito complexa. A primeira coisa que um estrangeiro tem acerca do Brasil é a percepção de certa multiplicidade cultural. Minha percepção é que ainda existe um modelo de multiplicidade cultural. Existe um esforço, uma discussão acerca deste fato no Brasil muito intensa, que perpassa a academia, e isso é interessante e também cria novas solidariedades.

O movimento altermundialista e os desafios da Rio+20

Geneviève Azam e Michael Löwy, sítio Rebelión, 25-09-2011.Geneviève Azam é economista, é do Conselho Científico da Attac. Michael Löwy é sociólogo brasileiro radicado na França.

Mesmo quando os elementos da origem da atual crise ecológica e social se encontravam presentes na Conferência do Rio, em 1992, a consciência de um mundo finito e parcialmente destruído – por causa do caráter irreversível de alguns fenômenos (clima, biodiversidade, esgotamento dos recursos) – era ainda relativamente marginal e circunscrita a círculos de especialistas ou captada por estes círculos..

Neste contexto, a Conferência do Rio reafirmou a sustentatibilidade como meio do “desenvolvimento sustentável”. A ambiguidade deste conceito faz referência às tensões que já se faziam presentes na Rio 92: trata-se de garantir a permanência de um modelo por demais esgotado ou antes garantir a perdurabilidade das sociedades e de seus ecossistemas frente à persistência de um desenvolvimento depredador dos recursos naturais e humanos? Está demonstrado que o “desenvolvimento” é globalmente inviável: a perdurabilidade das sociedades é incompatível com as políticas preconizadas em uníssono pelo Banco Mundial e o FMI, pela OMC, e mais globalmente com um modelo de sociedade centrado na rentabilidade a curto prazo e na expropriação em massa dos bens comuns.

Paradoxalmente, a globalização econômica, pelo livre comércio generalizado, prometendo prosperidade e crescimento através da inclusão no mercado mundial, colocou de manifesto a finitude do planeta e aprofundou sustentavelmente as desigualdades sociais.

Para o capitalismo global, os desastres sociais ou naturais, a mudança climática ou o colapso da biodiversidade, representam novas oportunidades, novos mercados, possibilidades para uma economia verde. É assim que aparecem os mercados de direitos de contaminar, os mercados da biodiversidade ou inclusive a promoção de agrocombustíveis e projetos de geoengenharia – e uma última tentativa de dar vida a um sistema que conduz diretamente ao abismo.

Durante muito tempo se pensou que as questões ambientais diziam respeito aos países ricos e às classes privilegiadas: a instrumentalização da oposição entre “os pobres que devem se desenvolver” e os ecologistas se debilitou pela expressão de uma ecologia popular, ou “ecologia dos pobres”, em que as populações em risco de perder seu meio de vida exercem a defesa dos ecossistemas e dos recursos.

1. Balanço da Declaração da Rio-92 e as três Convenções
– A Convenção Sobre a Mudança Climática (sigla em inglês: UNFCCC) que derivou no Protocolo de Kyoto, em 1997. É o primeiro tratado internacional que teve como objetivo a redução das emissões de gás de efeito estufa; funda-se, de acordo com a convenção, na ideia da responsabilidade comum, mas compartilhada, ou seja, na ideia de uma responsabilidade diferenciada entre países industrializados e países do Sul. A gestão do carbono, sobretudo no que se refere a florestas, permite que, em nome da luta contra o desmatamento e dos ingressos para distribuir “entre os pobres que precisam se desenvolver”, se incluam florestas e solos no financiamento do carbono. Os países industrializados que não querem reconhecer sua responsabilidade histórica colocam em risco o Protocolo de Kyoto; embora os mercados de carbono possam continuar funcionando dentro do quadro da Convenção, com algumas modificações de ordem institucional.
– A Convenção Sobre a Diversidade Biológica (CDB) propunha-se “a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável de seus elementos e a distribuição justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos genéticos, em particular graças a um acesso satisfatório aos recursos genéticos e a uma transferência adequada das técnicas pertinentes...” (CDB, 1992, art. 1). Tratava-se de conservar a biodiversidade através de implementação, supostamente equitativa, dos “recursos genéticos”. A mercantilização dos seres vivos, que ganhou impulso a partir dos acordos ADPIC da OMC, foi obtida em troca de duas concessões: a) o reconhecimento da soberania nacional sobre os “recursos biológicos” (art. 15) para satisfazer os Estados do Sul, desejosos de que sua biodiversidade não siga sendo considerada como um patrimônio mundial onde bebem as empresas sem dar nada em troca, e b) a participação nos frutos das “inovações” obtidas dos “recursos” com as comunidades locais (art. 8j e art. 15), compromisso que foi assumido com os movimentos indígenas, mas cujas regras de participação nos benefícios apenas foram definidas em Nagoya em 2010, e que ainda hoje não são efetivas nem satisfatórias. A ideia era que os “recursos biológicos” destinados à criação de riqueza pudessem ser patenteados, riqueza que depois seria (marginalmente) redistribuída entre as populações locais e a preservação. Este paradigma não funcionou, nem sequer a partir da perspectiva do mercado e também não desacelerou o processo da extinção de espécies em curso.
– A Convenção Sobre a Luta Contra a Desertificação, acordo inutilmente “esquecido”. Em conclusão, em nome da conservação ou da restauração do equilíbrio ecológico, durante o período posterior à declaração do Rio houve uma intensificação sem precedentes da privatização dos bens naturais comuns. A crise ecológica se aprofundou em todas as suas dimensões, enquanto as desigualdades sociais se intensificaram no interior das sociedades e entre sociedades diferentes.

2. Os desafios da Rio+20
A Conferência Rio+20 situa-se sob o signo da “economia verde”, isto é, de uma “gestão sustentável” da natureza e da Terra, com uma visão da natureza entendida como capital, que deve ser administrado de maneira eficaz e que deve frutificar. Esta reunião tem a missão de aprofundar e de levar à realidade aquilo que começou a se gestar em 1992.
Na lógica neoliberal, a “gestão sustentável da natureza” supõe estabelecer previamente novos direitos de propriedade sobre os bens naturais, já que considera que a gestão em comum é ineficiente. Faz-se referência especialmente a três áreas: a biodiversidade, o clima, os recursos minerais e fósseis e em geral tudo o que diz respeito ao extrativismo. As duas primeiras se relacionam estreitamente: os modelos que a biodiversidade leva a cabo inspiram-se nos modelos de “gestão sustentável” do clima.
Esta “gestão sustentável” da natureza constitui um novo campo de expansão para o capitalismo e as finanças mundiais. Os “serviços ecossistêmicos” estão se convertendo em novas mercadorias globais tão lucrativas (e comercializadas também de maneira tão injusta) quanto o foram os produtos na época colonial, há um século. Do ponto de vista ecológico, esta gestão já fracassou e, por outro lado, aumenta a fragilidade das sociedades e o processo de produção de desigualdades e de exclusão.
A “economia verde”, em vez de inscrever necessariamente as atividades econômicas na biosfera, inclui os elementos da biosfera no circuito da reprodução do capital. Já não se trata somente de açambarcar estoques de recursos como ocorre na atividade mineira, mas de se apropriar dos fluxos, dos “serviços ecossistêmicos” prestados pelos ecossistemas. A natureza é uma empresa cuja obra deve ser avaliada, comercializada e mercantilizada.

3. Os desafios para o movimento altermundista
Em vista disto, estão se desenvolvimento em todo o mundo diferentes formas de resistência sócio-ambientais e experiências de transição, especialmente para a recuperação de bens comuns e rechaçando considerar os bens naturais como recursos. É necessário estabelecer novos direitos inalienáveis, que incluam medidas para a sua concreção. Este é um dos desafios da Rio+20, que poderíamos resumir como um processo necessário de desmercantilização da Terra, capaz de garantir a sustentabilidade ecológica e a justiça social.
Para isso, constroem-se de maneira específica coalizões internacionais de movimentos sociais, sobretudo na luta contra a mudança climática, onde se reúnem ONGs ecologistas como Amigos da Terra, e também coalizões como o Jubileu Sul, Focus on the Global South e a Via Campesina, atores centrais do movimento altermundista. No coração destas coalizões estão os temas fundadores do movimento altermundista: a resistência ao dogma do livre comércio, às instituições financeiras internacionais, contra as manobras de empresas transnacionais, da globalização financeira e da privatização de bens comuns.
Não foi por casualidade que o Fórum Social Mundial de Belém, em 2009, lançou um chamado altermundista para salvaguardar os bens comuns e contra a sua mercantilização e privatização capitalista. Não é apenas um documento, é a expressão de lutas concretas, como a dos camponeses da Via Campesina contra a destruição de florestas, como a “Guerra da água” em Cochabamba, na Bolívia, contra a privatização da água, como os levantamentos na Índia contra a tentativa da Coca-Cola de monopolizar os recursos hidráulicos, como a resistência contra as manobras da Areva no Níger. O desafio é globalizar a resistência e encontrar os pontos de ruptura. Estas lutas são travadas em todo o planeta, expressam a recusa do insustentável e o desejo de se livrar da dominação conjunta da natureza e dos seres humanos.
Por esta razão, esses temas fazem parte do movimento altermundista. Disso deram testemunho os dois últimos Fóruns Sociais Mundiais, onde se deu grande espaço a este movimento. O envolvimento do movimento na preparação da Cúpula dos Povos do Rio em 2012 permitirá colocar a complexidade e a globalização da crise e, do mesmo modo, ampliar as alianças necessárias para empreender uma transição significativa.

O mito do progresso e a capacidade crítica

Entrevista Gilberto Dupas

“O progresso como discurso dominante das elites globais parece ter perdido o seu rumo. O saber científico conjugou-se à técnica, e combinados – a serviço de um sistema capitalista hegemônico – não cessam de surpreender e revolucionar o estilo de vida humano. Mas esse modelo vencedor exibe fissuras e fraturas; percebe-se, cada vez com mais clareza e perplexidade, que suas construções são revogáveis e que seus efeitos podem ser muito perversos. A capacidade de produzir mais e melhor não cessa de crescer e assume plenamente a assunção de progresso; mas esse progresso, ato de fé secular, traz também consigo exclusão, concentração de renda e subdesenvolvimento.”

A reflexão é do economista Gilberto Dupas que lança o questionamento progresso como mito ou ideologia: “O que significa, afinal, a palavra progresso no imaginário da sociedade global que vive o início do século XXI? Quais suas raízes arquetípicas e que projeção para o futuro pode ser imaginada sobre o conceito atual de progresso?”. De acordo com ele, o objetivo de sua reflexão é “tentar ir além do óbvio. Ou seja, é tornar visíveis as contradições que existem entre o conceito de progresso, utilizado para justificar o discurso hegemônico da acumulação, e a evolução dos padrões civilizatórios associada à realização cada vez mais plena das potencialidades e dos direitos humanos em direção à justiça, à equidade e à garantir de um porvir”.
E continua: “Seria uma insensatez negar os benefícios que a vertiginosa evolução das tecnologias propiciou ao ser humano no deslocar-se mais rápido, viver mais tempo, comunicar-se instantaneamente, entre outras proezas. Trata-se aqui de analisar a quem dominantemente esse progresso serve e quais os riscos e custos de natureza social, ambiental e de sobrevivência da espécie que está provocando, além das quais catástrofes futuras ele pode ocasionar. Mas, principalmente, é preciso determinar quem escolhe a direção desse progresso e com que objetivos”.

IHU On-Line - Quais os atores da contemporaneidade que mais se beneficiam com o progresso?
Gilberto Dupas - Seria uma insensatez negar os benefícios que a vertiginosa evolução das tecnologias propiciou ao ser humano no deslocar-se mais rápido, viver mais tempo, comunicar-se instantaneamente, entre outras proezas. No entanto, é necessário analisar a quem dominantemente esse progresso serve, quais os riscos e custos de natureza social, ambiental e de sobrevivência da espécie que ele está provocando; e que catástrofes futuras ele pode ocasionar aos direitos dos homens. É preciso determinar quem escolhe a direção desse progresso e com que objetivos, especialmente quando as direções desse progresso têm aumentado a exclusão social, a concentração de renda e os riscos ambientais em tudo.

IHU - Quais os riscos e dilemas éticos que o estilo de progresso traz e o que poderá ocasionar?
Gilberto Dupas - O atual processo de globalização acelerada apoderou-se da idéia de progresso que, tão antiga quanto os gregos, havia sido empurrada para os porões da História com as tragédias das duas grandes guerras mundiais. No entanto, a ideologia neoliberal permite que o capital seja cosmopolita; sua pátria é onde ele pode render bem. Também são cosmopolitas os grandes jogadores de futebol e os astros da música. Mas os trabalhadores em geral continuam impedidos de circular livremente pelo mundo global. A globalização não amplia os espaços, estreita-os; não assume responsabilidades sociais e ambientais; acumula problemas. Está em jogo o próprio direito das gerações futuras de terem um habitat que lhes permita existir.
A incorporação das tecnologias da informação ao sistema produtivo global gerou uma espécie de "economia do conhecimento" que, contraditoriamente, atribui ao trabalho tanto mais importância quanto mais barato puder ser o seu custo. Padronizado e socializado pela tecnologia da informação, o seu valor mercantil diminui com a massificação do conhecimento. Um excelente exemplo é a queda de remuneração real de categorias como operadores de computador e de telemarketing. Mas como lutar contra esse sistema que, bem ou mal, mantém a máquina econômica em movimento, num momento em que nenhum outro - sequer uma utopia - aparece no horizonte como alternativa? A eugenia regulada unicamente pelo lucro e pelas leis de mercado será um progresso ou uma aventura trágica? Como se sentirá um adolescente que é homem, mas desejaria ser mulher, ao saber que isto lhe foi imposto pelos pais?





IHU - Qual o conceito de progresso desenvolvido? Por que fala em "mito" do progresso?
Gilberto Dupas - Uma questão central brota cada vez com mais força: o atual padrão de desenvolvimento nos deixa mais sensatos ou felizes? Ou podemos atribuir parte de nossa infelicidade precisamente à maneira como utilizamos os conhecimentos que possuímos? A biodiversidade do planeta está sendo corroída e variedades genéticas valiosas destruídas antes que possamos catalogá-las. Em apenas cinqüenta anos, as novas tecnologias e o desenvolvimento industrial alteraram muito mais profunda e rapidamente os tênues equilíbrios dos ecossistemas que sustentam a vida sobre a terra. Nesse período infinitesimal, a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, que havia declinado lentamente na maior parte da história terrestre, começou a elevar-se com velocidade assustadora.
Além disso, o planeta foi se tornando um imenso emissor de ondas eletromagnéticas, produto das múltiplas transmissões de rádio, televisão, telefone celular e radar, cujas conseqüências exatas sobre o meio-ambiente e a saúde humana ainda estão por ser determinadas. A idade dos velhos aumenta, mas a qualidade de suas vidas é cada vez mais precária. As UTIs tornam-se depósitos de mortos-vivos em condição desumana; e uma ciência vitoriosa e onipotente passa a "inventar" continuamente doenças para justificar novos medicamentos que fazem os lucros da pujante "indústria médica". Para além dos seus irresistíveis sucessos, as conseqüências negativas do progresso acumulam riscos crescentes que podem levar de roldão o imenso esforço de séculos da aventura humana em tentar estruturar um futuro viável e mais justo. Assim, prefiro ficar com Maurice Merleau-Ponty quando dizia: "chamar de progresso nossa dura e penosa caminhada pela terra nada mais é que uma elaboração ideológica das elites". Como hoje é caracterizado nos discursos hegemônicos, esse progresso é apenas um mito renovado para nos iludir de que a história tem um destino certo e glorioso, que se construiria mais pela omissão embevecida das multidões do que pela vigorosa ação da sociedade e da crítica de seus intelectuais.


IHU On-Line - Quais os interesses que estão por trás do progresso científico e tecnológico?
Gilberto Dupas - É inútil tentar atribuir inocência à técnica, argumentando que o foguete que carrega o míssil nuclear é o mesmo que leva os satélites de comunicação. Com o desenvolvimento tecnológico direcionado exclusivamente pela lógica do lucro privado, assistimos a um mundo urbano-industrial-eletrônico cada vez mais reencantado com as fantasias oníricas de "pertencimento" a redes, comunicação "plena" em tempo real, compactação digital "infinita" - de dados, som e imagem -, expansão cerebral com a implantação de chips e transformações genéticas à la carte. Apesar de toda a magia das novas tecnologias transformadas pela propaganda em objetos de desejo para este novo século, há imensas preocupações quanto à direção desses vetores que não são escolhidos democraticamente pela sociedade mundial. O modo de produção capitalista exige permanentemente a renovação das técnicas para operar o seu conceito motor schumpeteriano de destruição criativa: ou seja, produtos novos a serem promovidos como objeto de desejo, sucateando cada vez mais rapidamente o produto anterior e mantendo a lógica de acumulação em curso. Deformada pelo capitalismo, a técnica moderna perdeu a inocência de uma simples força produtiva. A instituição do mercado como lugar de troca da força de trabalho promete a "justiça" nas relações de troca. A partir daí, o poder político pode ser legitimado a partir de baixo. Cada um é livre para vender seu trabalho no mercado pelo melhor preço possível, ainda que muito baixo. Foi assim que o desenvolvimento quase autônomo da ciência e da técnica transformou-se em variável independente. Implantada a ilusão do progresso técnico redentor, a propaganda se encarregou de explicar e legitimar as razões pelas quais, nas sociedades modernas, um processo de formação democrática da vontade política deve abdicar de questões práticas que interessam ao cidadão e conformar-se com decisões plebicitárias restritas, por exemplo, à eleição do novo presidente.


IHU On-Line - Quais as relações entre o modelo neoliberal e a ilusão do progresso?
Gilberto Dupas - Na verdade, ainda nas décadas iniciais da segunda metade do século passado, o Liberalismo, apesar de manter premissas sobre a liberdade individual, ainda advogava o planejamento estatal para catalisar o crescimento econômico. Nele, o Estado voltou a ser o grande vilão e o mote bíblico "abram, privatizem e estabilizem que tudo lhes será dado por acréscimo" varreu os céus como verdade que prometia o progresso e a redenção. Foi justamente em meio a esse aprofundamento da crise que o neoliberalismo foi buscar de novo nos porões o conceito de progresso, associando-o à liberdade dos mercados globais e a um ciclo benévolo da lógica do capital. Os benefícios da globalização dos mercados eliminariam a miséria, as guerras e o papel dos Estados nacionais mundo afora, realizando em curto prazo a grande utopia do progresso, agora fortemente amparado por um marketing também global. Os resultados concretos estão sendo muito diferentes; e mais uma fantasia do mito do progresso se foi, não restando muito a comemorar.


IHU On-Line - Como equilibrar os interesses de acumulação do capital com os da população global, de tal modo que ela se beneficie efetivamente deles?
Gilberto Dupas - Na era da "liberdade do consumidor", homens e mulheres não têm mais a quem culpar por seus fracassos e frustrações; e certamente não encontrarão consolo adequado nos seus aparelhos eletrônicos ou telefones celulares. Se não conseguem trabalho, é porque não aprenderam as técnicas para passar nas entrevistas; ou são relapsos; ou não sabem fazer amigos e influenciar pessoas; ou não souberam "inventar" uma atividade informal. Como diz Bauman, "existe uma desagradável mosca de impotência na saborosa sopa da liberdade, cozida na onda da individualização; essa impotência resulta tanto mais odiosa e ofensiva em vista do poder que a liberdade nos deveria conferir".